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Resumo: O texto estuda dois usos para o termo “mestiçagem” nas artes visuais do
Abstract: This study focus on two uses of the word “mestiçagem” in the visual arts in
crítica inaugural sobre a obra de Antonio Francisco Lisboa (2), discutindo possíveis
Por certo, não visamos aqui remontar uma genealogia possível do termo mestiçagem,
algo que iria além dos limites desse artigo, e sim, abrir a questão de uma cultura da
mestiçagem no imaginário popular brasileiro que se estendeu fortemente às artes
plásticas na visão moderna de Mário de Andrade, e, no entanto, não é revista pela crítica
Expressão Mestiça
ouro e outros valores. No entanto, esses conflitos seriam “frutos das condições de
determinadas capitanias, não frutos da Colônia” (3). Trata-se de uma posição clara em
colonial não seria causada pelas intempéries dos colonizadores, mas sim, pela neblina
que encobriria o espírito nacional. Mário observa os tempos de crise mencionados como
Seguindo esse raciocínio, Mário refere-se à natureza do artista colonial – que “brilha no
no momento” (5). Nesse aspecto a mestiçagem refere-se ao artista, não à obra, como se
elementos da raça brasileira, apareciam, e sempre aparecerão, não como raça, mas como
popular – segundo Andrade um povo “desrraçado” (6). A nós é importante frisar que o
autor assinala antes, a mestiçagem como questão étnica para depois abordá-la enquanto
interior das Minas Gerais, o autor pretende demonstrar a peculiaridade do artista na re-
José Augusto Avancini sobre essa crítica de Mário de Andrade (1998, p. 143) “o
recurso à arte alemã gótica e renascente com fortes traços de um realismo deformado foi
Estatuto, sobretudo, que valoriza a interpretação de uma arte popular mestiça sobre a
tradicional imaginária de uma raça européia. Avancini explica, também, que durante a
década de 1920, Mário de Andrade realiza ensaios sobre a temática da arte sacra, de
O Aleijadinho lembra tudo! Evoca os primitivos itálicos, bosqueja a Renascença, se afunda no gótico,
quase francês por vezes, muito germânico quasi sempre, espanhol no realismo místico. Uma enorme
irregularidade vagamunda, que seria diletante mesmo, si não fosse a força de convicção impressa nas suas
obras imortais. É um mestiço, mais que um nacional. (ANDRADE, 1984. p. 46)
ensaio de Mário é célebre, porque inaugura um modo de fazer crítica – que remonta o
passado para iluminar os fatos do dia, – discernidos, até certo ponto, pelo contexto
crítica sociológica. Uma análise maior sobre este aspecto desviaria o foco da discussão
para além dos limites deste artigo (7). Entretanto, se há de fato essa confusão crítico-
Para refutar as teses que observam as iconografias do artista como expressões pitorescas
em representações como a do Cristo e a do São Jorge (8), Mário sustenta sua imaginária
Por fim, Avancini conclui esse argumento mencionando aquilo que Annateresa Fabris
(1988) considera como central dessa associação “no ensaio de 1928, a relação Barroco/
espinha dorsal de seu pensamento”. Desse modo, podemos concluir que a mestiçagem
opera numa dialética entre a étnica e a estética – diálogo, até certo ponto, da genealogia
expressionismo alemão, de matriz européia, como base a uma crítica que promove o
popular brasileira.
Corpus Mestiço
Icléia Cattani aborda o termo mestiçagem como conceito aberto (9) para operar textos
que, segundo ela, também, “contemplam a análise da poética das obras e/ou poiéticas
dos procedimentos que levaram à sua realização” (10). Essa análise remonta e valoriza
através do viés do seu fazer [poiein], podendo abrigar as questões das mestiçagens –
abordadas no segundo artigo. Nesse viés, Icléia acrescenta o pensamento de Passeron
(1989), citando que “a poiética é a ciência e filosofia das condutas criadoras” (11).
conceitos e temáticas, remontando-os, até certo ponto, à matriz teórica da poiética à luz
das análises da obra de arte que investem no fazer como elemento de instauração
poética.
Dessas considerações iniciais que se cruzam nos dois textos mencionados, percebe-se,
inclusão de noções e questões aos estudos das obras contemporâneas. Essas artes são
hibridações” (12). Esse ponto sugere duas direções temáticas de estudo ou sugestões
qual remonta o termo “às mestiçagens de raça na esteira da colonização européia e das
seu uso “existe desde a Idade Média”, quando se referia as misturas de grãos e tecidos,
desiguais”. Sobre esse aspecto, prossegue dizendo que “foi apenas mais tarde, a partir
das colonizações das Américas com as uniões entre autóctones e europeus e, mais tarde,
refere às linguagens da arte como assuntos de mistura. Com isso, assinala-se claramente
podem ser em alguns casos analisadas a partir do conceito de mestiçagens. Isso ocorre quando os
múltiplos cruzamentos mencionados [experimentações da modernidade, da contemporaneidade ou da
pós-modernidade] produzem novos sentidos que são marcados por tensões. Esse conceito não abrange
toda a produção artística atual, mas apenas as obras que se constituem em suas poiéticas e/ou em suas
poéticas, a partir desses cruzamentos. (CATTANI, 2007. p. 24)
Desse modo, Icléia aborda o conceito de tensões como parâmetro essencial às questões
de obras que “abrem para elementos de mestiçagens” (15). As tensões seriam causadas
Além desse conceito, outros são trazidos à luz das operações das mestiçagens, tais
derivou Dédalo, encarnação dos artesãos e artistas”. Icléia sustenta essa “mistura” de
Se, finalmente, Icléia Cattani resume o “corpus” teórico o qual sustenta o conceito e a
interior”, então é possível dizer que se trata de uma obra teórica, igualmente, mestiça.
Nos dois casos, tanto no ensaio “O Aleijadinho” de Mário de Andrade de 1928, quanto
importância dos termos – mestiçagem e mestiço – é crítica. Eles são de modos distintos,
– o termo mestiço não se configura como conceito, mas como noção ambígua entre a
uma abordagem de crítica, até certo ponto, determinística. A mestiçagem para Cattani é
transcendência.
Icléia não usa as questões da mestiçagem como meio de fazer uma crítica de raça, de
mas sim, para demarcar modos de análise, através de uma crítica errática.
José Augusto Avancini (1998), aborda-se, claramente, esse e outros aspectos acerca da
crítica de Mário. O autor nos explica que a crítica de Mário era “uma atividade paralela”
e o seu pensamento nunca constituiu uma teoria coesa, “a arte de Mário é fragmentada e
Esse comentário de Avancini sugere a nosso ver, uma clara relação de fragmentação
“aberto” e “impuro”.
Para concluir, indagamos sobre a genealogia do termo em questão nos ensaios da crítica
crítica que, segundo Avancini, inaugura uma nova forma do gênero no Brasil.
modernista, ligação que poderia contribuir às tensões sobre as tradições das mestiçagens
contemporâneas.
NOTAS:
presença das mestiçagens de Mário está de algum modo presente às propostas por esta
crítica contemporânea.
3. Id., p. 14.
4. Id., p. 22.
5. Id., p. 17-18.
6. Id., p. 20.
8. Cf., p. 27.
13. Sobre as distinções entre mestiçagens e hibridações sugerimos a leitura das páginas
15. Id.
BIBLIOGRAFIA:
ANDRADE, Mário. Aleijadinho. in: Andrade, Mário. Aspectos das Artes Plásticas no Brasil.