eli miguel
BAIRRO NEGRO
José Afonso
Prayer
Foto: da net
CANTO SEGUNDO
Ivan Durrant
Há dois ou três dias sigo os passos de Pinela, o camponês,
que procura o mel das abelhas selvagens.
Rosalia de Castro
Mário Quintana
Baldio
Rui Knopfli
Eugénio SERÃO PALAVRAS SÓ...
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— Amores da alta esposa de Peleu
— "Eu sou aquele oculto e grande Cabo, Me fizeram tomar tamanha empresa.
A quem chamais vós outros Tormentório, Todas as Deusas desprezei do céu,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Só por amar das águas a Princesa.
Plínio, e quantos passaram, fui notório.
Um dia a vi, coas filhas de Nereu,
Aqui toda a Africana costa acabo
Sair nua na praia, e logo presa
Neste meu nunca visto Promontório,
A vontade senti de tal maneira,
Que pera o Pólo Antárctico se estende, Que inda não sinto cousa que mais queira.
A quem vossa ousadia tanto ofende.
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— Já néscio, já da guerra desistindo,
— Como fosse impossível alcançá-la,
Uma noite, de Dóris prometida,
Pela grandeza feia de meu gesto,
Me aparece de longe o gesto lindo
Determinei por armas de tomá-la,
Da branca Tétis, única, despida.
E a Dóris este caso manifesto.
Como doudo corri, de longe abrindo
De medo a Deusa então por mi lhe fala; Os braços pera aquela que era vida
Mas ela, cum fermoso riso honesto, Deste corpo, e começo os olhos belos
Respondeu: — "Qual será o amor bastante A lhe beijar, as faces e os cabelos.
De Ninfa, que sustente o dum Gigante?
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— Ó que não sei de nojo como o conte!
— Contudo, por livrarmos o Oceano Que, crendo ter nos braços quem amava,
De tanta guerra, eu buscarei maneira,
Abraçado me achei cum duro monte
Com que, com minha honra, escuse o dano."
De áspero mato e de espessura brava.
Tal resposta me torna a mensageira.
Estando cum penedo fronte a fronte,
Eu, que cair não pude neste engano,
Que eu polo rosto angélico apertava,
(Que é grande dos amantes a cegueira) Não fiquei homem, não, mas mudo e quedo,
Encheram-me com grandes abondanças E, junto dum penedo, outro penedo.
O peito de desejos e esperanças.
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— Eram já neste tempo meus Irmãos Assim contava, e cum medonho choro
Vencidos e em miséria extrema postos, Súbito de ante os olhos se apartou.
E, por mais segurar-se os Deuses vãos, Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro
Alguns a vários montes sotopostos. Bramido muito longe o mar soou.
E, como contra o Céu não valem mãos, Eu, levantando as mãos ao santo coro
Eu, que chorando andava meus desgostos, Dos anjos, que tão longe nos guiou,
Comecei a sentir do fado inimigo A Deus pedi que removesse os duros
Por meus atrevimentos, o castigo. Casos, que Adamastor contou futuros.
Os Lusíadas, V, 49-60
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)
És pois quem nós queremos, és tal qual Fernando Pessoa, Poemas Dispersos
O teu retrato, como está aqui,
Neste bilhete postal.
E parece-me até já que te vi.
C’est le temps,
de se parler,
si encore on peut se parler,
et de se donner,
si encore
Alojz Ihan
Chagall
Rumor de água
Rumor de água
na ribeira ou no tanque?
Rumor de água
no tempo e no coração.
Rumor de nada.
Cesário Verde,
Mina Anguelova
Ich liebe meines Wesens Dunkelstunden Amo as horas sombrias do meu ser
em que os meus sentidos se aprofundam;
nelas encontrei, como em velhas cartas,
o meu dia a dia já vivido,
ultrapassado e vasto como numa lenda.
Ich liebe meines Wesens Dunkelstunden,
in welchen meine Sinne sich vertiefen;
Elas me ensinam que possuo espaço
in ihnen hab ich, wie in alten Briefen,
p'ra uma intemporal Segunda vida.
mein täglich Leben schon gelebt gefunden
E por vezes sou como a árvore
und wie Legende weit und überwunden.
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
cumpre o sonho que a criança de outrora
Aus ihnen kommt mir Wissen, daß ich Raum
(abraçada por suas cálidas raízes)
zu einem zweiten zeitlos breiten Leben habe.
perdeu em tristezas e canções.
Und manchmal bin ich wie der Baum,
der, reif und rauschend, über einem Grabe
den Traum erfüllt, den der vergangne Knabe Rainer Maria Rilke. Trad.: Ana Hatherly
(um den sich seine warmen Wurzeln drängen)
verlor in Traurigkeiten und Gesängen.
Eduardo Pitta
Andreas Biesenbach
Sofia Almeida
a praia é a mesma... o tempo passou...
Turner
Orfeu do avesso
De pé sobre o abismo
e não morri:
Canto gregoriano
muito limpo
não me chegou:
o fim
Catedral
sobre o risco,
sobre um azul tão grande
que afundar-me podia
Ao fundo do mais fundo
mergulhei
Andreas Wagner e não morri:
amei
Vi poisar o Sol
no castelo de Almourol.
E inventei uma história
com sombras e clarões,
príncipes e ladrões,
fadas e fadistas,
espadas e turistas,
reis e rainhas,
rios e tainhas,
água e aguardente
de medronho
a correr
no rio
do sonho.
Tudo isto,
quando o Sol
se pôs
no Castelo de Almourol,
que rima com rouxinol,
que rima com Sol.
escorrendo do poente
e quantos horizontes
me esqueceram?
Celui qui n'est pas ne sait pas Mais enfin les obéissants vivent,
L'obéissant ne souffre pas. On ne peut pas dire qu'ils ne sont pas.
E as canções
que não foram cantadas?
E as rosas decepadas
pelo simum?
E os riscos na parede?
E a sede
numa taça vazia?
VIDA DO HOMEM
Nove mesi a la puzza: poi in fassciola
Tra sbasciucchi, lattime e llagrimoni: Nove meses no fedor, depois nas faixas,
Poi p'er laccio, in ner crino, e in vesticciola, por entre crostas, beijocas, lagrimonas,
Cor torcolo e l'imbraghe pe ccarzoni. depois à trela, na andadeira, em camisinha,
pára turras na testa, cueiros por calções.
Poi comincia er tormento de la scola,
L'abbeccè, le frustate, li ggeloni, Depois começa o tormento da escola,
La rosalìa, la cacca a la ssediola, o á bê cê, a vergasta e as frieiras,
E un po' de scarlattina e vvormijjoni. a rubéola, a caca na cagadeira
e um pouco de escarlatina e de bexigas.
Poi viè ll'arte, er diggiuno, la fatica,
La piggione, le carcere, er governo, Depois o ofício, o jejum, a trabalheira,
Lo spedale, li debbiti, la fica, a pensão a pagar, as prisões, o governo,
o hospital, as dívidas, a crica,
Er zol d'istate, la neve d'inverno...
E pper urtimo, Iddio sce bbenedica, o sol no Verão, a neve no Inverno…
Viè la morte, e ffinissce co l'inferno. E por último – e que Deus nos abençoe –
vem a morte, e acaba no inferno.
Roma, 18 gennaio 1833
Sentinela. Sentinelas.
Direi de meu tempo que havia um S
havia uma sombra e um silêncio Ou talvez selva. Talvez serpente.
havia um S de sigla e de suspeita S de sebo e de sebenta: seco seco.
com suas seitas e seus sicários.
E também senão. E também senil.
Não sei se signo não sei se sina
não sei se simplesmente sujo. De meu tempo direi
Ou só servil. Ou só sevícia. que havia um S
sem sentido.
Havia um S de Saturno
havia um susto E também Setembro. E também solstício.
havia um S de soturno Saga e safra.
sobre um S de sol. Ou talvez semente. Ou talvez segredo.
Hélder Macedo
Bjorn Rorslett
O funcionário cansado
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música.
A noite trocou-me os sonhos e as mãos São as palavras cruzadas do meu sonho
dispersou-me os amigos palavras soterradas na prisão da minha vida
tenho o coração confundido e a rua é estreita isso todas as noites do mundo uma noite só cumprida
estreita em cada passo num quarto só
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só António Ramos Rosa, Viagem Através de Uma Nebulosa
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Vivian Lamarque
Foto: nasa
FRENTE AL MAR
Quando repousarei
Ausente sem sofrer
Qualquer ausência?
Martins Fontes
O TEMPO
Os anos voam
num instante de asa
E nós não o querendo vamos sendo
e sem dar por isso a vida passa
Christian Buth
HOMEM
Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente.
Ferreira Gullar
OH YES
OH SIM
there are worse things than
being alone
but it often takes decades há coisas bem piores
to realize this do que ser sozinho.
and most often mas às vezes levamos décadas
when you do a percebê-lo.
e ainda mais vezes
it´s too late
demasiado tarde
and there´s nothing worse
e não há nada pior
than
do que
too late.
demasiado tarde
Charles Bukowsky
Charles Bukowsky
Separei os braços
E exilei o peito
Doeu-me tanto
Que não sei chorá-lo
aqui,
nesta casa abandonada.
paraíso não há
nem para riso
nem país para isso
nem para brisas.
ao vento o rosto
revela-se utopia
nem de noite
nem de dia.
só a lúdica crise
se revolta na onda
que leva a vela.
eles SE tomam
a sério
no se.
Sonia Delaunay
E. M. de Melo e Castro
CHILE - 11 de Setembro de 1973
LAS MASACRES
Arnd Schultheiss
Nadie sabe dónde enterraron
los asesinos estos cuerpos,
pero ellos saldrán de la tierra
a cobrar la sangre caída
en la resurrección del pueblo.
Indeciso, o cavalo
transpõe o fosso do horizonte,
sob a lua e um alto
expoente de pó
Odilon Redon
What Lips My Lips Have Kissed, And Where, And Why
Rien n'est jamais acquis à l'homme, ni sa force Le temps d'apprendre à vivre il est déjà trop
tard
Ni sa faiblesse, ni son coeur. Et quand il croit
Ouvrir ses bras, son ombre est celle d'une croix Que pleurent dans la nuit nos coeurs à l'unisson
Ce qu'il faut de malheur pour la moindre
Et quand il croit serrer son bonheur, il le broie
Sa vie est un étrange et douloureux divorce chanson
Ce qu'il faut de regrets pour payer un frisson
Il n'y a pas d'amour heureux
Ce qu'il faut de sanglots pour un air de guitare
Il n'y a pas d'amour heureux
Sa vie, elle ressemble à ces soldats sans armes
Qu'on avait habillés pour un autre destin
Il n'y a pas d'amour qui ne soit à douleur
A quoi peut leur servir de se lever matin
Eux qu'on retrouve au soir désoeuvrés incertains Il n'y a pas d'amour dont on ne soit meurtri
Et pas plus que de toi l'amour de la patrie
Dites ces mots " Ma vie " et retenez vos larmes
Il n'y a pas d'amour heureux Il n'y a pas d'amour qui ne vive de pleurs
Mon bel amour, mon cher amour, ma déchirure Il n'y a pas d'amour heureux
Mais c'est notre amour à tous deux
Je te porte dans moi comme un oiseau blessé
Et ceux-là sans savoir les mots que j'ai tressés
Et qui, pour tes grands yeux, tout aussitôt moururent
Il n'y a pas d'amour heureux. Louis Aragon, La Diane française
L'anima mia si sveglierà nel sole
Nel sole eterno, libera e fremente.
POESIA FACILE
Marlene Kremers
Essa velha ciência, a de esperar,... isso que te interessa. Gostavas apenas que
os cadernos ficassem, gravados de ti e de quem
amas,
guardados em gavetas, guardando o mundo.
Essa velha ciência, a de esperar, escreve-la
em cadernos retirados a cada viagem. Neles
anotaste os movimentos do mundo, o balanço Francisco José Viegas, O Puro e o Impuro
do mar. São só velhos, os cadernos; ainda
aqui a solidão
não brilha, apenas
se estorce.
A fome fala através das feridas.
Ela chorava muito e muito, aos cantos, Cesário Verde, O Livro de Cesário Verde
Frenética, com gestos desabridos;
Nos cabelos, em ânsias desprendidos,
Brilhavam como pérolas os prantos.
Chagall
Adeus Consumada,
Um poema de líquido pudor,
Um sorriso de amor,
E mais nada.
É um adeus...
Não vale a pena sofismar a hora! Miguel Torga
É tarde nos meus olhos e nos teus...
Agora,
O remédio é partir discretamente,
Sem palavras,
Sem lágrimas,
Sem gestos.
De que servem lamentos e protestos
Contra o destino?
Cego assassino
A que nenhum poder
Limita a crueldade,
Só o pode vencer a humanidade
Da nossa lucidez desencantada.
Antes da iniquidade
Willi Schnekenburger
Somriuen en les postes diafanitats llunyanes.
SETEMBRE
Amb una delicada tristesa de germanes,
les roses de setembre s’esfullen lentament.
Aquella primavera ja és lluny per no tornar; Miquel Ferrà, A mig camí, 1926.
Victoria Josephson
Tempo, subitamente solto...
sentados
conformados
com não nos conformarmos
resignados
a esperando não esperarmos
Tapiès
como se tudo fosse um imenso tanto faz
Tux
AO SOL
José Gorostiza
No es agua ni arena la orilla del mar.
Pré-camoniana,
sazão a sazão,
foste varejada séculos a fio.
O pinho viajou.
Tu ficaste.
e a vida segue.
a olhos vistos se adelgaça perde o viço
empalidece
sem que haja em toda a medicina uma única
maneira - poção ventosa ou vacina -
que a possa socorrer
Márcia Maia
Já nasceste a saber o que eu não sei
Cory Ench
REFERÊNCIA
Aquela noite de beijos e carícias indecisas... eu, capaz por uma vez de não pensar os meus gestos
Amaste-me talvez nesses momentos - só nesses momentos... e tendo apenas a voz do mais obscuro instinto.
Aquele recanto de aldeia esquecido no meio da cidade, A natureza em volta aniquilava as nossas biografias,
a noite perfeita, e não havia senão a extática presença da terra e dos astros,
a paz imensa daquela hora breve e perdidos nela, nós, tão pobres, tão abandonados,
- essa indizível magia de certas noites imensas... purificados de toda a nossa miséria,
Sim, amaste-me talvez nesses breves momentos tão Eva e Adão antes da maçã comida,
Em que fomos apenas a Mulher e o Homem nós, vivos em nossa carne bem humana,
- tu, liberta da tortura de analisar sem fim tecendo nas linhas embriagadas das nossas carícias
os teus sentimentos por este e por aquele;
o véu que nos escondia a memória dos outros.
Que importam as palavras que dissemos,
as juras que fizemos!
Que nesse momento, em cada um de nós,
as palavras do outro eram já sabidas antes de ser ditas,
e o tumulto dos nossos corpos,
e o tumulto das nossas almas,
e a maré viva da nossa perfeita comunhão,
e o espraiar-se da nossa ternura sobre o mundo,
eram a única Palavra que valia!
Chagall
Um dia vais pla rua como quem
e lembrar-se
Exactamente como foi, o medo de me enganar
exactamente,
mais tarde na memória - é tudo o que me resta: estar
de uma forma correcta
de noite às escuras a pensar em ti
Helana de Almeida
Celebración del viento y de los árboles
Si el espacio llorase,
como pretende la nube, El viento es el dialecto
el viento sería una historia de lágrimas. en la naturaleza.
La luz es la lengua culta.
En el polvo toco
los dedos del viento. El aire:
En el viento leo único amante
la escritura del polvo. con quien baila la rama
mientras se dispone a acostarse
El camino no puede avanzar de verdad con otro amante.
más que a través de un viento dialogante
con su propio polvo. Vientos: cuerpos que caminan
con pies invisibles
El viento posa la mano derecha como de ángeles.
en el hombro de la rosa
y se mete la izquierda en el bolsillo. Viento: palabra confusa que murmura
Viento: ladrón de perfume. el silencio cósmico.
El viento enseña silencio
aunque no cese de hablar.
Hoy,
triste por el aire enfermo,
la adelfa no ha bailado.
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
Jo escric al vent aqueixa estrofa alada quan el meu nom, obscur, serà extingit.
Gaspar Sabater
Soneto
Luís de Camões
Com o espírito da casa
Saí do comboio
A criada que saiu com pena
A chorar de saudade
Saí do comboio, Da casa onde a não tratavam muito bem...
Disse adeus ao companheiro de viagem,
Tínhamos estado dezoito horas juntos. Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo.
A conversa agradável, Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração.
A fraternidade da viagem,
Tive pena de sair do comboio, de o deixar. E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro.
Amigo casual cujo nome nunca soube.
Meus olhos, senti-os, marejaram-se de lágrimas...
Álvaro de Campos
Toda despedida é uma morte...
Sim, toda despedida é uma morte.
Nós, o comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.
Nesta Cidade-Mundo
quem poderá entoar
um cântico de júbilo?
O real
O manto da invenção
Árvores de lágrimas
Florestas de papel
Impotência tudo
Um desvalor
enche o nosso coração
Camille Claudel
OUTROS MASTROS
Mario Benedetti
NA SOLIDÃO RENOVADA
Com os dentes.
Sem música,
sem água.
Reptilmente.
pura inquietação
e raras madrugadas
faz-se a minha alma
Márcia Maia
de bruma e penumbra
quase sempre ocaso
derradeira luz sobre
um deserto de mares
imensos
assim eu sou
sempre ilha
um gato é um poema
Então,
virá a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim
resta;
e eu ficarei rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras:
e virá a ânsia do peito para os braços!
Manuel da Fonseca
PALMEIRA AGRESTE
Feliz aquele que administra sabiamente Mais triste é termos de nascer e morrer
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos que era o verão a única estação
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão Passou o solidário vento e não o conhecemos
no demorado adeus da nossa condição como rios que sabem onde encontrar o mar
É triste no jardim a solidão do sol e com que pontes com que ruas com que gentes
até uma vaga promessa de rio através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente
Ruy Belo,
in Poemas de Ruy Belo
ditos por Luís Miguel Cintra
com três paus
fazes uma canoa
com quatro tens um verso,
deixa o tempo fazer o resto deixa o tempo fazer o resto.
há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
pensava eu... como seriam felizes as mulheres se espantasse com a minha solidão
à beira-mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar (anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
e a longitude do amor embarcado coração, mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
de estrella a estrella,
de sombra en sombra.
Muere de muerte lejana
Manoel de Barros
8 de Dezembro: Florbela Espanca~ Camille Claudel
AMAR!
Yosa Buson
Como está sereno o Céu
a Lua resplandecente,
e esclarece este jardim!
Ana Hatherly
Eu pescador que tantas vezes faço
a mim mesmo a pergunta de Elsenor
e quais águas que passam sei que passo
sem saber a resposta. Eu pescador.
Um Monumento de Palavras - CD
Jesus bleibet meine Freunde,
Meines Herzens Trost und Saft,
Jesus wehret allem Leide,
Er ist meines Lebens Kraft,
Meiner Augen Lust und Sonne,
Meiner Seele Schatz und Wonne,
Darum lass ich Jesum nicht
Aus dem Herzen und Gesicht.
- em fundo:
eli miguel