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A Sombra Nos Relacionamentos
1. A Relação mãe (ou pai) e filho/a.
Na relação entre um pai e um filho há uma projecção contínua dos aspectos
deserdados de cada um, mas sobretudo dos aspectos deserdados do progenitor.
Os aspectos deserdados são todos aqueles que não queremos ser ou não
queremos que outros descubram em nós. Os aspectos que nos ensinaram,
quando ainda crianças, que eram maus, feios e negativos. O adulto já sabe que
certos aspectos da sua natureza não são bem aceites na sociedade. Então
reprime‐os. Nega a sua existência. Julga‐os. Só que esses aspectos são como uma
pessoa presa numa cave inocentemente: irão fazer tudo o que possam para ver a
luz do dia, para se expressarem livremente. A forma mais rápida de mostrarem
que existem dentro do adulto é através da projecção.
Escreva numa folha os defeitos que vê no seu filho. Faça‐o agora. Escreva pelo
menos cinco defeitos (e se não encontra defeitos nos seus filhos, ou você já
abraçou na totalidade a sua sombra ou vive numa negação total. Em ambos os
casos, estará a mentir)... E se se riu desta última afirmação: esse riso veio
directamente da sua sombra.
Agora pegue nesses defeitos e, imaginando o seu filho à sua frente (obviamente
não faça isto em frente do seu filho!), comece a apontar o dedo e a afirmar cada
um dos defeitos! Por exemplo: Tu és preguiçoso! Tu és indisciplinado! Tu és
estúpido! Tu és burro!
Agora mantenha a mão no ar, a apontar para a imagem imaginária do seu filho.
Verifique quantos dedos estão a apontar para o seu filho e quantos estão a
apontar para si.
E agora? E agora, como vai abraçar o preguiçoso, indisciplinado, estúpido e burro
que há em si?
Eu posso garantir‐lhe uma coisa: aquilo de que acusa o seu filho é precisamente
aquilo de que se acusa a si mesmo, nos seus pensamentos, dia após dia. Comece a
prestar atenção aos seus pensamentos e irá ver esses adjectivos repetirem‐se
continuamente.
Escreva agora duas situações ou eventos precisos em que você demonstrou esses
aspectos. Seja preciso! Enquanto o não fizer não será capaz de libertar o seu filho
da projecção que lhe atira para cima.
Se começar a sentir náuseas ou mal‐estar, saiba que é normal e que mexeu num
dos aspectos mais poderosos da sua sombra. Se não sentiu nada, continua preso
a um estado de negação.
Para o ajudar, vou deixar‐lhe o meu exemplo. Eu via num dos meus sobrinhos
egoísmo puro. E eu não sou nada egoísta. Antes pelo contrário! Sou uma pessoa
bastante generosa! Dou dinheiro todos os meses, ofereço seminário a algumas
pessoas, chego a pagar viagens e estadias no estrangeiro a outros! Olhem como
eu sou tão generoso! Mas isto é a realidade que eu quero que os outros vejam, a
minha máscara. Na verdade, ao verificar os motivos da minha generosidade, só
© Emídio Carvalho, 2009 1
consigo ver egoísmo do mais refinado. Primeiro, certifico‐me sempre que pelo
menos uma dúzia de pessoas há minha volta saibam de cada gesto de
generosidade que pratico. Depois cobro! Dou por mim a pensar coisas como
“ajudei‐o tanto e a mim ninguém ajuda...”, “fui tão bom para ela e paga‐me com
esta critica que não merecia de todo!...” E o maior de todos: quando vou comer a
um restaurante com amigos certifico‐me, sempre que me é possível, que sou eu a
pagar a conta... Para depois, nos cantos mais escuros da minha mente, poder
apontar o dedo aos egoístas à minha volta, que não fazem como eu!
Isto era verdade até há muito pouco tempo!
O passo seguinte: pergunte‐se de que forma o aspecto negativo que vê no seu
filho poderia ser‐lhe útil se se permitisse expressá‐lo de uma maneira saudável.
Continuando com o meu exemplo: se eu expressasse o meu egoísmo de uma
forma saudável iria pedir sempre aquilo que preciso. As pessoas que me são
queridas saberiam exactamente o que gosto e o que não gosto. E se você está a
pensar que diz sempre as coisas como são, não acha que é altura de parar de se
enganar? Quando foi a última vez que teve a coragem de pedir ao seu cônjuge o
amor que precisava? Quando foi a última vez que rejeitou um convite e informou
que simplesmente não queria ir, sem necessidade de se justificar? Quando foi a
última vez que perguntou à pessoa que lhe é mais querida (e muitas pessoas
nunca pararam para pensar quem é o ser mais querido na sua vida, e vomitam
imediatamente “o marido” ou “a filha” ou “a mãe”, sabendo no fundo dos seus
corações que não estão a ser verdadeiros e a responder de acordo com o que é
esperado pela sociedade): que tipo de amor esperas de mim hoje?
Para o ajudar, deixo‐lhe no final deste documento uma lista de aspectos
“negativos” e de que forma os poderá expressar de uma maneira saudável.
2. A relação com o cônjuge.
Esta é sempre a relação que mais pode contribuir para abraçar a sua sombra.
Você irá apaixonar‐se e, eventualmente, casar‐se com a sua sombra.
Aquilo que vê inicialmente na outra pessoa são as qualidades de luz escondidas
na sua sombra. Essas qualidades, que é incapaz de ver em si mesmo, são
projectadas na pessoa amada. Mas na verdade está a apaixonar‐se pelos aspectos
deserdados de si mesmo. Depois de algum tempo (semanas, meses ou anos) a
viver com a outra pessoa, irá, aos poucos, resgatar inconscientemente essas
qualidades. E começará a projectar a sua sombra de escuridão. Na grande
maioria dos relacionamentos estamos sempre a relacionarmo‐nos com os
aspectos negados de quem somos.
© Emídio Carvalho, 2009 2
É fácil saber se está a ter uma relação com a sua sombra ou se é com a pessoa
verdadeira. Se o comportamento, hábitos e atitudes do seu companheiro não o
afectam emocionalmente, nesse caso não há qualquer projecção, apenas
informação. Mas se tem uma reacção emocional, pode ter a certeza que está a
projectar.
As únicas pessoas que não possuem sombra são aquelas que vivem na mais
profunda escuridão. Quanto mais moralista alguém for, maior será a sua sombra.
Quanto mais julgar os outros, criticar e rejeitar, maior será a sua sombra.
Tem que fazer a si próprio a pergunta do ponto de partida para o resgate do
poder da sua sombra: quais os aspectos desta pessoa que me irritam? (antes de
resgatar a sombra de luz, certifique‐se que resgata a sombra de escuridão: de
outra forma não aguentará o peso das suas qualidades divinas). De seguida veja
de que forma é exactamente aquilo que julga e critica nos outros. Seja sempre
específico. Peça ajuda a um amigo se precisar. E depois, para que possa dar início
ao processo de cura do seu ego ferido, veja de que maneira pode expressar esses
aspectos negativos de uma maneira saudável.
Deixo‐lhe alguns exemplos,, meus e de clientes meus, para que lhe seja mais fácil
o processo de resgate.
1. A P. não suportava pessoas burras! Claro que estava sempre a lidar com
pessoas burras. Até dar por si a chamar‐se “burra” a si mesma! Claro que
isto não chega, agora começa o processo de ver situações no passado em
foi burra.
2. O J. relacionava‐se muito mal com a irmã, porque ela era mandona e com
a mania que tinha sempre razão! Até que lhe mostrei situações específicas
em que ele queria mandar e ter razão, mesmo não a tendo.
3. A M. não conseguia lidar com a falta de disciplina do filho. Até ver que ela
própria não tinha qualquer disciplina com a dieta que deveria fazer.
4. O A. queixava‐se continuamente do egoísmo do filho. O rapaz queria tudo
para ele! Sempre mais e mais... E foi tão fácil ver que era de si que ele
estava a falar! É que o A. tem um problema de obesidade mórbida.
5. A R. acusa a filha de ser vaidosa e fútil. Aliás, as colegas de trabalho da R.
também são fúteis e vaidosas! Não demorou muito tempo a mostrar a sua
vaidade pelas toalhas de crochet que fazia de maneira tão delicada!
6. O B. tem um problema com as pessoas que são mentirosas. Odeia a
mentira! E por azar, o seu filho é bastante mentiroso, assim com o seu
melhor amigo e sócio de negócios! E depois começámos a ver as suas
mentiras: mentia nas declarações de impostos, mentia à esposa (dizia que
estava tudo bem, quando na verdade estava tudo muito mal), mentia
sobre a sua saúde (dizendo que aquela dor à noite era ‘nada’). Muitas,
muitas mentiras mesmo!
Claro que cada uma destas pessoas teve que ser confrontada com a sua sombra
para poderem aceitar estes aspectos rejeitados! E este processo não deve nunca
ser feito de uma maneira ligeira.
Mas agora, neste momento, não há ninguém a vê‐lo. Permita‐se ser honesto
consigo e escrever os defeitos que vê nos outros. É de si que estamos a falar.
© Emídio Carvalho, 2009 3
Lembre‐se: de cada vez que apontar o dedo, de cada vez que criticar, julgar ou
ficar irritado, é de si que está a falar.
Alguns aspectos negativos e a sua expressão saudável (no curso de Educação
emocional iremos abraçar todos estes e muitos outros).
A cabra – este aspecto, com uma carga negativa enorme, pode ser‐lhe útil em
situações em que alguém tenta aproveitar‐se de si.
O Burro – saber que é burro pode empurrá‐lo a querer saber mais e a estudar
mais.
O estúpido – este aspecto ser‐lhe‐á útil quando quiser afastar‐se de uma
situação ou evento em que não quer participar.
O egoísta – permitir‐lhe‐á ter o poder de pedir aquilo que precisa, quando
precisa.
A avarenta – muito útil em tempos de crise. Não há nada de errado em querer
poupar dinheiro.
A enraivecida – este aspecto é um dos mais subestimados e de maior poder. A
energia da raiva é poderosa! A raiva poderá ser o combustível que o levará a
exceder‐se a si mesmo. Raiva pelos danos que lhe tenham causado poderá
empurrá‐lo até ao topo do sucesso.
Lembre‐se que qualquer relação humana será sempre uma relação com um
aspecto de si. Se a relação que mantém com outra pessoa é pacífica isto significa
apenas que a sua sombra está algures, numa outra pessoa. Estude as qualidades
e defeitos daqueles mais próximos de si. Descubra essas qualidades e defeitos em
si. E permita‐se abraçar cada aspecto deserdado. A sua vida irá transformar‐se. A
sua vida será a vida que sempre desejou para si.
© Emídio Carvalho, 2009 4