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MANU AL

PRÁTI CO
DE
DE LINQUÊ NC I
A
JU VENIL
FNORD
TERRORISMO POÉTICO
ARTE SABOTAGEM
TEATRO SECRETO
RELIGIÕES LIVRES
CONCEITOS DISTORCIDOS
IDEOLOGIAS SAQUEADAS
PIRATARIA DE IDÉIAS mitologia. Os protestos contra a guerra não deram em nada.
SABOTAGEM CULTURAL Os tanques nas avenidas de Bagdá são um Triste Retrato de
uma derrota precoce.
Precisamos de Novas Táticas. Teatro Secreto. Loucos
Subversivos agindo na calada da noite. Vândalos & Bárbaros
criando Novas Situações que arrebentem as correntes da
Prólogo 1 Realidade Consensual.
Panfletagem Aleatória despertando Estranhos Atratores
Panfletagem Subliminar numa caótica sociedade fragmentada
"Tornai-vos Invisíveis
Nada é Real-----Tudo é Permitido
Nada é verdadeiro, tudo é permitido Bárbaros Invisíveis que Nada Respeitam Vândalos que
Leia o texto & mexa sua bunda gorda fodem com o Cotidiano (mas que devem,
impreterivelmente, Gozar Dentro)“.
Estamos em Território Inimigo & o Inimigo está em nós. A
primeira Grande Batalha contra o Império deve se dar Comícios em forma de Jogos Secretos. (experimente fazer
dentro de Nossas Cabeças. um comício em que as pessoas nem desconfiem tratar-se de
Libertar nossa imaginação. Poderosos Feitiços Publicitários um comício: PANFLETAGEM SUBLIMINAR).
iludem nossos Desejos mais Puros, Belos & Loucos. Mau
Olhado Policial que aprisiona nossa Espontaneidade Terrorismo Postal & Sabotagem Ideológica (Santo Hakim),
Selvagem. Engodos Geopolíticos, Castração Gramatical mas lembre-se que a Segunda Grande Batalha se dá no
contendo nossa linguagem transgressora. campo da Semântica Corrompida. Aproveite que o Demônio
As raízes do Poder Total do Império estão em nossa psique está embriagado com seu Vinho Do Poder & que os Magos
e regem nosso cotidiano. não estão do lado do Império.
O Assustador Buraco Negro do Poder que tudo absorve &
que tudo subverte & que lucra zilhões com a revolta dos Faça seu Ativismo Secreto & suas Loucas Conspirações e no
Pobres Formigomens, tristes Ibus declamando discursos mundo real: seja um Delinqüente, Inconseqüente &
libertários para um Céu de Concreto. Demente.
Os Protestos & Discursos não devem mais ser ----Delinqüente (por causa do estupro do espaço).
Espalhafatosos & Coniventes com a lógica do Espetáculo & ----Inconseqüente (por causa do estupro do tempo).
da Mídia. ----Demente (por causa do estupro da linguagem).
Devem ser em Silêncio & Invisíveis: SUBLIMINARES.
Uma Terrível Conspiração agindo no subconsciente das Panfletagem Subliminar Já.
pessoas.
O Novo Ativismo Global encontra-se num beco sem saída: A
"Geração de Seattle" encontra-se presa à sua própria
Estamos pouco nos importando com o fato de estarmos
destruindo uma propriedade privada. Isso é apenas
vandalismo, nossa mais bela manifestação artística.

Prólogo 2 IMPORTANTE (Leia isso antes de prosseguir)

A Balada da Nossa Geração É permitida a reprodução total ou parcial dos


textos contidos neste livro mesmo que a fonte, a
Somos Muitos & Faremos Muito Barulho obra e o autor não sejam citados. Estão todos
autorizados a copiarem os textos, modificarem o
Ironia, cinismo e sarcasmo são nossas armas.
que quiserem, assumir a autoria e utilizarem para
Somos Infantis, Mal Educados & Alienados, somos tudo o o que bem desejarem.
que o atual meio libertário mais odeia.

Nós escutamos o som alto sempre que isto nos convém.


Achamos que se o vizinho velho morrer de brabo com a
altura do som, é porque já era a hora dele.
Goze sem entraves

Nós não bebemos água e não limpamos as unhas.


Seja realista, exija o impossível!
Nós não temos o costume de lavar as mãos antes das
refeições, a menos que elas estejam sujas. E só nós
mesmos temos condição de saber o que significa sujeira
para nós. Nada é verdadeiro, tudo é permitido.

Nós não temos carro, só pra pedir carona & roubamos o


que temos vontade sempre que possível.
Todos os direitos desta obra reservados à
Queimamos out-doors & Jogamos Merda nos bancos. Humanidade
Somos anti-éticos & Despudorados. Somos Rebeldes & Não
temos causa alguma além de nos divertirmos e nos
sentirmos livres.
(qualquer cópia feita por alienígenas ou repolhos
disfarçados de humanos irá gerar uma tremenda crise
cárnica cósmica).
Ficção ou Realidade: A Tosca Dialética da
Delinqüência...

É fato que nos últimos dois anos um jovem senhor


denominado com a “infame” alcunha de: Ari Almeida, vem
despertando a atenção de diversos mortais para as suas
ações junto de seu grupo: Os Delinqüentes.

Não é de hoje que lemos relatos miraculosos de Arte


Sabotagem, Terrorismo Poético, Ativismo Estético e outros
conceitos mais – influenciados por Hakim Bey e outros neo-
situacionismos – creditados a Ari Almeida & Os
Delinqüentes. Ficção ou realidade? Muito provavelmente a
resposta não pode ser dada. A verdade é que uma tênue
diferença separa estes dois conceitos quando pensamos nas
ações Delinqüentes. Pouco sabemos destes rapazes
delinqüentes, a não ser os relatos de seus supostos
“ataques” que se passam na fria cidade de Curitiba. O
Blogger Delinqüente, lugar onde Ari Almeida posta os
relatos, muito bem escritos e articulados, de suas ações
marginistas, já recebeu centenas e centenas e centenas de
acesos. Chamando até mesmo a atenção da grande mídia
corporativa, por ironia, um dos inimigos eleitos do bando
que de maneira suposta se escondem numa baiúca no bairro
Sítio Cercado, na periferia da capital paranaense.

Os Delinqüentes nada mais são do que um nome e


um excesso de suposições. Não existem fotos e nenhuma
outra referencia mais concreta, digamos assim, a estes
senhores, profetas do caos, além dos já citados relatos das
peripécias ideológicas libertarias do grupo. E é justamente o
relato de todos os ataques realizados até o final de 2003
que este MANUAL PRÁTICO DE DELINQÜÊNCIA
JUVENIL apresenta. Uma antologia do Caos Delinqüente O Macarrão da mamãe é mais gostoso
Fnord-ico. (ato I)
É evidente que a intenção que Ari Almeida & seus
Outros Delinqüentes possuem ao lançar esta compilação Foi logo depois de começar a falar em Vandalismo &
completa e desesperada, nada mais é do que criar uma Barbárie mais seriamente que um amigo apareceu com a
motivação para que outras pessoas mecham suas bundas idéia dos piqueniques em supermercados. A princípio achei
obesas e ou esqueléticas de suas cômodas e acomodadas pouco prática: os seguranças logo nos colocariam para fora
poltronas e façam algo de “concreto” em prol de uma nova com chutes e pontapés. Eu estava equivocado, é preciso ser
realidade. Uma luta cômica e inusitada contra o Império. É esperto para subverter a ordem cotidiana. Quando se fala
verdade que estes textos podem estar motivando o em piquenique logo vem à memória aquela imagem da
surgimento de novos delinqüentes, vanguardistas e toalha estendida ao chão, cheia de frutas, doces e salgados.
provocadores que se disponham a fazer coisas que nem
mesmos estes tais de Os Delinqüentes tenham sequer Quem disse que piqueniques têm de ser assim? Essa
imaginado em fazer. E esse é o alvo. Entretanto novamente foi a primeira pergunta que me ocorreu. Depois foi o
surgira a pergunta: Ficção ou Realidade? Seja como for o seguinte: o que, realmente é um lugar público?
mérito será deles, mas muito melhor (maior) se for Supermercados são lugares públicos? É proibido comer
verdade. dentro de um supermercado? Pra mim, estas são perguntas
inspiradoras. Por exemplo, é perfeitamente normal sentar
em banco de praça, tirar da bolsa um sanduíche e comê-lo
Por: Danni-el MACEDUSSS em paz. Mas fazer o mesmo em uma loja de departamentos
Autor do livro ainda inédito: 68 manifestos contra 68 pode ser diferente.
De repente lá estava eu imaginando estas coisas
acontecerem. De repente lá estava eu entrando em contado
com amigos Delinqüentes & Doentes e pronto: uma
inconseqüente ação dos Novos Bárbaros estava sendo
arquitetada, descobrimos que sim, possamos criar situações
que subvertessem a rotina cotidiana e turbinas a realidade
banal com um pouco mais de arte. O material utilizado foi o
mais básico e prosaico possível: marmitas de alumínio e a
sobra da comida do fim de semana. O mundo moderno e
seus tabus ocultos permite ótimas diversões pra quem curte por conta disso e veio em seu auxílio.
criar situações. - Algum problema?
Domingo à tarde já estávamos com tudo pronto: Nem deixei a moça responder.
quatro marmitas cheias de macarronada. O alvo: a C&A na - Claro que estamos com um problema, um
segunda à tardinha, assim que todos tivessem abandonado problemão! Parece que o filho daquela mulher ali de
seus trabalhos forçados. Faríamos uma operação vermelho não está podendo comer seus salgadinhos.
sincronizada. Cada um levaria uma marmita e estaria com - Não é isso, o problema não é com o menino... (a
um relógio marcando a hora corretamente. Cada um abriria funcionaria começou a ficar realmente nervosa)... Esse
sua marmita em um setor diferente da loja com uma senhor aqui não quer entender que isso aqui é uma loja de
diferença estratégica de cinco minutos, o suficiente pra departamentos e não um restaurante!
deixar os funcionários doidos em sua correria. - É claro que isso não é um restaurante, não comprei
Seis e meia eu sento no setor de calçados, logo depois de essa macarronada aqui, não roubei ela de lugar algum e
dizer à atendente que estava apenas olhando os modelos e não vejo porque não comê-la.
puxo minha marmita de macarrão. A funcionária fica O segurança era um daqueles típicos grandalhões
visivelmente constrangida sem saber se fala algo ou não. seguros de si e sem medo algum que as discussões
De canto de olho vejo que ela se dirige ao segurança e descambem pra violência.
pergunta algo. O segurança fala ao walk-talk e cochicha ao - É o seguinte seu panaca, acho bom você levantar
ouvido. Foi mais rápido do que eu esperava. daí meio logo antes que as coisas se compliquem de
- Moço, eu sinto muito, mas aqui não é o lugar verdade pro teu lado.
adequado pra fazer uma refeição. - As coisas não podem se complicar muito, comer
- Porquê? macarronada é uma tarefa extremamente simples.
- Sabe como é, tem os outros clientes e pode ser - Rapaz, eu não tô aqui pra conversa fiada não,
que alguém não se sinta muito à vontade. tenho mais o que fazer.
- Sentir-se muito à vontade? Quem não está se Nisso começou a me puxar violentamente pelo
sentindo muito à vontade aqui sou eu. cangote; pelos meus cálculos o Jean já estaria abrindo sua
- Senhor, procure entender... marmita no setor das calcinhas e sutiãs. Hora de chamar
- Moça, preste bem atenção, se o filho daquela pelo gerente, sem esquecer da salutar dose de escândalos,
mulher de vestido vermelho que está experimentando as para que não só o gerente deixe de vir e ainda leve umas
sandálias, quiser comer as batatinhas fritas que a mãe dele porradas na saída de serviço ou no depósito.
tem na bolsa, não vai poder? - Ô seu macacão, eu quero falar com o gerente!
- Mas senhor, é diferente... - Cala a boca rapaz!
- O que é diferente? Pelo que me consta aquelas - Calo a boca o cacete!! (eu já estava começando a
batinhas tem muito mais cancerígenos que esse belo gritar) Compro nessa loja à anos, nunca atrasei um
macarrão feito com todo amor e carinho por minha mãe. pagamento e exijo a presença do gerente!!!
A discussão estava se prolongando por mais tempo Nisso alguém chamou ele pelo rádio e me tranqüilizei
que a pobre funcionária planejara e o segurança logo se deu sabendo que o Jean tinha se manifestado. O grandalhão me
soltou pra falar no rádio e pude me recompor. O gerente já sarcástico e panfletário que eu.
estava vindo. Finalmente eu veria como se saem os O gerente gaguejou pela primeira vez, pediu pra
gerentes quando os problemas saem da rotina. funcionária que tinha me atendido que ficasse um pouco
- Com licença, posso saber o que está acontecendo comigo e pediu licença prometendo voltar em poucos
aqui? minutos. A menina ficou comigo sem dizer uma palavra,
Nessas horas um bom arruaceiro deve saber se totalmente indignada pela situação. E eu contendo a
comportar dignamente e utilizar aquela cartinha bem vontade de rir; bem que alguém podia chamar a polícia para
educada que estava guardada na manga. as coisas começarem a realmente ficarem grandes. Grande
- Senhor, está ocorrendo um grande equívoco. dia! Grande dia!
Nisso uma pequena multidão de curiosos já O combinado era que assim que a quarta marmita
começava a se formar ao nosso redor. fosse aberta pelo Fábio no térreo, quinze pra sete, todos
- Essa funcionária, que me atendeu muito bem, diga- fossem para lá e daríamos abraços e beijos em todos. Foi
se de passagem, confundiu tudo e não permitiu que eu um plano perfeito, diga-se de passagem, devíamos ter
desse uma leve enganada no estômago antes que filmado a coisa toda, mas tudo bem, essas coisas vão ficar
escolhesse um par de tênis, estava realmente me fotograficamente registradas em nossas memórias para o
interessando por aquele Nike de 349 Reais. resto de nossas vidas.
- Mas senhor, tudo bem que você esteja um pouco O gerente estava demorando e a funcionária estava
faminto, nesse caso era só comunicar algum de nossos muito inquieta.
funcionários que prontamente conseguiríamos um lugar - Querida, pode dar uma volta pra relaxar que não
mais reservado para fazer sua refeição, o senhor concorda? tem perigo de eu voltar a comer, quer um pouco?
- Não! Não concordo não! Quer dizer que o menino - Não, obrigada, respondeu ela, com a melhor cara
vai ter de sair da loja pra comer seu salgadinho? de nojo que conseguira.
- Creio que o senhor não está entendendo. - De nada, baby.
- Do meu lado eu creio que alguma coisa muito Nisso bateu as sete e quinze e levantei-me de onde
errada está acontecendo aqui, este não é um ambiente em estava sentado. A funcionária assustada deu um salto de
que eu, como cliente em potencial, não deveria estar me onde estava e logo voltou a sentar-se, reconhecendo o
sentindo em casa? ridículo da situação. Triunfantemente dirigo-me ao térreo
- Mas senhor... onde o Fábio estaria sem enxergar um segurança sequer,
E aí começou toda uma ladainha gerencial cheia de deviam estar todos ocupados. Encontrei a galera toda
palavras bem colocadas & chavões de bom atendimento & reunida com o Vinicius ainda discutindo com o gerente sobre
aquele velho papo furado de que "o direito de um acaba o conceito de lugar público e privados e uma considerável
onde começa o direito de outro". O Jean devia estar se multidão em volta. Eu tinha panfletos no bolso. Gosto de
saindo bem, pois uma funcionária veio falar ao ouvido do carregar certos panfletos no bolso. Jamais esquecerei a cara
gerente e os seguranças (agora eram três) desciam de tacho que o gerente fez quando o Vinícius fez uma cara
apressadamente as escadas em direção ao setor de moda de bravo, falou que não discutiria mais e catou nossas
masculina. Era o Vinicius e olha que o Vinicius é muito mais marmitas e jogou no lixo mais próximo.
- Realmente vocês têm razão! Este é um sagrado lugar de
comprar onde não se deve nunca, jamais, cometer a heresia
de não gastar. Senhor gerente! Estes três delinqüentes
juvenis são meus irmãos e o senhor pode ter ser certeza
que contarei tudo, tim-tim por tim-tim para nossa mãe e
esses três marginaizinhos ficarão pelo menos um mês sem
comer macarrão. O Crime Não Compensa
Então começamos a nos dirigir para a saída da dando (ato II)
tchaus e beijinhos em todos os curiosos que estavam com
algum sorriso no rosto. Distúrbios Cotidianos são aquilo que
eu considero mais divertido ultimamente. Antes de sair, Ainda não tínhamos analisado a arte sob a ótica do
virei-me para trás e joguei todos os panfletos com a frase Distúrbio Cotidiano até que Sergio Augusto, nosso amigo
"Seja realista, exija o impossível" que tinha no bolso, das antigas, metido a artista plástico, chegasse do interior
falando em alto e bom tom: com dezenas de colagens, frutos de seus trabalhos mais
- Um forte abraço para todos vocês!!! recentes. Digo que ele é metido a artista por considerar que
chamar alguém de artista plástico hoje em dia equivale a
xingar os parentes do sujeito até a oitava geração
ascendente. Me chame de filho da puta, mas não me chame
de artista. A arte encontra-se mercantilizada, afetada,
elitizada, enfim, totalmente corrompida de sua original
função transgressora.
Os trabalhos do Sergio estavam bons demais para
serem vendidos a um advogado ou a algum empresário do
ramo das seguradoras. Todos nós éramos unânimes quanto
a isso, mas o consenso sumia quando pensávamos em qual
destino adequado a uma autêntica obra de arte. O Vinicius
queria queimá-los em praça pública por considerar que a
arte autêntica deveria soar como uma heresia. E o destino
dos hereges é a fogueira. O Fábio considerava que o ideal
era solenemente esquecê-los no Terminal de Ônibus do
Boqueirão. Eu cogitava a hipótese de enviá-los pelo correio
a destinatários escolhidos ao acaso na lista telefônica. Após
horas e horas de papo intelectual besta foi o Jean quem veio
com a idéia definitiva: o crime, a ilegalidade, o impacto de
um Terrorismo Poético ou de uma Arte-Sabotagem.
Invadir uma casa e pregar os quadros na parede,
substituindo os eventuais quadros que já estejam lá. e a sensação de fazer algo.
Ótimo. Perfeito. Esplendido. Só tinha um problema, Ontem, domingo, lá pelas nove e meia da noite
uma questão crucial: nenhum de nós jamais tinha invadido estávamos todos prontos. Mais ou menos prontos, pois
uma casa e a possibilidade de sermos pegos ou dispararmos nossas mãos suavam de cagaço. Podíamos muito bem ser
o alarme era altíssima. presos. Minha mãe diria que DEVERÍAMOS ser presos. O
- Seria se eu não tivesse uma carta na manga, não Jean já conhecia bem o bairro e a casa, tinha namorado a Jú
teria tido essa idéia se já não pensasse numa solução. por uns três meses. Isso me tranqüilizava um pouco. Mas
- E qual é? Você conhece algum ladrão? não tranqüilizava o Fábio. O Cara tava cagado de medo.
- Não! Mas você lembra da Juliane, que eu agarrei há - Não tem alarme lá não, cara?
uns tempos atrás? - Tem, só que fazia um ano que o vô da Ju não
- Aquela patricinha que fazia direito na PUC? trocava a senha, o velho é meio supersticioso, se trocou
- Exato! Faz uns quatro meses que a gente não se agora é muito azar, tá ligado?
vê, mas... Bingo! Tenho cópias das chaves da casa dos pais - Puta que o pariu!
delas! - Não dá nada, cara, não dá nada.
- Não acredito! O cara que falou que o crime não compensa é um
- Não boto fé! puta de um mentiroso. Compensa pela adrenalina. A Juliane
- De onde vocês acham que eu tirei aquele morava no bairro do batel e fomos de ônibus. Não
candelabro de prata que a gente vendeu pra poder acampar conversamos nada a viagem toda, tamanho era o clima de
na Serra dos Órgãos? tensão no Interbairros I. Grandes invasores! Grandes
Genial. Um plano perfeito (e sempre fomos viciados Terroristas Artísticos. Um bando de cagões, isso sim.
em planos perfeitos). Analisando friamente, não era um Descemos e contornamos a quadra até a rua paralela
plano difícil de levar a cabo. Era só escolher o dia e a hora que daria nos fundos da casa. Escalamos um muro que dava
certa e ter muita cara-de-pau, o que, modéstia à parte, em um estacionamento para funcionários de uma loja de
nunca nos faltou. sapatos que estava fechada.
O mais difícil foi convencer o cagão do Sergio a ir - Não tem vigilante aqui?
junto, já que considerávamos sua presença fundamental. - Cala a boca!
Deveria ser ele o Maravilhoso Vândalo a pregar o primeiro Escalamos a "Churrasqueira de Confraternizações" da
prego na "parede da burguesia". Alguma pesquisa e alguns loja de sapatos e encaramos a parte mais difícil do plano do
telefonemas depois e pronto: domingo à noite a família Jean, que era a cerca eletrônica da casa da Jú.
inteira da Jú estaria num jantar no Clube Sírio-Libanês de - Esse troço dá um choque de uns 100 volts.
Curitiba. Um de cada vez, nos agarramos num galho de uma
O pior é que o Sérgio demorou mesmo a se mangueira e pulamos, quase nos estourando no chão do
convencer, ainda tava naquelas de sonhar com vernissages pátio. Salto mortal mesmo. Eu pulei na boa. Pulou o Fábio
e resenhas em cadernos culturais. numa boa também. Depois o Vinícius e o Jean. Mas o cara
- Sergio, isso é só um brinquedo, um exercício para mais sem jeito do mundo chamado Sergio Augusto caiu todo
depois sonhar mais alto. Se nada der certo, valeu a diversão errado e torçeu o tornozelo.
- Aaaaaaiiii!!!!!!! masturbar. Deu vontade de quebrar tudo ou pelo menos
- Cala a boca seu pau no cuú!!!! - susurramos todos. roubar um monte de coisas, mas o objetivo não era esse.
- Quer foder com tudo? Trocar os quadros que já estavam na parede era
- Mas tá doendo, porra!! fácil: o Fábio e o Vinícius já estavam fazendo isso. Pregar
- Te fode cara, agüenta as pontas! novos pregos e modificar o lay out de tudo é que era o
O Jean estava realmente com pressa e nem nos desafio. Pra isso dar certo só faltava o último ítem do plano
deixou discutir. do Jean: a empregada. O quarto da Rosicleide ficava lá nos
- Vamos correndo por esse corredor que tem um fundos, as chances dela ouvir nossos cochichos eram baixas,
trinco maneiro na janela do banheiro do quarto da Jú. mas pregar coisas nas paredes era bem mais foda.
- E as chaves? A esperança do Jean era que, conhecendo ela do jeito
- As chaves são pra nós sairmos, é muito bandeira que ele conhecia, ela tivesse dormindo ouvindo seu
um bando de malucos entrar numa mansão dessas pela sonzinho. Ela quase sempre fazia isso. Fim de semana
porta da frente. sozinha em casa então: era batata. Jean voltou correndo
Realmente era muito fácil. Com um simples pauzinho feliz:
o Jean empurrou alguma coisa e a janelinha do banheiro se - Massa! Ela tá ouvindo Bruno & Marroni!!
abriu. Foi então que o Sergio solenemente, com todo o
- Agora vocês ficam aqui que eu tenho quinze senso de gradiloquêcia que a situação exigia, pregou o
segundos pra desligar o alarme! primeiro prego. No lado esquerdo da lareira. No lugar exato
Ficamos. E olha que o cara demorou pra caralho. A que ele cuidadosamente escolheu. Ali, no seu ponto
cada segundo parecia que o alarme ia disparara. Todo escolhido, pregou sua obra preferida. Nós pregamos todos
mundo se olhava nervosamente. O Fábio estava prestes a os outros pregos enquanto ele ficou ali, vivendo seu
sofrer um ataque cardíaco. O Sérgio só gemia com seu momento único com a obra que mais admirava.
tornozelo torçido. Não demoramos muito. O sucesso do trabalho
- Ou torceu o tornozelo ou quebrou mesmo. dependia da velocidade, mas posso te garantir que o Sergio
- Cala a boca, sua bixa! viveu seus três minutos de perfeição. Por três minutos viveu
Devem ter passado uns trocentos minutos até que o sua própria arte e a arte, exaltada em sua essência, viveria
Jean apareceu na janelinha do banheiro com a cara mais ali por ele, quando todos nós fugíssemos do lugar.
safada do lado de cá da Galáxia. O que não demorou. Era o Jean quem dava as
- Beleza galeraaa!!!! O alarme tá desligado. ordens.
- Urrúúúú!!!!! - Toque de recolher, povooooo!!!!!
- Calem a boca seus pau no cús!!!! Começamos todos instintivamente correr pra
A casa era de burguês mesmo. A Juliane tinha mais janelinha do quarto da Jú quando o Jean nos lembrou: "O
dois irmãos e cada um lá, com seu quarto individual, com alarme tá desligado e eu tô com as chaves seus manés".
banheiro e tudo em cima, som, TV, micro. Filhos da puta. Saída triunfal pela porta da frente. Tomando o cuidado para
Tinha tudo: sala de leitura, sala de home-theater. Bem que deixar tudo fechado, é claro. Saímos todos em silêncio com
podiam fazer uma sala para peidar, uma sala para se os respectivos peitos estufados.
Foi só chegar na rua que o cagaço bateu de novo,
saímos correndo feito uns loucos. Corremos umas três
quadras e começamos a correr e rir feito uns loucos. Foi só
um começar a rir que ninguém mais conseguiu parar. O
Sergio até curou o tornozelo e gargalhava demencialmente.
A adrenalina e o cagaço eram tantos que corremos por
umas duas horas. Foi massa. O Foto do Tijolo na Vidraça Todo Mundo Acha
Hoje é segunda feira e estou aqui no trampo com as Bonito (mas o tijolo na vidraça mesmo...)
pernas todas doídas da correria. Ninguém conseguiu dormir
à noite. Sono do caraaaalho e ainda não sei explicar direito
(ato III)
o significado do que fizemos, mas me sinto feliz. Muito feliz.
O cara que falou que o crime não compensa é um puta de Uma vez li em algum lugar, acho que no site da
um mentiroso. Fraude: "sempre se envergonhe daquilo que você escreve".
É assim que funciona comigo quanto à poesia. Passa um
ano, um ano e meio e são raros os poemas que eu leie e
não me envergonhe. Já faz um tempão que não escrevo
poesia e o primeiro sujeito que me aparece dizendo que a
poesia está morta já vou aplaudindo.
Outro dia eu estava andando no calçadão da Quinze
e apareceu um cabeludo oferecendo livrinhos de poesias por
dois reais. Soltei meu chavão preferido:
- A poesia está morta! E só curto necrofilia quanto tô
bêbado.
O que anda me desanimando na poesia é justamente
isso: a gaiola onde ela anda aprisionada. Você escreve
lindos versos e, ou os deixa na gaveta, dando-lhes vida
apenas nos momentos em que lhes dá atenção, ou então
você os explora feito o cabeludo do calçadão, imitando
aquelas senhoras pobres que levam seus filhos pra
esmolarem no centro da cidade e ficam cuidando escondidas
na esquina, recolhendo as moedas dos filhos a cada meia
hora.
Andei pensando muito nisso porque depois da
invasão da casa da Ju, o Fábio ficou meio traumatizado
devido ao estresse e à overdose de adrenalina e andava
escrevendo feito um alucinado. O poeta oficial da turma
sempre foi o Sergio, com seus arroubos de paixão, só que por ter arriscado o pescoço domingo e agora já quer sair
ultimamente andava se ocupando demais com as telas. quebrando vidraças por aí!
- Ari, a gente podia fazer alguma coisa com as - Se é pra fuder, vamos fuder com tudo de uma vez,
poesias... porra!
- Fazer o quê, Fábio? Curti a idéia pra caralho. O Fábio é o tipo do cara que
- Sei lá, tipo alguma coisa parecida com o que a fica na dele a maior parte do tempo e de repente
gente fez com as telas do Sergio. surpreende a gente.
- Que tal a gente xerocar uma porrada de poemas e - Eu consigo facinho umas cinco bicicletas lá em
colocar cada um dentro de um livro na Biblioteca pública, O Colombo, depois a gente compra aquelas tocas pretas que
Tiba trabalha lá e dá pra gente fazer. os Zapatistas usam, vamos todos vestidos de preto e com
-Não, nada a ver, isso é idéia de gerico. luvas pra dificultar a identificação e pronto!
- O quê então? Gostei da idéia mesmo e nos dias seguintes ficamos
- Sei lá... Vamos pensando, porra. tratando de conseguir o material, algumas roupas pretas
O Sergio torceu o tornozelo de verdade naquela emprestadas e tocas e luvas a cinco reais nos camelôs da
noite. Na hora da correria não sentiu nada, mas no outro dia Praça Osório.
o negócio amanheceu inchado, teve até que ir ao postinho Vinicius escolheu o bairro: Jardim Social e fez um
de saúde enfaixar. A semana passou então com todos meio mapinha esquematizado com rotas & fugas. Eu e o Sergio
que recolocando as idéias no lugar. A invasão, porém, foi um iríamos pela BR 116 com três poemas e pixaríamos cada um
sucesso e ninguém estava a fim de parar. Foi na quinta- deles em algum ponto do trajeto. O Jean e o Vinicius iriam
feira, quando o Sergio tirou as faixas do pé que saímos pra pela Av. Nossa Senhora da Luz com outros três poemas e a
beber e comemorar que o Fábio veio com mais uma mesma tarefa com o spray. Idéia de quebrar o orçamento do
Fantástica Idéia & um Plano Perfeito. Sergio: cada poema pixado com uma cor diferente, idéia
- Galera! Já sei o que fazer com as poesias! besta de artista plástico besta, azar o dele, teve que pagar
O Jean deu sua coçadinha de barba típica: os sprays.
- Ih! Já tá viajando de novo! Fabio ficou com o último poema pra fechar o número
O Vinicius sempre foi mais ácido: sete, pois anda pirando com o Calendário Maia e umas
- O Fábio tendo idéias? Dessa vez a gente cai com os paradas de numerologia. O cara tem umas piras com o
hôme! número 23 que ninguém bota fé. Ele iria sozinho, à deriva,
- Vão se fuder! O Plano é perfeito. Ouçam crianças: a sem rota planejada e iria nos esperar às quatro da manhã
gente escreve cada poema, no caso eu escrevo, à mão, em na Praça Villa Lobos, de onde fugiríamos feito uns loucos
papeizinhos pequenos. Depois a gente amarra os poemas novamente.
com linha de costura em bolinhas de gude e, com um Logo depois da meia-noite eu e o Sergio partimos
estilingue e... (fez uma pausa para o suspense)... Fizemos a com nosso material terrorista. As bicicletas que o Fabio
distribuição nas vidraças da classe média. Perfeito! O conseguiu pra nós eram umas belas bostas. A minha
terrorismo poético que o Hakim Bey falou. escapava a correia a cada duas quadras e a do Sergio era
- Olha a do cara, meu! Tava todo cagado de medo cor-de-rosa, altamente gay. Mas tudo bem, lá fomos nós BR
a fora escolhendo lugares pra pixar os poemas. - Rápido cara, joga a bike pro outro lado!!
Não posso dizer que fizemos um trabalho bem feito. - O que foi? - Sergio parecia irritantemente calmo.
Nossas bikes eram uma merda e meu colega, basicamente -Joga, cara! Joga!!!
um inexperiente em vandalismos & delinqüências. O Jogamos as bicicletas e sentei ofegante no meio de
primeiro poema ficou num muro de um terreno baldio meio um mato de ervas daninhas. Estava exausto e apavorado.
nada a ver. O segundo foi melhor, foi numa daquelas Na casa da Ju era um lugar fechado que o Jean conhecia
passarelas pra pedestres que atravessam as rodovias. Foda bem. Agora era deferente, estávamos na rua, onde qualquer
foi escrever de cabeça pra baixo. insone podia enxergar da janela do quarto e não
O terceiro foi mais massa. Pulamos um muro e conhecíamos o bairro direito. Acendi um cigarro. Minhas
pixamos do lado de dentro. Vandalismo exclusivo. Não é pra mãos tremiam.
qualquer um. E o poema era bom, pixado de vermelho vivo. - Temos que apurar, Ari, senão a gente se atrasa.
Muito louco. - Calma!
Fiz uma gambiarra pra correia parar de escapar e - Já são dez pras quatro e você acha que a polícia vai
tivemos que pedalar às ganhas pra chegar no Jardim Social demorar muito mais de cinco minutos pra aparecer?
às três da matina. O Sergio carregava os "Cartuchinhos Aí parece que a realidade desabou novamente sobre
Líricos" como eu chamava os poemas amarrados em mim. Era verdade, a mais pura verdade. Então parece que
bolinhas de gude e o estilingue. Eu iria atirar, já que ele um raríssimo senso de heroísmo se abateu sobre mim. Corri
nunca tinha caçado passarinho na vida. Se o Sergio fosse uns cinqüenta metros pelo matagal e pulei um muro
atirar acho que precisaria de uns 49 poemas pra acertar altíssimo (sinceramente, não sei como consegui) que dava
uma vidraça de 10 metros de largura a quatro passos de numa casa nos fundos do terreno. Caí no pátio e fiz tudo
distância. automaticamente sem raciocinar, o tipo de coisa que se você
A primeira casa foi fácil: a vidraça era grande e o pensa, você não faz. Na janela que dava naquilo que eu
muro era perto. Uma facilidade traiçoeira, pois fizemos a achava ser o quarto dos donos da casa estiquei o estilingue
coisa rápido demais, sem pensar na fuga e a filha da puta e, a menos de dois metros de distância, soltei o projétil. Deu
da rua tinha uns duzentos metros até a próxima esquina. pra sentir os cacos de vidro no rosto. E deu pra ouvir gritos
Correria dos diabos. Foi ouvir o som da vidraça quebrando e dentro da casa. Parei o mundo deles, rêrêrê.
parece que o peso da realidade se abateu sobre nós, sobre Juro que nunca corri tanto na vida. Tinha uns
mim principalmente. espinhos no matagal e me arranhei todo sem nada sentir na
Corremos umas cinco ou seis quadras, aí parei e hora. Magicamente o Sergio já estava esperando com as
joguei o segundo poema de qualquer jeito, quase de olhos bicicletas do outro lado do muro. Mirei o olhar numa placa
fechados e quase sem pensar. Eu parecia o Fábio na casa da de trânsito no fim da rua e pedalei com todas as minhas
Ju, cego & paranóico de cagaço. Nem lembro da casa forças. Nem olhei pra onde o Sergio estava e nem olhei pra
direito, ouvimos os estilhaços e saímos correndo alucinados nada. Foi então que a porra da correia escapou de novo e no
de novo. pau que eu estava me estoporei no chão. Mesmo com as
Dessa vez corremos bem mais até eu achar um muro tocas de lã meu rosto arrastou no asfalto e ralei o nariz e
que desse num terreno baldio. machuquei o cotovelo.
- Você tá bem cara? Se machucou? cervejas e voltou com o Fabio no bagageiro. O desgraçado
- Foi nada, bora, bora, bora!!!! escapou!
- Tem certeza? - Seus boiolas! Eu tava brincando quando falei pra
A adrenalina era tanta que eu não estava sentindo fugirem sem mim.
nada. Chegamos na praça já estavam todos esperando - E a bicicleta?
impacientes. O cara, emocionado com sua aventura, disse que
- Porra cara, vocês demoraram pra caralho! tava tão feliz que deixou ela num viaduto de presente pro
- Pensamos que vocês tinham sido pegos. primeiro que a encontrasse, com uma sacolinha plástica
- Que diabos vocês estavam fazendo? cheia de panfletinhos com a frase: "Seja realista: exija o
- O Fabio ainda tem que jogar o dele! impossível" e veio andando até que o Jean o encontrou.
- Que foi isso no teu nariz, Ari? O Fabio realmente ficou em êxtase. Fomos andando a
Nisso ouvimos as sirenes da polícia. Puta que o pariu, pé até a kitinete do Jean e do Vinicius bebendo uma cerveja
a hora do Amargedom. O Fábio saiu correndo em direção a de cada boteco que encontramos pelo caminho. Chegamos
uma mansão do outro lado da praça. O meu coração parecia em casa oito e meia da manhã, selvagemente bêbados &
que ia sair pela boca. O Jean olhava para os lados feliz. Êita mundinho estranho, sô!
nervosamente. O Fabio correu, subiu num muro alto, esticou
o estilingue, fechou um olho, deitou a cabeça pro lado
acertando a pontaria e gritou:
- Bota pra fudêêeeeer!!!!!
Ouvimos o som da vidraça partindo e já saímos no
pau. O som das sirenes já estava bem alto e o alarme da
mansão disparou, apoclíptica a cena. O Fábio tava ficando
pra trás, mas ainda deu pra ouvir ele gritando:
- Fujam que eu dou um jeito!!
Se a gente tivesse um cronômetro na hora acho que
teríamos batido altos recordes de velocidade.
- Iaba daba dúúúú, me alcancem seus paunocúúúú! -
Gritou o Vinicius se cagando de dar risada.
- Corra, Forest, corra! - Respondeu o Jean.
Em menos de dez minutos estávamos todos sentados
no escuro, ofegantes, na frente do Jardim botânico. Quer
dizer, todos menos os donos da bicicleta da correia podre,
eu, que levei outros dez minutos pra chegar. Dessa vez não
ríamos tanto quanto na semana passado porque o Fábio
tinha ficado pra trás. Quase ninguém falava nada, até que o
Jean foi num posto de gasolina próximo buscar umas
de lirismo de boteco.
- Pessoal, eu tava afim de uma coisa mais light
durante a semana.
- Que foi, Ari, tá com medo?
- Mais ou menos, sábado foi muito foda.
- O quê então?
- Tava afim de abençoar um banco de novo.
Quarenta e Dois Decibéis de Exorcismo Vinicius, que tinha achado engraçada a história do
(ato IV) dia em que eu tinha me vestido de padre e entrado num
banco, concordou no ato.
Assaltantes de banco são os tipos de bandidos mais - Claro véio! Tô doido pra participar de um negócio
respeitados pelos colegas de cadeia. Ao contrário dos desses!
estupradores, que, dizem, tem seus cuzinhos comidos lá - Quero ser o coroinha, falou o Jean.
dentro, assaltantes de banco tem uma puta moral nos - Eu faço um catecismo, com uma capa louca!!-
presídios. Isso porque todos sabem que banqueiro & ladrão Gritou o Sergio da cozinha, onde estava fazendo uma de
são a mesma coisa. Sempre se soube de histórias de suas indefectíveis tortas de maçã.
pessoas que deviam os tubos a bancos e cometeram O Fábio mora em Colombo e sua mãe é costureira,
suicídio. Crise financeira sempre foi a maior causa dos entreguei meu vestidão preto de 27 Reais que ainda estou
suicídios. Eu diria que bancos são contra a vida: devendo na firma, pra mãe dele dar um jeito pra que fique o
definitivamente são lugares do mal. mais parecido possível com uma batina. Ele diria à mãe que
Depois da aventura das vidraças quem ficou com era pra uma apresentação de teatro. Não deixa de ser. O
seqüelas físicas fui eu. O nariz todo vermelho de ralar no Sergio ia fazer umas hóstias, dessa vez ia ter que ter
asfalto & o cotovelo direito doendo e inchado. Queria agora hóstias. Superprodução, com participação do time completo.
alguma coisa com menos riscos de tombos. O Fábio não O alvo seria o Banco Santander da Av. Floriano,
cabe em si, de tanto orgulho do nobre destino que seus durante a semana na hora do almoço, quando todos
poemas tiveram. Está Feliz & definitivamente convertido aos estivessem livres de seus Trabalhos Forçados ou Aulas
Distúrbios Cotidianos. Alienantes.
- Me sinto um rei, um monarca dos meus atos A batina ficou espetacular, tinha até uma cruz
loucos. prateada bordada no peito. Jean conseguiu outro candelabro
- Viajão! de prata que tinha roubado da casa da Juliane, um vidrinho
- Você não tem espelho, não? vazio de óleo de oliva importado para a água-benta e uma
- Meu espelho são meus atos, neles eu me roupa para atuar de coroinha. Quando tentei exorcizar um
reconheço, rárárá! banco, fui logo expulso do local porque minha roupa era
Fábio já é um típico chato contador de vantagens, altamente mandrake e minha água-benta estava numa
depois de sábado então, ninguém atura mais suas explosões garrafa de Coca-cola, tava na cara que eu não era um
padre.
Agora seria diferente, nossa indumentária era - Pela porta rotatória, senhor, se tiver carregando
decente. Vinicius queria ser o padre, ficou dois dias alguma coisa metálica, como um molho de chaves por
decorando umas passagens do Apocalipse e rabiscando exemplo ou telefone celular, deixe na janelinha ao lado está
sermões. bem?
O sermão do caixa-eletrônico. O sermão da fila - Obrigado.
organizada. O sermão do saldo zero e por aí vai. Eu, o Fábio Deixaram os apetrechos de metal na janelinha e
& o Sergio seríamos os fiéis penitentes, inadimplentes do entraram sob o olhar desconfiadíssimo do guarda de
Imposto de Renda. segurança. Eu e os outros olhamos de longe e entramos
- Não pagamos impostos, mas amamos Jesus Cristo logo depois. O Padre & Seu Coroinha distribuíram os
Nosso Senhor. catecismos aos clientes que estavam na fila. O catecismo
Nos encontramos em frente ao banco cinco para o trava-se de um cartão dobrado ao meio, com um desenho
meio dia. Logo na entrada: o saguão dos caixas-eletrônicos. colorido do Sergio na capa e com o seguinte texto dentro:
O Vini/Padre andava lentamente e com uma expressão "A maior parte do dinheiro no mundo não existe, não
grave inacreditável. Usava uma barba postiça e uns óculos tem ligação alguma com nada material. No entanto, tem
redondinhos pra lá de cômicos. Quase caímos na gargalhada uma influência decisiva nas coisas materiais. Inclusive em
quando o vimos. O Jean de cabeça baixa, com a humildade nossas vidas. Essa é a mais perfeita descrição de uma
conveniente a um coroinha iniciante, hilário. Aproximaram- entidade espiritual. Uma entidade do bem certamente não
se do primeiro caixa. é, dadas as desgraças que o dinheiro causa ao mundo. Com
- Que Deus abençoe e livre a alma de quem se certeza essa entidade não está do lado de Deus. É um
aproxima desta máquina criada para o mal. demônio, trazendo a miséria & a injustiça ao mundo. A
Uma menina que estava no caixa ao lado deu uma fome, as guerras & o sofrimento.
risadinha, mas logo tapou com a palma da mão. Um senhor O dinheiro é o mal”.
idoso, que estava mais longe e que não estava conseguindo Um catecismo simples, mas eficiente. Todo mundo na
digitar seus dados direito, perguntou surpreso: fila comentava algo com o vizinho, uns rindo e outros com
- O quê?! sinais de reprovação. Alguém deve ter dado a ordem, pois
- Que Deus perdoe a pobre criatura, cientista ou uma atendendente veio imediatamente acompanhar o
engenheiro não sei do quê, que projetou esta máquina Reverendo Vinicius & Seu Coroinha.
satânica. - Não esqueçam, irmãos! Deus reserva o perdão às
Todo mundo no saguão já estava olhando. O padre almas arrependidas. A entrada do céu é estreita, porém não
entoava umas orações com a voz baixa, quase sussurrando se cobra ingresso, não há consumação & o Paraíso é infinito.
enquanto o coroinha abençoava as máquinas com sua água- - Amém! - exclamamos eu, o Fábio e o Sérgio, cada
benta. Uma das meninas que auxiliam os clientes chegou um em um ponto estratégico da agência, formando um
perto, toda educada & com um sorriso magnífico. triângulo.
- Posso lhe ajudar em alguma coisa senhor? A questão é que se a princípio a gerência deixou
- Deus lhe abençoe minha filha, como entro na nosso teatrinho rolar solto, era porque não sabia se se
agência? tratava de um padre mesmo ou não. Jamais um gerente de
banco iria faltar com educação com um padre na frente de hora em que estava saindo da agência o segurança grandão
seus clientes. Só que depois que o "padre" começou com o agarrou pela roupa de coroinha.
aquele sermão estranhíssimo ficou claro que alguma coisa - Onde pensa que vai?
estava errada. - Tenho que voltar ao trabalho...
- Você está com oitocentos e não sei quantos reais - Não sem ouvir umas verdades antes.
negativos na conta? Não se preocupe, Deus não consulta o Então, na maior das intolerâncias, deu um tapa na
SPC. cara do Jean, tão forte que o coitado chegou cair de costas
O Jean estava distribuindo as hóstias aos sorridentes no chão. Fábio viu o que estava acontecendo e voltamos
clientes que visivelmente estavam adorando o sermão do correndo pro banco.
simpático pároco anticapitalista, quando o gerente - Solta o cara, seu otário, ele não fez mal algum!
aproximou-se. Mas o Universo de repente conspirou a nosso - Não se meta!!
favor e na hora que o gerente falaria, uma senhora baixinha - Me meto sim, não gosto de injustiças.
com uns 70 anos o interrompeu. Enquanto o Fábio discutia com o segurança, eu e o
- Padre, Deus que me perdoe, mas acabei brigando Sergio juntamos nosso colega e o arrastamos pra fora,
com meu neto por não lhe dar o dinheiro que ele queria. fingindo que ele estava mal, muito mal. Os clientes que
- Acalme-se minha senhora, sem saber, a senhora o assistiram a cena ainda nos olharam atravessar a rua e
ajudou. sumir de vista, logo depois veio o Fábio.
- Mas senhor... (o gerente parecia atônito, muito - Sujeitinho babaca, você tá bem Jean?
mais que o gerente da C&A do dia das macarronadas)... - Tranqüilo, não foi nada, só um susto.
Vamos conversar um pouco? O Vinicius ficou sozinho e deu um monte de
- Conversar o quê, irmão? explicações ao gerente, na tentativa dele não chamar a
Então um dos guardas de segurança passou pra ele polícia. Falou que era um seminarista novato e que
um exemplar de nossos catecismos. Ele pôs os óculos e leu acreditava em cada vírgula do que tinha dito e que curtia a
em silêncio, compenetrado. O negócio durou uns Teologia da Libertação e que, por favor, pelo amor de Deus,
segundinhos apenas e o gerente olhou pro lado em direção não fizesse nada que seus superiores pudessem descobrir e
a três seguranças que, no fundo da agência, já estavam que jurava que estava fazendo a coisa certa e que Deus
doidinhos pra serem chamados. O maior deles veio abençoa as almas sinceras e mais uma porrada de coisas.
correndo. Encheu tanto o saco do coitado do gerente com sua ladainha
- Estes rapazes resolveram “brincar” de padre no que acabou se safando.
lugar errado, chame por favor um policial que está de Acabou ficando por isso mesmo, o policial chegou a
plantão do outro lado da rua. entrar no banco, mas o gerente pediu para deixar quieto,
Sujeitinho esperto & decidido, se ligou mesmo que que a situação estava sobre controle e que o jovenzinho
era sacanagem nossa. Tirei o chapéu pra ele, mas de nossa estava apenas um pouco nervoso. Quer dizer, mais ou
parte resolvemos tirar o time de campo e zarpamos pela menos por isso mesmo, a velhinha que tinha negado
porta rotatória. O Jean mandou sua função de coroinha à dinheiro ao neto virou sua devota, ficou dando tchauzinhos
merda e tentou sair pela tangente rapidinho também. Na e jogando beijinhos enquanto ele saía do banco. Acreditou
mesmo na parada. E a mina da risadinha do caixa-
eletrônico, se engraçou no Vini e curtiu a cena toda do início
ao fim.
Nos encontramos todos no termômetro da Praça Rui
Barbosa. Foi divertido pra caralho, o tipo de história que fica
melhor conforme se lembra & conforme se conta. O
termômetro da Rui Barbosa tem uma parada que marca os
decibéis pra medir o nível de ruído da praça. Berramos de
felicidade e fizemos um duelo de gritos feito uns retardados. Umas Surpresinhas Para Uns CD-Players
Jean, trinta e cinco decibéis acima do que estava (ato V)
marcando. Sergio e Fabio empataram, trinta e oito decibéis
cada um. Eu tomei no cú, trinta e três decibéis, estava Um dia uma amiga me ligou contando que tinha
rouco. recebido um estranho postal. Não tinha remetente, apenas
O grande vencedor: o Padre Louco, São Vinicius, uma frase escrita com letras recortadas de revista, no estilo
padroeiro dos cara de pau, quarenta e dois decibéis. dos bilhetes que os seqüestradores enviam. A frase era: "O
mundo está estranho ou sou eu que não presto?"
Lembrei disso porque no dia em que fizemos a
"missa" no banco, Vinicius pegou o telefone e o endereço da
mina que tinha se engraçado nele e estávamos discutindo
como ele entraria em contato. Vinicius queria usar o
"Método Sérgio Augusto de Abordagem."
O método usado por nosso amigo artista plástico
consiste em presentear a pessoa com estranhos fetiches
pelo correio. Um CD, um cartão, um verso, uma flor, tanto
faz o presente, a questão é a distância e a aura de mistério.
Sérgio sempre fez isso com as mulheres, mantendo-se
anônimo até onde era possível. Só que com o Vini teria de
ser diferente, pois não era anônimo.
- Eu posso chegar perto da casa dela e mandar um
moleque entregar um bilhete num tom dramático: "Socorro,
ajude-me, salve um gato na frente casa tal, endereço tal".
Aí a espero em cima de uma árvore na frente da casa.
- Ih, cara! Não sei, acho que não, ela não vai levar a
sério o bilhete. - Respondeu o Jean.
O Fabio ainda tava naquela viagem dos estilingues.
- Convida ela pra sair num bilhete e manda ver na
vidraça da casa dela. gravador. Gravou uns discursos verdadeiramente
- Tá viajando, cara? Ele tem uma mãe e um pai que emocionados, no fim do discurso gravou aquele som brega
certamente não vão gastando teu romantismo e é provável do Evaldo Braga, “Sorria sorria” só pra avacalhar e não se
que nem ela vai levar a coisa na boa. levar a sério demais. Quase nos cagamos rindo ouvindo o
No fim acabou usando a maneira mais prosaica: ligar resultado depois, ficou muito muito engaçado.
para sair. No entanto seguimos conversando sobre mandar Sábado à noite pegamos o Interbairros V e fomos até
coisas pelo correio e o assunto acabou chegando no postal o Terminal Fazendinha, desta vez com presença feminina, a
de minha amiga e em Fraude Postal. mina do Vinícius, Marília é seu nome, topou ir junto.
- Taí cara! Uma coisa massa pra gente fazer fim de Levamos um garrafão de vinho pra beber depois e o
semana! – Gritou o Jean do canto da sala. mocamos numa árvore no parque que tem perto do
- Fraude postal? terminal.
- Pode crêr!! Decidimos não nos dividir e enquanto eu o Vinícius
- Não dá, veio. O correio não funciona fim de agíamos, os outros ficaram de campana pra avisar se
semana. qualquer coisa desse errado. Marília não quis ir junto de
- Correio o caralho! Nós seremos os carteiros! jeito nenhum. Afinal, sábado de madrugada é uma hora
- Que coisa mais brega... meio suja pra vandalismos. Muito movimento, muito gente
- Seria se não fizéssemos as coisas um pouco acordada vendo TV até tarde...
diferentes. Na primeira casa tudo indicava que seria moleza,
- Diferentes? todas as luzes estavam apagadas e as casas vizinhas
- Claro! Ao invés de deixarmos as coisas nas caixas estavam em silêncio, tudo indicava que daria pra arrombar e
de correio, podemos invadir o pátio ou talvez as casas e cada um dos outros ficou escondido atrás de uma árvore na
deixar em lugares estratégicos. rua. As aparências enganam, pulamos o muro e fomos em
Grande Jeanzinho! A galera toda tava se coçando de direção à janela da cozinha, que com apenas um vidro
vontade de fazer umas invasões de novo, invadir a casa da quebrado daria pra entrar. Quando chegamos perto, eis que
Ju tinha sido muito tesão. Só que dessa vez não teríamos surge um enoooorme cachorro de não sei que raça babando
manha nenhuma pra invadir nenhuma casa, seria território de raiva. Meu coração quase parou, gritei pro Vini e saímos
altamente desconhecido. O Fábio foi quem teve a idéia correndo desesperados. O filho de uma cadela ainda
macabra da vez: gravar uns Cds com uns sermões do acordou todos os outros cachorros da vizinhança. Corremos
"padre" Vinicius e tentar deixar o disquinho dentro do CD- todos e abandonamos a rua. Tentativa frustrada.
player das casas. Arriscadamente genial. O tipo de idéia Andamos um monte até acharmos uma outra casa
perigosamente sedutora. Optamos por atacar um bairro em condições. Tinha um puta de um jardim na frente e era
mais da periferia com menos chances de terem alarmes. bem tranquila, entenda-se: sem cachorros. Forçamos todas
Não deu outra passando a madrugada de sexta as janelas até que uma cedeu, quer dizer, mais ou menos
inteira fazendo planos e capinhas pros CDs. Vinicius foi que cedeu, foi só puxar um pouco e o trinco na verdade
investiu grana no negócio, comprou dez Cds virgens e foi quebrou.
com o Fábio gravá-los na casa do Tharsis, que tinha o - Deus deve ser um vândalo - Disse o Vinicius
sorridente. de novo.
Entramos com relativa facilidade, o mais difícil foi Uns três minutos depois ele surge com sua carinha
achar o som no escuro, munidos apenas de um isqueiro. deslavada dizendo que deu tudo certo. Ninguém quis saber
Encontramos o aparelho no que aparentava ser o quarto do de detalhes e saímos correndo todos. Corremos mais umas
casal. Enquanto o Vinícius colocava o disquinho, escrevi a oito quadras até chegarmos a uma rua bem mais deserta
frase padrão no guarda-roupa: "Seja realista, exija o mesmo, dessas esquecidas pela prefeitura, com os postes
impossível". Saímos rapidinho e sem despertar nenhum cão cheios de lâmpadas queimadas.
alerta. Sucesso total. Sergio, sempre o mais cagão da turma, logo se
No fim da rua encontramos outra casa vazia. Desta manifestou:
vez tivemos que quebrar o vidro da janela da cozinha e o - Nessa rua acho que entraria numa casa com vocês
cachorro da casa ao lado latiu. Incrível como tem cachorro pra pintar umas paradas nas paredes.
nessa porra dessa cidade. Os caras ouviram os latidos e - Cara de pau, fica aí!
começaram a assobiar indicando perigo. Era uma rua bem tranquila mesmo, bem escura e
- Não dá nada, vamos nessa!!! - O Vinícius tava com um terrenão baldio no fundo. Limpeza total. Só que a
ficando ousado. Marília começou a ter uns chiliques de nervosa e o Vinícius
Entramos na cozinha e me cortei um pouco a mão teve que ficar com ela, o Jean que foi comigo dessa vez.
com os estilhaços. O som estava na sala e desta vez não Entramos numa que estava com as janelas abertas e as
escrevi nada, o cachorro do vizinho e os assobios da galera luzes apagadas. Arriscado pra caralho e minhas mãos
estavam me deixando nervoso. O ousado Vinícius teve então suavam. Meus colegas estavam ousando demais pro meu
a idéia mais imprudente da noite, talvez até da sua vida, gosto, acho que alguém vai ter que cair pra galera se ligar.
pular o muro da casa ao lado que tinha o cachorro latindo. - Jean, você tá ficando louco?
- É um cachorrinho pequeno e barulhento, deve latir - Esse não é um trabalho pra mariquinhas.
pra qualquer coisa e ninguém deve dar bola e além do mais Espiamos pela janela da sala, tinha um sujeito
parece que não tem ninguém em casa. deitado num sofá dormindo embaixo de um cobertor com a
Não consegui convencê-lo do contrário, o povo da televisão ligada. Pulamos a janela bem devagarinho
campana parou de assobiar e ele pulou o muro. Só que desejando loucamente sapatos de veludo. Pé por pé
dessa vez o lazarento quebrou uma enorme de uma vidraça analisamos a sala na penumbra e localizamos o som. Jean
que fez um barulho assombroso. O cachorrinho quase se trabalhava enquanto olhei rapidamente os outros cômodos
esganiçava de tanto latir. Bateu um cagaço incontrolável e da casa, ainda bem, o sujeito estava sozinho e eu fiquei
Fuji do local. Admito, fui covarde e abandonei um colega em cuidando. O cara deitado no sofá roncava & dava um peido a
pleno campo de batalha. Os outros, principalmente Marília, cada trinta segundos. A sala tava fedendo pra cacete, tive
já estavam desesperados. que tapar o nariz.
- Cadê o Vini? - Cara, tá me revoltando o estômago. – Cochichei.
- O cara fez um barulhão!! Vamos andando depois ele - Se você vomitar aqui eu te mato!
nos alcança! Quando o eject do aparelho foi pressionado, fez um
- Nada! Vamos esperar senão vai ser foda achar ele barulhinho que regelou minha alma, comecei a tremer
incontrolavelmente, pensei que ia ter um troço. & Rimos até enchermos a cara. Fábio subiu numa árvore do
Jean colocou o Cd bem devagarzinho e na hora que parque e uivou de bêbado feito um lobo. Eu bebi demais e
o negocinho fechou, deu uma estaladinha que fez nosso acabei chamando o Hugo, vomitando cada vez que lembrava
mundo desabar. De baixo do cobertor do morador saiu um dos Peidos do Gordão. O Sergio que não bebe e é devoto de
cachorrinho, acho que um filhote, latindo pra cacete, Nossa Senhora Dona Preguiça, dormiu. Vinicius & Marília
levantei de onde estava pra fujir e escorreguei no tapete. O sumiram, acho que transando em alguma Moita Anônima e
Jean desapareceu pela janela da sala. A hora que levantei e o Jean ficou tocando sua mini gaitinha de boca que carrega
dei uma olhada pra trás deu tempo do cara levantar o rosto sempre no chaveiro.
e me encarar. Foda, foda, foda! Nem lembro o que se Uma melodia dormindo com a noite, pra embalar uns
passou na minha cabeça, tá tudo meio confuso até agora, poucos sonhos.
lembro apenas que pulei a janela num Cagaço Animal e
cheguei na rua gritando feito um louco:
- Vamos embora! Embora! Embora!
- Cala a boca idiota!!!
O dono da casa saiu muito indignado, só de
bermudão e camiseta regata com Uma Careca & Um
Barrigão enormes & uma chave de carro na mão. Pulamos
um muro a uns 50 metros de distância e ficamos todos em
silêncio, acuados. O cara então entrou Caravan marrom
podre de velha e saiu rondando o bairro atrás de nós. O
cara ficou brabo mesmo, ele e seu cãozinho que não parava
de latir na janela do carro.
Ficamos agachados atrás do muro um tempão. Eu
estava nervoso, toda vez que alguém falava em saltar fora
eu pedia pra esperar um pouco mais.
- O homem viu meu rosto, foi foda, a gente chegou a
se encarar.
O Jean dava risada da minha cara e me tirava onda
até me deixar louco.
- Ri baixo, cara, ri baixo!
Foi então que Vini e Marilia vieram animados dos
fundo do terreno baldio.
- Gente! Dá pra sair por aqui!
Tinham achado uma trilha no meio do mato que dava
num campinho de futebol. Daí foi fácil, corremos e rapidinho
estávamos de volta no Mocó do Garrafão de Vinho. Bebemos
até que dá pra descontar porque é só papo, tipo aqueles
cachorros pequenos que latem pra caralho e não mordem.
Pra resumir a questão eu tava afim de um negócio
sem riscos pra dar uma relaxada e uma acalmada nos
ânimos. O Sergio, aproveitando a oportunidade, foi o que
mais insistiu nos conceitos de Panfletagem Subliminar.
O Discreto Charme de uma Briga de Boteco - É legal, fazer um discurso sem que as pessoas se
(ato VI) liguem na parada.
- Mas o que estamos fazendo não deixa de ser isso. -
Retrucou o Fabio.
Durante a semana que passou começamos a discutir - Sim, mas eu tava pensando numa coisa mais ao pé
mais seriamente os métodos e efeitos reais de nossa da letra, tipo TFO, Terrorismo de Formação de Opinião.
Panfletagem Subliminar. Em nossos últimos ataques ao Aí a galera foi à loucura com as viagens do sujeito.
cotidiano corremos riscos demais, cagaços realmente - Agora eu vi que você pirou!
assustadores. Não esquecerei jamais o olhar daquele gordo - Porquê que todo artista gosta de vir sempre com
peidorrento que me flagrou em sua sala. Ainda por cima no essa banca de surreal?
domingo, durante minha infernal ressaca do vinho que Mas o Sergio teve uma idéia, dessas tipo eclipse, a
tomamos na comemoração no Parque da Fazendinha, um cada noventa anos.
temporal diluviano desabou sobre Curitiba com direito a - Pra fazer um TFO a gente bola tipo uma peça, tem
toneladas de granizo. Um sinal, interpretei como um sinal. que ser um troço que choque as pessoas, que toque a
Sem contar que a imprudência de meus colegas, em pessoa fundo e que clame por discussão, tipo construir uma
especial do Jean, Vinicius e Fabio, certamente nos colocará opinião a partir do alicerce.
em sérias enrascadas se mudarmos de atitude. - Não tô entendendo porra nenhuma!
- É o seguinte galera, precisamos baixar a bola. - A gente faz num bar, tá ligado? Num bar. Vamos
- Com certeza! - que o Sergio fosse concordar eu já todo mundo combinado e começamos a discutir e levantar
sabia. certas lebres.
Sergio sempre foi um cara calmo e tranquilo. Foi Taí, Sergio demorou mas chutou a gol. Armar o maior
muito foda convencê-lo a fazer aquelas paradas com os rebuliço num boteco, como se fossemos todos estranhos e
quadros na noite da invasão. Depois disso ele ficou mais começar a discutir assuntos estratégicos.
decidido, passou a ir com a gente nos ataques, por exemplo. Eu chamaria esse tipo de operação de TPAO,
Mas enfim, dá pra se dizer que agora ele tá funcionando Terrorismo de Pulga Atrás da Orelha, mas tudo bem, a idéia
como uma âncora pra gente. foi dele, tenho que aceitar.
O problema é o Vinícius, que na hora do pega pra Por fim escolhemos um boteco perto do Terminal de
capar chuta o pau do barraco e se arrisca à toa; O Jean que Ônibus do Guadalupe, no centro. Escolhemos a Lanchonete
anda numas de se misturar e puxar assunto com chaveiros Tropical porque tava frio e chovendo e achamos o nome
e o Fabio, que tá pirando em comprar uma arma. O Fabio palhaço. O assunto seria o "arrastão" que uns assaltantes
fizeram num condomínio da alta burguesia aqui em Curitiba: - Ninguém fica rico trabalhando, tem roubar pra
discutiríamos o direito à propriedade privada. Sutilmente é chegar lá, se o sujeito tem muito, pode ter certeza que é às
claro. custas de muita gente terem pouco.
Jean entrou no boteco com a Tribuna do Paraná da - Ah, cala a boca, como você pode falar uma merda
semana passada, pediu uma cerveja e ficou lendo a matéria dessas? - Falou o Vinícius, já levantando a voz.
do assalto. Uns minutinhos depois entrou a Marília, Jean baixou os olhos no jornal e ficou quieto. Então o
namorada do Vinícius, comprou uma carteira de cigarro e Fábio gritou da mesinha onde estava.
quando viu a reportagem que ele tava lendo comentou: - Caralho, não acredito nisso! Cidadão! Chegue aqui
- Esses assaltantes se deram bem, hein? Devem mais perto! - Estava fazendo uma cara de invocado e
estar na praia agora, só curtindo. Né tio? Vinicius se aproximou com uma expressão cautelosa.
O tio dono do bar deu uma risadinha meio sem - Na natureza não existem posses, todos os bichos
graça. vivem em harmonia porque nenhuma onça é dona de
- É! ... pelo menos roubaram gente rica, né? nenhum mato, nenhum peixe é dono de nenhum açude e
- É isso aí! - Pegou seu cigarro e saiu fora nenhum passarinho tem pagar aluguel pra fazer ninho.
Então, quando a Marília sai do bar, Jean se O bebum deu uma sonora gargalhada e eu me meti
manifesta: na conversa.
- Quer saber de uma coisa? Aqueles caras fizeram - Os cachorros mijam e aquele mijado passa a ser
uma baita dum trabalho bem feito, nenhum daqueles dele, tipo fica dono.
riquinhos sentirá muita falta das coisas que os assaltantes Todos me olharam, até o dono do bar e os outros
levaram. fregueses que começaram a prestar atenção na discussão.
- É isso aí, s-sangue bom! - Resmungou um mendigo Nesse meio tempo entrou o Sergio e um engraxate que
com seu martelinho de pinga na mão. estava na porta e que começou a engraxar seus sapatos.
Então o Vinícius se encostou no balcão e pediu um - Peraí rapaz, o cachorro não demarca o território
pastel e um pingado, ele seria O reacionário. como se fosse SEU, só faz isso pra fazer tipo uma residência
- Esses filho da p-puta p-precisam se fu-fuder um e sentir um tipo de conforto, a natureza é harmônica. Se
pouco. - O carinha tinha que se escorar no balcão pra não tudo fosse de todos não existiria roubo.
cair de bêbado. Aí o povo que estava no bar começou a se manifestar
- Se eu pudesse pagaria uma cerveja pros caras. também, cada um com sua opinião, Vinícius que parecia o
- Só! mais exaltado.
Vinícius então olhou com uma cara de indignado pros - Se um filho da puta ousar invadir minha casa pra
dois. Eu o Fábio permanecemos quietos, cada um em uma pegar um pedaço de pão sequer eu encho o lazarento de
mesinha, ele com uma cerveja e eu com uma Tubaína de bala.
framboesa de 600ml e 80 centavos. O mendigo pediu mais um copo de pinga, desta vez
- Escutem aqui vocês dois, estão elogiando pessoas dos grandes e começou a prestar atenção.
que roubaram cidadões honestos que ralaram pra comprar o - Você fala isso porque deve ter tudo de bom em
que tem. Ladrão agora é gente? casa e não deve te faltar nada.
- Tenho! Tenho sim e foi às custas de muito trabalho. - Assassinatos? A maioria dos crimes é por causa ou
- E se teu pai perder o emprego, como tá de ganância ou pobreza mesmo, os poucos crimes que
acontecendo com muita gente? sobram tipo os devido a dor de corno poderiam ser decidido
- Roubar é que eu não vou. na base da justiça pelas próprias mãos.
O mendigo tomou o resto da pinga de um gole só e - Aí já seria barbárie.
soltou essa pérola: - Barbárie? Barbárie é o que está acontecendo hoje
- Quem n-nunca p-passou fome não sabe mesmo p- em dia. Do jeito que as coisas estão, com quem tem tendo
porque se rouba. cada vez mais e quem não tem tendo cada vez menos, você
Todos olharam pra ele e dessa vez foi o engraxate vai ver o que vai acontecer com os teus filhos.
quem deu risada. Tinha um tio gordão mandando ver nos pastéis com
- Você sabia que se pegarmos todo o dinheiro do café preto que fez um comentário debaixo de seu enorme
mundo e repartíssemos entre todos ficaríamos todos ricos e bigodão.
a economia ia pra cucuias? Sabe porquê? Porque essa - Uma coisa esse rapaz tem razão, tem muita gente
merda de mundo do jeito que está precisa de pobres para com dinheiro demais, acho que tinha que ter alguma lei que
que aquilo que os ricos possuem, tenha algum valor! A única regulasse a quantidade de dinheiro que a pessoa pode ter.
vantagem de você ter um carrão importado é que os outros Dessa vez fui eu a acrescentar.
não tenham e assim poder esnobar. - Leis? Mais leis? Você já viu o tamanho dos livros
O Jean fechou o jornal, não era mais necessário e que os advogados carregam? O senhor acha que lei resolve?
deu sua opinião: Enquanto existir lei vai existir neguinho desobedecendo a
- Concordo com isso. - Só pra deixar o Vini mais puto lei.
ainda. - É verdade, e polícia não resolve nada, já reparou
-Não acredito! Isso é papo de vagabundo que tem que quanto mais polícia se bota nas ruas, mais as coisas
medo de trabalho. Você pensa que o desemprego é tão alto descambam.
assim? Alta é a vagabundagem. Todo mundo tem direito de De repente todo mundo no bar tava questionando
ter tudo aquilo que puder comprar. polícia, escola e até a igreja, teve um que falou.
- É, mas tem gente que tem demais. - Comentou o - Essas Igrejas Universais são a maior prova de que
dono do bar. nem a religião resolve mais, os pastores mantém seu
- É verdade, falei. rebanho mais ou menos comportado, roubam seu dinheiro e
Fabio tava começando a se entusiasmar: cada fiel que abandona a igreja se revolta com o mundo,
- Se ninguém tivesse direito de possuir nada como se conheço um monte de gente lá no bairro que foi assim,
fosse seu, só seu, praticamente não existira crime, pois menino saiu da igreja virou maloqueiro, menina saiu da
ninguém pode roubar nada se pertence a todos. Nem a igreja virou puta. O negócio vai complicar cada vez mais
polícia precisaria existir. desse jeito.
Dessa vez foi um frequentador do boteco quem se Vinicius estava interpretando um reacionário com
manifestou. perfeição.
- E os assassinatos? - Só sei dizer uma coisa meus filhos terão educação,
roubar ou mendigar é que não vão.
Foi a gota d’água, o mendigo já tava bêbado e
indignado com o Vinícius fazia uma cara, pegou a garrafa de
cerveja do Jean, quebrou no balcão e foi pra cima.
Imediatamente tivemos que esquecer nosso teatrinho e
defender nosso amigo. O Sergio segurou o cara e o Vinícius
saiu do bar chingando todo mundo. O engraxate se cagava
de dar risada e o dono do bar chamou um PM que fazia
Os Don Juans do interbairros I
ronda no Terminal Guadalupe. (ato VII)
Pela primeira vez tivemos um contato com a polícia,
mas sem grandes estresses, o dono do boteco explicou tudo Domingo à noite fomos conferir a performance de
ao guarda e ele queria levar o mendigo em cana. Pagamos a Oneide, vocalista do Pelebrói Não Sei, lá no Empório São
conta e a garrafa quebrada e convencemos o policial a Francisco. Punk rock na veia & muita diversão. Teria sido
deixar tudo quieto, que o coitado não teve culpa e que foi uma noite comum de maloqueiragens diversas não fosse o
tudo provocação de um mala que já tinha ido embora. Fabio ter bebido demais e agarrado a mulher mais feia do
Saímos do bar junto com o mendigo, quase que carregando- lado de cá da Galáxia.
o. Saímos do bar logo depois da meia noite e assim que
Este foi nosso primeiro ato de Panfletagem o Fabio se despediu da mina já caímos logo na arriação.
Subliminar Teatral, teve suas falhas de funcionalidade mas - Caralho! De que planeta era aquele monstro?
até que foi divertido. Eu e o Sergio participamos pouco, mas - Vão à merda vocês todos!
já deu pra mais ou menos ver como as coisas funcionam, é - Fabio, de fé que se o meu cachorro tivesse aquela
só dar corda que a galera se enforca. Tenho certeza que cara, te juro que eu raspava o rabo dele e ensinava andar
todo mundo que estava lá saiu comentando a história e de costas!
pensando um pouco mais na razão da existência da Enchemos o saco do cara, mas enchemos mesmo.
propriedade privada. Ele nem tentar se defender muito. Mandava todo mundo se
Nos encontramos todos no terminal depois e fuder e seguia andando de cabeça baixa e cara amarrada.
tomamos quentões com o mendigo até passar o frio e a Na segunda ficou mais calmo e começamos a discutir.
chuva, comentando a história e rindo. Foi legal quando o - Pessoal, vocês precisam se ligar que beleza hoje é
Vinicius chegou, devagarinho, cagado de medo do mendigo. uma obrigação.
Tentomos explicá-lo que era uma farsa que tínhamos criado, - Como assim São Jorge?
mas ele tava tão bêbado que não entendeu bosta nenhuma, Todo mundo soltou aquela risadinha espremida.
apenas abraçou o Vini, missão cumprida. - Hoje em dia todo mundo tem que interpretar um
personagem que já vem pronto. Pronto mesmo, todos os
acessórios se encontram à venda, roupas, discos, livros e
maneiras de se informar.
- Tá, mas e daí?
- E entre todos os personagens desse teatrinho besta para entregarmos pras minas quando elas descessem do
a questão da beleza é quase unânime. nem sei se dá pra latão.
dizer que é unanimidade, é tirania mesmo. Jean tem umas teorias de que pela manhã as
- Acho que tu tá falando, falando e não tá chegando pessoas estão mais sensíveis e inspiradas, então escolheu
em ponto nenhum. um horário meio maluco pra operação: Seis da manhã,
-Aí que tem todo um mercado faturando em cima interbairros I. Pelo menos estariamos todos livres de nossos
desses padrões de beleza que andam por aí. Ao contrário trabalhos forçados.
dos outros personagens, quedá pra escolher entre uma Dormimos todos na kit dele e do vini e o sergio
porrada de estilos e opções, o personagem bonito não, são passou a madrugada inteira escrevendo os "bilhetes".
poucas as opções para se "ser bonito." Quando acordamos estava pronto. Ficou mais ou menos
- É... Você não deixar de ter um pouco de razão... assim, inspirado em Tyler Durden, mas tudo bem:
- Olha só galera, o que um cara não faz pra se "Este é um mundo oprimido pela Ditadura da Cintura
defender por ter agarrado um dragão! Fina, dos Peitos Siliconados & das Bundas Empinadas.
- Rárárá!!!! O Fascismo da Beleza Comercial.
- Vão tomar no cú e prestem atenção: existem Mais Só que existem as seguintes verdades ocultas:
& Melhores Formas de Beleza. Você não é a sua cintura.
- O filósofo das Raimundas! Você não é seus peitos.
- Hoje só se valoriza o externo e mesmo assim só o Você não é sua bunda.
mais óbvio. Aquelas sutilezas, aqueles detalhinhos, não Você é especial, única no Universo e não cabe em
aparecem na fita. nenhum rótulo dessa sociedade tirana.
- E onde você quer chegar? Você é linda!"
- Quero chegar numa nova idéia para nossos Apedar da galera achar brega, eu particularmente
ataques. gostei. Existe charme também na chinelagem. Pegamos o
- Lá vem bomba! buzum no Centro Cívico dez pras seis da manhã e tava um
- Pegamos um ônibus circular, sentamos todos frio do caraaaaaaaalho. quando sentei no banco do ônibus
espalhados, cada um sozinho num lugar diferente e parecia que tava sentando numa barra de gelo. Isso que eu
começamos a encarar, mas encarar mesmo, usando todas tava com duas calças: tradição particular pra sobreviver ao
as tecnicas de sedução aprendidas na Longa Estrada da desumano frio curitibano.
Vida, encarar aquelas minas excluídas pelo Mercado da Mal sentamos e já começamos a escolher nossos
Beleza. alvos. No banco do outro lado do corredor tinha uma
- Pronto! O cara enrolou, enrolou e encontrou a moreninha de óculos & cheia de espinhas. Começei a olhá-la
explicação perfeita pra ter agarrado uma mocréia ontem à e quando ela percebeu começou a olhar para a janela.
noite: estava fazendo Ativismo de Inclusão social. Continuei. Quando elea se virou e viu que eu continuava
Caímos na gargalhada, mas por fim admitimos que a olhando levantou-se e sentou bem longe. Pensei: "É
idéia era boa. Sérgio, o apaixonado de plantão foi o que Arizinho, você deve se rum dos excluídos da Teoria do
mais pirou com a idéia e implorou para escrever bilhetinos Fábio!". Olhei para o Jean e quase soltei uma risada, tava
com uma cara de tarado que era um sarro. Sempre foi o guardou a Julia, conferiu alguma coisa no celular, olhou -se
conquistador da turma, o Brad Pitt e tava se dando bem. num espelhinho, pegou a Julia de novo, guardou, enfim,
Agordinha da ferente dele sorria envergonhada e olhava estava nervosa.
pros lados pra ver ninguém estava se ligando na paquera. Então a mina do Jean levantou-se, despediram-se
A onda do Vinicius era o sorrisinho monalisa que com beijinhos e desceu como o bilhete na mão, toda
aprefeiçoou com o passar dos anos. Escolheu uma coroa, orgulhosa. Quando o ônibus saiu ela ainda ficou acenando
pinta de solteirona e parecia que ela tava meio inquieta. da calçada. Jean sentou do meu lado e ficamos curtindo os
Tipo surpresa com o flerte mesmo. Lia um daqueles olhares do Fabio pra magricela. Era engraçado, a mina
romances Julia que se vende nas bancas e não conseguia se virava o rosto completamente, ficando quase de costas pra
concentrar. evitar os ataques. Fabio perguntou-lhe as horas e ela
Sergio, com sua timidez crônica, nunca tinha respondeu ja se levantando. ficou de pé ao lado da porta o
intimado uma mulher na cara dura na vida sem antes cercá- resto da viagem. Na hora que ia descer Fabio entregou-lhe o
la com presentes & cartas anônimas, acabou que ficou bilhete.
dormindo no fundo do ônibus mesmo. Deu pra ver que ela saiu andando na rua a passos
Agora em termos de Cara de Safado Fabio era quem largos, invocada, sem nem ousar a olhar pro ônibus ou pro
bate os recordes. Escolheu criminosamente uma menininha papel que levou na mão. Quando Fabio chegou perto da
novinha, uns 16 anos, sequinha de magra e com um óculos gente já começamos a tirar sarro:
fundo de garrafa que de tão grosso o rosto dela aparecia - Cadê o São Jorge?
pequenino por tras das lentes. - É Fábio, ela era gata demais, tuas táticas só
Uma japonezinha desajeitada entrou e ficou de pé ao funcionam com as feias.
meu lado e resolvi investir no negócio. Dessa vez não fui tão - Vão se fuder, pelo menos ela levou o papel. E ainda
mal, ela não deu bola mas de vez em quando espiava coloquei um poeminha massa junto
curiosa para ver se eu continuava encarando. só que desceu - E ela vai ler?
logo, na hora que deu o sinal e foi em diração à porta de - Claro, senão nem tinha pego, braba do jeito que
desembarque entreguei-lhe o bilhete. tava.
- Pra você! Nosso papo foi interrompido por um bate-boca lá na
- Hã? frente. Todo mundo no ônibus estava olhando. Era a coroa
- Pra você, leve! do vinicius.
Desceu e ficou olhando intrigada pra mim conforme o - Você não tem vergonha na cara seu moleque? Só
ônibus saiu andando. Olhei para o Jean e o lazarento já tava porque não uso aliança não significa que não seja casada!!
sentado no lado da gordinha. Não dava pra ouvir o que Não acha melhor se informar antes de soltar uma cantada
falavam, mas estavam rindo animados. A magrinha do Fabio besta?
sentou num banco que vagou e ele pulou logo no lado. - Mas senhora...
Ficava olhando de canto de olho e dando sorrisos, mas ela - Você trata de calar essa sua boca!! Não ouse falar
virava o rosto pra janela. mais uma palavrinha. eu já vou descer mas ouve o que vou
Vinicius era quem estava mais empenhado. A mulher te dizer seu moleque! Preste atenção no que faz, muita
atenção, ou ainda pode se dar muito mal!!
Vini entregou o papelzinho pra ela com as mãos
tremendo.
- O que é isso?
- Um pedido de desculpas, acredite!
- É bom que seja, seu moleque descarado!
Desceu furiosa e Vinicius olhou pra nós com uma A Gurizada Big Mac Feliz
cara de perdido que era o fim do mundo de tão engraçada. (ato VIII)
Todo mundo no ônibus riu da cara dele. Sentamos juntos
tirando onda uns dos outros até chegarmos no ponto perto
da rodoviária onde desceríamos. Sergio era o que mais ria. Achar cento e cinquenta reais na rua não é para
- Grandes Conquistadores de Araque! qualquer um. Quinhentos mil tipos de eventos devem ser
- Eu me arreguei! - Cantou de galo o Jean. sicronizados, acasos dos mais absurdos, para que a grana
- É, mas só você! venha parar no seu bolso. Nós fomos os sorteados da vez
Saímos andando na calçada quando o Universo, neste Fantástico Evento Cósmico. Um Gigantesco Globo
Deus, Jeová, Alá ou sei lá o quê conspirou por nós. Na cheio de bolinhas numeradas e saiu justamente o nosso
calçada, perto do meio fio eis um milagre: uma nota de número. Coisa de louco. Tivemos discussões monstruosas
cinquenta reais dobradinha. Fabio pulou pra pegar e quando pra decidir o que fazer com a grana. Todos concordavam
desdobrou abrou um sorrisão de orelha a orelha: eram três que a grana era de todos, ia ter que sair um consenso de
notas iguais. Os Ativistas da Inclusão social foram um jeito ou de outro.
recompensados pelo acaso. Nem estávamos falando sobre isso quando surgiu a
Enchemos a cara de Capuccinos numa lanchonete da idéia. Jean estava contando do dia em que sua moto
rodoviária, vestimos nossas máscaras e fomos para nossos estragou perto da Vila zumbi e ele saiu em busca de ajuda e
trabalhos forçados com o coração leve e as almas lavadas. se sentiu cabreiro no meio de uma ambiente estranho. Foi
na cabeça do vinicius que açendeu a lâmpada.
- A gente pode usar a grana pra gerar uma situação
inversa a essa do Jean.
- Situação inversa.
- Lembra aquela que os caras do MST foram num
shoping e os lojistas fechavam as portas de medo? Não
lembro nem se isso aconteceu mesmo ou eu sonhei. Pois é,
a gente pode fazer parecido. Façam as contas: com cento e
cinquenta reais dá comprar vinte McLanche Feliz!
- McLanche Feliz? Vai dar a grana pro Império agora,
é?
- Ativista de butique é foda!
- Calma, rapaziada estressada! É só a gente fazer as tinha uns que ficaram amigos mesmo e enquanto
coisas de um jeito que pagariam o triplo para que não íamos ao Shopping Müller começaram a contar histórias de
gastássemos a grana lá. como eles se viravam e como roubavam as paradas e que
- Conclua o plano, por favor, conclua. - Falou o Fabio fome não passavam. Eram uns autênticos caçadorzinhos.
coçando a barba rala. - E como é que vocês se escondem?
- Convidamos vinte piás de rua pra fazer um lanche - É! Onde é que vocês dormem, pra onde é que
numa praça de alimentação de algum shopping. vocês fojem quando o bicho pega?
- Rapaz... Então nos mostraram uns lugares incríveis.
- O que vocês acham? Autênticos pontos que o mapa não cobre. O mapa não é o
Não tínhamos muito o que falar: era um plano território. Lugares nos miolos dos quarteirões. Banheiros de
simpático. Todos ficaram quietos e cada um, mergulhado em fundos abandonados, depósitos esquecidos e pasme, até
seus pensamentos, foi sendo seduzido aos poucos pela uma capelinha nos fundos de um troço que um dia foi uma
idéia. mansão.
Não seria difícil encontrar a gurizada ideal. Sempre Fora os esgotos e os tuneis secretos. Em resumo: os
vagabundeamos muito pelas ruas da cidade e conhecíamos guris eram feras. Chegando no Müller logo quebramos a
muitas figuraças da delinquência infantil. Eu mesmo cara. Um moreno muito bem engravatado, logo na entrada,
conheço uns quantos e quanto mais pensava nas cortou nossos embalos. Na hora que ele viu aquela
possibilidades mais ficava animado com a ação. maloqueiragezinha reunida disse não. Nem discutímos,
A ação foi marcada para um sábado à tarde, apesar dos protestos do Panfletário Vinicius, afinal tínhamos
momento mais ou menos tradicional para compras. Famílias ainda o Curitiba e o Plaza pela frente. É, curitiba tem três
inteiras passeando pelo Paraíso do Consumismo. Iríamos opções de shopping pra você viver seu consumismo e
relembrá-los do custo social daquele conforto e daquele ar- escolher quem te enraba.
condicionado central em meio ao frio do inverno curitibano. Quando estávamos indo para o Shopping Curitiba o
Começamos nosso recrutamento perto das onze da passeio começou a ficar mais divertido. A gurizada começou
manhã na Boca Maldita. Eu conheçia um polaquinho que a se soltar mais e os transeuntes realmente se
dava beijos no rosto das pessoas antes de pedir moedas, impressionavam e se preocupavam com a cena. Mulherada
mais duas menininhas, entre 4 e 5 anos que vendiam protejendo as bolsas, boas pintas escondendo os celulares.
chicletes. foda foi controlar os cheiradorzinhos. Os piás eram muito
Meio dia já estávamos com o time completo. Um fodas mesmo, por mais que vinicius cuidasse sempre davam
autêntica turminha do capeta. A aparência de nossa um jeito. Você se distraía e lá vinha um com a boca mole.
multidãozinha era tal que ninguém ficava no mesmo lado da - Ôooo tio! Cêeee é gent-te boa, viu?
quadra que nós. Fábio e Jean arrumaram uns cheiradores de Mas eram todos grandes personalidades, isso eu
cola e Vinicius ficava tentando explicá-los que se eles garanto. Era só trocar umas idéias com qualquer um deles
cheirassem antes do lanche não iam sentir fome. e suargia uma história de Coragem, Resistência & Luta.
- Sério tio? Se tú não fala nóis não sabe. Alguns equívocos, talvez muitos, mas eram sem dúvida
- Fica sossegado aí! histórias de Coragem, Resistência & Luta.
No Shopping Curitiba foi as crianças que queimaram tinha os que entravam nas lojas mechendo em tudo. Um
o filme. Foi dobrar a esquina na chegada e começaram a caos.
gritar feito uns doentes . Quando começamos a subir a Não podíamos deixá-los ali. Éramos os responsáveis.
escadaria da entrada o segurança já veio em nossa direção Nossa paternidade começou quando achamos aquela grana
fazendo sinal que não. Mandamos à merda e descemos a no chão. Não podíamos negar a responsa. Nos dividimos e
Sete de Setembro em direção ao Plaza Shoping. Lá foi nosso cada um ficou com um grupinho. Fui atrás dos que foram na
triunfo, lá conseguimos entrar. Eles estão em obras e foi loja de brinquedos.
bem mais fácil depistar os seguranças. Também porque Foi entrar na loja que já vi o tamanho da encrenca.
aperfeiçoamos nosso método: dois por vez. Tinha um pirralhinho que não deveria ter mais que quatro
Na praça de alimentação o espetáculo foi grandioso. anos que tinha sentado numa moto à pilha ou à sei lá o que
Foi cômico ver os casaizinhos Mauricio/Patricia trocando de fazia uma zoada do caralho. A funcionária só perguntava
mesa por causa do cheiro das crianças de rua. As mães com desesperada quem eram os pais da criaturinha. Tinha ainda
filhinhos bem vestidos saíam da fila do McDonald´s e os outros três que derrubavam tudo que era bonequinho
procuravam outra lanchonete. Vinicius ganhou mais uma: que tinha nos mostruérios.
realmente a cada um lanche que vendiam pras nossas Corriam com os bonequinho e se escondiam atrás
crianças deixavam de vender outros três por causa das das prateleiras. Uma cliente da loja nem disfarçou o seu
pessoas que saíam fora com medo. preconceito e saiu com seus filhos da loja, sob seus
Os funcionários da lanchonete também tiveram seu protestos, pois estavam se divertindo com a bagunça. Meus
calvário porque armamos a palhaçada com requintes de meninos estavam felizes. Alheios à discriminação, felizes por
crueldade, cada menino tinha sua grana contadinha para o serem o que estavam sendo e nada mais. Uma funcionária
seu McLanche Feliz. E muitos deles nem sabia pedir direito a se aproximou e perguntou se eu desejava algo. Falei que
bagaça. estávamos olhando pra ver se encontrávamos algo
Foi muito divertido. Acompanhávamos a cena de interessante. Na porta da loja dois seguranças babando de
longe, observando a galerinha e os sete seguranças vontade de terminar com aquela zona assim que o gerente
especialmente designados para garantir a ordem e manter a desse o sinal.
segurança do resto do shoping inteiro devido à preocupante Se contar o resto da gurizada aos cuidados dos outro
presença de nossas crianças. E eram crianças menos, posso e os que tinham cheirado cola e tal e deviam estar doidões,
garantir que todos tinham menos de dez anos. acho que a direção do shopping teve que chamar reforços
Já estávamos em clima de comemoração enquanto para a segurança. Segurei eles na loja o máximo que pude e
eles terminavam seus sanduíches quando vimos que ainda quando os ânimos se acalmaram um pouco convoquei a
teria muito rolo pela frente. "Com a barriga mais cheia turma pra sair fora.
começei a pensar, que eu desorganizando posso me - Seguinte galera! Temos que sair pra encontrar os
organizar." Mais ou menos nesse estilo o negóçio. A gurizada outros!
se repartiu numa euforia incontrolável. Uns foram pra uma - Aonde?
loja de brinquedos no segundo andar. Outros nem pensaram - Na praçinha lá na frente.
duas vezes e foram para os jogos eletrônicos. Pra completar - Ahhh...
Saímos e quando chegamos já tinha um monte de
gente esperando. Achei que tinha tido trabalho com os
moleques, mas o Jean contou que os deles foram expulsos
dos jogos eletrônicos por cheirarem cola. E isso nem foi o
pior, jogaram um monte com três cartões roubados que o
Jean nem viu como conseguiram. digamos que tratava-se de A Televisão Me Deichou Burro Muito Burro
especialistas mirins, mão de obra qualificada. Demais
Esperamos chegar o resto e quando vimos que (ato IX)
ninguém mais viria & o sol estava se pondo & o frio
chegando com a noite Fabio puxou de sua mochila uma
caixa com seis rojões. Solidão: o espaço entre o carro e a televisão. Essa
- Façam um fogueira! Será o São João dos excluídos!! jóia é do Paulo Leminski, de longe a maior personalidade
Fizemos uma fogueira meio mandrake e quando as que Curitiba pariu. A dois fins de semana atrás caiu um
chamas estavam bem altas a ponto de chamar a atenção Terrível Dilúvio sobre Curitiba, com Ventos, Granizos &
dos desavisados ou da polícia soltamos os rojões. Aguaçeiros que fizeram um estrago do caralho na cidade
Todos gritaram & pularam & dançaram em volta da inteira. Naquele domingo à tarde faltou energia em quase
fogueirinha ou de alegria ou de frio. Vivemos ali, por tudo que é canto.
segundos que tenham sido, uma Zona Libertada. É legal quando falta luz. As pessoas se vêem
obrigadas a voltarem para si mesmas. A simples falta da
Macabra Televisão já obriga todos a conversarem bem mais.
Naquela tarde estávamos conversando sobre Leminski e
relebrando seus poemas Curtos & Rasteiros, hai kais de
efeito imediato. Esse da Solidão, do Carro & da Televisão foi
o mais discutido.
Queríamos bolar alguma coisa a respeito disso. Com
carros ou televisões, alguma coisa nesse sentido. Viajamos
um monte, imaginamos intervenções estrambólicas e não
chegamos a ponto algum. Nada realmente prático e
eficiente.
Durante a última semana, no entanto, o Acaso
Cósmico voltou a nos presentear. Sempre alimentamos tipo
que um culto à coinscidência. Quanto mais você valoriza e
celebra as coinscidências, mais elas ocorrem em seu dia-a-
dia. A última onda de culto foi gerada por aqueles 150 Reais
que achamos na calçada. Então parece que certos eventos
começaram a se precipitar sobre nós. De um lado Jean
conseguiu um chaveiro boa praça para nos dar um curso e - Cara, mas no centro é foda, não é bem assim
por outro lado recebi um e-mail de um doido de Goiás com entrar num edifício e jogar uma TV pela janela.
mais um Plano Perfeito. - Eu sei que bronca, mas tem que ser num lugar que
- Piazada! Recebi um e-mail que pirou meu cabeção! um monte de gente veja.
- O que foi ari? Alguma gostosa oferecendo seus Foram várias as noites de Discussões & Cervejadas
préstimos? para aperfeiçoar o plano. Para levar o negócio a cabo várias
- Não! Uma idéia pra um ataque! etapas tinham de ser consideradas. Enrolar o porteiro pra
- Idéia? De quem? entrar no prédio, cuidar pra nenhum traseunte se machucar
- Um maluco de Anápolis, teve uma noite de insônia e o plano de fuga. O sempre complicado plano de fuga.
e entre ficar pensando em vender a televisão que tinha no Como nosso lema é nunca viajar na maionese e
quarto e observar a escada no fundo do quintal teve a sempre admitir que somos cabaços optamos por um prédio
brilhante idéia de jogar a TV na calçada. residencial, num horário que o povo tá saindo pra trabalhar
- Jogar a TV na calçada? ou estudar e numa calçada perto de um ponto de ônibus
- Puta que o pariu ! Quê que eu posso te dizer, cara? movimentado.
- Que coisa mais ridícula. Escolhemos o bairro do Juvevê. seis horas manhã (ai,
- Calma, seus merdas! Pra completar a inspiração o ai, ai, de novo), com uma puta operação teatral pro Jean
cara imaginou colocar uns bilhetinhos dentro, tipo assim: entrar com a TV no prédio. Escrevemos exatos 57
"Olha o que a TV faz com seu cérebro." bilhetinhos pra colocarmos dentro da "bomba". As frases era
Aí o povo passa na rua, vê aquela televisão mais ou menos as seguintes:
espatifada na calçada, lê o bilhetinho e pensa: "Caralho! que "Olhe o que a TV pode fazer com você."
diabos é isso?" "Olhe o que você pode fazer com a TV."
Ficaram calados. Dessa vez fui eu a apresentar um "Olhe o que a TV pode deixar você fazer."
Plano Perfeito. "Olhe o que você pode deixar a TV fazer." E por aí
- Pensem no que podemos fazer com essa idéia. vai, dezenas de variações do mesmo tema.
Foi fácil convencer o povo. Desde o dia em que Vinicius & Marilia ficaram com a parte de enrolar o
tinhamos relembrado o Leminski estávamos querendo algo porteiro. Jean entraria com uma caixa de palelão contendo
com os televisores. De repente tava todo mundo pensando, nossa "bomba". Eu, Sergio & Fábio ficaríamos em baixo,
raciocinando & bolando a ação. Não era difícil, o aparelho se cuidando pra que nenhum descuidado levasse uma
despedaçaria no chão mesmo, logo não precisava ser novo televisãozada na cabeça.
nem estar funcionando. Examinamos o prédio escolhido com cuidado. Fábio
Marília, namorada do vinicius tem um primo que foi antes, pela tarde, dar uma olhada nas condições. tinha
conserta essas paradas e conseguiu uma podre de velha, de ter uma janela grande na área das escadas e a distância
mas perfeita para nossos planos. da janela pra rua tinha de ser aceitável. Escolheu um
- A questão agora é onde a gente vai jogar a bagaça. perfeito, bastava subir uns andares, fazer uma forçinha ao
- Sergio, a nossa âncora. lançar e a lazarenta iria para no meio da rua.
- Tem que ser no centro. "Caiu na contramão atrapalhando o trânsito."
Madrugamos, pegamos o Cabral-Osório no centro e agradecendo pela ajuda e Vini simulando telefonemas cheios
fomos pra nossa "batalha”. Todos, sem excessão, de explicações pra mãe dela. Foram pro "posto de
reclamavam do sono, do frio e do maldito horário escolhido. observação" onde eu tava e já chegaram se cagando de rir.
A guarita do porteiro ficava perto da grade e do interfone. - Ele acreditou, cara! O velhinho viajou!!
Vini & Marília se escoraram perto e começaram a discutir. - Tava tremendo todo na hora que jogou água no
Estavam brigando e vinicius visivelmente cagava na cabeça meu rosto!
dela. Ficaram um tempão brigando desse jeito até que o - Muito massa, doido, muito massa!
porteiro começou a prestar atenção na cena, estava com Ficamos então no aguardo da ação do Jeanzinho. Ele
pena da mina, que só chorava. demorou, demorou & demorou até que vimos sua lanterna
Então ela começa a passar mal, tipo ataque epilético brilhar, numa janela do sétimo andar, em meio à neblina que
mesmo, com babas e tudo mais. Vinicius se desespera e sempre cobre Curitiba nas manhãs de inverno.
começa a olhar para os lados e gritar. O porteiro saltou da - Sétimo andar, mas que viado, porque não subiu
cadeira. Vini então se joga sobre os botões do interfone e mais?
começa a cordar todo mundo. - Vamos rápido! não dá nada, pelo menos ela não se
O porteiro vem imediatamente perguntar o que está espatifa muito. vê se não vem ninguém desse lado! tomara
ocorrendo. que ele consiga ver nossas lanternas com essa porra de
- Água, senhor, por favor! Água!!! neblina.
- Vem aqui, moço! Traga a menina que eu consigo - Aqui tá beleza!
água, o que ela tem? Pisquei minha lanterna cinco vezes. Deu pra ver uma
- É uns piripaques que dá de vez em quando. luzinha fraca piscando na outra esquina, era o Fábio. Jean
Entraram detro da guarita e começaram a jogar água ficou só esperando o sinal do Sergio, que ficaria perto da
no rosto dela quando o celular do Vini tocou. portaria pra garantir a segurança da operação.
- Puta que o pariu, seu porteiro! É a mãe dela! a O desgraçado demorou quase um minuto pra dar seu
coroa não pode ficar sabendo que isso tá acontecendo! Fica sinal. Piscamos nossas lanternas feito uns doidos pro cara se
aí com ela que eu vou enrolar a a velha ali fora. Abre o ligar. Quando ele piscou a sua corremos todos pra perto pra
portão pra mim, rápido! ver a cena sem interferência de neblina nenhuma. Já dava
Saiu fora e deixou o portão aberto pro Jean entrar. pra ver o Jean com a parada na janela.
Pra dar cobertura pro Jean, Marília começou a gritar e Vini Foi um troço muito do caralho. Demorou apenas uns
correu para acudí-la. quatro ou cinco segundos pra cair e enquanto a TV descia
- O que foi? todos nós demos aquele assobio agudo ficando grave que dá
- Não sei, moço! Ela deu uma soluçada e começou a nos desenhos animados quando alguma coisa cai.
gritar desse jeito. Quando a TV estourou no chão todos demos gritos
Jean aproveitou a deixa e entrou rapidinho com a pavorosos. Definitivamente não saiu como o planejado, a
caixa de papelão e correu em direção à escadaria. A porra bateu num poste e em vez de cair no meio da rua
"bomba" não era grande, 14 polegadas. acabou na calçada. Pelo menos teve a vantagem de não
Marília então se acalmou e os dois saíram quebrar muito. O porteiro correndo olhar intrigado o que
estava acontecendo. Olhava para os cacos e olhava pra cima
sem entender bosta nenhuma. Deve ter pensado: "diazinho
estranho esse."
Esperamos uns minutos e fomos ver de perto nossa
obra como se fôssemos cidadãos normais. Quando
chegamos o dia já estava bem claro e tinha um velhinho de Os Dia em Que a Churrascaria Parou
óculos olhando os papeizinhos que tinha se esparramado (ato X)
por perto e um casal de irmãos indo pra escola.
Estéticamente falando, ficou perfeito: o tubo de
imagem quebrou ao meio e os estilhaços ficaram cheios de Uma tendência que tem crescido pra caralho no
papeizinhos. As pessoas chegavam, olhavam a coisa toda e "meio libertário" é o vegetarianismo radical. Os caras
alguns, nem todos, pegavam os papeizinhos. Tinha uns que defendem os direitos dos animais até as últimas
saíam reclamando quando liam. conseqüências. São completamente diferentes dos
- Cada louco que me aparece nesse mundo... vegetarianos aos quais estamos acostumados, não usam
Outros saíam rindo e tiveram alguns que até nem sapato de couro. Nosso amigo Sergio Augusto, além de
guardaram as frases. Sergio fez um trabalho legal com as vender a alma como artista plástico anda pesquisando sobre
frases, cada uma continha ums desenho ou um símbolo o assunto e se misturando com essa gente.
particular. lá pelas sete e pouco da manhã a síndica do - Tigrada! Hoje teremos uma janta Vegan!
prédio desceu com uma faxineira pra limpar a tralha toda. O - Blargh!! - Vini e Fabio são doidos por um
negócio ficou na calçada por pouco mais de meia hora, mas churrasquinho.
posso te garantir que um monte de gente viu. Sergio anda fazendo essas comidas, mas ainda nao
Fomos então tomar café, comer coxinhas e esperar foi "convertido". Tá mesmo é praticando e experimentando
pelo Jean numa lanchonete próxima. Ele só saiu do prédio pra ver se vale a pena. Estávamos todos na peça única que
quarenta minutos depois de terem limpado tudo e a poeira é a kit do Vini e do Jean conversando sobre os argumentos
ter baixado, esperou o momento mais seguro que pró e contra o vegetarianismo radical. Eu e Jean éramos os
despertasse as mínimas suspeitas. Vegans, apesar de eu ser um onívoro convicto. Nisso nosso
Quando chegou na lanchonete já estávamos cozinheiro virou-se pra nós com um sorriso estampado no
impacientes. Demos Berros & Urras feito uns selvagens, rosto.
pegamos ele o jogamos pro alto. - Tive uma inspiração pra uma ação!
- Jean! Jean! Jean! - Lá vei ele.
Na boa estávamos Histéricos & Orgulhosos. Afinal, - Ai, ai ...
fizemos um trabalho de profissional. - Do que se trata seu monstro?
- Atacaremos uma churrascaria.
- Atacar churrascaria? Você quer fazer o que?
Explodir uma bomba?
- Não, uma coisa mais artística.
- Putz! - Vocês podem conseguir quatro tocafitinhas baratos
- Já sei! Você vai se vestir de alface e vai entrar do Paraguai e quatro auto falantes. Eu consigo umas
apavorando. plaquinhas amplificadoras à pilha, bem simples mesmo e
- Não viajem, o plano é perfeito. a gente vai num vocês põe as paradinhas embaixo das mesas.
matadouro... Ficamos em silêncio, pensando, pensando &
- Matadouro? pensando.
- E grava numa fita os berros dos bois sendo mortos. - E dá pra fazer isso?
- E? - Tipo assim: é fácil?
- E aí entramos numa churrascaria e demos um jeito - Claro! Se fizer as contas, mesmo que comprem
de tocar a fita. todo o material novo vão gastar no máximo 50 Reais, se
Sergio e seus fulminantes chutes a gol. A idéia me dividir vai dar uns 10 Reais pra cada um. Mas acho que dá
seduziu de imediato. Só de imaginar neguinho fincando pra conseguir muita coisa na sucata lá da oficina.
garfo e faca numa suculenta picanha mal passada e ouvindo Topamos. Topamos e já conseguimos mexer nossas
um berro de boi morrendo já era o suficiente pra mim me bundas gordas. Vini & Marília, nossos atores oficiais foram
cagar de rir. pro matadouro gravar os sons. Foram na casa do Tarsis, que
Difícil foi definir os aspectos práticos e técnicos da tem scanner, e fizeram umas carteirinhas falsas de
operação: como botar a fita pra tocar dentro da churrascaria estudantes de veterinária. Bolaram uma viagem de que
num volume adequado? Cada um pensava numa coisa estavam trabalhando num projeto de otimização do abate.
diferente. Jean, milagrosamente, estava sendo o mais - Otimizar é uma palavra que soa bem aos ouvidos
prático. dos homens de negócios.
- É fácil, a gente arranja alguém que tenha um carro Enquanto os dois picaram a mula pra fazer o
com um som "foderoso", estaciona na frente e arregaça o teatrinho que tanto curtiam eu e o Fabio fomos ajudar o tal
volume. Marcelo a preparar os "aparelhinhos". Jean & Sergio ficaram
- Não, tinha que ser dentro da churrascaria, falou preparando a TV e os bilhetinhos da ação anterior.
Fabio. O som tem que ser interno pro povo ficar mais puto No fim acabamos não gastando quase nada. Marcelo
ainda. aproveitou um monte de coisas de seu ferro velho particular
- Mas como? e só precisamos investir em pilhas alcalinas tamanho
- Sei lá, tínhamos que dar um jeito de tocar no grande. Trampamos pra caralho soldando componentes
sistema de som ambiente. eletrônicos e encaixando pecinhas de mecanismos velhos de
Seria perfeito mas era difícil de executar. Estávamos toca-fitas. Deu pra montar quatro "bombas sonoras" e, de
nos debatendo em estratégias quando tocou a campainha, quebra, pegar uma certa prática em soldagem. Não é difícil.
era Marília com seu primo técnico em eletrônica e a TV 14 - Se vocês tocarem as quatro fitas ao mesmo tempo
polegadas que usamos em nossa última ação. Contamos vai dar um efeito estéreo massa que vai confundir os
nossos planos pra eles e riram adoidados da viagem. ouvidos e eles vão demorar pra achar de onde está vindo.
Marcelo era o nome do cara e motivado pela palhaçada de Vinicius & Marília voltaram rindo das palhaçadas que
nossas atitudes deu uma sugestão pra resolver o problema. fizeram no matadouro. Sergio ficou puto da cara.
- Porra cara! Mas vocês não se sensibilizaram com os - Não vou usar açúcar pois provavelmente eles usam
bichos morrendo? animais pra carregar cana no canaviais pra depois fazer o
- Eu gosto de bife. açúcar, melhor não arriscar. A manga já acho que não, as
- Ah, vai te fuder, meu!! plantações de manga não são tão grandes quanto os
Gravamos as quatro fitas e marcamos a ação pro canaviais.
sábado, logo depois do meio dia. chegamos numa hora que - Ó a do cara, meu! Viajão! Não vou nem discutir a
o negócio tava lotado. Tinha fila pra esperar liberar mesa. besteira que você tá falando.
Nos dividimos em quatro, cada um com uma bomba e Rimos todos. Estávamos alegres, ríamos por
gradativamente entramos. qualquer bobagem. Nem bem tínhamos começar a dar
Foi planejada uma verdadeira orquestra de sinais pra nossos primeiros goles em nossas beras e começa o
executarmos a operação. Cada um colou com Silver Tape Apocalipse Now da churrascaria.
sua bombinha embaixo da mesa. As fitas eram de 90 Marcelo tinha falado com um amigo e tinha
minutos, o que significava 45 minutos de cada lado. Isso conseguido um carro com o tal som "foderoso". Foi a idéia
nos dava 40 minutos para desbaratinar e apreciar o do Jean sendo usada pra incrementar o ataque. De repente,
resultado. um horripilante berro de boi sai de um carro estacionado na
Inicialmente cada um deu o sinal de que a bomba já frente da churrascaria.
estava colada. Depois o segundo sinal, ambos Foi um momento único. Todo aquele barulho de
discretíssimos, diga-se de passagem, pro início da contagem talheres batendo e esfregando pratos e e toda aquela
regressiva. Cinco, quatro, três, dois, um, play! conversa alta e ruídos de fundo diversos e tudo mais, tudo
Pronto. parou. Silenciou. O povo todo ficou meio que se olhando
Saímos um por um, cada um inventando uma sem entender que diabos era aquilo. O berro durou uns dez
desculpa diferente pra um graçon diferente, tipo ter que segundos e então eles tiraram o time.
ligar pra alguém ou a carteira esquecida em casa. Nos Quando o negócio parou e o carro saiu o silêncio era
encontramos todos na rua, esperamos um tempinho e absoluto dentro da churrascaria. O silêncio durou eternos
voltamos pra fila. Desta vez todos juntos e ansiosos, muito três décimos de segundo, interrompidos por uma criança
ansiosos. que mal sabia falar perguntando:
- Cara! Não boto fé que nós estamos fazendo isso! - - Pai! que foi isso?
Jean não conseguia se segurar, ria de doer. Então quebrou o gelo e muitos riram nervosos com a
- Relaxa cara! Não dá bandeira, senão vão pergunta do menino que ecoou por todo o ambiente e quase
desconfiar!! todo mundo ouviu. Foi então que começou a sair os mugidos
Estávamos conferindo o relógio toda a hora. A fila e berros de nossos aparelhinhos. Primeiro baixinho, muito
tinha aumentado e levamos exatos 33 minutos pra baixinho. Quando notamos que os sons começaram a sair já
sentarmos em uma mesa. Mais do que o planejado, mas levantamos e pedimos a conta sem comer, apenas as
tudo bem, a operação ainda estava sob controle. De cara já bebidas. Era o nosso plano de fuga, sair assim que o troço
pedimos três cervejas e Sergio, o Vegan da hora, um suco fosse executado pra ninguém ligar os pontos e nos acusar.
de manga, sem açúcar. Olhávamos pro povo almoçando e notávamos que
muitos inclinavam a cabeça pro lado como que se tentando
ouvir algo. Muito engraçado. começaram a fazer umas
expressões intrigadas que iam ficando cada vez mais graves
conforme o som ia aumentando.
Vinicius & Jean não conseguiam se segurar.
- Olha que massa, véio! Olha que massa!!! Olha a A Arte de Sacanear Bancos para as Novas
cara daquele bigodudo! Gerações
- Fica quieto seu paunocú! (ato XI)
Falei mas nem eu me continha. Era engraçado pra
caralho! Os sons começaram a aumentar e as pessoas
começaram a comentar umas com as outras e os garçons Sacanear bancos é melzinho na chupeta. É
começaram a correr feito uns loucos. Foram espertos, já apoio popular garantido. Por mais que você escroteie, não
estavam quase encontrando os aparelhinhos, um deles será mais safado e anti-ético que eles. Eles sempre serão
chegou a achar um sob a mesa que estava limpando e piores que você. Você pode cagar no prato que eles estão
inutilizá-lo pois a pilhas caíram no chão. Mas o som dos comendo e mesmo assim não vingará dez por cento das
outro três saiu, no grand finale. Foi um berro de boi vigarices que eles aprontam.
arrepiante de uns cinco segundos, que ficou mais macabro Uma onda de revolta contra esses filhos da puta
ainda devido a não termos sido tão perfeitamente surgiu depois de irmos a uma festa onde o Fábio pagaria as
sincronizados na hora do play. No fim uma voz grave, cheia entradas. Na hora fomos sacar a grana num banco 24 horas
de eco. perto da festa e a porra do cartão não funcionou. Puta que o
- Comer carne é crime! Comer carne é crime! Comer pariu! Tínhamos pego dois ônibus pra chegar na quiçaça
carne é crime! - três vezes mesmo. onde seria a festa e não tínhamos grana nem pra entrada.
Foi uma confusão dos diabos. Muita gente se Não teve jeito, tiver que voltar pra casa com o rabo
levantou. Muita gente chamou o garçom. Muita gente entre as pernas. Na kit dos piás naquela noite o assunto foi
chamou o gerente. Um pandemônio do cacete. No meio só revolta.
daquele barulho pudemos rir à vontade. Tinha um velho - Temos que fazer uma ação contra os bancos de
barrigudo que gritava histérico: novo. – Fabio estava profundamente indignado.
- Isso é uma absurdo, um absurdo!!!! - Mas fazer o quê?
Abandonamos o local do crime em clima de carnaval. - Ah, cara, imaginação minha situação, sabendo que
A três quadras de distância Marcelo nos esperava com seu tenho saldo e não poder fazer nada pra transformar
amigo de carro. Entupimos o carro de gente e saímos com o aqueles números em dinheiro.
som com o volume no último grau. - É que você não é alquimista.
- Pode crer, Vini. É bem isso mesmo. – Jean, o
- Eu quero é ver o ôcooooo!!!!!!!!!!
místico, curtiu a comparação. – É quase como uma
transmutação. Chutando o pau do barraco dá pra dizer que
o teu cartão é como uma pedra filosofal.
- Um toque de Midas e a porra da máquina vomita o Falei que o Antonio tinha comentado comigo sobre
dinheiro. isso também e tinha também sugerido de colocarmos um
- Se souber a senha “carimbo” com a pata da galinha como se fosse uma
- Decifra-me ou devoro-te. assinatura.
Ficamos nessa viagem praticamente a noite inteira. - Então? Perfeito! O que vocês acham?
Um verdadeiro bando de paranóicos obcecados. No meio Mais uma vez não tínhamos muito o que discutir, era
dessa nóia acabei lembrando do Antonio Silvino de São uma proposta tentadora. Acabamos, depois de todas as
Paulo, que tinha comentado comigo sobre a possibilidade de nossas ações, nos tornando uns fracos diante desse tipo de
fazermos uns sacrifícios de animais nos caixas eletrônicos. proposta. Óbvio que topamos.
Comentei isso distraidamente, mas o Fabio Durante a semana tratamos de conseguir o material.
imediatamente saltou de onde estava. Dessa vez não teve como economizar um troco, pra fazer
- Caralho! É isso aí, cara, é bem isso daí! um trabalho de profissional tivemos que investir uma grana
- O que, veio? numa loja de artigos de umbanda pra comprar o material
- Lembra do nosso catecismo do dia em que o necessário.
Vinicius abençoou o banco? Aquela parada do dinheiro Fabio estava engajado no negócio, era como se fosse
virtual, espiritual mas com poderes sobre o mundo material. sua “causa pessoal” por excelência. Pagou tudo sem
Um demônio! Lembra? pestanejar.
- Só! - Essa grana a gente ia gastar naquela festa mesmo.
- Então! A gente faz um despacho pro Exu Dimdim. Acho cabalístico usarmos essa grana pra vingar o ocorrido.
Todos caímos na gargalhada. É incrível o que a - E o pior é que é...
delinqüência juvenil faz na cabeça de um desocupado. No outro dia mandei um e-mail pro Antonio Silvino
- E a gente ainda pode fugir do óbvio. contando os planos e ele entusiasmou com a idéia e
- Como assim? acabamos por combinar de fazer um ataque sincronizado,
- Toda a macumba que se preze tem que ter uma ele e os amigos dele em São Paulo e nós em Curitiba.
galinha preta morta e a gente pode fazer uma parada em Combinamos pra quinta-feira de madrugada e tratamos de
prol dos direitos dos animais. fazer uma “carta de despedida” igual para os dois ataques.
- Não captei, juro que não captei. Você não vai matar A galera se entusiasmou com essa parada de ataque
a galinha? Vai deixar a galinha viva, é? sincronizado.
- Não, a galinha será uma suicida, um mártir, a gente - Massa, as coisas estão começando a ficarem
pode fazer uma cruz e crucifica-la como um cristo morrendo grandes.
pra salvar os pecadores. Compramos três galinhas. Tivemos que ir até o
- Fabio, você está se sentindo bem? mercado municipal pra conseguir galinhas vivas, com penas.
- Olha galera, pode ser engraçado. A gente pode E pretas. Não foi tão fácil como possa parecer. Uma vez
deixar uma carta de despedida toda invocada, vai ser conseguidas as galinhas vivas o empenho foi mata-las.
massa. - Eu quero! Eu quero! – Vinicius é um escroto,
completamente alheio a esse papo de direitos dos animais.
Participou da ação da churrascaria mais por delinqüência hora em que íamos acender as velas os guris soaram o
mesmo. Aliás, todos nós, não se pode negar. alarme. Um carro estava estacionando ao lado pra sacar
Por fim teve um tio que nos indicou um açougue de grana. Não queríamos ser vistos e recolhemos tudo
um conhecido que matou as penosas pra gente na faixa. imediatamente. A mochila do Fabio ficou cheia de sangue.
Não sem perguntar: Na hora em que saímos deveríamos estar com uma cara
- O que é que vocês vão fazer com essas galinhas? muito estranha pois o sujeito desistiu do saque e foi
- Macumba mesmo. embora, provavelmente imaginando tratar-se de um assalto.
- Ta certo... – falou com um ar pouco convincente. Fiquei cabreiro.
Depois fomos atrás das cruzes, iríamos crucificar as - O cara pode chamar a polícia.
coitadas mesmo. Sergio pintou as cruzes e fez até aquela - Então vamos logo!
inscrição INRI. Escolhemos três caixas eletrônicos da Rede Tiramos a galinha da mochila e acendemos as velas.
24 Horas, aqueles vermelhos que aceitam cartões de vários Enquanto Fabio colava as cartas de despedida molhei os
bancos. Combinamos com os caras de São Paulo de dedos no sangue e escrevi nas paredes a frase: “Livre-se do
fazermos a parada na mesma hora pra ficar mais “místico”: mal, vandalise os bancos”.
duas horas da madruga. Estava tão cabreiro com a possibilidade da policia
Logo depois da meia noite saímos a pé carregando os chegar e tão orgulhoso da tarefa que desisti de acompanhar
despachos dentro de mochilas. As galinhas mortas que os guris no terceiro alvo e decidi me esconder numa árvore
tínhamos deixado dentro da geladeira tinha endurecido e pra esperar alguém chegar e ver a cena. Aparentemente
tivemso que dar uma cozinhadinha na água quente pra aquele caixa era movimentado e eu estava curioso.
amolecer. As penas e tudo mais deixar a kitnete dos guris O resto do pessoal sumiu pra dar continuidade na
fedendo pra caralho. Tudo bem, ossos do ofício. Escolhemos operação e eu fiquei esperando. Demorou pra caralho pra vir
um caixa perto da Praça Japão, que eu curto pra cacete, um alguém. Já estava quase pegando no sono quando
no Batel e outro perto do CEFET. Não eram nada perto um estacionou um carro. Era um casal de velhos. O marido ficou
do outro, o que nos obrigou a fazermos um verdadeiro no carro e a mulher entrou no caixa. De onde eu estava deu
caminho de Santiago. pra ouvir o berro. A mulher saiu desesperada gritando
No primeiro entro o Sergio e o Jean enquanto eu e os histérica.
outros ficamos cuidando pra ver se ninguém interromperia a - Ai meu Deus do céu! Ai meu Deus do céu!
cerimônia. Colaram três cópias da carta de despedida, Deviam ser um casal de evangélicos ou coisa que o
crucificaram a galinha, acenderam as velas e com o sangue valha pois ela usava uma saia longa. O carro saiu cantando
escreveram a frase: “O dinheiro é o mal” pneus, deviam estar indignados. Eufórico, saí correndo em
Ficou massa, esteticamente apavorante como deveria direção ao CEFET pra encontrar o resto do pessoal. Cheguei
ser. Seguimos pro segundo alvo muito animados pela lá e os viados tinham colocado o despacho do lado de fora
facilidade que tinha sido fazer o primeiro despacho. do caixa e não estavam mais lá. De longe já dava pra ver as
No caixa do Batel as coisas não foram tão simples. velas.
Entrou eu e o Fabio, crucificamos a penosa (tivemos que Cheguei perto e tinha um guardinha de rua e casal
usar pregos grandes e o martelo de bater bife do Jean) e na de namorados rindo e olhando a cena.
- Quem será que fez isso?
- Não sei, vi uns garotos saindo daqui correndo e
quando cheguei vi isso. Coisa de louco.
- Foda, muito foda.
Quase não consegui conter o riso. Quando cheguei na
kit estavam todos acordados, inclusive os visinhos. Os caras Os Pobre Que Me Desculpem, Mas Beleza
chegaram tão animados que arregaçaram o som pra Custa Caro
comemorar e gerado a maior confusão no prédio por causa (ato XII)
do som alto.
Estava cansado. Dormi feliz sem saber o desfecho da
confusão com os vizinhos e me mordendo de curiosidade de Semana passada fomos a uma festa burguesa. Cada
saber se os colegas de São Paulo também tinham sido bem vez que vou num troço desses mais me convenço que
sucedidos. Naquela noite os anjinhos devem ter velado por burgues não sabe se divertir. Era uma festa de aniversário
mim, pois mais uma vez tínhamos sacaneado aqueles de uma colega de aula da Marília e os delinquentes foram
lugares do mal que são os bancos. Deus deve ser um em peso entrar de peru e comer e berber às custas dos ricos
vândalo. miseráveis.
Tinha gata pra caralho. Como diz o Eduf, às vezes dá
vontade de desistir de destruir a burguesia, afinal elas
rendem boas filhas. Tudo muito bonito. Tudo muito fashion,
mas no final das contas ninguém dançou à vontade e mais
uma vez: ninguém comeu ninguém. Fabio foi quem saiu
mais revoltado.
- Rapaz, se nós tivéssemos ido num aniversário em
Colombo, lá perto de casa, duvido que teríamos ficado sem
agarrar ninguém.
- Mas eram gatas, ah isso eram.
- Gatas porque tem grana. Ser bonito custa caro,
mano véio.
- É, acho que todas aquelas minas passaram a tarde
toda no salão.
- E não repetem roupas nunca, jamais.
Estávamos voltando a pé, em seis pessoas se
economiza dez reais na grana do latão, quando cruzamos
com uma catadora de papelão pra lá de retardatária eu tive
a inspiração.
- Galera, já sei de um troço massa pra gente fazer.
- Óia! Ari saindo ta tumba, o que é? Então esse era seu plano, fingir de calouro pra cobrar
- Lembra dos meninos no Shopping? Lembra que o pedágio. Realmente, deu pra notar que em cinco minutos
povo da internet caiu de pau em cima, dizendo que usamos eles devem ter levantado uns cinco reais. Um negócio
a gurizada? altamente rentável.
- Tá e daí? - É, só que precisamos de umas minas. – Falou
- Daí que levamos um adulto – e apontei pra Vinicius, já tomando a iniciativa de ligar pra Marilia
catadora de papelão que já ia longe. convocando as amigas mais caradura que ela tinha. Mais ou
Ficaram pensando, em silêncio... menos uma hora depois já estavamos todos a postos,
- E fazer o quê? Pagar um Mac Shit? camuflados e embarrados no cruzamento da Guabirotuba
- Vocês são burros mesmo, ainda não se ligaram, com a Av. Das Torres, nem muito longe, nem muito perto da
baseado no que o Fabio falou, que beleza custa caro, PUC, perfeito.
poderemos dar uma de Xuxa, o antes e o depois, estão Não foi tão fácil quanto imaginávamos. Muita gente
ligados agora? nem olhava na nossa cara. É a crise. Levamos mais de três
Toparam. Toparam no ato. Levar uma catadora num horas pra levantarmos os 120 Reais necessários. Voltamos
salão de beleza fresco, todo metido. Foi massa porque pra casa cansados e torramos dez reais em chopes pra
pareceu que todo mundo se ligou na idéia ao mesmo, sem comemorarmos. Uma vez conseguina a grana tratamos de
ninguém falar nada. Vinicius saiu correndo atrás da definir um dia massa pro “ataque”. Tinha que ser num
catadora, demorou uns minutos e voltou correndo, quase sábado, salão lotado, galera se enfeitando pra night... Foi
sem fôlego. Marilia quem deu o toque.
- Marquei com ela. Perguntei como fazia. Pra achar - Se é no sábado, acho melhor ligar antes pra marcar
ela. Pode ser ela. Né? hora, até os salões mais fuleiros lotam no sábado.
Ficou então combinado. Só que andando depois nos Foi ela quem ligou. Marilia é uma verdadeira atriz,
ligamos num detalhe: e a grana? Aquelas bostas daquelea um dos grandes talentos esqueçidos nas periferias. Falou
salões frescos cobram uma fortuna. Foi um autêntico balde com um tom de voz absolutamente de madame. Quase nos
de água fria nos nossos planos, voltamos cabisbaixos o rachamos de rir e ela tapando o bocal do telefone e nos
resto do percurso. Foi Jean quem salvou a pátria com um xingando.
telefone no outro dia à tarde. - Calem a boca seus bostinhas!
- Cara! Descobri um jeito de conseguirmos a grana. Depois foi Vinicius quem teve que se mexer. Era ele
- Que jeito? quem tinha o contato com a catadora de papelão. Saiu atrás
- Surpresa, vou passar aí de moto pra pegar vocês. dela no outro dia à tarde e quando anoiteceu apareceu com
Jean trabalha com entregas de moto e usou a moto ela no prédio das kitinetes. Fabio pirou quando viu pela
do trampo pra nos buscar. Largou todos nós, um por um, na janela.
frente da PUC sem ninguém entender bosta nenhuma do - Não boto fé que o Vini trouxe a mulher aqui!
que estava acontecendo. Pirou tanto que viajou de bancar o estacinamento da
- Olhem os calouros da facul cobrando pedágio. corrocinha numa garagem a uma quadra dali. Foi cômico ver
o funcionário da garagem sem saber o que dizer e acabar
deixando estacionar ao lado de uma Mercedez preta. A olhando, fazendo gestos e comentários maldosos com quem
mlher chamava-se Denise, era gente boa pra cacete e estava ao lado.
acabamos firmando uma baita amizade. Tinha cinco filhos e Sentamos tomar um café antes, pois estávamos
a menina mais velha cuidava da pirralhadazinha enquanto quinze minutos adiantados e o Jean estav por chegar. É
ela trabalhava. indignante ver que até a funcionária do café, ralé fudida
- Rafael, o mais caçulinha, andou comigo na charrete como nós, nos esnobou. Trouxe o café e esqueceu o açúcar
dos três mês até um ano e meio, tá ficando em casa agora de propósito. O povo se ilude fácil com esse status podre.
por causa daquela gripe que não cura, sabe? No inverno fica Fábio jurou vingança.
mais difícil. - Cara, a gente ainda tem que voltar aqui e aprontar
Tomamos um lanche todos juntos e Jean acabou se uma feia com esses merdas.
emocionando e dando cinco motos de brinquedo de sua - Calma, relaxa que agora estamos aqui pra outra
coleção pra ela dar de brinde pros pequenos. Nos coisa.
despedimos com tudo combinado pro sábado. Sergio estava Estávamos terminando o café quando chegou o Jean
meio descrente. com uma sacolinha se desculpando pelo atraso.
- Eles podem não deixar entrar, vocês tão ligados que - O que é isso aí?
ela cheira mal pra cacete. - Nada não, uma surpresinha pra depois do ataque.
- Se não deixarem a gente se vinga. Então fomos ao maldito salão. Marilia entrou antes,
- É, e dizer pra ela tomar banho antes é ridículo. deu o nome Denise a funcionária falou que estava tudo
- Sim, só tô dizendo pra ficarem ligados, pode ser pronto e que era só deitar no negócio de lavar o cabelo.
que os caras não deixem entrar. Marilia então chamou Denise e ficamos olhando do lado de
Sábado à tarde estávamos todos ansiosos. Tínhamos fora e posso te garantir: foi uma cena muito muito
dito pra Denise que ela não precisava passar em casa antes. engraçada.
Trabalharia demanhã, do jeito como sempre fazia, deixava a Todas, sem exceção, olharam pra nossa amiga de
carroçinha estacionada perto das kits e pronto. Não cara feia e torçendo o nariz. A funcionária de lavaria o
precisava de frescura, tínhamos conversado sobre a razão cabelo ficou atônita, perdidaça, sem saber pra que lado ou
daquilo tudo e ela concordava com a gente. pra quem olhar. Esqueci de dizer mas o cabelo de Denise era
- Aquelas dondocas tem que me aceitar. crespão e alto e duro e devia se erguer a uns vinte
Fomos ao Shopping Curitiba a pé e animados, Jean centímetros acima da cabeça.
ficou de nos encontrar lá. Denise estava feliz, orgulhosa de Denise deitou-se a mulher começou a lavar o cabelo
si & contava uma piada besta atrás da outra. Ela é uma lentamente, parecia nervosa, parecia na verdade uma
grande figura, mas é fã do Ratinho e votou no filho dele nas funcionária inexperiente em seu primeiro dia de trabalho. A
últimas eleições. outra que parecia ser a gerente aproximou-se de Marilia
Mal entramos no shopping e o povo já começou a com uma prancheta com os horários marcados e perguntou
olhar atravessado. Eu reparei, quando a gente cruzava pelas com um ar de desdém:
pessoas ninguém olhava na nossa cara, mas depois que - É pra fazer as mãos e os pés também?
passavam era só olhar pra trás e ver como ficcavam
- Sim, é pra fazer tudo, hoje será uma noite muito - A caixa véio, tinha umas duzentas baratas dentro e
especial pra ela. um fundo falso, era só levantar que as baratas caíam.
Afinal, estávamos com a grana, estávamos pagando Caralho! Eu pedi pra mulher que atendeu o telefone pra
aquela porra. Marilia ficou controlando e fiscalizando tudo, guardar a caixa pra mim e foi foda, deu ouvir a gritaria do
uma verdadeira pentelha, queria o trabalho bem feito. outro lado da linha!
Quando Denise sentou-se pra escovar o cabelo e a Jean se superou. Caímos todos na gargalhada e se
manicure e a pedicure e tudo mais, entramos todos no salão tem uma intervenção que pro resto de meus dias vou
pra curtir mais de perto. Antes que alguém viesse nos lembrar como bem sucedida, foi essa.
perguntar algo Marilia adiantou-se. - Longa vida à delinquencia juvenil!!!!
- São nossos amigos, estão nos esperando.
Aceitaram a contragosto. O clima no salão era
horrível, ninguém conversava nada e tinha três minas que
ficavam se abanando pra demonstrar que não estavam
gostando nem um pouco do mau cheiro da nova cliente. Não
se preocuparem nem em disfarçar o preconceito.
A obra de arte no visual de Denise demorou pra
caralho pra ficar pronta. O escovamento do cabelo foi uma
coisa interminável. Os pés as funcionárias tiveram que lavar
e escovar por completo e várias vezes, Marilia o tempo todo
em cima, controlando. Nesse meio tempo entrou uma
senhora esperando a vez, esperou cinco minutos e saiu
resmungando que iria a outro salão mais bem frequentado.
Que se foda ela.
Quando ficou pronto olhamos todos pra Denise.
Apesar de 28 anos de sofrimento, dá pra dizer que ficou
bonitos. Todos nós a elogiamos e ficou toda boba, rindo à
toa. Pagamos a conta e saímos sorridentes, deixando pra
trás uma multidão de aliviados com nossa ausência.
Já estávamos na rua quando nos damos por conta da
caixa do Jean com a surpresa pra depois do ataque. Ele
tinha esqueçido no salão.
- Porra, deixa eu ligar lá pra ver se elas encontram.
Foi num orelhão e voltou se cagando de rir. Se torçia
todo de tanto rir, não conseguia nem falar.
- O que foi cara?
- Tive uma idéia pra fuder com esses caras que
alugam casas.
- Ó o cara! Ó o cara!
- Eu tava voltando. Viajando. Olhando pra cima e vi
um placa “aluga-se” na janela de um apê vazio. Todo
As Andorinhas tem Duas Casas (e não escuro, absolutamente vazio, completamente limpo pra
alugam a que está vaga) gente entrar.
- Invadir apartamento?
(ato XIII) - E aí a gente pinta as paredes e faz altas obras de
terrorismo poético.
Morar em kitnete é foda. A maioria só tem um - Não é um má idéia. – comentou Fábio coçando sua
cômodo e se bobear até o banheiro é conjugado. Jean e barbinha rala.
Vinicius já repartiam apertadamente aquele cubículo e - É, só que não podia ser um apartamento,
desde que Sergio veio do interior está morando junto e olha esqueceram as dificuldades de se entrar num prédio do dia
que o cara é metido a artista plástico e faz uma bagunça do em que jogamos a TV? O que dirá então de entrar num
caralho com sua criatividade. Estávamos todos discutindo a apartamento...
possibilidade de alugarmos algo maior quando o neo- Todos concordaram que apê era a princípio inviável,
revoltadocontraosistema Fabio, começou a discursar. mas que era preciso fazer algo nesse sentido. Fábio sugeriu
- Aluguel é o fim do mundo! Já não concordo com uma casa num desses bairros mais burgueses.
propriedade privada, aluguel então, é muito porco. - Se der uma banda nos bairros vai ver uma porrada
- Realmente... é uma grana que só sai, que morre. de casa grande, massa, pra alugar.
- E veja bem, é um negócio que não produz, só suga. - E o alarme?
- Me diz uma coisa, a maioria das pessoas mora de - Já andei pensando nessas paradas noutro dia e me
aluguel, né? liguei num negócio. Tem uma casas que tem cachorro
- Em cidade grande pelo menos acho que é assim. cuidando. Nessas casas não deve ter alarme, se não, pra
- Tínhamos que fazer alguma intervenção cutucando que cachorro?
nessa ferida. - Tá, mas e os cachorros?
- É, mas o quê? - A gente consegue um negócio pra eles dormirem.
- Não sei... Tipo alguma coisa pra misturar num naco de carne.
É interessante como as inspirações às vezes brotam - É Fabio, parece que você não é tão tongo quanto
das coisas mais bestas. Desta vez foi Vinicius que saiu pra ir aparenta.
na Lanchonete da esquina pra comprar refri pra nossa tuba - E voce não é tão ligado quanto aparenta.
e voltou com um sorriso de orelha a orelha. A operação aos poucos acabou sendo definida. Eu e
- Olha o cara! Fabio saímos dar um rolê de buzum lá pelas bandas do
- Parece aquele gato rosa e rocho do Alice no País Bacacheri numa tediosa tarde de domingo pra definir o alvo.
das Maravilhas. Fabio é mestre nesse tipo de coisa, foi ele que escolheu o
prédio pro Jean jogar a TV naquela vez. Marilia se também só que temos que apurar antes que aquele monstro
encarregou de conseguir calmantes com sua tia acorde.
hipocondríaca pros cães dormirem. Acabamos por encontrar Fomos correndo e chegando lá pulamos uma grade
uma casa limpeza, bala, no Bairro do Tingüi, com dois São alta do lado esquerdo da casa, os piás já estavam ligados
Bernardo e um Pastor Alemão, próxima de uns terrenos das manhas. Difícil mesmo foi entrar dentro da casa. O
baldios. A casa era grande, um sobrado com um quintal curso de “chaveiros” que o Jean tinha conseguido pra gente
arregado. Era o alvo perfeito. foi altamente mandrake, não aprendemos a arrombar portas
Tratamos então de conseguir o material pro ataque. bosta nenhuma. As janelas do térreo tinham grades e a
Sergio batalhou e conseguiu vender umas agendas e uns única janela alta disponível, que era o plano de invasão do
cartões que ele faz e com a grana comprou uns quantos Fabio, revelou-se de difícil escalada. Pra completar não tinha
tubos de tinta a óleo. Jean comprou uns sprays. Eu giz de nenhuma escada ou algo semelhante no quintal.
cera das Casas China, afinal ando duro pra caralho. Fabio Acabou que tivemos que arrombar uma porta. Foi um
imprimiu uma porrada de poemas e comprou umas fitinhas cagaço dos diabos o barulho que aquela porra fez. O
coloridas pra amarrá-los não se sabe onde e Vinicius cachorro se mecheu onde estava deitado e todos nós
comprou fósforos e álcool. prendemos a respiração. Quando entramos na casa
- Que merda você vai fazer com isso? estávamos todos tensos.
- Só o Jean que pode fazer surpresas agora? Na hora - Galera, vamos sentar aqui no escuro, relaxar um
vocês vão ver. pouco e ouvir os ruídos. – eu estava tenso, muito tenso.
- Tá bom, só não vai fazer merda, não vai foder com Todos sentaram enquanto eu fumei dois cigarros pra
tudo. me acalmar. Jean foi o primeiro a se levantar e começar a
Perto da meia noite de quinta-feira pegamos um trabalhar com seu spray. Primeiro fez a pichação
latão até o Terminal do Cabral e o resto do trecho seguimos delinqüente número um: cú. Depois foi escrevendo outras
a pé. Caminhar é bom pra pensar e precisávamos de uns frases. “Toda propriedade é um roubo”. “Estamos em
momentos de concentração. A uns quinhentos metros do território inimigo e o inimigo está em nós”. “Na natureza não
alvo nos dividimos, Fabio, Vinicius e Jean foram na frente existem leis, apenas hábitos”. Relaxei, pedi o spray
pra sedar as feras e eu fiquei com o Sergio, estava um emprestado e mandei ver: “Em mim também dói.”
pouco nervoso com essa coisa de invadir casa com cachorro. Então todos assumiram suas tarefas e damos início
Demoraram pra caraaaalho, mas demoraram mesmo. ao circo de horrores. Engraçado foi ver Vinicius, o homem
Umas três horas ou mais, já estávamos preocupados que da surpresa, só sentado nos olhando na penumbra com seu
tivesse acontecido alguma coisa e já estávamos pensando sorrisinho de Monalisa. Sergio acendeu uma vela pra
em “operação resgate”, quando chegaram. iluminar e começou a jogar umas tintas na parede pra fazer
- Porra cara, onde é que vocês estavam? uns fundos coloridos. Fabio saiu com seus poemas e fitinha
- Os filhos da putas dos cachorros não quiseram coloridas pro quintal e eu comecei a desenhar umas charges
comera a carne de jeito nenhum, tivemos que achar outra toscas na parede com meu estojo de giz de cera de um e
casa com um Pitbull mané que topou comer. A casa é massa noventa e nove.
Jean esvaziou seu spray e ficou sentado com Vini de dia deve ter ficado esteticamente alucinante. Sergio
curtindo o trabalho do Sergio que estava realmente ficando voltou e fomos todos até o muro dos fundos pra saltar fora
muito louco. Todos nós criticamos o meio artístico e suas quando nos demos por conta que o Vini tinha sumido.
afetação mas admiramos o trabalho do Sergio, o cara é - Onde aquele viado se socou?
bom. Ele já estava quase no fim quando ouvimos alguém Sergio já estava saindo em sua procura quando o
bater palmas na frente da casa. lazarento revelou sua tão misteriosa surpresa: um enorme
- Puta que o pariu! Quem será que é? clarão saindo de dentro da casa, o paunocu tinha tacado
- Olha lá, rápido. fogo em alguma coisa.
Vinicius rastejou teatralmente até a janela da frente - Você incendiou a merda da casa seu bostinha!!!!
e deu uma espiada discreta. - Nada, só açendi a lareira com uma Revista Veja que
- É um carinha de moto, desses que fazem ronda nos encontrei no canto sala, essas revistas mereçeem, vamos
bairros. embora.
- Merda deve ter visto a vela, apaga essa porra - Seu mané, porque você fez isso?
Sergio! - Bora! Não discute! Depois a gente conversa.
Apagamos e nos escondemos todos na área de O guardião do bairro apitou, acelerou sua moto e
serviço perto da saída. Vini ficou de butica no cara da moto. veio rapidinho quando se ligou do fogo. Dessa vez o
Ele deçeu da moto, olhou no escuro primeiro, depois cachorro acordou com o barulho e avançou em nossa
açendeu uma lanterna, iluminou e viu o cachorro dormindo. direção. O cara mais sem jeito do mundo chamado Sergio
Apitou pra acordá-lo e todos nós quase tivemos ataques Augusto se amarrou pra conseguir pular o muro e levou
cardíacos simultâneos. Ufa, o viado não acordou, só que o uma senhora duma dentada na barriga da perna. Ainda bem
ronda ficou desconfiadíssimo, sentou na moto e esperou um que a calça jeans que estava usando era bem grossa e os
tempão pra ver se ouvia algo. Tava na cara que era hora de dentes do cão não chegaram a furar a perna, mas deixou
saírmos fora antes que as coisas se complicassem ainda umas doloridas marcas de dentes. Quando pulamos o muro
mais. descobrimos que tínhamos dado um azar fudido, o terreno
- Vamos embora povo! – chamei. era um lamaçal infernal.
- Espera o cara sair. Chafurdamos feito uns fugitivos desesperados. Foi
Só que ele não saiu. Quer dizer, saiu e estacionou a um verdadeiro recorde dos cem metros chafurdados.
moto na esquina próxima e montou campana no escurinho - Que porra! Que zica do caralho!
da sombra duma árvore. Vinicius estava em êxtase por causa de sua fogueira
- É... o cara não vai em bora tão cedo. idiota e ria feito um demente. Sentamos no outro lado
- Vamos embora! – eu estava muito nervoso. quarteirão pra descansar e desbaratinar o cara da moto que
Sergio foi pé por pé e terminou sua genial obra no iluminava o lamaçal com sua lanterna tentando nos localizar.
escuro mesmo enquanto fomos conferir o que Fabio estava Altos momentos de tensão, o décimo terceiro ataque não
aprontando no quintal. Fez um troço até que bem massa. podia terminar mesmo bem. Se o treze fosse mesmo o
Tinha umas árvores pequenas e ele fez uma autêntica número da sorte como o Zagalo diz tínhamos ganhado a
decoração de natal com seus poemas em todas as árvores, copa da França. Cabalístico isso.
O dia já estava clareando quando saímos cabreiros
nos esgueirando pelos cantos das ruas pra fugirmos do
local. Enquanto esperávamos ouvimos sirenes da polícia,
mas felizmente não fomos pegos, a manha foi esperar uma
cara até a poeira baixar. Quando já estávamos
relativamente longe corremos. Corremos muito até
A radioatividade do ar leva até vocês: mais
chegarmos numa lanchonete pra comer e beber pra poder
voltar pra nossas bestas rotinas de criaturas sociais.
Estávamos Exaustos, Sedentos & Famintos, apesar da um programa da série Delinqüência
descarga de adrenalina.
O tio da lanchonete estava desconfiadíssimo com
nossa imundície e falamos a ele que estávamos saindo de (ato IVX)
uma festa.
- Passamos em Medicina na Federal, tio. O senhor
não bota fé o quanto é difícil e o quanto estamos felizes.
Não gargalhávamos desta vez devido a estarmos Tem dias que a vida parece coca-cola sem gás. Nenhuma
podre, mas sorríamos em silêncio enquanto o lanche não música agrada, nenhuma conversa progride e a apatia
chegava e no íntimo todos pensavam. vence o jogo. Estávamos neste estado deplorável,
- Foi massa!!! assistindo São Paulo e Cruzeiro na televisão sem volume,
quando a Ana Paula Padrão interrompeu nosso tédio com
aquela cara de peito contido que faz na hora de noticiar
algo grave. Era a morte do filho da puta dono da Globo.
Foi show a gritaria da galera, urros selvagens e gritos
primais celebraram o momento. Sergio Augusto então se
emociona e toma a atitude mais inesperada pela qual já
passei. Arrancou da tomada o fio da televisãozinha dos piás
e jogou a lazarenta pela janela.
- Enfim livres! – berrou para todo vizinho que
quisesse ouvir.
Foi um choque. Ficamos todos paralisados.
Absolutamente não esperávamos aquilo. Tínhamos jogado
uma TV do sétimo andar outro dia, mas, porra, era a TV dos
piás. Pequena, preto e branca, mas era a TV que eles
tinham. Não falei nada, não sabia o que dizer. Fábio ria que
se cagava e Jean, um dos donos do aparelho, ficou atônito.
Mas Vinicius explodiu em fúria.
- Puta que o pariu! O que tu fez seu viado? - Ari! Lembra daquela tua viagem de montarmos uns
-Ué? E a campanha “Jogue Sua TV Pela Janela”? transmissorzinhos de FM para interferirmos nas televisões?
Ele estava coberto de razão. Vinicius resmungou e - Lembro.
começou a ficar vermelho de raiva. Sergio tinha em seu - Pois então, a gente pode aproveitar essa deixa pra
favor falácias passadas, é um desses caras que nunca fazer a parada.
perdem a calma. - Tens razão...
- Jogar uma TV que não funciona de um edifício - Pois então, vamos mexer nossas bundas gordas.
invadido e manter uma funcionando em casa é ridículo. Depois daquela baia invadida em que quase ninguém viu
Vinicius respirou fundo e deve ter contado até mil até nossa ação eu tava afim dum esparro.
que a realidade começasse a bater. Aliás, bater não, socar No outro dia Vinicius tratou de encontrar Marcelo,
violentamente o rosto, dele e de todos nós que estávamos aquele primo da Marilia que é técnico e que quebrou nosso
lá. O paunocu do Sergio conseguiu fazer com a gente o que galho no ataque da churrascaria. Naquela vez ele participou
provavelmente não conseguimos fazer com ninguém. junto, pirou e se dispôs de quebrar outros galhos.
O tão aclamado choque na percepção das coisas, na E este era um novo galho.
rotina bestial enraizada em nossa psique. Num segundo o - Porra gurizada, esse é fácil! Com um transistorzinho
Galvão Bueno estava lá, queimando um filme puxando o besta e vocês montam um transmissor com mais de
saco de seu patrão e noutro segundo a televisão estava na duzentos metros de alcance.
calçada. Não era muito alto, só rachou o tubo de imagem, - Mas é fácil mesmo?
mas o suficiente pro fantasma do Galvão sair pelas - Claro, numa tarde a gente monta e é baratinho,
rachaduras. arrumamos quase tudo que precisa na minha sucata de
Levamos um tempão pra começar a conversar novo.
novamente. Foi Jean quem quebrou o gelo. Passamos então a considerar os aspectos práticos da
- É seu monstro, você tem razão, veio. operação. Com alcance 300 metros de raio resultaria numa
- Com certeza! – ria o Fábio. área de abrangência de um circulo de 600 metros de
- Você fala porque mora com os véio em Colombo e diâmetro, isso sem nenhum prédio ou montanha no meio.
não era tua. Uma barreira de edifícios, por exemplo, atenuaria o sinal.
- Relaxa, mano! A TV era podre e merecia um Escolhemos então um bairro residencial. Jean estava
descanso, com uns poucos reais você compra outra igual. interessado em atingir a maior quantidade de casas
Não! Não vou mais comprar televisão. Nunca mais! possível.
Por fim acabaram se abraçando com desculpas e - Não tem como aumentar a potência do sinal pra
obrigados que mais pareciam duas bichas locas. Acabamos atingir mais casas?
ficando acordados até altas horas falando merda e - Até tem, mas vai encarecer e complicar um pouco
profanando a alma do pobre milionário que acabara de mais.
morrer. Lá pelas tantas já estávamos normais, viajando em - Muito?
inventar delinqüências. Fabio estava hilário, foi ele quem
deu o toque.
-Passa de cem reais. Mas escuta o seguinte, vocês - Como assim?
podem montar vários transmissores e se esparramarem, - Lembra do Tiba e do Ribamar, que rachavam o apê
desse jeito dá pra cobrir uma área grande. com a gente nas antigas?
- E dá pra transmitir sons ou já é viajar na - Sim, mas e daí?
maionese? - Eles são feras em imitar a voz de pessoas famosas.
- Dá sim, imagem é mais complicado porque o sinal Ele podiam imitar a voz de figuras conhecidas e aí
de vídeo em AM e gerar imagens são um negócio mais foda, poderíamos tirar onda verdade.
mas som dá, um microfonezinho de eletreto e tá feita a Perfeito. Vini se encarregou de falar com os caras e
cagada. explicar os detalhes de toda a nossa viagem, pois eles
Perfeito. Passamos o domingo inteiro confeccionando estavam absolutamente por fora de nossas ações. O etílico
os transmissores, queríamos interromper a transmissão do Tiba pirou com a idéia, mas fez uma exigência.
Fantástico, queríamos ibope. Todos trabalharam juntos, cada - Tá certo, a gente faz, mas tá um frio do caralho e
um no seu, menos o Sergio. eu queria fazer a cabeça antes com uns quentões. Sabe?
- Dessa vez quero ficar de camarote, vamos escolher Aquecer os neurônios.
o bairro do Água Verde e eu fico na casa da Marilia - Eu falo com minha namorada e a mãe dela faz o
assistindo a TV com ela e a família dela fazendo de conta quentão.
que não sabemos de nada. Quero conferir se a parada vai Terça à noite então tomamos um belo trago e saímos
funcionar mesmo ou não. aquecido e levemente chapados de quentão pra nossas
Sergio, Vinicius e Marilia foram até a casa dela antes atividades. Eu e os outros delinqüentes de sempre
com os transmissores. Eu, Jean e Fábio fomos definir os ficaríamos cada um em sua árvore ciceroneando a
pontos onde iríamos transmitir de modo a atingir a maior transmissão e Tiba e Riba (bela dupla, não é verdade?)
quantidade de lares possível. Fomos criteriosos pra cacete. ficariam se revezando nas imitações, teriam que correr de
Escolhemos quatro árvores das quais era possível enchergar um lado pra outro.
as TVs pelas janelas das casas. Uma vez definidos os locais Seria na hora do Jornal Nacional e quando o
fomos buscar os aparelhos com Sérgio. Porém um teste programa começou Sergio, que novamente estava de
rápido na casa da Marília revelou o pior, o viado tinha plantão na casa da Marilia soltou um rojão quando William
carregado eles na mochila sem o menor cuidado, amassou Boner deu seu formal boa noite em rede nacional. Liguei
as bobinas e ferrou com o ajuste de freqüência. meu transmissor e comecei:
Mas tem males que vem pra bem e enquanto passei - Senhoras e senhores, interrompemos a transmissão
a segunda-feira inteira me desviando de minhas funções no da Globo pra homenagearmos esse grande filho da puta
trampo reajustando tudo me dei por conta de que chamado Roberto Marinho e sua nefasta Rede Globo de
poderíamos fazer uma grande palhaçada: esperar pelo dia televisão. Transmitiremos uma série de depoimentos
da missa de sétimo dia e interrompermos o Jornal Nacional. emocionados de personalidades conhecidas.
Liguei pros piás imediatamente. Nesse meio tempo chegou o Tiba.
- E aí Jean, o que você acha? - Com vocês: Leonel Brizola.
- Acho a idéia boa, mas dá pra melhorar.
Soltei o microfone que tinha sido previamente Ribamar saiu correndo e fiquei esperando pelo Tiba
adaptado a um fio longo pro Tiba e ele caprichou no seu novamente, sem parar a transmissão. Quando Tiba chegou
sotaque de gaúcho. perto e pegou o microfone eis que acontece a tragédia, ou a
- O povo brasileiro tem que entender o motivo de comédia, o futuro dirá. Um gordão saiu correndo de uma
minha angústia com essa morte. Minha vida perdeu o casa no meio da quadra totalmente indignado, se ligou na
sentido, foi-se meu inimigo predileto. fita.
- E agora: George W. Bush, presidente dos Estados - Seus vagabundos! Vocês não tem mais nada o que
Unidos da américa: fazer seus merdas do caralho!!!
Tiba então mandou ver num sotaque de gringo em Trazia um porrete na mão e me viu em cima da
praias tropicais: árvore segurando o fio do microfone. Imediatamente gritei:
- Lamentamos com profundo pesar a morte desta - Fuja locôôooo!!!!!
importantíssimo jornalista argentino. Saímos correndo nos mijando de rir do jeito
De repente mais um rojão, era Sergio sinalizando desajeitado que o gordão corria com o porrete batendo no
que a bagaça estava funcionando. Tiba correu pra árvore do ar e do vastíssimo repertório de palavrões com os quais nos
Fabio e enquanto esperava pelo Riba segui discursando esculhambava. Tivemos que nos esconder e esperar o resto
sobre os males que a Globo infligiu na história recente de da turma terminar a ação.
nosso país. Jean fez uma bela pesquisa na internet sobre as Apesar desse percalço foi um sucesso. Sergio nos
filhadaputiçes globais. contou que a mãe da Marilia se torcia rindo no sofá e não
Discursei abençoado por Marte, que brilhava deixou o marido trocar de canal. Curtiram a transmissão até
majestoso no céu logo abaixo da lua. O céu das frias noites o final e isso nos dá uma noção do efeito de nosso ataque
curitibanas é simplesmente sensacional. Ribamar chegou nos lares do bairro. Aos poucos fomos nos reunindo de volta
logo e a palhaçada continuou com Dercy Gonçalves. na casa e é óbvio que a velha se ligou.
- É, seu filhos de uma puta! Vou enterrar vocês - Foram vocês, né seus desocupados?
todos! Mostramos a ela os aparelhinhos e demos belas
Silvio Santos veio com a nova última piada nacional: gargalhadas. Jantamos todos lá e depois fomos comemorar
- Hahaê! Ele me ganhou! Ele me ganhou! Ameacei o sucesso da ação no Pacatatucutianão, um bar muito louco
morrer pra melhorar meu ibope, mas ele me ganhou, que fica ali no Água Verde mesmo. Os deuses nos
morreu de verdade! Hahaêê, Lombardi!! premiaram com uma louquíssima noite de festa e Jean tirou
- É patrão! Ele saiu na frente!! a sorte grande: agarrou uma gata fenomenal chamada
Então Anthony Garotinho se mete na conversa: Alana.
- Graças a Deus não foi nenhuma bala perdida! Provavelmente o capeta deve ter dado umas quantas
- E atenção pessoal! Temos aqui a importante espetadas no jornalista morto em nossa homenagem.
presença de um membro da ONG Greenpeace! “Primeiro - Obrigado Capetãããoo!!!!
acabaram com o Leão Marinho, depois foi a extinção do
Cavalo Marinho, e agora, o Roberto Marinho. Enfim, uma
grande perda pra biodiversidade.”
cara tá sempre querendo me surpreender.
- Olha, eu penso o seguinte: não tenho nada contra a
relação de homem com homem ou mulher com mulher. Não
Uma Missa para o Lado Selvagem vejo nada de errado nisso, a imagem é que choca.
(ato XV) - Como assim?
- Ah... por exemplo, você olha a foto de um casal
Nos últimos tempos o movimento pelos direitos dos heterossexual se beijando e enxerga amor, mas se o casal
homossexuais tem crescido no mundo todo. De um lado for do mesmo sexo não se vê o amor, apenas o beijo.
gays, de outro homofóbicos e as discussões muitas vezes - Deixa de ser ridículo!
saem da argumentação pra caírem na violência física pura e - Só porque você não vê o amor, não significa que ele
simples. Esse é um assunto polêmico em que os não exista e que mais ninguém vê. À merda você com esse
preconceitos ocultos mais se manifestam. seu raciocínio.
Na kitnete dos Delinqüentes o assunto veio à tona O bate-boca foi longe, com momentos até de
quando Jean ligou pra mina que conheceu no agressividade, aquela kitnete acabou transformando-se num
Pacatatucutianão depois de nosso ataque dos transmissores. microcosmo da questão homossexual. Várias bandeiras
Quem atendeu foi o irmão dela, com um alô totalmente foram erguidas, várias foram baixadas e no final das contas,
boiola.. Jean ficou de cara. como de costume, chegou-se numa espécie de consenso.
- Porra, o irmão da mina é viado! Só que infelizmente o consenso não veio porque
- Que é que tem, cara? Você tá agarrando ela ou o ninguém convenceu ninguém. O consenso veio porque
irmão dela? Vinícius teve uma idéia genial pra um ataque. Só assim pra
- E ainda falou que o nome dela não é Alana merda chegarmos a um consenso mesmo nesse assunto, o que nos
nenhuma, é Alice, a mina viajou. une é a delinqüência, é o desrespeito total às instituições. E
Logo depois entramos num longo bate-boca sobre os a idéia do Vini era atacar a Igreja, instituição que a tempos
gays quando comentei aquelas paradas do Vaticano insistir estávamos afim de sacanear.
em condenar o casamento dos homossexuais. Jean e Fabio - Prestem atenção no que eu estava pensando.
vieram com um discurso escrotamente homofóbico. - Lá vem bomba...
- Tem que matar essas bixas todas! - O Papa não quer que eles casem, lançou uma
- Já sapatão eu curto. - Escroteou Jean. campanha mundial e a homofobia só fez crescer no meio
Os dois são mesmo uns palhaços safados, Bukowskis católico. Podíamos fazer um belo protesto contra essa
degenerados. Vinícius é o mais cabeça aberta, pra ele que atitude conservadora.
se foda. - Sim, mas que ataque?
- Cara, o que cada um faz com seu rabo não me - Compramos um monte de revistas pornográficas de
interessa. O cú é teu, mano, faz dele o que quiseres, estou gays, colamos a cara do Papa em cima de cada um que tiver
pouco me fodendo. trepando e colamos os papéis numa igreja.
Sérgio que me surpreendeu; porra, parece que o Ficamos em silêncio, pensando, até que Jean caiu na
gargalhada.
- Cara! É muita palhaçada! Que plano do caralho, Procuraram na net outras imagens sadomasôs e
meu!!! avacalharam ainda mais com o Papa e colocaram cada
Sérgio também riu, curtiu a viagem. colagem dentro de um envelope branco pra plantarmos na
- E a gente podia avacalhar ainda mais, nos vestindo igreja.
de travecos e indo assistir a uma missa. Escolhemos a Igreja Padre Agostinho na missa do
Aí a galera emudeceu mesmo. De verdade. Opa, domingo de manhã. Não era uma igreja nem muito grande,
peraí caceta. Apoiar o movimento é uma coisa, dar uma de nem pequena e ficava num bairro, mais sossegado.
traveco já é outra bem diferente. Fábio logo já tomou a Passamos a madrugada de sábado dando um trato em
frente. nossos visuais. Éramos todos cabaços nesse tipo de coisa e
- Tô fora! Marília foi nossa diretora artística, dando os toques
Fiquei indiferente, até que Vini começou a se mijar principais na hora das maquiagens.
de rir pensando na puta cena que seria fazermos isso. Sérgio ficou horrível, seria uma bixa assustadora se o
- Imaginem galera, o constrangimento causado pela negócio fosse sério. A ironia é que os homofóbicos Jean e
presença espalhafatosa de bixas locas numa missa. Cara, Fabio foram os mais perfeitos. Se fossem bixas, seriam
isso pode realmente ser hilário!! bixas de sucesso. Claro que tirei onda deles.
Acabou que bolamos um plano altamente - Hummmm!! Vocês tem é medo! Cabreirisse, rárárá!
constrangedor pra nossas masculinidades. Uma verdadeira - Olha a bundinha delas, hummmm!!! - Vini também
prova de fogo em que nossos preconceitos mais íntimos não desperdiçou a bola na marca do pênalti.
seriam postos em cheque. Vinícius ligou pra sua namorada - Vai te fuder Ari!!!
Marília pra conseguir as roupas e as maquiagens. Ela Eu e Vini ficamos meia boca, com uns vestidões
simplesmente não botou fé na nossa piração. Não conseguia compridos até o tornozelo e uns colares breguíssimos.
nem falar direito ao telefone de tanto que ria. Combinamos que entraríamos todos separados na igreja,
- Você pára de palhaçada, sua tonga! - Vini ria junto. pois entrar junto seria muito chamativo e queríamos apenas
Chegou na kit com um sacolão de roupas e uma cara dar umas alfinetadinhas nos católicos, não porradas.
de debochada. Tolerância religiosa é importante e acreditamos que não
- Essa eu quero ver, se cobrarem vinte reais de estávamos sendo muito intolerantes, apenas estávamos
ingresso nessa missa eu pago mesmo assim, vale, pode ter sendo uns palhaços delinqüentes.
certeza que vale. Domingo cedo pegamos o Água Verde-Abranches e
Fábio e Jean se encarregaram das pornografias. descemos perto do Bosque do Papa, só pra dar um grau
Compraram umas revistinhas e foram na casa do Társis, cerimonial a nosso ataque. Estava um frio desumano e a
amigo nosso que tem micro com scanner. Társis também grama ainda tinha uma camada de geada por cima. No meio
achou a idéia engraçada pra cecete e eles acabaram do bosque tem uma estátua de um papa com uma
entrando numas e fazendo altas viagens no Photoshop. A expressão pra lá de macabra no rosto. Maquiamos o papa e
carinha do papa em cima dos gays ficou perfeita. fomos pra Igreja.
Acompanhando cada panfleto colaram um texto dizendo: "O Vini foi "a primeira" a entrar e ficou bem na frente,
Ministério do Caos adverte, o mais importante é o amor". na primeira fileira de bancos. Depois entrei eu e fiquei lá
pelo meio, do lado esquerdo. Carregávamos todos nossas bancos discretamente, mas o sermão improvisado exigiu de
colagens nos envelopes na mão. Marília e Társis foram nós também um improviso. Era a hora de agirmos diante do
vestidos normalmente pra serem platéia e não perderem o inesperado. Um dia isso teria de acontecer, pelo menos foi
show. Jean e Fábio, as duas "bixas gostosas e enrustidas" sob o teto de um deus.
entraram quase juntos e ficaram próximos uma do outro, no Vinícius tomou uma atitude drástica e interrompeu o
meio,do lado direito. Sérgio que demorou pra caralho. sermão.
A missa já tinha começado e já pensávamos que ele - Isso é um preconceito absurdo!! Isso contraria
não entraria quando chegou e se mocou no fundão. Ele é o completamente a frase de Cristo que diz que o mais
tipo do cara que gosta de dar idéias pra que os outros importante é o amor.
ponham em prática, fazer ele participar de nossos ataques Falou isso balançando os braços e deixando cair os
tem sido nossa maior vitória. envelopes com nossas colagens. Caíram vários, próximos ao
Foi incrível como ninguém nos olhava diretamente altar. Sem querer viajar e já viajando, o silêncio dos fiéis
nos olhos. Era como se fôssemos invisíveis. E também chegava a fazer eco. Vini terminou de falar e dirigiu-se à
parecia que estávamos fedendo, ninguém ficava perto. No saída a passos largos e resmungando palavrões. Vi muitas
mínimo um metro e meio de separação física. almas se benzerem.
O padre foi quem se fudeu bem mais pra disfarçar Em solidariedade à sua atitude saímos todos juntos,
que não estava enxergando nada. Vinícius estava bem na indignados também.
sua frente, bancando uma autêntica bixa loca. Na hora do - Isso é uma falta de respeito para com o ser
sermão ficou descaradamente dando em cima do padre e humano!
nos cânticos era totalmente "desafinada e estérica". Fomos pedindo licença pras pessoas e deixando
Só tinha mulheres na primeira fileira e algumas propositadamente os envelopes caírem no chão. Sérgio tava
começaram a se invocar, principalmente quando Vini meio tão escondido que nem vi ele sair. Jean foi o último a sair e
que se emocionava e insinuava que iria dançar no embalo quando estava na porta virou-se e falou pra todos:
dos hinos. Eu tava olhando pra ele na hora em que levou - Êita coração de pedra!
uma cotovelada de uma delas. Saímos da igreja todos correndo e rindo. Não sei
Começou então a dar açenadinhas pro padre, que porque corremos tanto, mas corremos. Chegamos no
teve uma hora que chegou até a gaguejar. Nesse momento Bosque do Papa e nos jogamos no chão extasiados pelas
foi difícil conter o riso. Estávamos sendo o mais escrotos gargalhadas e imaginando como a missa poderia ter
possíveis, cantávamos desafinados, fazíamos comentários prosseguido depois daquela cena. Foi muito engraçado. A
bestas sobre trechos do sermão para os vizinhos, que geada já tinha desaparecido e a maquiagem da estátua
ignoravam solenemente, até que as coisas começaram a se também, algum guarda municipal deve ter se ferrado e
complicar. O padre emendou um sermão contra o lavado tudo, efeitos colaterais de nossa guerra, seu guarda,
casamento homossexual, primeiro insinuando e depois foi mal. Trocamos nossas roupas enquanto esperávamos
descaradamente. Foi ele quem chutou o pau do barraco Marília e Társis.
primeiro. - Gurizada! Muita cara de pau a deles, seguiram a
A princípio colocaríamos nossas colagens pelos missa como se nada tivesse acontecido!
- E os envelopes?
- Fizeram de conta que não estavam lá, mas deixe
quieto que depois tenho certeza que irão conferir o que tem
dentro, aí sim levarão o verdadeiro susto.
Eu Não Pedi Pra Nascer, Nem Vou Nascer Pra
Ainda era de manhã e fomos a um bar na Mateus Perder
Leme tomar umas cervejas escuras pra comemorarmos. Não (ato XVI)
tínhamos dormido à noite nem comido nada antes de sair de
casa, de modo que o jejum fez com que as beras pegassem Dinheiro é como droga e estamos quase todos
valendo. viciados. As crises de abstinência são terríveis. Cada vez
Voltamos pra kit meio bêbados e dormimos o resto mais se faz cada vez menos sem ele. Sérgio está
do dia cada um com um sorriso no rosto imaginando a desempregado e tá foda de arrumar alguma coisa. Se dar
abertura dos envelopes. bem hoje em dia é como tirar a sorte grande, ser uma
Foi muita palhaçada. criatura iluminada pelo Deus Mercado. Até os que tem
trampo fixo, como eu e Jean, estão pela bola oito, com
sérios riscos de perdê-los.
Somos uma autêntica geração de Fudidos & Mal
Pagos. Na segunda-feira à noite estávamos chorando as
mágoas e brincando de rotular nossa geração.
- Desistam, vocês só vão conseguir isso quando
ficarem velhos e a geração da vez já for outra. - Vinícius é
um pessimista apocalíptico incurável.
Sérgio é enfático, esse seu chavão até que já é meio
antigo, mas ele sempre solta essa.
- Somos os Palestinos do cotidiano, expulsos dos
nossos sonhos e das nossas aspirações e refugiados numa
realidade que nos exclui.
- Pô, que foda isso...
Eu e Fábio somos do palpite de que somos múltiplos
em rótulos, dá pra chamar de uma porrada de maneiras, a
Geração Queda-livre, a Geração "O Atrasado Que Paga a
Conta" ou então mais perfeito: somos a Geração "O Que é
Um Peido pra Quem Tá Todo Cagado?".
- Vocês estão viajando. - Falou Jean calmamente,
fumando um Charuto que arrumou não sei onde. - Na
verdade somos mesmo a "Geração Espermatozóide".
- É...
- O prêmio é bom, se você fecundar, fica nove meses - Vou sair loira, com uns óculos grandes e um
curtindo e desenvolvendo o corpinho, depois nasce pros casacão de frio.
prazeres da vida. Mas o vestiba é fudido, são bilhões de - É limpo, no banheiro tem várias portinhas, vão
candidatos por vaga. Mas tem gente que consegue... demorar pra entrar na que você usou, dá tempo de sumir. -
Ficamos naquela, pensando na viagem dele, até que Jean foi o arquiteto da ação.
ele deu uma baforada em seu charuto e quebrou o silêncio. Fez um mistério lazarento, disse que comprou curtiça
- Inclusive eu tenho um plano de uma ação nesse e que ele mesmo daria um jeito de esculpir o feto. O
sentido, não curti a dos travecos, queria fazer algo manifesto seria com ele também. Aceitamos o mistério
diferente. porque desde a surpresa do ataque ao salão de beleza do
- Que ação? shopping ele, digamos assim, ganhou uma certa moral no
- Um autêntico ataque. grupo.
- Ataque? Eu e os guris cuidamos então do resto.
- Uma grande palhaçada, pra dizer a verdade. E o resto era o sangue e os outros apetrechos
- Fala logo, porraaa! realísticos. Fábio veio com uma de que víçeras de porco são
O cara falou só isso e ficamos todos nos olhando e muito parecidas com as humanas e acabou usando seu
pensando: "Olha a do cara!". Nem falamos nada, humor negro pra dar uns toques aterrorizantes ao resultado.
simplesmente ficamos esperando por maiores explicações. Conseguimos umas paradas parecidas com cérebro, muito
- Fácil! A gente consegue um feto falso, um feto de horrível. Fomos até Campo Comprido pra conseguir o
uns três meses, um pouco de sangue de animal e deixa no material na casa de um tio, amigo do pai dele.
banheiro de algum shopping. Vinícius ficou com Marilia e seus disfarces e o Sérgio
- Rapaz, não boto fé nessa tua mente macabra! participou do mistério do Jean. Jean queria dar um
- Mas calma aí, não é só, não pode ser só. acabamento artístico no ataque e convocou o monstro.
- O quê? O sangue colocamos numa garrafa de Tubaína vazia
- A gente deixa um manifesto, como se o bebê de dois litros e as víceras numa sacola de lixo preta. Antes
mesmo não quisesse nascer. Tipo um feto suicida. de sairmos de casa Jean nos chamou num canto e mostrou
- Feto suicida? seu "precioso". Era um feto com dois braçinhos recém
- Eu não quero nascer nesse mundo de merda! formados, sendo que o lado esquerdo estava pra baixo e o
Pronto. A idéia estava lá. Uma daquelas típicas idéias braço direito inclinado em direção à cabeça.
monstruosas que se agigantam e te dominam. - Tá, mas todo esse segredo pra isso? É um feto
Operacionalizar a idéia já foi mais difícil, pois precisávamos comum.
de uma mina, Jean não se encontrou com Alana Alice e essa Então tirou do bolso uma seringa e colocou na mão
mina teria de ser a Marilia. do feto.
Foi foda convencê-la. Nós somos uns malacos, mas - Com vocês, o feto suicida!!
ela tá apenas iniciando nos caminhos da delinqüência. Ficou perfeito, hilário, o feto apontava a seringa na
Somente depois de bolar um bom disfarce que ela acabou têmpora direita, igualzinho a um suicida com uma arma
topando. apontada pra cabeça. Depois mostrou o manifesto: O
Movimento dos Fetos Conscientes, apresentando quinhentos - Ai meu deus! Tem sangue lá dentro! Tem sangue lá
mil motivos pra não nascer nesse mundo de bosta. dentro!
Jeanzinho acabou fazendo um manifesto altamente hard- Era uma velhinha, quase morremos de pena da
core. Revoltado mesmo. coitada, se mijou de susto, ou se cagou, pois caminhava
Marcamos a ação pra quarta-feira no início da noite, lentamente com as pernas meio abertas, parecia cagada
lá pelas sete horas. O desafortunado alvo da vez foi o mesmo. A coitadinha tremia toda e não conseguia
Shopping Müller, que ainda não tinha sido vítima de nossas pronunciar uma frase inteira, só gaguejava.
sacanagens delinqüentes. Vinícius entrou com Marília e - O que foi, minha senhora? – Perguntei
rapidamente se dirigiram ao banheiro. Marília entrou e ele disfarçadamente.
ficou esperando. Logo chegamos nós, que ficamos nas - Eu, eu, eu, eu não s-sei! T-tem muito sangue lá d-
proximidades observando o desenrolar dos fatos. dentro. Eu não sei! Deus que me perdoe, mas parece que
Marilia demorou, demorou e demorou. Deve ter abortaram!
ficado uns vinte minutos lá dentro. - Abortaram? Lá dentro?
- Será que ela não vai mijar pra trás? - Eu não sei! Eu não sei!
- Relaxa, a mina é das nossas. Fiquei com o coração partido, a apavorada senhora
Até que por fim ela saiu, apressada, nervosa, a começou a chorar. Não demorou até que um segurança do
passos largos. Vinícius foi atrás pra saber se ela tinha feito shopping chegasse junto.
tudo conforme o combinado e também para tranquilizá-la - O que está acontecendo aqui?
um pouco. Ficamos esperando, torcendo pra que rolasse o - Seu moço! Seu moço! Tem muito sangue lá dentro,
maior escândalo possível. Nosso real objetivo ao atacar os eu não sei, eu não sei, mas deve ter acontecido alguma
shopping é que essas igrejas do consumismo deixem de ser coisa horrível lá dentro!
a ilha da fantasia que proclamam ser. Lutamos, digamos O rapaz pediu licença, falou alguma coisa no rádio e
assim, contra o apartheid social que é fortíssimo em entrou no mictório. Naquela hora eu desejei ter nascido
Curitiba. mulher, só pra ver a cena. Sérgio não desperdiçou a chance
Vinicius voltou e contou que saiu tudo conforme o e tirou onda.
planejado. O bebê ficou com o braço desocupado virado pra - Se tivéssemos vindo travestidos que nem fomos à
cima e somente quando fosse erguido que a palhaçada seria missa, poderíamos ver nossa magnífica obra de arte.
revelada. Marília, mesmo contra a vontade e morrendo de - Cala boca, seu animal!
nojo, molhou os dedos no sangue já quase coagulado e Vinícius saiu com Fábio falando aos quatro ventos
escreveu na porta do toalete a frase: Movimento dos Fetos que tinha ocorrido um aborto dentro do banheiro. Todos que
Conscientes. ouviam levavam a mão à boca e murmuravam deusmelivres
O tempo foi passando e entrou uma pessoa, depois e coisas do gênero.
outra e outra e nada. Já estávamos pensando que o Quando as pessoas começaram a se aglomerar pra
shopping fecharia sem ninguém se ligar quando ouvimos o ver o que estava acontecendo chegaram mais três
tão esperado grito. Um autêntico grito de quem leva um seguranças e fecharam o banheiro.
cagaço. - O que está acontecendo?
- Estamos verificando, mas a princípio não é nada de será que todos iriam querer nascer nesse mundo doente?
mais “O Mundo tá muito doente. Tem gente que mata.
Vinícius não cansava de repetir: Tem gente que mente.”
- Foi um aborto, a senhora que viu me garantiu que
foi um aborto.
O segurança parecia seguro de si.
- Calma, parece que não é nada de mais.
De repente, o circuito interno de som do Müller
anuncia.
- Informamos nossos clientes que houve um
vazamento de água num de nossos mictórios, mas nossos
técnicos já estão resolvendo o problema e em breve ele já
estará funcional novamente.
Filhos de uma puta! Lacraram a entrada do toalete
em questão e não deixaram ninguém mais entrar no
banheiro enquanto o “problema” estava sendo resolvido.
Vimos várias faxineiras entrarem com baldes e panos. Bom,
pelo menos elas e alguns funcionários viram, melhor que
nada.
Marilia voltou sem seu disfarce e ria toda vez que via
a cara de deboche das faxineiras que saíam do banheiro.
Desta vez foi Marilia quem mais riu, merecidamente, foi o
primeiro ataque com ela como protagonista principal. Várias
pessoas acompanhavam o entra e sai do banheiro e todos,
sem exceção desconfiavam que alguma coisa estava
acontecendo.
Mas a direção do shopping no mínimo empatou com
a gente, conseguiu, na medida do possível, abafar o caso.
No manifesto do Jean estava escrito mais ou menos
assim: “Já foi uma concorrência dos diabos pra mim, como
espermatozóide, conseguir fecundar o óvulo. Não quero
nascer pra ter que concorrer de novo, com outros bilhões,
por uma vaga bem sucedida nessa sociedade porca.”
Voltamos a pé pra casa rindo muito deste e de outros
argumentos engraçadíssimos que Jean usou em seu
manifesto. Realmente, se houvesse uma opção de escolha,
- Besta isso.
Jean foi o único que não ficou pessimista depois do
Salte Fora e Puxe a Descarga ataque.
(ato XVII) - O canal não é se contentar com o presente e sim
potencializá-lo, fazê-lo valer a pena.
Nesse século que se inicia estamos vivendo uma Sérgio então se inspirou.
época de profunda confusão. Quem não está confuso ou - Temos que valorizar os instantes.
está mal informado ou está sendo desonesto consigo A noite prosseguiu com mais uma daquelas nossas
mesmo. Ninguém sabe o que está acontecendo e ninguém longas discussões filosóficas que não muito raro, dão em
sabe pra onde estamos indo. merda. Merda no sentido de que sempre acabam surgindo
Ficamos muito impressionados com o manifesto que inspirações pra delinqüências diversas.
Jean escreveu sobre o bebê que não queria nascer. Ficou um Sérgio queria empreender mais uma obra de
enorme sentimento de desesperança no ar. Não dá vontade Terrorismo Poético.
de correr atrás das coisas quando se sabe que é impossível - Queria criar alguma coisa que simbolizasse essa
alcançá-las. vontade de sumir, esse desejo de desaparecimento.
Era esse o clima na kitnete dos Delinqüentes na Fábio, ainda com o orgulho abalado pelo ataque dos
sexta-feira à noite, depois do aborto no shopping center. travecos, queria viver emoções mais fortes.
Cada um acabou fazendo um breve perfil de sua condição - Tô com saudade da ilegalidade, de cutucar a cobra
neste mundo de bosta. com vara curta.
Saquem nosso perfil. - Você é lóki.
Vinícius estuda e batalha pra passar num vestibular - Podíamos invadir uma casa. - Interrompeu Sérgio.
enquanto faz bicos como músico. Jean trabalha de moto - Pra fazer o quê?
num serviço de tele-entrega e todo começo de ano volta a - Uma performance de desaparecimento.
estudar e todo meio de ano desiste de estudar. Eu, trampo - Como assim?
num escritoriozinho sem futuro. Fábio mora com os velhos, - Se liguem na idéia que eu tive. Altos atos de
tenta sair de casa e vive fazendo planos de vida Terrorismo Poético, só não sei como invadir a casa, isso não
mirabolantes sem nunca levar nenhum a sério e Sérgio é é comigo, mas a idéia eu tenho.
uma dessas almas de artista, que nunca se encaixam na - Então fala que estamos curiosos.
normalidade da sociedade. - Entramos na casa, vamos até o banheiro e no lado
Enfim, temos tudo pra dar errado, somos um caco de do vaso deixamos todas as roupas de alguém. Como se o
vidro esquecido na areia da praia, esperando alguém pisar cara tivesse se despido ali dentro. Tudo; sapato, meia,
em cima. cueca, tudo. E no vaso a gente deixa uma meia,
- Ás vezes dá vontade desaparecer. - Vinícius, o simbolizando que o dono das roupas sumiu pela descarga. E
pessimista. com as roupas, talvez no bolso, uma carta de despedida.
- Esqueça o futuro, te contenta com o teu presente e - Que louco isso... - Vini curtiu.
te consola com o teu passado. - Muito louco mesmo!
Cada um bolou um jeito de aperfeiçoar a idéia. Cada juntamos nossos apetrechos, pegamos o biarticulado Santa
um mexeu na panela acrescentando seu tempero particular. Cândida-Capão Raso e descemos no terminal Capão Raso,
Concordamos todos que podia ser uma casa da periferia, depois pegamos o Rondon. Marília não quis ir, estava se
que a burguesia não merece tão poderosa obra de arte. Pelo recuperando do estresse do último ataque e ainda não tinha
menos em uma família, plantaríamos uma sementinha. nem aparecido na kit. Já estávamos ficando preocupados
Jean e Fábio se encarregaram dos planos de invasão. que ela fosse desistir do Maravilhoso Mundo da Delinqüência
Deram uma banda de moto pela cidade e escolheram um Juvenil.
bairro. Deram uma banda, diga-se de passagem, em pleno Descemos e chegamos num boteco pra bebermos
horário de serviço do Jean. Fizeram aquilo que costumamos algo e nos concentrarmos um pouco.
chamar de Subversão de Baixa Intensidade, SBI (Vini - O que você acha Ari, é melhor começar pela casa
costuma dizer que andar sujo em ambientes chiques, mais fácil ou pela mais difícil?
também é SBI). - A mais fácil, contar com a sorte é o primeiro passo
Sérgio, Vinícius e eu nos encarregamos da obra de para conquistá-la.
arte em si. Enquanto Sérgio se internou sozinho na kit pra Saímos do boteco e nos embrenhamos numa rua
escrever os textos, eu e Fabio fomos até a casa de Társis, pouco iluminada. Andamos umas seis ou sete quadras até
que já é quase um delinqüente, scanear imagens e preparar que Jean fez sinal pra que parássemos. Olhou pra todos os
os documentos do desaparecido. lados, prestou bem atenção nos ruídos e pulou o muro em
Tive uma idéia do mal. O cara iria se chamar Jesus que estávamos ao lado.
Cristo e em todos os documentos colocamos uma imagem - Venham! - Cochichou.
padrão do "filho do homem" como fotografia. Fizemos tudo Fábio tinha pulado quase ao mesmo tempo que ele e
direitinho. Data de nascimento: 25 de Dezembro de 0000. pulamos todos juntos logo depois. Era um desses terrenos
Filiação: Maria de Nazaré (não sei se esse é o sobrenome vagos esperando por uma construção, especulação
correto, mas ficou esse mesmo) e José/Deus (a parceria imobiliária. Fábio apontou para o fim do terreno, mostrando
com deus dispensa sobrenomes). Órgão Expedidor: SSP- qual era a casa.
Belém. - Mas fiquem espertos porque a casa da esquerda,
As roupas cada um doou alguma coisa e no sábado à não a primeira, mas a segunda, tem cachorro e esses porras
tardinha já estávamos com tudo pronto. Os guris tem um fudido de um ouvido sensível!
escolheram o bairro Cidade industrial e três casas como Fomos até o muro da casa devagar, agachados em
alvo. silêncio, brincando de hobbits carregando o um anel.
- Pelo menos numa das três a gente tem que Pulamos o muro um por um, menos Sérgio, o desajeitado,
conseguir entrar. que precisou de três ajudando para conseguir. O quintal da
- Escolhemos umas que tem moral de a gente entrar casa era grande, tinha até uma horta. O Vegan Sérgio não
pelos fundos. se segurou e chutou umas verduras, enchendo os bolsos.
- E aparentemente não possuem cachorros. - Vamos fazer altos cremes de verdura com suco de
Os dois, principalmente Fábio, estão ficando couve quando voltarmos!
especialistas em campanar bairros. Sábado à meia noite - Blarghh!!
- Psssiu!! toda. Eu corria que nem um manco por causa da dor no
Atravessamos o quintal pé por pé até uma janela que traseiro. Acabou que eu também precisei da ajuda de três
guris falaram ser a do banheiro-alvo. Era uma janela fácil de pra poder pular o muro. Sérgio, obviamente, tirou sarro de
abrir, dessas inteiras, que se empurra pra fora. Como sou o mim.
mais magro da turma fui o escalado para entrar. Se o vaso - Viu com deus castiga?
ficasse perto da janela era só jogar as coisas, mas também - Vai te fuder, seu panocú!
seria muita sorte ter as duas facilidades, janela fácil e vaso Dessa vez atravessamos o terreno baldio correndo.
perto. "Os Cavaleiros Negros estão atrás de nós, corram hobbits,
Enquanto entrei, Jean e Fabio ficaram cuidando em corram!" Saímos na rua de trás e corremos as seis ou sete
baixo da janela enquanto Sérgio e Vinícius montaram quadras até o boteco em que tínhamos estado antes.
sentinela no resto das janelas da casa pra tentar ouvir se Ainda estava aberto. Era um bar boêmio, de
alguém acordasse. Coloquei tudo direitinho, as roupas ao madrugada e de cachaceiros mesmo. Resolvemos curtir a
lado do vaso, os sapatos, uma meia jogada num canto e a noite ali mesmo e ficamos até quase amanhecer o dia, nos
outra dentro do vaso. Quanto estava terminando minha vangloriando pra nós mesmos das virtudes de nossa obra de
tarefa pensei ter ouvido algo e me assustei. Estava Terrorismo Poético.
sugestionado. Esse ataque acabou servindo pra recuperar nossos
Com o susto levantei-me rápido, escorreguei no piso ânimos, pois se somos a ralé dessa sociedade porca, pelo
molhado e caí sentado. Foi um puta de um pacote. Doeu pra menos temos a arte em nossos corações e o que é melhor:
caralho. Fora o som do baque no chão, que assustou os dois arte não corrompida.
que estavam no lado de fora.
- O que foi isso Ari? O que houve?
- Nada...nada.
Mas que estava doendo a bunda, isso estava. Escalei
a janela pra voltar todo errado por causa da dor e me
esforçando pra não gemer. Os guris me puxaram pelo braço
e eu tomando todo o cuidado do mundo. Só que na hora
que meu pés puf!, caíram no chão, a porra da janela se
fechou de uma vez só, fazendo um tremendo de um
barulhão. Sérgio e Vinícius, que não estavam ligados do que
estava acontecendo ficaram indignados.
- Caralho! O que foi isso? O que vocês fizeram?
- Merda!
O cachorro que tinham falado começou a latir
furiosamente e entramos todos em pânico. Corremos feito
uns loucos em direção ao muro dos fundos. Não era a
intenção, mas na correria acabamos pisoteando a horta
Fui eu quem teve a idéia do cinema, resolvendo
Ali Babá e as Dez Mil Baratas antes o segundo problema.
- Podemos soltar as baratas dentro de um cinema.
(ataque XVIII) - Dentro de um cinema?
- Porra Ari, aí já é terrorismo puro e simples.
Se você odeia shopping center, ir ao cinema tornou- - Nada véio, a gente pode deixar umas mensagens
se um programa incômodo. Se você não dispõe de muita pra galera ver quando acenderem as luzes.
grana, ir ao cinema tornou-se um programa caro. Todos os - Que mensagens?
cinemas do centro da cidade fecharam, Curitiba ainda tem - Vocês fecharam os cinemas do centro da cidade!
alguns, mas em cidades como são Paulo eles simplesmente Vocês me obrigam a vir aqui! voces racham comigo o
desapareceram. Restaram apenas os pornôs, que provam caríssimo aluguel e por aí vai.
seu valor de contestação de tabus sobrevivendo como - Não é uma má idéia...
marginais. A gurizada começou a se empolgar com a idéia. Fábio
Essa introdução foi pra contar de um ataque que a foi o primeiro a se animar.
horas já tínhamos planejado. Desde o dia em que Jean - E é limpo, no escuro ninguém vê nada, todos
surpreendeu a todos deixando uma caixa de baratas no concentrados no filme.
salão de beleza, queríamos repensar esta idéia. - Rapaz, - Vinícius começou a rir. - Imagine só,
- Cara! Soltar uma porrada de baratas num shopping quando se ligarem será tarde demais, as baratas já
center num dia que tiver lotado é do caralho! invadiram toda a sala de cinema!
- Pode crer! - Genial!
Jean tinha conseguido todas aquelas baratas naquela - Mas tem que ter barata pra caralho.
vez porque tinha ajudado na faxina do depósito onde Restou então resolver o primeiro grande problema.
trampa. Na hora teve a idéia brilhante e catou todas que Como conseguir baratas pra caralho? Pensamos em mil e
conseguiu, respondendo que era comida pra iguana da uma soluções, cada uma mais estrambólica e furada que a
namorada a todos que perguntavam intrigados porque ele outra.
estava juntando tantas baratas. - Se formos na lanchonete ali da esquina acho que
Conseguir baratas na quantidade suficiente revelou conseguimos umas quinhentas.
ser o primeiro grande problema. Como soltá-las no shopping - Vai tomar no teu cú, fala sério.
sem ser flagrado pelas câmeras de segurança foi o segundo. A solução acabou vindo através de um e-mail do
Jean estava perigosamente otimista. Antonio Silvino, do grupo dos cangaceiros de São Paulo que
- A gente pode ir na Shopping Curitiba, que tem tinham feito um ataque sincronizado com a gente. Contei
aqueles canteiros com flores que o povo fica sentado e pros piás.
soltar as baratinhas no meio das flores. - Ele falou que existe uma lenda de que se deixarmos
- É, até dá, mas analisando as imagens das câmeras umas baratas dentro de uma caixa de papelão lacrada, após
os caras vão se ligar em quem fez. alguns dias eleas se multiplicam e enchem a caixa.
- Tens razão... - Sério?
- Não sei, a gente tinha que checar. Jean mostrou um papel com a "planta" das cidades,
Vinícius lembrou então de uma mina que faz biologia colocaram pranchas de papelão e assim construíram vários
na federal. Procurou o número na agenda e saiu pra ligar de ambientes. A maior viagem. distribuímos as baratas nas
um orelhão, pois o telefone da kit está cortado de novo. caixas e nos cobrimos de toda a paciência do mundo pra
Voltou em estado de graça. esperar pelo resultado.
- A mina falou que dá certo! Olha como ela explicou: Depois de uma semana já dava pra ver que a parada
se você colocar dez baratas na caixa hoje, ainda hoje elas estava funcionando. Sacudindo as cidadelas dava pra notar
colocarão ovinhos. No segundo dia estes ovinhos já terão se que já tinha barata pra cacete lá dentro. Nessa semana
transformado em dezenas de baratinhas. No terceiro dia chegamos à conclusão que já tinha quantidade suficiente
essas baratinhas já estarão botando seus próprios ovinhos. pra montarmos nossas "bombas de baratas", marcamos pra
Sacaram? quinta-feira à noite a ação. Escrevemos vários panfletos pra
- Que massa, lôco!!! jogar no chão e colar nas poltronas.
- Em dez dias já vai ter mais de mil baratas. Se Entramos no cinema todos separados carregando
fizermos dez caixas teremos dez mil baratas! mochilas nas costas como se estivéssemos voltando da aula.
A idéia teve o efeito de uma bomba entre nós. Cada Só Vini e Marília que entraram juntos como namorados.
um abraçou com vontade sua tarefa. enquanto Sérgio, Jean Estávamos ansiosos, todos com um sorrisinho no
e Fábio ficaram montando as cixas, fui com Vinícius e Marilia rosto e meio que olhando pros lados e analisando a laje das
no lixão catar baratas. foi divertida pra caralho nossa vítimas. Coitados.
aventura no lixão. Munidos de sacos plásticos e luvas de O combinado era que na hora em que apagassem as
borracha reviramos tudo em busca das bichinhas. luzes sincronizássemos nossos relógios. Após meia hora de
Acabamos achando e levando pra casa um monte de filme soltaríamos nossas bombas. Acabamos adquirindo
coisas legais. E acabamos conhecendo um monte de uma verdadeira paixão por aqueles bichos, eram como se
catadores de lixo legais também. Ser a escória e viver de fossem nossas tão estimadas filhinhas.
achar coisas faz deles pessoas com uma visão de mundo Aguardamos impacientes a primeira meia hora, nem
maravilhosa. O Palestinos do Cotidiano que o Sérgio falou. conseguimos prestar atenção no filme. Só pensávamos em
Voltamos pra casa impressionados e com umas trezentas soltar as bombas, soltar as bombas, soltar as bombas.
baratas. Quando venceu o prazo abri minha mochila, tirei a bomba
As caixas que os guris montaram ficaram fora de (as baratas estavam em sacos plásticos, era só furá-los com
série. Sérgio apresentou o resultado orgulhoso. o dedo para acionar), coloquei cuidadosamente no chão e
- Cada uma delas é uma cidadela. abri um salgadinho pra disfarçar. Levantei e pedi licença
Montaram só sete. fingindo estar indo ao banheiro e fui me encontrar com o
- São as Sete Cidades . resto da turma pra aguardarmos o desfecho. Fui ao
- Olha o que eu fiz. - Fábio apontou pra uns buracos banheiro e encontrei Vini e Marília, os dois se espremendo
na lateral das caixas. - Aqui é a entrada de serviço, você de vontade de rir.
puxa esse cordãozinho e tem acesso a um buraco pra Quando todos chegaram confirmando que tinham
jogarmos comida pras nossas procriadoras. soltado as bombas voltamos ao cinema. No ambiente escuro
o clima era de total expectativa entre nós. Meu coração devolveram rapidinho dinheiro pro povo e ainda deram mais
acelerava cada vez mais a cada minuto que se arrastava pra um ingresso de brinde.
passar. Lutar contra o capitalismo é mesmo foda, os caras
Foram dois longos minutos até que ouvíssemos o são muito ensaboados e o dinheiro compra tudo. De nossa
primeiro gritinho de susto vindo lá da frente. parte recusamos o presente e saímos fora realizados.
- Tem barata aqui! Orgulhosos de nossas filhinhas. Orgulhosos de nossa prole.
- O que foi? Onde? Saímos do Shopping com a adrenalina a mil, foi um
- Aqui, aqui, aqui!! de nossos ataques mais arriscado, diferentemente de invadir
- Pssssiu!!! casas estávamos expostos a uma multidão de pessoas e
Era um casal de namorados. O cara tava tentando sem dúvidas seríamos presos se fossemos pegos. Fomos até
disfarçar e acalmar a mina. ficaram murmurando não sei o um botequinho nas proximidades e tomamos A cervejada
que baixinho até que deram um outro grito no outro lado da pra comerar. Menos Sérgio, o Vegan, que não bebe.
sala. O São Gulik da religião dos Discordianos é uma
Assistíamos a tudo extasiados. barata. Dedicamos esse nosso ataque a ele.
- Tem uma barata na minha perna!!
O casal de antes, ao ouvir isso, acho que se ligou que
alguma coisa muito estanha estava aconteceu e saiu fora
em direção à saída. Mais pessoas começaram a ficar
desconfiada. Vinícius se partia de dar risada. Mais gritos.
- Isso é um absurdo!
- Onde está a higiene disso aqui?
Algumas pessoas começaram a sair e se dirigir à
bilheteria exigindo seu dinheiro de volta. Liberou umas
poltronas e sentamos todos juntos, longe de onde tínhamos
deixado as baratas, é claro, pra curtir a cena e dar risadas.
O bafafá já era grande dentro da sala e podíamos rir
bastante sem despertar suspeitas.
Gritos de "ai que nojo" para todos os lados, pessoas
se dirigindo à saída, o bicho estava pegando quando
acenderam as luzes. Os que saíram antes não viram nada,
mas quem esperou as luzes acenderem viu nossos
panfletos, tínhamos deixado um monte esparramado pelos
corredores.
A mensagem, afinal de contas, foi passada. A direção
do shopping foi rápida no gatinho pra evitar o escândalo.
não sei qual foi o genial gerente a ter a idéia, mas
Tá Vendo Aquela Calçada Ali Seu Moço? propaganda usadas hoje em dia foram criadas e testadas
Escrevi Meu Poema Lá pelos nazistas.
- Disso ninguém fala.
(ataque XIX) Concluímos que nosso próximo ataque deveria ser
em relação à isso, retomada do espaço urbano, sabotagem
Muitas pessoas afirmam que tentar passar uma publicitária, enfim, mais uma ação de Terrorismo Poético.
mensagem sem se importar com os meios é um crime. Vinicius parecia ser o mais inspirado.
Argumentam isso toda vez que invadimos casas ou qualquer - Se você analizar bem, as cidades estão organizadas
outro espaço privado para fazermos nossos Terrorismos de modo a nos condicionar a pensar de um certo modo, a
Poéticos. Concordaria com esses argumentos se não fazermos somente certas coisas e nos comportarmos de
existissem tantos out-doors poluindo nosso campo de visão. uma certa maneira.
Se for assim, então socar propaganda goela baixo também é - Tudo bem, muito bonito esse discurso, mas e daí?
crime. Uma vez definido isso começamos então a nos - Vamos bolar algo, injetar uns vírus nesse sistema
entender. condicionante.
Partindo desse ponto de vista, o que a Prefeitura de Ficamos nessa uma cara, viajando nas possibilidades,
Curitiba fez, ao privatizar os pontos de ônibus, é crime. porém com mil críticas e nada prático e concreto para
Crime contra a Imaginação Pública, entupindo a cidade de fazermos. Jean e Fabio quase fundiram os cérebros
propaganda. Os pontos agora possuem um enorme e pensando em algo. Nessas horas parece que o descaso
luminoso painel publicitário, que além da poluição visual, resolve. Sérgio, que não estava nem aí pra bagaça, foi quem
ainda atrapalha a passagem de pedestres. Não adianta, trouxe a solução. Logo ele, que ainda estava curtindo o
pedestre sempre se fode. Na kitinete dos Delinqüentes, sucesso de sua idéia concretizada, o cara que sumiu pela
aquele antro de inconformados, a indignação quanto à isso privada. Mas não curtiu que o cara se chamasse Jesus
foi grande. Cristo.
- É muita sacanagem, ponto de ônibus é um lugar - Muito clichê.
público - Vinícius é o mais indignado. Mas tudo bem, agora são águas passadas e nada nos
- Ainda se fossem informações úteis... impede de reutilizarmos a idéia outra vez, sem equívocos.
- É, um mapa da cidade ou alguma coisa do tipo. - Quero escrever poemas.
- Mas não, é só telefones celulares, concessionárias - Ué, escreve, ninguém está te impedindo.
de veículos e etc. - É, escreve. - A galera não perdoa, é sarcástica
Agora uma pergunta, que é mais terrorista, nós que mesmo.
invadimos casas pra expor nossos quadros ou eles que - Mas eu queria eternizá-los
invadem nosso cotidiano pra nos convencer de mentiras, - Ih! Lá vem discurso...
induzir-nos a falsas necessidades? Foi uma coisa absurda. O que tipo de idéia demente
Óbvio, chegamos à conclusão que são eles, pois que, na boa, não existe, só mesmo sainda da cabeça
ganham dinheiro com isso. Perto deles invadir casas não é delirante de um artista plástico sem o que fazer. Saca só a
nada. Jean começou a contar que as principais técnicas de do cara:
- A gente cimenta uma calçada, vestidos de da kitinete.
funcionários da prefeitura, joga cimento por tudo, eu - E precisamos mesmo, essa porra tá pequena.
escrevo os poemas em baixo relevo e depois deixamos tudo Marcamos a ação pra Terça-feira à tardinha, afinal os
coberto por uma lona preta. Local interditado, uma placas, funcionários da prefeitura só trabalham de dia e não
tão ligados? queríamos que a obra ficasse um dia inteiro com o cimento
Todos rimos, rimos não, gargalhamos. É o fim da fresco dando sopa. Algum curioso poderia meter o bedelho e
picada! Onde fomos parar? Claro que uma idéia dessas não ferrar com tudo. À noite as chances de isso ocorrer são
podia passar batida. No ato pensamos na mãe do Fábio, que menores. Pra mim e pra Jean, que trampamos, foi
é costureira e já tinha feito os trajes de padre do dia em que necessário enrolarmos nossos respectivos chefes pra sair
abençoamos o banco, pra providenciar os macacões mais cedo.
necessários para pôr em prática o plano de Sérgio Augusto. Fomos todos juntos, Agachados & Felizes na
Roupas de garis da prefeitura, mais cones e aquelas carroceria da pick-up, com Jean de motorista
tiras listadas que os caras usam pra isolar a área. Fora paunocuzeando a três por quatro fazendo curvas bruscas
cimento, areia, pá, cimento e o escambau. pra ferrar com a gente. Na porta do carro: a logomarca da
Um idéia, como diria Nelson Rodrigues: dificilzinha, prefeitura improvisada. Só que ela ficou tão horrível que era
mas extraordinária. Uma idéia que nos seduziu devagarinho, só dar uma olhadinha com mais atenção e você se ligaria
feito conversa de boteco. Jean e Fabio se encarregaram da que se tratava de uma palhaçada. Jean então encostou pra
parte civil. Massa de cimento, areia, ferramentas e a que descêssemos com o material e foi estacionar longe do
logística, entenda-se transporte da tralha toda. Eu e o resto local do crime.
do pessoal cuidamos das roupas, placas e demais Eu e Vinícius colocamos os cones, as faixas e as
apetrechos. placas: “Homens Trabalhando” e “Desculpe o transtorno,
Fizemos tudo no fim de semana. E estava fazendo estamos trabalhando para embelezar a sua cidade”. Fábio e
um frio desumano em Curitiba, sem sol e com um vento Jean abraçaram a função de pedreiros. A argamassa já
fudido. Vinícius e Marilia, os românticos da hora, saíram tínhamos deixado pronta pra facilitar as coisas.
juntos pra escolher as calçadas. Mais uma vez optamos por Esparramaram pelo chão e fizeram a “planagem”, não sei se
um bairro classe média, pois a burguesia não merece tal esse é o termo correto. Sérgio ficou só olhando, com um ar
prêmio. insuportavelmente superior.
A parte da mãe do Fábio até que foi fácil, afinal trata- - Trabalhem seus manés, aos artistas só cabe o
se de uma profissional da costura, foda mesmo foi pintar o trabalho estético.
logotipo da prefeitura nos macacões. Ainda bem que Sergio - Cala a boca!!!
deu o sábio toque de fazermos dois a mais, para o caso de Nesse meio tempo passou uma senhora com uns
cagada. Ferramos exatamente com dois, Deus é pai não é setenta e não sei quantos anos e doze pães numa sacola,
padrasto. estava voltando de uma padaria.
Jean e Fábio conseguiram o material de pedreiro e - Ah, vão ajeitar a calçada? Já era em tempo, está
uma pick-up do trampo do Jean. toda quebrada.
- Aluguei eles de que precisávamos fazer a mudança - A senhora vai gostar, isso podemos garantir. –
Vinícius, dando uma de cavalheiro. que descemos com o material. Colocamos os cones e outros
- Vão ajeitar a rua inteira? itens e Fábio imediatamente começou a espalhar o cimento.
- Gostaríamos. Gostaríamos muito, mas infelizmente Desta vez não estávamos tão tranqüilos. Sérgio olhava
hoje só vai dar pra ajeitar essa. nervoso para os lados.
- É, mas a senhora vai gostar. - Olha galera, acho isso precipitado, sei que vocês já
Seguiu pra sua casa com um sorriso no rosto e nós tem uma certa experiência, mas acho que essa porra não
ficamos “poetando”, também com sorrisos no rosto. A parte vai dar certo. Espero vocês naquela lanchonete.
do cimento até que foi rápida, Sérgio que se amarrou pra - Vai seu cagão.
escrever o poema, fez uma embromação do caralho. Nào - Ele não deixa de Ter razão, apura aí com essa
queria dizer o que estava escrevendo e nem deixou ninguém merda. – Eu e Vinícius também estávamos cabreiros.
vê-lo escrever. Fabio terminou de aplainar o cimento e na hora em
Por fim ergueu a lona um pouco e nos deixou que estava escrevendo saiu um senhor de dentro da casa.
vislumbrar a obra: Pela sua cara, não era muito simpático, parecia invocado.
“Os meus sonhos afogavam as minhas tristezas, mas Provavelmente vacinado contra vandalismo desde o dia em
as minhas tristezas aprenderam a nadar.” que recebeu um poema através de sua vidraça quebrada.
Ficou perfeito, o cara ainda jogou umas tintas e o Fabio enfiou sua cabeça sob a lona preta e ficou escrevendo
resultado ficou psicodélico em todos os seus aspectos. enquanto Vinícius ficou dando explicações.
Recobrimos com a lona e sorrimos satisfeitos. Foi fácil, - O que vocês estão fazendo?
muito fácil e ainda por cima sobrou um montão de cimento. - Estamos corrigindo umas imperfeições da calçada.
Quando vimos o quanto tinha sobrado olhamos uns para os - Imperfeições? Ninguém aqui reclamou nada pra
outros. prefeitura.
- Não podemos desperdiçar tudo isso. – Fábio, Imediatamente sacamos que aquilo não tinha como
pensativo. terminar bem. Pisquei o olho pra Jean e fiz um gesto
- Vocês viram que não foi difícil, o povo nem discreto em direção aonde o carro estava estacionado. Jean
desconfiou de nada. saiu fora e ficou dentro do carro enquanto vini seguiu
- Poderíamos sacanear um bairro burguês. discutindo com o morador.
- Bora, então. - Fique tranqüilo senhor.
Fabio encasquetou que queria cimentar a calçada - Vocês são mesmo funcionários da prefeitura? Tem
diante da casa em que tinha mandado seu primeiro poema algum documento de identificação?
com estilingue, naquele que foi um de nossos primeiros Realmente, tiozinho esperto, se ligou que alguma
ataques. A autoconfiança é algo perigoso, mas como era eu coisa estava errada. Fiz um sinal pra que Jean viesse com o
quem estava falando ultimamente que contar com a sorte é carro. Estacionou e jogamos tudo sobre a carroceria. Fabio
o primeiro passo para conquistá-la, acabei topando. tinha terminado sua frase que nem chegamos a ver.
Subimos todos em cima da pick-up a partimos pro - Estamos indo, concluímos nosso serviço
segundo tempo de nossa intervenção. Jean conduziu a - Esperem, quero ver os documentos de vocês.
“viatura” até o Jardim Social e mais uma vez estacionou pra Saímos literalmente correndo, fugindo. Uma vez
todos em cima do carro Jean acelerou e saímos cantando As Terríveis Bananas Assassinas
pneu. Ainda bem que Jean tinha improvisado uma placa Transgênicas Geneticamente Modificadas
falsa.
- O que você escreveu, Fábio? (ataque XX)
- “Toda propriedade é um roubo” - A mesma frase
de sempre. No último sábado aconteceu o segundo Flash Mob
Olhamos pra trás e ainda vimos o morador Curitiba. A fantástica mobilização relâmpago reuniu cerca
misturando o cimento, completamente indignado. Não deve de uma pessoa na praça de alimentação do Shopping
Ter gostado da frase. Rimos pra caralho e paramos num Curitiba. O elemento solitário ficou em torno de dois
boteco pra comemorarmos. Da próxima vez, precisamos minutos em pé ao lado de uma mesa portando uma sacola
tomar mais cuidado. de bananas, logo depois dispersou-se. Um evento
espetacular .
Infelizmente era eu o elemento solitário da cômica
mobilização. Estava com uma gripe do cassete e foi um
parto me arrastar até aquele antro do consumismo.
Voltando pra casa eu era todo indignação. Ainda mais que
nenhum dos outros delinqüentes é chegado em Flash Mobs
e estariam todos me esperando na kitnete, ansiosos para
rirem da minha cara até me deixar me deixar puto .
- E ai Ari? Como foi ?
- Um sucesso! Eu e mais ninguém.
Olharam pra minha sacola cheia de bananas e se
partiram de dar risadas.
- Porra véio! Quer dizer que não foi ninguém?
- E o que você vai fazer com essas bananas?
- Enfiar no cú de vocês!
- Estressadinha a boneca.
Era inútil tentar me defender, os malas tinham razão
em tirar sarro. O que eu fiz não foi pagar um mico no
shopping, o que eu paguei foi um gigantesco King Kong com
mais de dez metros de altura. Muito foda, até as dores de
cabeça e de garganta que tinham dado uma aliviada
voltaram. Me deitei num dos colchões no chão da kit e
apaguei, tentando esquecer do mico e da gripe.
Sonhei com o personagem do Tony Ramos daquela
novela Torre de Babel que vivia noiado em explodir o
shopping. E no meu sonho ele explodia o shopping em todos estilete faz um corte na embalagem e enfia mensagens de
os capítulos. Eterna recorrência. alerta contra os transgenicos. E depois cola com durex.
Não sei dizer se era sonho ou pesadelo. Acordei Fiquei mudo, apenas tossi sem conseguir rir da
horas depois com Fábio chacoalhando o meu braço. demência do plano. Vinícius parecia animado com a idéia.
- Ari! acorda, Ari! - Ari, pode ser divertido, agente pode enfiar um
- Há, o que foi? pedaço de alface numa caixa de sucrilhos. Sucrilhos
- Tá melhor? geneticamente modificados.
- Tenho uma surpresa pra ti. Talvez te anime um Realmente, não era ma idéia , principalmente se não
pouco. levássemos em consideração o risco de sermos flagrados
- Que surpresa? por câmeras ou vigilantes.
- Olha só isso. - Nada! É só sermos discretos e caras de pau e isso
Ao lado da minha malfadada sacola de bananas eu te garanto que somos.
tinham outras três, do mesmo tamanho. Juro que não Mas ainda faltava um detalhinho.
entendi o que significava aquela palhaçada. - E as bananas?
- Que merda é isso, seu viado? - Enfia no rabo...
- Calma Ari! Trata-se de material para nosso Pronto. Caíram todos na gargalhada. Aquelas bixas
próximo ataque. nunca perdem uma oportunidade para sacanear.
- Que ataque? Você tá ficando louco ? - Tô falando sério, seus merdas.
Eu estava mais perdido que filho de puta em dia dos - Calma Ari, essas bananas são pra Segunda parte do
pais e ainda mal humorado por causa da gripe. plano, pra sensacional saideira.
- Alguém pode me explicar que merda está - Saideira?
acontecendo por aqui ? - Sim, vamos no estacionamento e enfiamos elas nos
Então Fábio fez uma longa e didática explicação. Meu escapamentos dos carros.
cérebro parecia engarrafado por causa da gripe, a cada dois - Pra que isso?
minutos eu interrompia Fábio com um “como assim”? - Bom, além de protestarmos contra o excesso de
Tratava-se de algo que a horas eu queria fazer, mas automóveis nas cidades ainda deixamos um papel nos pára-
não me ocorria exatamente o que. Eu queria bolar uma ação brisas avisando para tomarem cuidado com as bananas
que dissesse respeito aos transgênicos e que se possível transgênicas.
fosse ambientada num supermercado. Foi invadindo Sensacional! Foi o tiro de misericórdia para acabar
minha privacidade e fuçando nos meus e-mails que recebi, com minhas dúvidas. Se precisassem de alguém pra enfiar a
que os guris compilaram o plano. Mostraram-me um banana no rabo de algum carro, poderiam contar comigo.
estilete, um rolo de durex, algumas tirinhas de papel e mais - Só tem que ser logo.
umas coisinhas. - É, pra ser massa, tinha que ser hoje.
- Preste atenção velho Ari. Marilia conseguiu uma Sábado à noite é uma hora em que os
lista do Greenpeace com os alimentos que utilizam supermercados estão cheios e marcamos a ação pro Sábado
transgenicos. Então a gente vai num supermercado e com o mesmo, no Mercadorama do Bigorrilho.
Chegamos logo depois das oito e Vinícius entrou segundo carro deu pena. Era um fusca e fuscas não
abraçado com Marilia, eram o casal fazendo as compras do merecem. Deixei o fusca intacto. O tereiro carro era um
mês, cada um com um carrinho. Eu e os guris ficamos Kadet cinza, mandei ver. Lá pelo quinto carro eu já tinha
dando bandas dentro supermercado desbaratinando pego as manhas e estava trabalhando rápido, só não
enquanto esperávamos pra agir na fase das bananas. Sérgio conseguia enxergar os outros guris.
não foi, se revoltou com todos por causa da cagada feita no Demorei mais ou menos uns vinte minutos pra
ataque da calçada. Estava gelando a turma. terminar minha missão. Quando saí do outro lado do
Vinícius e Marilia trataram logo de encher os estacionamento os piás já estavam lá.
carrinhos com as “compras”. E então disfarçadamente - Porra, demorasse!
faziam os cortes com os estiletes e enfiavam os aditivos. Foi - Tava fazendo o que? Piquenique com as bananas?
alface nos sucrilhos (e um papelzinho com a frase: cuidado - Cara! Juro que pensei que estava sendo rápido!
com a terrível alface transgênica assassina). Baratas em Quando Vinícius viu que tínhamos acabado tudo
geleias (baratas, como outros bichos escrotos, gostam de atravessou o estacionamento com Marilia colocando nos
transgênicos e outras porcarias). Serragem em açúcar (as pára-brisas papéis com a seguinte frase:
canas transgênicas assassinas são estranhas). Enfim, uma “Cuidado com As Terríveis Bananas Assassinas
tremenda sacanagem. Transgênicas!!”
Na verdade ferramos apenas com os donos do Cômico. Hilário. E não precisa dizer mais nada.
supermercado, pois os clientes, assim que vissem as Nos reunimos na saída do supermercado e
mercadorias alteradas, simplesmente devolveriam ou simulamos uma fila no orelhão pra ficarmos aguardando o
trocariam. Quem levaria o “prejú” seria mesmo a rede resultado. E não demorou. Logo saiu um gordão cheio de
Mercadorama. Depois de colocar as coisas eles davam umas sacolas com carne. Abriu o porta-malas de seu Palio, jogou
voltas pelas prateleiras e devolviam as mercadorias aos seus as coisas, entrou no carro e tentou dar a partida. Nem se
lugares. No fim abandoram os carrinhos cheios e deram o ligou no papel no pára-brisa.
sinal pra partirmos pra segunda parte do plano. Tiziziziziu! Tiziziziziu! Nada. O carro não pegou. Foi
Era a fase mais foda, a mais adrena. Tinham três então que ele se ligou no recado das bananas no vidro. Leu,
fileiras de carros. Cada um escolheu uma tomando todo o olhou para os lados desconfiado e tentou dar partida de
cuidado do universo pra que não fossemos vistos pelo novo, obviamente sem sucesso. Saiu do carro pra tentar
guardião nem disparássemos nenhum alarme. Deitei no descobrir o que estava acontecendo com seu carro e então
chão e me arrastei por debaixo do primeiro carro. Tava ouviu outro carro, a uns dez metros dali, também
escuro lá embaixo e tive que esperar pra vista acostumar e engasgando.
conseguir enxergar o escapamento. Primeiro usei uma Foi conversar com o dono do outro carro levando o
varetinha pra enfiar uma bucha de papel. Depois entupi a papel com a frase da banana. Conversaram um pouco. Dava
porra do escapamento com bananas. Era Vectra preto. pra ver de longe que estavam desconfiadíssimos. Quando o
Juntei as coisas e me arrastei até o próximo carro. terceiro carro também não pegou os dois foram conferir o
Fazia horas que não empreendíamos um ataque tão escapamento e tiveram a revelação: estavam sendo vítimas
“cagaçento”, meu coração a mil e minhas mãos suadas. O das Terríveis Bananas Assassinas Transgênicas
Quase nos cagamos rindo. Não dava pra segurar, a Fé Cega, Pé Atrás & Um Monte De Gente
cena toda era muito engraçada. Nenhum carro no Batendo À Porta
estacionamento estava pegando. Logo começaram a se
formar grupos de pessoas indo reclamar com a gerência.
(ataque XXI)
Negadinha enfiando pauzinhos pra tentar tirar as bananas,
mulheres reclamando, crianças aproveitando a deixa pra Futebol, política & religião não se discute, certo?
fazer festa no estacionamento, show, completamente show Errado. Se discute e se discute muito, por isso a razão da
de bola. E então o mais engraçadp de tudo, no meio de existência desse ditado. Intermináveis argumentações e não
todos aqueles carros novos engasgados, eis que o fusquinha raros chiliques nervosos e agressões físicas. São assuntos
que eu tinha poupado funciona e sai cheio de moral com maravilhosamente polêmicos e o problema não está na
uma velhinha simpática na direção. Saiu sorrindo e dando polêmica. O problema está na intolerância.
tchauzinhos pro povo. O arranca-rabo começou na kit dos delinqüentes
Demos um tempinho e saímos fora pra não darmos quando Marilia contou que tinha sido professora de
bandeira. Todos riam, menos eu que só tossia por causa da catequese e Vinícius, seu próprio namorado, começou a
gripe. Não dava pra rir que a tosse vinha. Tossi tanto que esculhambar.
quase cuspi os pulmões pra fora. Foi massa. Acabei - É ridículo, a igreja católica é muito ridícula, como
melhorando mais da gripe com esse ataque do que com podem batizar uma criança que não tem ainda a mínima
qualquer Benegripe ou chá quente. capacidade para escolher.
Delinqüência Juvenil também é homeopatia. - É costume, tradição, cultura.
Podes crer que é. - Cultura o cacete!
Jean, Sérgio e eu começamos a dar uns pitacos e a
discussão pegou fogo. Só pra azarar e colocar ainda mais
pimenta no molho resolvi defender as posições de Marilia.
- A parte ritual da missa católica eu acho massa.
Vinícius, o niilista, dava pulos de dois metros de
altura.
- Massa? O que é massa? Os caras comungam e
depois vão pra casa beber e bater nos filhos.
- Isso é geral, não atinge só os religiosos.
- Mas um religioso fazer isso é muita cara de pau,
você não acha?
O debate foi interrompido com a chegada do Fábio,
careca, com a cabeça completamente raspada.
- Caralho! O que foi isso, véio?
- Raspei ué, não posso?
- Mas pra quê?
- Tava de saco cheio de me olhando mesmo jeito no A gargalhada foi geral. Com uma roupa adequada ele
espelho, precisava dar uma mudada no look. poderia muito bem passar por um monge tibetano. Mais
- Ficou ridículo. alguns detalhes acertados e o plano foi definido e aceito.
- Parece uma bexiga. Seria uma peça de teatro invisível, nos moldes daquela em
- Vão tudo se fuder! que discutimos propriedade privada no boteco. Cada um
Imediatamente já mudou de assunto perguntando o tratou de escolher seu papel. Vinícius tomou a frente.
que estávamos discutindo. - Serei católico!
- Dava pra ouvir gritos de exaltação lá do outro lado Fábio, seria budista. Jean que sempre sonhou em ter
da rua. barba, optou por ser um rabino. Sérgio que é negão seria do
- Religião, discutiamos religião. candomblé. Sobrou pra mim ser evangélico da Igreja
-Não boto fé, esse tipo de coisa não se discute. Universal do Reino de Deus. Marilia quis ficar de fora.
Mas não teve jeito, o assunto avançou madrugada a Quanto ao local do ataque desta vez nossa decisão
dentro. Vinícius estava inconformado com foi definitiva: esquecer a burguesia. Chega de querer
Marilia. Todos estranharam, porra, logo ele que não se destruir a burguesia. Destrui-la implicaria em colocar
importava com nada. Acabou com ele intimando todos a alguém no lugar e isso só significaria trocar os nomes dos
executarmos mais um ataque, envolvendo religião, bois. A burguesia já cumpriu seu papel na história, a
- Mas o que? questão agora é supera-la . Mais uma vez então,
- Uma ação para demostrar com todas as religiões escolhemos um bairro da periferia para nossas atividades.
estão certas e erradas ao mesmo tempo. Sérgio falou com um conhecido que pratica capoeira
- Mas como isso? e conseguiu umas roupas parecidíssimas com as de um pai
- Sei lá, acordem seus neurônios. de santo, um sarro. Até um cachimbo de pau pra da um
Então contei de um e-mail que recebi de um cara que toque final. Pra mim ficou fácil, uma simples calça social,
assina com o nickname de Sabotage, em que ele sugeria um sapato careta e uma Bíblia em baixo do braço já fazem
que escolhêssemos uma casa e que de tempos em tempos de você um evangélico.
enviássemos cartas de diferentes religiões convidando para Vinícius também não precisou de muitas
algum evento. Todos custando alguma grana. indumentárias pra travestir-se de católico.
- Rapaz! Não é uma má idéia. - Vini se empolgou no Fábio e Jean que se fuderam. Fábio penou pra
ato. encontrar um tecido adequado e convencer sua mãe a
- Só que mandar coisas pelo correio é muito palha. costura-lo. Com aquela cara e o seu currículo de vida, a
- Podemos ir pessoalmente. coroa estava desconfiadíssima de que ele queria realmente
- Como assim? Juro que não entendi. virar um hare-krishna. Jean só conseguiu trajes de rabino
- Pois não, olhem para o Fábio. depois de trocentas ligações e depois de fazer contato com
Todos olharam. Entenderam menos ainda. uma ex-namorada que participa de um grupo de teatro.
- Veja só não parece um hare-krishna? Falta só Marcamos a parada pra quinta-feira à tarde, eu
aquele vestidão. passando o migué no trampo de que tive uma recaída da
gripe e Jean, que trabalha a maior parte do tempo na rua,
matando serviço mesmo. Nos encontramos todos na praça Não teve jeito, Sérgio teve que enfiar seu rabinho
Tiradentes e pegamos um buzum pras quebradas da cidade “satânico” entre as pernas e tirar seu time de campo.
Não tínhamos uma casa/alvo definida. Iríamos na Depois foi o budista Fábio, vendendo incensos e
tentativa até encontrarmos alguém que nos desse trela. Não exemplares do Bagavad Gita.
foi tão fácil quanto imaginávamos, muita gente não dá trela
- O quê? Eu não acredito! O senhor já é o quarto a bater
pra missionários e crentes em geral. O ceticismo avança e
em minha porta hoje.
só não sei dizer se isso é bom ou ruim.
Lá pelas duas da tarde alguém finalmente nos - Isso é um sinal de que você deve lutar pra atingir sua
atendeu com atenção. Era um cara de uns trinta anos, harmonia interior, superar a dor.
desempregado, que estava em casa cuidando das crianças
- Harmonia interior? Superar a dor? Do que está falando?
enquanto a esposa trabalhava no Pollo Shop numa
perfumaria, Vinícius, o católico, foi a primeira visita. Os três filhos do homem estavam espiando Fábio por
- Bom dia senhor! detrás do pai, estavam se torcendo de rir. De certo nunca
- Bom dia. tinham visto uma criatura tão esquisita.
- Faço parte dos carismáticos.
- Gostaria também de lhe convidar pra participar de um
Assim começamos. Vini convidou para um mocotó na
jantar vegetariano no nosso templo.
sua paróquia e comentou que estavam clamando por os
novos fiéis. - Jantar vegetariano? – O cara já parecia nervoso e
- Vinte reais o mocotó pra família toda e depois, se impaciente.
virar devoto, é só pagar o dízimo.
- Sim, por apenas trinta e cinco reais.
Vinícius despediu-se depois fui eu. Levei sorte , pois
o cara era evangélico e até comentou que se tivesse - Trinta e cinco? Não, o senhor me desculpa, mas não
dinheiro em casa contribuiria com minha causa de tenho condições. Dá licença por favor.
assistência social aos pobres. Sérgio, o pai de santo
E bateu a porta na cara de Fábio, que se comoveu e
macumbeiro não teve a mesma sorte. Chegou de cara
enfiou um envelope de incenso por debaixo da porta. O
convidando o indivíduo para uma enorme matança de
rabino Jean não demorou mais de cinco minutos pra
galinhas pretas.
aparecer. Quando olhou para os trajes de judeu começou
- Uma cerimônia a Ogum, organizado pelo babalorixá
a demonstrar explicitamente sua impaciência, colocando
Barbozinha de Oxalá.
a mão na testa.
- O senhor ponha-se daqui pra fora! Em minha casa não
- Eu não acredito! Eu não acredito! Posso saber o que o
entra um adorador do diabo da sua marca!!
senhor deseja?
- Mas senhor...
- Quero convidar o senhor para ir em nossa sinagoga
- Eu já falei! Não me tira do sério! participar de um jantar para angariar fundos de ajuda
para os israelenses vítimas dos terroristas palestinos.
- Vítimas do terrorismo palestino? Eu? – O cara coçava o muro da casa do cara apreciar a baixaria. Tinha um certo
cabelo, já tava ficando com raiva. público, posso te garantir, palavra de delinqüente. Por fim
me indignei e tomei uma atitude inesperada.
- Apenas cinqüenta reais.
- Quer saber? Exploramos sim! Mas o dinheiro é
- Cinqüenta reais? Isso é um absurdo! Ponha-se daqui
muitíssimo bem aplicado na construção de novas igrejas.
pra fora seu turco ganancioso!
- O quê?
Então damos inicio a nosso ato final. Enquanto o rabino
discutia com o morador, o macumbeiro Sérgio voltou, Foi a gota d’água, o rapaz se indignou e correu a todos
com uma sacola que parecia conter uma galinha preta. O com ameaças de chamar a polícia. Nos dispersamos
judeu indignou-se com aquela presença e os dois rapidamente, um pra cada lado com expressões furiosas
começaram a brigar. O rabino chamando o macumbeiro nos rostos. Nos encontramos de ônibus rindo feito uns
de satânico e o macumbeiro ameaçando soltar a galinha dementes. Foi muito engraçado. Com certeza aquela
preta. pessoa lembraria da cena para o resto de sua vida e
para sempre alimentaria uma desconfiança contra esses
Os ânimos estavam alterados quando chegou o budista
pregadores. Pensaria sempre duas vezes.
Fábio.
Missão cumprida. Se existem deuses lá em cima ou no
- Paz! Paz! A paz é mais importante que a discórdia! –
além, devem Ter nos agradecido por termos livrados sua
Então agachou-se e acendeu um incenso fedorento.
barra suja por esses representantes mortais de araque.
O ambiente estava caótico, o morador inquieto sem saber
Fnord.
o que fazer, os meninos rindo que mijavam, quando
chegou o católico carismático Vinícius que começou a
rezar um padre nosso e jogar água benta nos três.
Quando aproximei-me da casa o morador logo me
reconheceu e me chamou, parecia confiar nos
evangélicos. Cheguei perto estavam todos em frenesi,
discutindo quem explorava mais os pobres, quem eram
os. Uma zona, quase impossível não rir, Vinícius quase
não se agüentava.
Mas foi só descobrirem que eu era evangélico que
começaram todos a me criticar e me apontarem o dedo,
até o pacífico hare-krishna. O morador saltou em minha
defesa e a discussão pegou fogo. O pessoal gritava tanto
que alguns vizinhos até foram à janela ver o que estava
acontecendo e outros chegaram e se encostaram no
De Todos os Fogos o Fogo Jean anda lendo o Clube da Luta do Chuck Palahniuk e
(ataque XXII) tendo uns planos incendiários.
- Queria experimentar aquelas misturas caseiras, tipo
gasolina com coca ligth.
O crime contra a Imaginação Pública cometido pela - E será que funciona?
Prefeitura Municipal de Curitiba voltou nessa semana a ser - Pois é! Eu queria testar a parada.
assunto entre os delinqüentes. Começaram a instalar as Conversa vai e conversa vem e dos pontos de ônibus
malditas propagandas luminosas no ponto de ônibus da privatizados acabou-se chegando ao velho e bom plano de
kitnete. Os filhos da puta privatizaram os pontos de ônibus. botar fogo em algum out-door. Antigamente o cagaço
Agora você chega na janela e o negócio ta lá, sempre vencia, só que agora estamos irremediavelmente
impondo-se no escuro da noite. A Sabotagem Publicitária viciados em cagaços.
acabou voltando à nossa pauta de negociações. Fábio As idéias logo começaram a brotar.
demonstrou ser o mais obstinado de todos. - Agente joga gasolina. Chegamos por trás do out-
- Aquela viagem de cimentar a calçada foi door. Com toda a calma do mundo. Escalamos e vamos
Intervenção Urbana, não Sabotagem Publicitária. derramando gasolina, até encharcar.
- Ah, mas foi massa. Fábio parecia confiante e metódico, era dele
- Eu sei, mas nós temos que atacar é esses abusos principalmente o sonho de queimar um out-door.
como o ali de fora. - Pode crê! Litros e litros de gasolina.
Jean e Vinícius não estavam nem ai pra conversa, só - Só! Na frente e atrás.
davam risadas e azaravam. - Nossa o negócio vai queimar pra caraaaaalho!
- Tem que tacar pedras nessas porras! Quem acabou dando o toque de mestre no plano
- Fuder com tudo! Meter fogo. acabou sendo o Sérgio. Efeitos pirotécnicos ilegais. Uma
Sérgio está concluindo mais uma série de trabalhos coisa de louco, um absurdo.
artísticos, os primeiros de sua fase na delinqüência. Dá pra - A gente arma uma fileira de fogos de artificio por
ver que mudou muito o estilo. Ultimamente ele anda trás do out-door, na hora que a parada tiver pegando fogo,
completamente envolvido com o processo criativo. soltamos os fogos.
Entusiasmado mesmo. Uma idéia fantástica. Fantasticamente arriscada.
- E não tá nada pronto, só estará pronto quando tudo - Não dá véio, bem na hora de fugir vai ter uma
estiver no seu lugar. zoada do inferno?
- Que lugar? - Culhones, meu filho! Culhones – Sérgio Augusto
- O mundo. A vida. As pessoas. com uma machíçe surpreendente.
- Não viaja... - Não viaja, o negócio é arriscado.
Por fim Jean e Vinícius acabaram se interessando -Temos que pensar num jeito...
pelo assunto e começaram a tramar seriamente alguma Como somos um bando de inconseqüentes, fomos
coisa. Quer dizer, o mais sério possível tratando-se de nós. logo providenciando material sem ter bolado um plano de
fulga decente. Tivemos que investir um troco legal que
mesmo repartido em cinco, ainda vai fazer com que - Vamos todos juntos montar a parafernália toda e
fiquemos duros por uns quantos dias. O mais caro foram os depois saem todos e fica só um pra botar fogo. – Fábio
fogos de artifício. foi quem tomou a voz.
O out-door vítima foi escolhido pelos especialistas em - É! É uma boa.
alvos Jean e Fábio. Por motivos óbvios não posso dizer - Um só é bem mais fácil de fugir. Os outros esperam
onde, mas era um lugar manero. Não digo que tinha muita num lugar seguro.
visibilidade e que seria visto por milhares de pessoas, mas - Tá mas e quem fica?
era limpeza pra executar e pelo menos aparentemente, - Eu é claro! Ô pessoal, é uma causa antiga, quase
limpeza pra fugir. um sonho pessoal.
Quinta-feira em Curitiba fez um dia esplendoroso, - Tá certo...
céu azul, coisa rara, interpretamos isso como um sinal. Pulamos o muro e andamos todos no escuro em meio
Passamos o dia ligando uns para os outros e dizendo: É a vegetação. Nada de Lanternas & nada de Pressa. Foda-se
hoje! Tem que ser hoje! que a madrugada fosse alta & que talvez Ninguém visse.
Nos encontramos todos na kitnete e aguardamos Um espetáculo destes, pra nós mesmos, já estaria louco de
com uma paciência dos diabos o tempo passar pra chegar bom.
uma hora adequada pra ação. Chegou a meia- noite Logo chegamos na parte de trás do out-door. Eu e
vazamos. Jean, Vinícius & Fábio com as mochilas contendo Jean escalamos a estrutura enquanto os outros montaram
o material. sentinela e ficaram alcançando o combustível. Sérgio ficou
Levamos gasolina pura e um pouco de mistura que o montando o esquema dos fogos de artifício, apesar de ter
Jean fez com coca ligth. No ônibus ele ia explicando como sido idéia sua, estava completamente cagado de medo.
que o negócio funcionava. - Vamos apurar logo com essa merda.
- A gasolina queima fácil, só que pra ser um - Cala a boca e trabalha.
explosivo ela tem que queimar rápido, de uma vez só, aí sim A porra da estrutura do out-door tava podre. Um
vira um explosivo. pedaço de madeira quebrou e Jean quase caiu. Vini e Fábio
O viado falava alto, o povo do ônibus todo ouvindo. alcançavam a gasolina obstinadamente.
- Pra queimar rápido precisa de oxigênio. Os - Ponha mais! Ponha mais!
refrigerantes dietéticos possuem uma substância que Então levei o maior susto dos últimos duzentos mil
quando esquenta libera oxigênio. Sacaram? anos. Do nada, surgiram duas crianças gritando. O susto foi
Então encarou todo mundo que tava olhando pra ele, tão grande que pisei em falso, um pedaço de madeira
fez uma careta e gritou: quebrou e despenquei de uma altura de uns quatro metros.
- Buuuum! Foi um negocio do caralho, o chão parecia que nunca
Descemos do ônibus nos partindo de dar risadas. chegava.
Descemos um pouco longe do local pra ir desbaratinando. Quem diabos eram aqueles meninos? Que caralho
Foi no caminho que bolamos o plano de fuga. eles estavam fazendo ali? Vinícius conversou com eles e
saquem o grau da coinscidência:
Tinha uma casinha abandonada, minúscula, tipo a pirotécnico dos fogos de artifícios deu o charme supremo, a
única peça de alvenaria de uma casa que muito antigamente sofisticação necessária para o momento.
existia por ali, no meio do mato, e eles, que eram meninos Dez segundos de perfeição. Dez eternos segundos
de rua, dormiam dentro. Mal estava coberta e eles dormiam que quando acabaram cobraram seu preço através daquela
ali. Puta que o pariu! Definitivamente, o mapa não é o situação fulminante de queda-livre.
território. - Sujou! Sujou!
Sem sombra de dúvidas, nossa ação ferraria com o - Fuja locôôoooo!!!!
dormitório dos meninos. No calor dos acontecimentos Vini Sem nenhum plano de fuga corremos feito uns
os convidou para dormirem na kitnete. desesperados. Passamos no ponto combinado e Sergio
- Beleza! estava lá com meninos e com um sorriso congelado no
- É, a gente dorme lá então. rosto.
Os meninos acabaram saindo-se ótimos ajudantes e - Foi massa, foi de matar a pau.
em poucos minutos encharcamos o painel publicitário de - Bora, véio! Boraaa! Sujou!
gasolina. Só tivemos que esperar o lezera do Sérgio - Sujou o que?
terminar seu serviço. - Fugimos todos juntos!
Sair fora e deixar somente Fábio acionar as bombas - Foda-se.
foi de partir o coração. Sérgio terminou, mostrou & saiu - Bora, cara, bora!
correndo com os meninos. Queria fugir dali mesmo. Eu e Não teve jeito, por mais que ele tivesse razão nosso
Vinícius saímos de cabeça baixa, nos esgueirando por entre pânico era maior, corremos todos, até os meninos, coitados.
os arbustos. Lentamente, pois estava com a adrena a mil No caminho Fábio teve um acesso de loucura e quebrou um
por causa do susto dos meninos. Jean ficou discutindo com daqueles painéis de propaganda dos pontos de ônibus.
Fábio, queria ficar de qualquer jeito. Corremos ainda mais, os meninos riam que se mijavam,
Sérgio sumiu enquanto eu e Vini nos escoramos na quase não conseguiam correr, tínhamos muitas vezes que
sombra de um muro pra esperar Jean. Passou um tempão puxá-los pelo braço.
com eles discutindo e a gente vendo e não ouvindo nada até Não sei quanto, mas corremos acho que uns três
que fizeram sinal pra gente se mandar. Foi quando nos quilômetros. Quando paramos num posto de gasolina pra
ligamos que eles acabaram resolvendo mandar o plano de descançar, tomar uma bera e apresentar um rango pros
fuga à merda e tacaram fogo na bagaça. Assistimos tudo piazinhos nào converdamos nada, apenas ríamos.
colados no muro num ponto perdido entre Aterrorizados & Dez segundos pra marcar uma vida inteira e na
Maravilhados. madrugada:
Fábio ateou fogo no out-door e na hora em que as Uma fogueira.
chamas subiram as ganhas Jean acendeu os fogos. No
momento senti como se já pudesse morrer, como se já
tivesse vendo tudo que bastasse. Nossa fogueira queimou
mesmo, queimou pra cacete, o clarão iluminou todo o
matagal que até então estava nas trevas. O show
O Ritual Do Mais Tongo ou Como Eu Celebrei - A gente inventa um nome científico bem
a Deusa & O Que Eu Fiz Para Ela Quando A estrambólico e ninguém contestará.
- Cara, que massa! Imagina depois de umas
Celebrei semanas... O sujeito olha meio invocado pra planta e pensa:
(ataque XXIII) “cacete, que porra de planta é essa?”
- Uma tremenda sacanagem.
O humor salvará o mundo. Uma das regras básicas A idéia foi do Fábio e ele mesmo se encarregou de
do nosso grupo é nunca nos levarmos a sério demais. Isso conseguir sementinhas com uns amigos do mal lá de
já confirma a nossa contribuição com pelo menos um Colombo. Isso foi no início de agosto, desde lá plantamos
pouquinho do humor que salvará o mundo. A gente, pelo num viveiro improvisado na kitnete e conseguimos latinhas
menos, se diverte. pra depois vender as mudas. Foi então que o universo nos
Quando apresentei a Religião dos Discordianos pra presenteou com mais essa Magnífica Coincidência, o ataque
galera a identificação foi imediata. O Discordianismo é uma vinte e três no dia vinte e três, dois dias depois do dia da
religião freak criada nos EUA, no início dos anos 60. É uma árvore e a possibilidade de usarmos a grana pra bancar a
mistureba doida de nonsense com mitologia grega, religiões cerimônia. Fnord, sem dúvida. Fnord.
orientais e anarquismo, onde "todo homem, toda mulher e No Domingo 21 acordamos cedo, alguns, pois Jean &
toda criança são um Papa". Um negócio palhaço o suficiente Fabio saíram pra night e simplesmente viraram a noite sem
pra conquistar seus corações. Vinícius devorou o Principia dormir. Fomos vender nossos produtos no cruzamento da
Discórdia e desde então encasquetou que teríamos que Silva Jardim com a Brigadeiro Franco, umas nove da manhã.
fazer um ataque envolvendo esse assunto. É incrível como no domingo pela manhã o povo está mais
- Tipo uma cerimônia absolutamente sem sentido Amável & Propenso a Caridades, como se nessa hora os
aparente, uma cerimônia de uma autêntica Religião Livre corações ficassem moles. Pelo menos para pais de família.
que o Ari tanto fala. Conseguimos vender quarenta e sete pés de maconha a um
A idéia ficou pendente. Estávamos aguardando o real. Um espetáculo, sucesso absoluto. Voltamos a pé pra
ataque 23, que é o número sagrado dos Discordianos. No casa dando risadas e planejando nossa Cerimônia a Éris, a
Domingo passado, dia 21 de setembro, foi o dia da árvore e Mais Bela, a Deusa da Discórdia.
o dia em que colocamos em prática nossa idéia mais besta Passamos num sacolão e compramos cinco quilos de
dos últimos tempos para angariarmos fundos para nossos maçã.
ataques. Nessa data aqui em Curitiba alguns estudantes de - Na segunda a gente compra tinta e pinta elas de
Biologia ou então Engenharia Florestal ou Ambiental dourado. – A Maçã Dourada, símbolo do Discordianismo.
costumam vender mudas de árvores nos semáforos. Uma das coisas mais massa no Discordianismo é a
Resolvemos usar essa técnicas, só que ao invés de liberdade de culto e de métodos. Fizemos um bom uso
vendermos mudas de árvores sacanearíamos às ganhas dessa passagem do Principia: “Se por acaso você achar que
vendendo mudas de maconha. Isso mesmo, mudas de as suas próprias revelações d’A Deusa se tornaram
maconha. substancialmente diferentes das revelações de Mal-2, então
talvez A Deusa tenha planos para você como um Epíscopo, e
você deve considerar a criação de seu próprio secto a partir Colocamos tudo numa caixa de isopor pra não esfriar muito,
do rascunho, sem impedimentos.” Consideramos o fato de juntamos o material e partimos em Missão Sagrada. Vinícius
termos conseguido a grana um sinal da deusa. & Sérgio foram na frente com os cachorro-quentes, Vinicius
Isso significa que contrariaríamos a recomendação de seria o Diácono Legionário e Sergio seu assistente. Nós
comermos cachorro-quente na sexta-feira, comeríamos na chegaríamos depois tendo Fábio como candidato a
terça e de também outras bobagens inventadas do nada. Discípulos Legionários.
Quanto ao local da cerimônia a discussão foi longa. Quando chegaram lá o dono do estabelecimento
Basicamente dois planos estavam em debate. Um era demonstrarou-se meio cabreiro com aquele papo de
fazermos uma celebração para os ônibus bi-articulados tratarem-se de religiosos daquela seita que nunca tinha
vermelhos em algum terminal tubo. ouvido falar. Mas como a proposta de pregação incluía a
- Cara! Seria massa, rituais para a Grande Serpente distribuição de cachorro-quente grátis pra galera, acabou
Vermelha & Para os Espectros Dos Trocadores. topando. Quando começaram a comer a gente chegou.
Outra idéia era nossa tendência de nos dirigirmos - Boa noite Diácono Vinicius O Mais Tongo.
para a periferia. Vinícius era quem queria os terminais tubo. - Boa noite Humanos Quem Sabe Numa Dessas
Jean tinha outra idéia. Repolhos.
- Vamos celebrar junto aos catadores de papelão. Os caras abriram uns olhões desse tamanho! Mas
- Catadores de papelão? Como? De que jeito? depois logo desencanaram, devem conhecer loucos de toda
- Lembra o dia em que damos uma de calouros na espécie. Mal chegamos e já começamos a distribuir as
avenida das torres perto da PUC? oferendas da Deusa A Mais Bela pro pessoal. Era pinga pra
- Tá, mas e daí? cacete, compramos uns dez litros. A galera curtiu,
- Ali na Vila Pinto, vindo embora depois, me liguei começaram as risadas e as batidas nas costas.
que tem uma dessas paradas que compra latinha e papelão. - Os meninos são gente boa!
Aquilo ali de tardezinha enche de carrinhos de catadores de - Desses crentes que eu gosto!
papel negociando a coleta do dia. O Diácono Vinicius O Mais Tongo aproveitou o clímax
- E tu quer fazer o negócio lá? e começou seu Sermão da Origem da Discórdia:
- Com certeza eles serão mais receptivos. - A muito tempo atrás., um filho da puta chamado
- Não sei, talvez, mas a idéia é boa. Caracinza, encasquetou que o mundo era tão sem humor
Batemos o martelo e tratamos de providenciar o quanto ele, e embestou que Diversão era pecado porque ia
material. Cachorro-quentes, um garrafão de vinho, maçã contra a Ordem Séria. Esse corno convenceu todo mundo
douradas, garrafas de pinga com rótulo com uma maçã que a sacanagem era coisa do mal.
dourada, copos com desenhos de maçãs douradas e mais Por incrível que pareça os caras estavam prestando
uns panfletos com os mandamentos. Fábio ainda preparou atenção.
mas misteriosas tábuas que pintou e que só revelaria no - Hoje em dia não dá pra acreditar como tanta gente
local. Coisas de Fábio Samwise. Sérgio foi quem se fudeu se deixou levar por essa idéia. Mas deixaram levar e muita
preparando todos aqueles cachorro-quentes, fizemos uma de gente se fode se for contra isso. O resultado é essa
porrada, não contei mas eram mais de cinqüenta.
merda que o mundo tem se transformado. Chamamos isso - Quer então se tornar um Discordiano?
de Maldição do Caracinza. - Acho que sim.
Os futuros Discordianos caíram na gargalhada. - Então faça o juramento!
- Escutem, mentiram pra vocês! Vocês já estão - Eu acho que juroooo!!!!! – Berrou Fábio.
livres! Tudo é permitido! Um brinde a Éris, A Mais Bela, A - Eu te proclamo como o Discípulo Legionário Fábio O
Deusa da Discórdia. Mais Mala, Legionário da Legião de Discórdia Dinâmica.
Então fizemos o nosso pentagrama de iniciação, Salve Éris! Salve Salve!
afinal eu, Jean & Fábio éramos meros discípulos legionários. Então todos nós começamos a gritar e incentivar os
Ficamos os cinco na formação e Vinícius falou: outros a gritarem também e como a maioria já estava
- Agora todos se agacham e se levantam. Todos, bêbada mesmo não foi difícil. O dono do estabelecimento já
incluindo os que estão só olhando. começava a dar sinais de impaciência. Sérgio foi quem se
Não teve muito sucesso, só três neguinhos fizeram ligou e avisou Vinicius O Mais Tongo, que tratou de puxar o
isso. Mas tudo bem, continuou o ritual de iniciação. Fábio garrafão de vinho e distribuir pra platéia junto com as
ficou na posiçào destinada aos candidatos a Discípulos maçãs douradas e os panfletos com os mandamentos.
Legionários. Vinicius O Mais Tongo aproximou-se. Quando pegaram o papel ele logo avisou.
- Eu, Vinicius O Mais Tongo, iniciado nas Ordens Nem - Peguem essa porra desse papel e limpem a bunda
Tão Secretas Das Saideiras Das Festas Podres, Sacerdote com o que está escrito e riam como um idiota do que está
Ordenado da Putakyuparyu, com a Autoridade investida em escrito. Tomem o vinho no Nada por trás de Tudo, enquanto
mim pelo Alto Sacerdote da Mesma, Escritório do Polipadre, a merda não aumenta.
pela Casa do Caralho de Asas e pelo Templo do Caos; Nessa hora fizemos uma espécie de confraternização
pergunto agora pra ti: tu és um homem ou um repolho? e paramos de agir como Religiosos Loucos & Fanáticos.
- Um homem! Muitos caras vieram apertar a nossa mão e bater nas costas
Os caras nessa hora começaram a se partir de dar e perguntar que merda era aquilo que tínhamos feito e que
risada, Vinícius O Mais Tongo teve que erguer a voz para porra era aquela de maçã dourada. Os cachorro-quentes
continuar. acabaram todos e posso te garantir que estavam todos
- Isso é mal! Isso é muito mal! Queres mudar de felizes.
vida? Fábio pegou seus painéis e foi conversar com uns
Aí uns poucos riram, teve gente que não entendeu. catadores de papelão no lado de fora. Ficamos um pouco
- Sim! Quero mudar! – Exclamou Fábio. mais e quando saímos encontramos Fábio com os caras. As
- Que besta, que coisa mais imbecil! Onde você quer tábuas que ele tina feito continha frases e Fábio deu dez
chegar aceitando qualquer proposta idiota como essa? reais pra cada um deles, e eram três, para colocarem as
Aceita mesmo? tábuas no carrinho. Ficou massa. Altas idéias. Chupada da
- Sim! lista de discussão dos delinqüentes. As frases eram: “O Seu
Parecia um circo. Parecíamos os palhaços ou pior, os Lixo É O Meu Sustento”, “Obrigado Por Tudo Isso” e “Até
macacos do circo. Não sei se estávamos sendo bons ou a Aqui Sua Misericórdia Tem Me Acompanhado”.
pinga estava sendo boa, a gargalhada era geral.
- Salve a Discórdia, pessoal! Salve a Discórdia! – Merda & Ouro
Fábio estava satisfeito com o resultado. (ataque XXIV)
Voltamos etílicos pra casa bebendo a Pinga Sagrada
da Discórdia e rindo na medida do incontrolável, pois está
escrito em algum lugar e se não tiver escrito a gente Nesta semana ouvimos o disco novo do mundo livre
escreverá: S/A onde o Fred Zeroquatro canta numa música “não existe
“O humor salvará o mundo.” guerra alguma, apesar de todo esse barulho é só o capital
cruzando o mar” . A letra é pequena, mas deixou todos
impressionados. Manda-se um pais como o Brasil à merda
com um simples telefonema .
Capital Especulativo é uma coisa do diabo. Na boa,
Eu queria que o cú dos especuladores pegasse fogo e o
caminhão dos bombeiros tivesse cheio de gasolina . O
problema é que eles estão longe, são invisíveis, são meros
números numa conta corrente de um banco multinacional.
As sombras desses invisíveis do mal são os bancos como os
conhecemos.
Nos cabe então vandalizar os ícones dessa pouca-
vergonha toda que estão ao nosso alcance, ou seja, as
Agencias Bancarias de Curitiba.
- Tínhamos que fazer alguma coisa nos bancos que
tivesse merda no meio. – Vínicius sempre se anima
quando o assunto é vandalizar bancos.
- Merda? O que você quer dizer com isso ? - A
pergunta foi meio que geral, ninguém entendeu .
- Tínhamos que deixar uma grande quantidade de
merda em um banco .
- É, dá pra meter merda naqueles envelopinhos do
auto-atendimento .
- Dá também pra deixar sacos de merda nos lixos
Aí a galera começou a viajar, o Bukowskiano
Degenerado Fábio Samwise soltou essa:
- Podíamos comer feijoada com chucrute por uns três
dias e fazer um atentados de peidos. Imagine nós todos
peidando ao mesmo tempo.
Por fim concordamos que o ideal seria largar merda e outra escrito com letras garrafais: “Este é um lugar do
nas calçadas e acessos, bloqueando a entrada das pessoas. mal ”. Os especialistas em alvos Fábio & Jean escolheram
O plano ficou marcado, só que parecia que faltava um toque uma agência na Erasto Gaertner, no bairro do Bacacheri.
final que desse brilho a coisa toda. Um fator de Perfeitinha, jardim, escadas de acesso fácil de obstruir e
diferenciação de um simples ato de vandalismo. lugar pra esticar a faixa.
Passou-se uma era até que da lista de discussão dos
A faixa e a placa doeram em nossos bolsos. Essa
Delinqüentes nasceu uma estrela dançarina. Alguém
série de ataques minaram nossas finanças. Isso, convém
chamado Gustavo e com o nikname Anarki3a postou uma
lembrar, se passou dias antes da Imobiliária nos infernizar
idéia maravilhosa que imediatamente apresentei pro pessoal
com a ameaça de despejo de nossa Sagrada Kitnete. Só
.
tínhamos que esperar por uma noite chuvosa. Eu no cagaço
- Lembram o que estávamos discutindo outro dia?
de que minha gripe assassina voltasse.
Que os bancos são os ícones do mal ?
Não precisamos esperar muito. Na Esquizofrenia
- Só...
Climática de Curitiba, noites chuvosas são normais.
- Pois é, já repararam que todos eles ostentam
Jean conseguiu umas capas de chuva pretas no trampo e
hipocritamente um belo jardim.
com o Rafa, o veículo para transportar a carga fedida.
- Flores do mal.
Achamos um sitio na Fazenda Rio Grande e
- Imagina agora largar sal grosso ou óleo queimado
convençemos seu dono a ceder o material. Tivemos que
naqueles jardins.
carregar a merda na entrada da cachoeira das vacas, de
Fez-se então o tradicional silêncio após uma sacada
noite e na chuva. Foi muito empenho, o esterco ia até o
de mestre. Aquelas caras pensativas e aqueles risos
meio da canela e o esquema era o seguinte: você escolhia
contidos.
um lugar, se posicionava e então afundava nos escrementos
- Era o que faltava.
e então fazia uma força do caralho com a pá pra jogar até
- Temos que fazer isso.
onde outro recolhia. Uma merda, literalmente. Dez mil
Começamos então a aperfeiçoar a estratégia.
banhos depois ainda fedíamos.
Esquecemos o óleo queimado e optamos pelo sal grosso.
Carregamos tudo, cobrimos com uma lona e
Poderíamos atacar em uma noite de chuva, a água
voltamos pra sagrada kitnete.Logo antes da meia noite a
dissolveria o sal e os banqueiros teriam uma curiosa
chuva apertou e decidimos que era a hora. Jean foi de carro
surpresa alguns dias depois.
com o Rafael e eu e os guris fomos na frente, de ônibus.
Convencer o Rafael, amigo do Jean, a empenhar a
A Erasto é movimentada, mesmo na madrugada. Era
picapezinha dele pra carregar bosta já foi difícil, agora
uma operação complicada, o banco ainda por cima era
carregar a tal bosta revelou-se uma encarnação do inferno.
muitíssimo bem iluminado. A vantagem era que com a
E a merda optamos por de vaca , já que merda de gente
chuva forte ninguém andava na rua, ainda mais numa hora
é complicado de conseguir em grandes quantidades. Mais
daquelas. E os carros, quem estava dentro estava mais
uns enfeites vandalìsticos. Um placa pra colocar na
preocupado prestando atenção na pista. Mesmo assim
escada de acesso com o aviso: “passagem, somente se
pisar na merda”. Uma faixa pra esticar entre uma árvore
tivemos que ficar eu & Sérgio de campana, cuidando o - Relaxa véio, tá limpeza, agente tem pra onde fugir
movimento e emitindo sinais quando necessário. no aperto. Tá vendo aqueles latões de lixo onde deixamos
Maldita hora que topei essa tarefa. Era diferente de os sacos? É só correr pra lá e desaparecer na noite
ficar alerta na periferia como nos outros ataques, num Desencanei e tratei de concluir a obra. Vinícius ficou
bairro escuro, silencioso e sossegado. Ali passavam carros, só escondido atrás das moitas. Completamente invisível. Só
um a cada minuto e o trabalho era demorado. Somente ver dava pra ver o sal grosso voando em meio a chuva que ele
os outros se mexerem me deixava ainda mais agoniado. jogava da moita onde estava escondido. Dessa vez admito,
Chovia tanto que parecia que não ia parar nunca. A Vini foi o mais seguro de si dentre nós.
impressão que se tinha era que a qualquer momento iria A chuva era tanta que tive que colocar uma camada
aparecer Noé, de arca, acenando pra gente, “e aí gurizada, grossa de estrume pra água não levar tudo para o esgoto.
não tem ninguém da espécie de vocês aqui dentro!” Enquanto fiquei ali, Fábio & Jean trataram de colocar a
Fábio &Jean carregaram sacos com uma porrada de faixa. Ela seria armada num poste e numa palmeira.
merda até perto de uns tonéis de lixo. Vinícius sumiu no O poste foi tranquilo de escalar, a palmeira foi bem
meio do jardim analisando as possibilidades pra realizar mais foda. O aguaceiro fazia com que o tronco ficasse
suas sabotagens. Assim que descarregaram o material, escorregadio feito sabão. Somos especialistas em escalar
Rafael sumiu com sua picape, não queria ter nada a ver com palmeiras, mas não daquele jeito. A solução foi chamarmos
aquilo. o Sérgio para que eu, que sou o mais magro e leve, subisse
Quando os guris começaram a esparramar a merda nas costas dele pra amarrar a corda da faixa.
eu já tava prestes a ter um ataque cardíaco. Minha vista já Bem na hora que dei o último nó, uma luz de
estava embaçada com a água da chuva e cada farol que lanterna, vindo de dentro do banco, fez com que nosso
brilhava na frente eu pensava que era de um carro que ia mundo parasse. Tinha um vigilante lá dentro que
estacionar pra sacar um troco no caixa-eletrônico. provavelmente estava dormindo ou fazendo outra coisa o
Jean & Fábio ainda se alugaram em aplainar com tempo inteiro e que agora estava fazendo sua ronda.
uma tabuazinha, queriam cimentar de fezes a entrada do Correr, correr & correr. Essa é mesmo a nossa sina.
Templo Monetário. Eu ali, no cagaço do perigo iminente e os Sérgio O Mais Cagão simplesmente desatou-se a
dois, Viajando & Enrolando. correr me jogando violentamente na grama salinizada.
Não agüentei e fui correndo dar esporro. Quando consegui me levantar só vi os piás desaparecendo
- Seus pau no cú! Um desses carros podem parar e na esquina. Nem olhei pro vigilante e já tratei de correr pra
ferrar com tudo. salvar minha pele.
- Relaxa, Ari. Minha fuga desesperada foi interrompida pelo pior
- O caralho que vou relaxar!!! Vamos trocar de tombo dos últimos tempos. Estava descendo a escada
função, vai lá cuidar o movimento Jean! quando escorreguei e cai deitado, de corpo inteiro, em cima
Fiquei no lugar do Jean e comecei a jogar merda feito daquela merda toda. Não ficou uma partezinha sequer do
um psicótico. Fábio ficou só rindo da minha paranóia, Vini meu corpo sem estar cagada.
que surgiu do nada pra me acalmar. Puta que o pariu!
Quando encontrei o resto da turma era uma Nossa Vingança Sará Maligrina ou Fazer
gargalhada só. Se jogavam no chão e riam batendo pés e as Feitiçaria É Brincar Com O Universo
mãos na calçada. De longe pareciam um bando de
epilépticos tendo um ataque simultâneo.
(ataque XXV)
- Para Ari! Minha barriga tá doendo.
Mandei todos tomar no cú e saí atrás de calhas pra Uma estranha espécie de vudú abateu-se sobre mim
me lavar. Fedíamos tanto que voltamos a pé pra casa, de nos últimos dias. A má fase no campeonato começou no dia
modo que salvamos os ônibus de toda aquela fedentina. em que Vinícius telefonou dizendo que estavam com três
Uma semana depois, passamos por lá pra dar uma meses de aluguel atrasado e que se não pagassem em cinco
olhada no efeito do sal e constatamos que acabamos por dias seriam despejados. E os guris ainda tinham como
ajudar na geração de emprego. Dois jardineiros estavam agravante as constantes reclamações dos vizinhos por causa
trabalhando lá e a grama tinha sido toda substituída. Mais do som e das zuadas. Não somos aquilo que pode se
uma batalha vencida, mais um banco vandalizado. chamar de sociáveis. Era a oportunidade de ouro para a
Uma merda tudo isso. imobiliária. Se não fizéssemos algo MESMO, estaríamos
Não é mesmo? fudidos.
Quer dizer, quem estava fudido eram os piás, pois
não moro com eles, mas mesmo assim me senti meio
culpado. Más companhia, tá ligado? Doeu na alma. Tivemos
que colocar nossos respectivos rabinhos entre nossas
respectivas pernas e correr atrás de dinheiro. Salvem o
capitalismo! Deixem ele se manter até sexta-feira que
precisamos de dinheiro! Desnecessário dizer que foi foda.
Não temos o dom natural para ganhar dinheiro.
Eu & Jean, que temos trampo, fornecemos momentos
de glória a nossos chefes, que a muito sonhavam com uma
chance de nos esnobar. Saímos de mãos abanando, mas
rindo da babaquiçe daqueles malas. Sérgio quebrou a cara
tentando vender em vão suas telas na Rua XV. Fábio tornou-
se um VASP (Vagabundo Anônimo Sustentado pelos Pais)
sem a mínima chance de conseguir troco com seus velhos.
A luz no fim do túnel, por incrível que pareça, acabou
vindo do Vinícius. Ele toca violão e teclado e volta e meia faz
uns bicos nuns barzinhos. Depois de tentar arrumar alguma
coisa de última hora e não conseguir, resolveu acionar sua
cara-de-pau. Tocar na rua e nos terminais de ônibus feito
um pedinte.
Aí começaram a aparecer os primeiros reais e a - Seus viados, vocês acham que vai ter algum sapo
gurizada começou a verdadeiramente se espertar. Cada um nesse esgoto fedido?
tratou de descolar coisas que pudessem vender. Resolvi - As vezes tem...
fazer um sacrifício à causa, vender vários de meus já poucos - As vezes tem o caralho!
livros, discos & revistas. Meu esforço foi recompensado por A idéia dos piás, pelo menos a princípio, era uma
um e-mail. O Papa Fong da Cabala Discordiana dos Eremitas idéia de gerico. Desenrolar sapos e o diabo a quatro sem ter
Onanistas Românticos nos daria uma força. ao menos a mínima idéia do que fazer com aquilo tudo. Qual
Genial! Fantástico! Conseguimos negociar, tínhamos feitiço? Como? De que jeito?
grana e conseguimos nos safar por uns dias. Eles perderam Mas aquela palhaçada pelo menos me sacudiu um
e o sinal ficou aberto pra nós, que somos Delinquentes. Eles pouco. O toque final foi no fim de semana, dia da criança,
feriram Corações Delinqüentes, o que significa que isso não que fomos visitar Denise, a catadora de papelão que
ficaria por isso mesmo, jamais. levamos ao salão de beleza do shopping. Montamos uns
Desde então nossa sede de vingança só aumentou. bonecos e carrinhos de papelão e fomos fazer a festa com
Na época em que estávamos negociando mesmo, fui junto os filhos dela.
com os piás e fiquei de butuca, analisando o ambiente. Fomos todos. Eu, Sérgio, Jean, Fábio, Vini & Marília.
Notei que não tinha sensor de presença, me liguei nas E posso dizer aprendemos mais com eles do que eles
janelas e anotei o nome de sete funcionários. Quem mandou conosco. Aprendemos por exemplo a resolvermos o
usarem crachás? problema dos sapos. Eles moram em Pinhais e sacam de
O foda é que entre conseguir a grana que faltava e altos Açudes & Banhados para esse fim, caçar sapos.
se recobrar do susto o tempo foi passando, e os ânimos se Como se não bastasse nos ensinaram a técnica da
acalmando. Não tem como evitar, cada um à sua maneira, lanterninha. Fizeram agente esperar a noite chegar pra
interpretou aquilo como uma lição, como um sinal. Acabou caçar. Parecia que estávamos sendo iniciados num
que foi sendo eu o que mais entrou numas. Me ilhei do resto conhecimento secreto. A técnica consistia em mirar a luz
do mundo e teci meu casulo, ser uma Metamorfose nos olhos dos sapos, eles ficam hipnotizados e aí é só catá-
Ambulante requer esse tipo de trampo de vez em quando. los. E funciona que é um espetáculo, catamos treze. Eles
Até que no Sábado, um dia horroroso com Chuva ficaram numa bacia com água dentro de uma caixa de
Fina, Frio & Vento, os piás vieram me abduzir. papelão na litnete por três dias.
- Bora, véio! Vamos caçar os sapos pra lançar um O problema é que por mais que eu tivesse reparado
feitiçocontra a imobiliária! que eles não tinham sensor de presença não fazíamos idéia
A aventura que estavam me propondo era ridícula. de como invadir a maldita imobiliária. Jean de cara
Caçar sapos nos esgotos mais fedidos da cidade. Saímos manifestou-se como o mais pé no chão.
com sacos de supermercados na mão e andamos o sábado - Invadir é foda, temos que torcer pra que tenha
inteiro, nos molhamos inteiros e não encontramos um único uma entrada pelos fundos. A porta da frente é que não dá
sapo. Não que não tenhamos conseguido caçar, não vimos pra arrombar.
nenhum mesmo. Eu babava de indignação.
- E tem mais, vai saber se o Ari não viajou e não se Aparentemente era a kit de um casal e a mina
ligou dos alarmes – Sérgio visivelmente não estava muito a berrava:
fim da empreitada. - Não me interessa! Não tinha que ter falado bosta
- Eu acho que não tem. nenhuma!
Na madrugada de quinta pra sexta saímos em missão Não tínhamos mais nenhum muro pra pular, a janela
impossível, carregando os sapos, um bonequinho vudú que da imobiliária estava ali e tínhamos que fazer todo o serviço
Sérgio confeccionou, sete envelopes nominais para os ali mesmo. A janela era daquelas tipo de banheiro e era
funcionários, treze folhas de papel com a maldição escrita, impossível entrar por ela, teríamos que jogar tudo por ali.
mais umas velas & outros apetrechos. Na hora em que o cara começou a berrar de volta pra mina,
Chegamos lá e apesar de ser no centro, a rua estava Vinícius quebrou o vidro e abriu a janelinha. Tínhamos 20
um deserto só. Damos a volta na quadra e o único jeito de centímetros pra enfiar tudo. A primeira coisa que fizemos foi
entrar nas “entranhas” do quarteirão era pulando um muro, enfiar os sapos. Coitados, a janela era alta e se
de três metros de altura. Não teve jeito, tinha que ser ele. estribuxaram no chão.
Tive que subir nas costas do Sérgio e depois ajudar o Jean a Imaginávamos que seria mais fácil. Então me liguei
subir, então em dois, puxamos o resto da turma. de que daquele jeito não faríamos nada decente.
A escuridão ali dentro era total, depois de acostumar - Cara! Vamos voltar pro outro lado do muro e dar
a vista reparamos: Tratava-se de um corredor minúsculo de um tempo pra analisar a situação.
uma oficina de alfaiate, não levava a lugar algum. Pra seguir Sentamos todos em cima das tralhas do ferro velho e
a jornada teríamos que pular um muro com aqueles cacos ficamos meditando em silêncio. Ficamos um tempão todo
de vidro cimentados. mundo quieto. Matutando. Tentando esfriar a cabeça.
- Não dá nada, agente quebra tudo. Nossos pensamentos eram volta e meia interrompidos pelos
Jean nem vacilou e com uma pedra começou a bater berros do casal, que dava pra ouvir dali. Jean quebrou a
nos vidros freneticamente. Fez picadinho deles. Fábio tirou a inércia e começou a juntar uns ferrinhos e fios.
camisa, colocou por cima e pulamos todos. Chegamos na - Quê que cê tá fazendo, véio?
segunda fase da jornada e era pior ainda, o quintal de uma - Relaxa!
oficina de fogões ou coisa parecida. Cheia de tralhas. Sérgio, Remendou as paradas e fez uma vareta de uns três
o cara mais desajeitado do Universo mais uma vez torceu o ou quatro metros de comprimento. Ficamos encantados com
tornozelo. sua maestria e como que num passe de mágica acordamos
- Aaaaaaaaaaaaai! o MacGyver da série Profissão Perigo que cada um trazia
- Cala a boca seu merda. dentro de si.
- Pô, que foda!! Um troço fantástico. Cada um tratou de fazer uma
Nos esgueiramos por entre aquela montoeira de ferro gambiarra para aperfeiçoar a vareta. Vinícius começou a
velho e o terceiro muro pelo menos era mais fácil. Fácil em montar uma segunda enquanto eu, Sérgio & Fábio fizemos
termos de altura, por que dava numa área de serviço de “ponteiras multitarefas”. Chapinhas flexíveis presas com
umas kitnetes estranhas. E tinha gente acordada nelas, borrachas, coisa de mestre.
gente brigando.
Pulamos o muro de volta e o lazarento do casal ligareme não passarem a tratar os outrso com mais
continuava brigando. Acabou facilitando as coisas, apesar de humanidade, irão gradualmente sofrer os efeitos desta
não termos mais podido contar com o Sérgio, que quis ficar feitiçaria. Desrtuir ou dar um fim em todos esses
acompanhando a discussão. Foi massa. Deu pra colocar o instrumentos de magia que foram deixados aqui não fará
giz nas ponteiras, desenhar um pentagrama no chão. Com nenhum efeito. Eles já estiveram aqui e este lugar foi
as duas varetas conseguimos acender as velas em torno do amaldiçoado. Recupere sua humanidade e revolte-se em
pentagrama. O boneco vudú mocamos num lugar difícil de nome da imaginação – ou será considerado (sob o ponto
achar, para aparecer só uns dias depois, pra deixar os caras vista deste feitiço) um inimigo das pessoas do bem.
mais cabreiros ainda. Ainda ficamos uma cara sentados ali, Fumando &
Jean ajeitou um pincel com tinta vermelha e Bebendo & Cochichando & Acompanhando o desenrolar da
desenhou uns símbolos nada a ver apavorantes na parede. briga do casal. E não é que eles se acertaram? O amor
Era uma briga pra ver quem espiava pela janela, todos venceu. Altos sinais, sem sombra de dúvidas, o Universo
queria ver como estava ficando, estava um espetáculo a está disposto a brincar com a gente quando se dá a devida
cena. atenção a ele. Fábio se folgou e escalou uma parede para
Sergio acabou sendo útil com sua curiosidade, ficar voyerizando os dois pra ver se rolava sexo. Quando
garantindo nossa tranqüilidade. foram pra cama fomos embora.
- Ih, cara! Podem continuar tranqüilos, eles não Fomos embora Cansados & Felizes, pois sendo do
estão nem aí pros sons de fora. O mundo pra eles não mal fomos do bem e, na boa, acho que fomos além do bem
existe. E os outros vizinhos vão pensar que o barulho são e do mal.
eles que estão fazendo.
Por último largamos os envelopes pros funcionários e
as treze folhas de papel esparramadas pelo chão com a
seguinte mensagem chupada do Hakim Bey:
Esta empresa foi amaldiçoada por magia negra. A
maldição foi realizada de acordo com rituais corretos. Esta
empresa foi amaldiçoada porque tem oprimido a Imaginção
e profanado o Sagrado Ócio & a Santa Vagabundagem,
degradado as artes devido a estupidificação da vida
cotidiana com o único objetivo de pagar suas Tachas de
Aluguel Abusivas & seus Lucros Obscenos, além das
mentiras pregadas através do Direito de Propriedade & o
Arruinamento Estético promovido pelo pouco caso que dão a
algo sagrado que é um lar...
Os funcionários desta empresa agora correm perigo.
Nenhum indivíduo foi amaldiçoado, mas o local foi
infectado com Má Sorte & Malignidade. Aqueles que não se
A Madame, Os Poodles, A Cegueira & O Então a madame faz o infazível, ignora a mãe de três filhos
Castigo e segue com seus poodles. Ignorou por completo. A mamãe
olhou pra mim e sei lá se foi o fato de eu ter parado quando
(ataque XXVI) vi aquilo ou não, o que sei dizer é que ela teve um acesso
de indignação, correu até a frente da madame e perguntou:
O problema da burguesia não é o fedor. O problema - Ôu! Eu estou aqui?! Não está me vendo não?
da burguesia nem é a ânsia de riqueza. O que irrita na E não é que filha da puta continuou com sua cegueira? Nem
burguesia é a ostentação. O que me trinca o saco é que os poodles deram bola. Aquilo me
mesmo com a miséria que é suas vidas, iludem-se que são emputeçeu de uma maneira que nem que eu contasse até
superiores e o pior, não desperdiçam uma única mil conseguiria me conformar. intimei ela.
oportunidade de exercitar essa ilusão de superioridade. - A senhora está precisando de alguma coisa?
Essa semana a dança do acaso me colocou diante - Olha moço, o que o senhor puder ajudar...
duma situação dessas. Estava trabalhando, numas carreiras Só tinha um ticket-refeição pra almoçar no centro, um vale-
pra entregar uns documentos, almoçar e voltar pro trampo, transporte e uns centavinhos que não fariam a menor
pelas bandas do Batel. Então cruzei com uma mendiga. diferença. Foda-se o almoço, apresentei o ticket.
Odeio rótulos, chamá-la de mendiga é matar a descrição. Foi massa. Deu pra ver o brilho nos olhos dela.
Era uma senhora com três crianças, todas com menos de - Muito obrigado, seu moço! Deus te abençoe! O senhor não
cinco anos, uma no colo, uma que tinha aprendido a falar sabe como é difícil. Tá vendo essa rua toda? Os lixos tão
recentemente e que alcançava as coisas e a maiorzinha tudo cadeados.
espertinha, que ajudava a mãe a catar lixo. Na mão ela tinha uma sacolinha de supermercado com
Eram três menininhas e as três choravam. A iniciante na alguns restos de comida.
linguagem não tinha como esconder a - O que a senhora tem aí?
sinceridade! - Frango assado. Tava tudo aí no lixo da casa dessa senhora
- Eu tô com fome! dos cachorros. O resto dos lixos tavam todos chaveados.
Tive que reduzir o passo com aquilo tudo e então acabei Peguei aqueles restos de frango e depois de esperar a
vendo o que preferiria não ter visto. Vi sair pelo portão a senhora ir embora almoçar com suas crianças olhei pra casa
dona da casa, madame padrão, a descrição dela deve ser o da madame dos poodles. Tinha uma janela aberta do lado
que aparece no Aurélio quando se procura por isso, com esquerdo. Analisei a distância e concluí que era possível.
dois quilos de cosméticos e não-sei-que-lás no rosto e dois Peguei coxa por coxa, osso por osso dos restos de frango e
poodles. Odeio poodles. Nada contra animais. Admiro todos mandei ver na janela. Já estava terminando quando ouvi
que defendem os direitos dos animais e todo mais, mas alguém gritar no outro lado da rua e tive que sair correndo.
odeio poodles. Não consegui engolir essa história direito. À noite
Com as crianças chorando e meio que sem saber o que fazer contei pros piás na kitnet e não teve um que não ficasse
a senhora perguntou se a madame tinha alguma moeda. revoltado. Vinicius se exaltava em sua fúria.
- A senhora tem alguma prata pra me ajudar minha - Cara, precisamos matar essa velha!
senhora? - Uma morte lenta e dolorosa...
- É! Fazer picadinho de seus cachorros e fazê-la comer tudo, trampo na quarta crente que faríamos a invasão de noite.
matar a lazarenta de overdose de poodles. Fabio porém, pediu mais um dia para os preparativos & as
Jean foi o único a ficar quieto, com um estranho brilho no investigações.
olhar. - Milene me falou que amanhã à tarde a patroa vai sair e me
- Já sei o que fazer. convidou para ir até lá.
- O quê, seu monstro? - Dentro da casa? Sério?
- Vamos invadir a casa daquela filha de uma puta. - Bem isso mesmo, se pedíssemos a deus e fossemos
- Invadir? Mas é uma mansão brô, deve ter quinhentos tipos atendidos não seria tão perfeito.
de alarmes e proteções. Traçamos então o mais perfeito plano de invasão de nossas
- Calma! Nós não precisamos fazer as coisas na louca, de carreiras. Pelo menos era o que achávamos. Não que
qualquer jeito. tivéssemos grandes facilidades, afinal todas as janelas e
- E o que Vossa Delinqüência sugere? portas tinham grades, mas pelo menos tínhamos um “mapa”
- A gente pega nossos uniformes de gari e finge estar do território, sabíamos que não tinha alarme e ainda
trabalhando no quarteirão da casa pra analisar com calma contaríamos com as instruções de Fábio, o especialista mor
todas as possibilidades de entrar lá. em definição de alvos.
Uma excelente idéia. Cada vez mais me convenço de que Esperamos a meia noite e saímos a pé e em silêncio:
aqueles uniformes com logotipo da Prefeitura Municipal de Momentos de Concentração. Jogamos todo o material que
Curitiba foram uma grande sacada. Os desempregados utilizaríamos na mochila que Vini levava nas costas e
Fábio, Vinícius & Sérgio foram convocados para a missão, seguimos Firmes & Confiantes. Sabíamos que a tarefa não
durante a semana à tarde. Quarta-feira eu estava nas seria nada fácil. O muro que tínhamos que pular ficava
masmorras de meu trabalho quando Fábio me liga numa avenida movimentadíssima, mesmo de madrugada, e
entusiasmado. tivemos que nos separar uma quadra antes. Foi um por vez
- Ari do céu! Você não bota fé!! pular o muro, uma coisa estressante pra quem fica por
- O que sua bixa? último, como foi o meu caso. Saber que as possibilidades de
- A velha tem uma empregada muito gostosa. alguém se ligar na parada depois de quatro neguinhos
- Tá, mas e daí? pularem o mesmo muro são altas, é foda. Quando saltei vi
- Daí que Sérgio escreveu uns hai-kais apaixonados, que se tratava do quintal do único estabelecimento
entreguei a ela quando estava indo à padaria buscar o café comercial do quarteirão.Era pequeno e era apenas o
da tarde pra patroa, e ganhei a gata. interlúdio entre dois grandes problemas.
- Ganhou a gata?? O primeiro grande problema era atravessar o quintal
- Só! Vamos sair tomar umas beras hoje à noite. da casa vizinha. Tudo iluminado, não tinha cachorros, mas a
Não podia ser mais perfeito. Fábio descolou informações luz era muito forte mesmo. Sujo pra cacete. Colocamos
importantíssimas. A velha é viúva, toma nossas “tocas zapatistas” que guardamos desde a noite dos
umas boletas pra dormir e desmaia na cama, nenhuma poemas nas vidraças e fomos um por vez de novo. Dessa
empregada agüentou trabalhar lá por mais de seis meses, vez fui o primeiro. Fui também o primeiro a encarar o jardim
tamanha a Mesquinhez & Arrogância da patroa. Saí do da megera.
Era bonitinho. Mas certamente ordinário. Eu sei que é foda, estavam as comidas dos poodles e encheu as sacolas de
mas a culpa foi dela e naquele momento a velha era a bilhetes com frases chupadas dos comentários de Rogério
encarnação do mal. Tínhamos que sacaneá-la. Os piás Coacho no blog dos Delinqüentes: “Seus cachorros comem
chegaram logo e Fábio foi logo dando os toques. enquanto irmãos passam fome”. "Esta comida foi
- Tão vendo aquele pé de manga ali? Temos que subir nele e desenvolvida para cachorros de todas as raças mas os
saltar em cima do telhado. donos que pensam como Hitler podem consumir sem
Era o grande problema número dois. O único modo de contra-indicações". "Se não souber ler pergunte à sua
entrar na casa era pelo telhado. Segundo Fábio tinha um arrogante dona". "Coma tudo crianças. Para não sobrar
banheiro nos fundos, próximo do quarto da velha, que tinha nada aos mendigos que reviram a lixeira". "Esta ração deixa
um alçapão que dava acesso ao sótão. Subir a árvore e o pêlo macio e o latido mais forte contra os pobres de sua
saltar no telhado foi fácil, emprenho foi soltar as telhas pra rua." Fábio ficou de butuca na porta do corredor pra ver se
entrar. Elas estavam muito bem presas e Jean, depois de alguma das duas acordava e emitindo constantes pssssius.
demorar a chegar devido a uma misteriosa frase que Eu e Sérgio nos encarregamos do resto. Sérgio colou
escreveu com óleo queimado na grama, teve que arrancar bigodes e chifres adesivos nos retratos da parede. As
um galho da árvore para alavancar elas. Como era de se paredes eram de um azul de tonalidade forte e nos
esperar o sótão tava escuro pra cacete. Quando acendemos desatamos a escrever frases com giz.
a lanterna notamos que o finado marido era fã do Reader´s “Os Mendigos Invisíveis Estiveram Aqui”. “A senhora foi
Digest, caixas e mais caixas da revista, mofadas e em selecionada pra pagar os pecados da burguesia”. “Tome
estado de decomposição. O tampão de madeira foi fácil de cuidado com os Mendigos Invisíveis”. “Dinheiro não pode
abrir. Fábio então nos olhou com uma expressão grave. comprar felicidade, mas pobreza não pode comprar nada”.
- Piazada, agora é o momento mais importante. Vocês ficam Vinícius acabou primeiro, se juntou a nós e ficamos
aqui, eu vou primeiro e checo se as portas dos quartos delas esperando Jean. Depois de alguns minutos ele apareceu
estão fechadas. Se não tiverem tenho que fechar. Depois eu carregando sacolas.
fecho a porta que tem na entrada do corredor dos quartos, - Vinho, muitos vinhos e queijos, muitos queijos. Teremos
se conseguir isso nenhuma das duas vai ouvir os barulhos, festa na saída.
se fizermos algum. Aí eu volto e dou o toque pra vocês - Maaaassa!
descerem e lembrem-se: tem dois cachorros no quarto da - Calem a boca seus merdas! – Fábio era o mais
bruxa, nada de barulho! Desceu e ficamos no aguardo. Não visivelmente estressado.
sei se o tempo se dilata nestas circunstâncias, mas a Pediu pra darmos um tempo, abriu a porta do corredor e foi
verdade é que passaram dois séculos até que ele voltasse. escrever com giz na parede diante da porta do quarto da
- Foi foda, a porta rangia e levei dez minutos pra fechar velha: “Não abra seus olhos Dona Jassira, a senhora não ira
cada uma, agora desçam gostar do que vai ver”. Imediatamente tratamos de sair
Com todo o cuidado do Universo descemos e cada um tratou fora, foi bem mais difícil subir de volta no sótão. Encaixamos
de pegar seu material de ataque. Jean estava morrendo de as telhas de Mal & Porcamente saímos em fuga
curiosidade de conhecer a despensa, geladeira e descobrir desesperada. Não sei porque, mas na hora de fugir a
se tinha alguma adega. Vinícius foi ao armário onde adrenalina sempre dispara. Nessas horas mal se consegue
pensar, atravessamos todos juntos o quintal vizinho Dizem que no Oriente os caras misturam poesia com
iluminado e em um segundo estávamos na rua, gargalhando música e que o efeito é uma verdadeira catarse coletiva.
de nervosismo. Aqui no Maravilhoso & Moderno & Civilizado Mundo
Corremos até uma praça próxima e quando nos Ocidental a poesia não tem essas regalias. Salvo gloriosas
jogamos na grama desatamos a rir. exceções tipo o hip-hop, o pancadão carioca, e os
- Cara! Imagina a cara da bruxa quando ver aquilo... repentistas do sertão, poesia aqui nestes pagos é
- Foda! Muito foda!!! considerada um troco chato pra caralho. Coisa de acadêmico
Abrimos os vinhos, provavelmente caríssimos, e devoramos afetado, na maioria das vezes.
os queijos. Já estava bêbado quando me liguei que nem Desde o dia em que distribuímos poemas com
tínhamos visto o que Jean escreveu com óleo queimado na estilingues que esquentamos nossas cabeças a procura de
grama. novas soluções. Sábado fui obrigado a trabalhar o dia
- Fala cara, o que era? inteiro, e em meio ao tédio e o marasmo recebi a ligação de
- “A senhora não entendeu, mas isso é maravilhoso”. um Sérgio Augusto animado, quase eufórico.
Quem passasse na rua ao longe provavelmente veria umas - Ari! Pintei uns cartões e escrevi uns poemas que
das mais loucas cenas desta metrópole, cinco malucos ficaram tão legais não podemos deixar parados aqui na
fazendo um piquenique etílico nos confins da noite. kitnet.
Realmente, isso é maravilhoso. - Não da pra distribuir cartões com estilingue.
- Tô ligado, tava pensando em outra coisa.
- Que coisa seu Monstro?
- Invadir casas, meu velho Ari, invadir casas.
- Você? O Rei dos Cagões falando isso? De onde saiu
essa sua macheza toda?
- Vai te foder! O que eu queria era que esses cartões
se transformassem em Misteriosas & Enigmáticas surpresas.
- Explica melhor.
- Não, vem aqui na kit que eu te explico melhor.
O cara tava animado mesmo; cheguei lá e o cara
tava numas de fazer as invasões naquela mesma noite. Jean
& Fábio de mau, só colocavam defeitos em tudo.
- Tá, mas fala de uma vez do que se trata, o que tu
Os Anjos Delinqüentes do Bem & Seus quer fazer com esses cartões.
- Agente entra nas casas e abandona os cartões em
Poemas Proibidos lugares estratégicos tipo no meio de um livro, no bolso de
(ataque XXVII) uma roupa ou numa gaveta.
- A gente entra nas casas... Olha a do cara, até que nesse caso o descaso da Prefeitura Municipal de Curitiba
parece que e facinho assim, melzinho na chupeta, a gente nos foi útil. Sérgio era o maestro da vez.
entra, deixa lá e pronto. Se, liga veio! - Pra termos acesso a primeira casa precisamos ir por
- Não vai ser a primeira vez... aqui.
- Tá, mas a gente tinha um método, tínhamos uma O cara estava orgulhoso de si, depois de troçentos
engenharia toda por trás. ataques ele, O Mais Bundão, estava se sentindo um
Caímos todos na gargalhada e Sérgio acabou ficando verdadeiro delinqüente: Ousado & Abusado.
meio invocado, disse que ele definiria os alvos e ele mesmo, Era um matagal do caralho cheio de Pega-pegas e
bolaria todo o roteiro do ataque. Amores-de-sogra. Nada de lanternas, fomos no escuro
- Cara decidido! mesmo pra minimizar as chances de sermos descobertos.
- Olha que isso e raro entre poetas, hein? - Cara! Não tinha um caminho mais fácil?
Não deu nega, o cara sumiu o domingo inteiro. - Não, tem que ser por aqui mesmo.
Voltou com um Mapinha Mandrake em mãos. O matagal terminava numa cerca de madeira toda
- Aqui esta! Tenho cartões pra quatro casas e escolhi podre e dava num quintal cheio de tralhas e ervas daninhas.
seis, uma margem de erro de duas casas para o caso de Pulamos todos e cada um tratou de encontrar um modo de
pintar sujeira. entrar na casa. Alguns minutos depois Vinícius veio
Analisamos cuidadosamente seu plano e chegamos à animado.
conclusão que sim, era possível. O monstro Viajão - Vocês não vão botar fé, mas a porta da cozinha
finalmente estava ficando metódico. Apesar de termos está aberta.
criticado sua idéia a principio, estávamos todos doidinhos É incrível como as pessoas fecham todas as portas da
pra fazer mais invasões. Fora a eficiência e poesia ilegal da frente e se descuidam com as dos fundos. Como estava
ação a adrenalina e altamente recompensadora. Preparei sendo perigosamente fácil, pedi aos outros que esperassem
uns papéis adesivos com Mensagens Discordianas copiadas e entrei com Sérgio pra depositar os "presentes" nos locais
do blog do Fong pra colar nas paredes. apropriados.
Marcamos a parada pra segunda-feira à noite. O Como eu já imaginava a casa não tinha nenhuma
bairro que o monstro escolheu? Alto Boqueirão. "Voarei por estante com nenhum livro que pudéssemos colocar no meio.
toda a periferia". E tava uma noite nojenta: Fria, Nublada & Sérgio ficou analisando a sala e a cozinha enquanto fui dar
com Vento. Fábio catou a última garrafa de vinho que tinha uma geral no resto. Duas crianças dormiam candidamente
sobrado do último ataque e fomos bebendo aquela coisa com a porta do quarto aberta enquanto o que parecia ser o
caríssima pra aquecer os ânimos e por que não dizer? quarto do casal tinha sua porta fechada. Peguei um cartão
Criarmos um pouco mais de coragem. colorido e depositei dentro da sandália da menininha.
O bairro era uma escuridão só. Esse tão alardeado Sérgio colocou um cartão estilosamente em meio às flores
urbanismo curitibano é uma tremenda fraude. Consiste do vaso da sala e um pregado na geladeira, junto aos imãs
apenas em esconder o que não deve ser visto. Fora o bregas que elas costumam ter. Por último colei minha
apartheid social violento que ele gera, mas esse é um Mensagem Discordiana na parede:
assunto revoltante demais pra ser falado aqui. A questão é
“Seja cauteloso com a bebida, ela pode te levar a As próximas casas ficavam a alguns quarteirões
atirar em políticos – e ERRAR”. distância e eram todas de madeira, bem simples. Sérgio
Em tempo recorde saímos fora com a primeira confessou que estava nervoso demais e passou os cartões
missão cumprida. A segunda casa foi bem mais foda, não pra gente fazer o serviço. E não era fácil, a maioria das
tinha nenhuma porta de cozinha aberta. Mas tinha uma casas tinha cães e faziam uma zoada dos diabos. Depois de
janela com possibilidades de arrombamento. Tudo o que várias vistorias escolhemos uma verde. A porta era fechada
precisávamos era de algo fino e comprido pra soltarmos o por uma tramela, com um canivete Jean conseguiu abri-la
trinco. facilmente. Já estávamos dentro quando nos damos por
O gambiarreiro Jean se dispôs a dar um jeito. Voltou conta que num dos quartos tinha uma televisão ligada. Será
até o quintal das tralhas e depois de longos minutos que estavam acordados? Será que não? Antes que
apareceu com uma varetinha de metal, e deu inicio as descobríssemos jogamos um cartão de qualquer jeito
exaustivas tentativas. Tentou, tentou & tentou e passou a mesmo, em cima da mesa. Colei minha mensagem e
bola pro Fábio. Fábio também fracassou e depois de mais de tratamos de dar o fora dali logo. A Mensagem Discordiana
meia hora tentando passou a missão pro Vini. da vez: “Dificuldades são como criança, elas só crescem se
Vinicius bancou o ignorante e começou a dar você as alimenta”. Na hora de fechar a porta a filha da puta
pequenas batidas no trinco até que o pior aconteceu. A rangeu muito mais alto do que ousávamos imaginar que
janela abriu, mas a vareta caiu fazendo barulho. Todo uma porta pudesse ranger. Um grito assombroso veio do
mundo gelou. A macheza do Sérgio evaporou-se. quarto da TV
- Vamos embora galera! Vamos embora! - Quem caralho que ta aí???
- Calma! Relaxa! Vamos ficar ouvindo. Os estrondos de passos pesados vindos do quarto foi
Passaram-se longos minutos de tensão. Nenhum a última coisa que ouvimos. Saímos correndo
ruído. Aparentemente ninguém se ligou. Dessa vez foi desenfreadamente até onde estava Sergio.
Sergio & Vinicius, o homem que abriu a janela. Tinha gente - O que foi? O que foi?
pra caralho dormindo lá e também tinha uma estante com - Sujou! Sujou! Fuja lôcooooooo!!!
meia dúzia de livros, mas como provavelmente nenhum A merda é que tinham dois carros passando na rua,
daqueles livros eram abertos há séculos escolheram outros seria sujo se ele visse um bando de maloqueiro correndo
lugares. pela rua em plena madrugada. Olhamos pros lados em total
Num quarto tinha uma vovó dormindo e roncando. desespero, o dono da casa chegou na porta, acendeu a luz e
Ela merece, ganhou um lindo cartão.No meio de uma lista nos viu. Puta que o pariu! Ele nos viu! Jean deu um berro:
telefônica e outro glamourozamente pendurado numa - Por ali, cara! Por ali!!!
luminária. Minha mensagem: “Aquilo que não é proibido é Um córrego fedido era a única opção de fuga. Fui o
obrigatório”, ficou pregada na parede do banheiro. primeiro a me jogar no esgoto e chafurdar na lama podre.
Já estávamos impacientes quando os guris voltaram. Cara, o desespero foi grande. Estávamos nos achando muito
Estavam estressados pra caralho por causa da lotação da românticos distribuindo poemas daquela maneira e não
casa. esperávamos por aquela reação. E não foi só aquilo, não. Eu
- Vamos andando, rápido! não tinha dado nem dez passos quando ouvi um tiro.
Caralho! O cara estava armado e estava correndo atrás,
parecia disposto a nos perseguir no córrego mesmo. Na
hora que ele deu o segundo tiro nós praticamente voávamos
dentro do córrego, eu particularmente não senti a água nem
o mau cheiro, era o mais puro instinto de sobrevivência em
ação. Nem olhava pra trás, nem sabia se estavam todos
bem.
Então todos os deuses do Universo fizeram uma força
tarefa pra nos ajudar e construíram um bueiro de esgoto na
lateral esquerda do córrego e me enfiei dentro chamando os
outros. Mais tiros & mais tiros, o Alto Boqueirão em sua
noite Bagdá. Felizmente todos conseguiram se enfiar ali.
Rastejamos uns dez metros pra dentro daquele cano contra
a correnteza. Eu estava sem fôlego, sou capaz de dizer que
ontem devo comido merda, muito provavelmente. Quando o
breu era total paramos pra descansar. Ficamos horas ali
dentro, perdemos a noção de tempo. Sérgio, o maestro do
ataque ficou desconsolado.
- Pô, que foda, que foda, que foda!!!
Quando nossos narizes recuperar a sensibilidade e
caímos na real de onde estávamos saímos fora. Cagaço
total. Nos embrenhamos por entre os arbustos e só
respiramos sossegados quando já estávamos a quilômetros
do local do crime.
Foi o maior susto da nossa carreira na Delinqüência,
mas tem males que vem pra bem (ou vem de trem, como
dizem os pessimistas) e Sérgio fez um belo verso/resenho.
- Toda poesia merece um tiro, nem que seja um dia.
Legal, recuperou nosso humor e até damos umas
risadas imaginando que o cara da arma não entendeu bosta
nenhuma de nossos objetivos. Mas como ficou escrito com
óleo queimado na grama da velha burguesa: “Embora você Não Contavam Com os Delinqüentes
não tenha entendido nada, isso tudo é maravilhoso”.
(ataque XXVIII)
Uma das coisas mais escrotas desse capitalismo Confesso que fiquei meio enjoado com a idéia a
agonizante de hoje são as fábricas montadas nos trópicos principio. É cair na merda na noite do banco, é comer merda
pra aproveitar a mão-de-obra barata. Não bastasse isso na noite dos cartões, é foda mesmo, minha vida anda uma
ainda tem a isenção de impostos e mais uma caralhada de bosta ultimamente. Mas acabei concordando, o plano não
benefícios. A podridão impera nas entranhas dessa era ruim. Sérgio deu uma incrementada.
instituição do mal. Aqui em Curitiba temos a presença - A gente manda umas mensagens pelo correio
maligna da Renault. Fábio conhece um cara lá em Colombo antes, alertando eles para algo, mas sem deixar claro o que
que trampa na Renault e conta historias terríveis de caras é.
que passam o dia inteiro enroscando o mesmo parafuso, e - Ah, mas tem que descobrir a lista com o nome dos
de três ou quatro dedos por semana que abandonam as figurões.
mãos de seus donos. - Fábio! Fala com teu amigo.
Uma autêntica Central de Escravidão Voluntária. - Só! Vou ver o que eu consigo...
Ao invés dos caras de chicote acoitando os escravos Fábio falou com ele, mas o cara demostrou-se meio
como no século passado, temos os robôs e as centrais cabreiro. Tem uma porrada de carros naquele
automatizadas impondo o ritmo da produção. Chibatadas estacionamento, mas também tem uma segurança que não
com relho de veludo, sutilezas de uma civilização doente. é tonga nem nada. O cidadão acabou nos convencendo a
Enquanto estava me recuperando da caganeira mudar o plano.
alienígena que peguei discutimos muito no hospital sobre a Discutimos muito o assunto na seqüência e
merda que é o trabalho. Com a intoxicação fui chegamos à conclusão de que jogar merda diretamente na
automaticamente “obrigado” a não trabalhar. Quando as fábrica poderia ser uma literal cagada. Podiam aparecer os
bactérias alienígenas abandonassem meu corpo seria um jornalistas e tchauzinho pra nossa invisibilidade. Optamos
fudido, mané, cuzão e otário novamente. por um meio termo. A Autovesa de São José dos Pinhais,
O assunto da montadora acabou surgindo e o velho cidade vizinha a Curitiba. Tem uma parada igual no Barigüi,
vício de planejar alguma ação também. mas a de Pinhais é bem mais limpeza.
- É Ari, da pra aproveitar esse tempo amarrado nessa Com a garantia que não cutucaríamos a multinacional
cama pra bolar coisas. com vara curta, o amigo de Fábio acabou desenrolando os
Começamos a pensar em algumas sacanagens que nomes pra gente. Sérgio se encarregou das mensagens.
pudéssemos aprontar com aqueles franceses filhos de uma Escreveu umas coisas assim:
puta, files de le pute ou sei lá como é que é em Francês. “Para Fulano De Tal, tendo em vista um alerta dado
Citei a idéia do Anarqu3a da catapulta de merda. Vinícius se pelas pessoas, pelos bilhões de pessoas deste planeta
entusiasmou no ato. esqueçido, mandamos esta mensagem.
- Cara, essa idéia é muito massa! Só faltava mesmo De tanto cagar fora do penico o quarto pode ficar
um alvo. fedendo.
- Mas que alvo? A fábrica da Renault? - Fábio estava Ass:
meio desconfiado. .........................”
- Claro! Enchemos aquele estacionamento de merda!
Nada de viajar um monte e mandar um monte de A construção de nossa Arma de Cagação em Massa
cartas diferentes pra um monte de gente. A mesma finalmente saiu do papel. Cara, a aparência final do aparelho
mensagem pra todo mundo, pra fixar bem a bagaça. Saca foi o troço mais Mad Max que já vi em minha vida, e
só, uma mensagem dessas na torre de controle e chove funcionou espetacularmente em todos os testes.
merda na pista mais tarde. Terrorismo painho, terrorismo Com tudo em cima tratamos de conseguir as fezes
mesmo. em questão. Na Fazenda Rio Grande de novo, dessa vez
Montar a catapulta foi um buraco muitíssimo mais em sem chuva e com experiência. Delinqüentes Veteranos, tá
baixo. O mestre das gambiarras Jean não conseguiu pensar ligado? Marcamos a palhaçada pra uma quinta-feira à noite.
em nada prático. Só que o universo saca de nossa jornada Uma noite antes do ataque fizemos uma coisa
pelo Reino da Mediocridade e pelo Império da Apatia e nos escrota. Passamos três os dias sem defecar e combinamos
deu uma forçinha. Essa forçinha manifestou-se com um de evacuar coletivamente na frente da concessionária como
nome de Josimar, popular Marmita, irmão da Milene forma de aviso, tipo jogar limpo, dar uma chance a vitima,
namorada do Fábio. Êita descrição comprida, sô. não atirar por trás.
O cara é uma figura. A família deles veio do interior Marmita além de gambiarreiro é um cara de pau
de Minas e o cara é uma figura e não tem outro jeito de pragmático. Nos fez desencanar de conseguir alguém de
descreve-lo. Baixinho, cheio dos agás e vejam só, muito carro pra levar a catapulta e nos convenceu a levar a
mais gambiarreiro que o Jean. Trabalha em gráficas lazarenta desmontada de ônibus, com tudo mocado em
consertando maquinas de off-set e vive socado em oficinas mochilas.
de automóveis ou então fazendo bicos de eletricista e outras O foda foi carregar a merda. Colocamos tudo
coisas. Em resumo, um cara desenrolado em trabalhos naqueles sacolões pretos de lixo com cinco camadas. Cinco
manuais. sacos um dentro do outro. Foram três pacotes e apesar de
Na divertidíssima noite em que Milene o levou na kit nossas várias camadas, o cheiro acabou vazando. Por fora
apresentamos nosso problema e o cara desenrolou. das sacolas colocamos umas das Lojas Americanas e todo
- Conheço uns dois ou três caras que tem ferro-velho mundo no latão olhava desconfiado pra gente pensando que
e esse negócio aí, como é o nome? diabos tínhamos comprado nas Lojas Americanas que fedia
- Catapulta. tanto.
- Pois então, é fácil de fazer. Todos fazíamos caras de indiferentes, não lembro de
Só que de mane ele só tem a cara e o jeitinho de nunca ter sido tão foda conter uma risada antes em minha
andar. vida. Era Marmita quem estava com os sacolões ao seu lado,
- Agora me diz uma coisa. Pro que é que vocês o cara fazia caras muito engraçadas toda vez que alguém o
querem um troço doido desses? observava de canto de olho ou então abanava o nariz.
Não teve jeito, tivemos que contar tudo. Milene é Quando descemos do ônibus ríamos feito uns doentes a
claro que estava junto, mas não contamos que fomos nós ponto de se jogar no chão, tamanha a dor na barriga.
que invadimos a casa da madame patroa dela. Deixamos a Nenhum gás hilariante seria tão eficiente quanto aquele
eles a facílima tarefa de ligar os pontos. transporte de cocô num coletivo.
Demos muitas risadas com as palhaçadas do desejos plantados pela publicidade na Imaginação Coletiva.
Marmita, mas quando chegamos nas proximidades do alvo o E mais uma lista interminável de malefícios.
carinha ficou serio. É incrível, mas parece que tem pessoas Vingamos tudo isso. Pode ser que poucos
que nasceram pra delinqüência. Marmita é um desses, se entendessem nossa mensagem, mas nós e esses poucos já
sentiu mais em casa que alguns de nós. está louco de bom. É o bastante nesta ingrata-mas-nem-
Entretidos com as dificuldades da montagem da tanto guerra no Reina da Mediocridade & da Apatia. Meus
catapulta acabamos ignorando por completo a análise devaneios foram interrompidos pelas sirenes do alarme da
anterior do alvo. Um erro de principiante eu sei, mas o que concessionária. Ou o vigia não era um bom profissional e
será de nos quando nos sentirmos maduros? provavelmente merece cada centavo que ganha ou os filhos
Apodreceremos, provavelmente. de uma égua tem alarme de invasão de pátio adaptado pra
Tivemos que parar uma quadra antes e analisar detectar fezes. Não sei, o que sei é que a porra do alarme
friamente a situação. Acabou que temos mais sorte do que era uma sirene ensurdecedora que deixou tos em pânico
juízo. No outro lado da rua tinha uma casa de madeira Ignoramos todas as regras de invisibilidade e
desocupada, com muro baixo e tudo. A gurizada ficou corremos todos em auxilio a Marmita e sua Maravilhosa
montando o equipamento enquanto eu e Sérgio bancamos Maquina Lançadora de Merda. O cara ainda por cima tava
os sentinelas. numa calma inexplicável.
Era de madrugada, a rua estava deserta, mas se - Calma, galera! O vigia não vai atirar e a policia não
alguma alma passasse por ali e olhasse pro terreno da casa pode chegar aqui por tele-transporte.
desocupada ia pensar que se tratava de alguma geringonça Não damos ouvido. Abandonamos ali a munição que
criada pelo Coiote para pegar o Papa Léguas. restava, catamos a catapulta montada mesmo em três e
Jean & Vinius ficavam abastecendo a catapulta com saímos correndo de qualquer jeito. Os delinqüentes mais
munição enquanto Marmita caprichava na pontaria, eu e os desajeitados da historia da humanidade. Se o bicho-do-
outro observávamos tudo ao lado da grade da corre-feio aparecesse nos prenderia também.
concessionária. Paramos pra descansar uns quinze quarteirões
Foi um espetáculo. Mais um daqueles momentos depois. Estávamos exaustos, mas nos cagávamos rindo. De
únicos nas nossas vidas, que afinal de contas por serem nós mesmos e do naipe de nossa ação.
tantos, já nem sei dizer se são tão únicos assim. Aquela As Megacorporacoes Transnacionais, em sua ânsia
merda toda voando pelo céu e caindo em cima de todos neoliberal realmente abriram novos mercados e obtiveram
aqueles carros novinhos e inalcansáveis foi um troço de alguns lucros fabulosos.
lavar a alma. Isto não é uma metáfora: Aqueles Mas cometeram um erro grave
excrementos que choveram sobre os carros é os preços que Não contaram com os Delinqüentes.
eles custam.
Milhares de coisas passaram pela minha cabeça
enquanto eu assistia aquele bombardeio. As milhares de
vidas perdidas em acidentes, os danos ao meio ambiente, o
arruinamento estético das grandes cidades, os falsos
Era uma vez num programa de entrevistas... Era da
Bruna Lombardi? Não lembro... O Maguila, ao ser
questionado sobre o que fazia antes de lutar boxe,
respondeu que trabalhava como pedreiro. Pra complementar
e salientar que não tinha vergonha do seu passado, nosso
herói soltou essa pérola.
- O trabalho danifica o homem.
Desde então esta frase ficou estampada na minha
mente como uma Profunda Verdade Universal. O trabalho
mata a criatividade humana e cria milhões de
esquizofrênicos em todo o planeta. Discutíamos isso no
Hospital Evangélico na noite anterior à minha alta e ao meu
fatal retorno ao trabalho.
Jean discursava sobre a esquizofrenia do homem moderno.
- Saca só, você tem uma montoeira de problemas
particulares. De repente você está vivendo um inferno
amoroso e no trabalho tem que sorrir a todos os superiores.
A gente pode estar numa pior, deprimido e desanimado pra
caralho, mas sua produtividade não pode diminuir.
- Se diminuir: pé na bunda!
- Sacaram que somos obrigados a desenvolver duas
personalidades?
- Só! As vezes até mais.
- E o que me deixa puto é que essa psicopatia é o
padrão normal de conduta. Se um caradura invocar de não
dividir sua vida em duas partes será ele o louco e o
desajeitado.
Aproveitei a oportunidade pra falar de umas viagens
que tive em meio a meus delírios de febre.
- Isso sem contar com falta de sentido cada vez
O Nonsense, Meu Nego, No Combate Ao maior nos trampos que restam.
Desemprego Não sou um grande teórico, nunca freqüentei
nenhma academia e a intelectualidade me dá náuseas, mas
(ataque XXIX) gosto de arriscar uns palpites e tentar entender, do meu
jeito, como as coisas funcionam.
- O capitalismo, pra medir o valor das coisas sempre - Tá vamos virar empresários, empregadores agora...
se baseou no tempo de trabalho gasto na criação das - É Ari, o Fábio tem razão. E a grana? E o cacife?
mercadorias. - Calma cambada de pessimistas. Não é um mês de
- Pelas barbas de Karl Marx! A onde que você quer trabalho com carteira assinada seus tongos! São bicos. Bicos
chegar? Nonsenses & Cia Ltda.
- Acontece que hoje o tempo gasto e zero por conta - Explica melhor, dischava, desmurruga esse bagulho.
das automatização e o valor das coisas tornou-se abstrato. - Por exemplo, por cinco pilas contratamos pra cavar
- Continue professor. um buraco e depois tapá-lo. E depois um outro cava e tapa
A gurizada reunida só sabe mesmo é avacalhar. mais um buraco mais lado e por ai vai.
Tiram onda de tudo feito uns retardados. E na hora de - Que coisa mais ridícula e absurda.
trocar idéias, um sempre discorda do outro, unicamente por Tenho que admitir que os caras não aceitaram a coisa
esporte. Mas continuei, sem nem saber ao certo como de imediato. Literalmente trata-se de algo saído de uma
expressar minha idéia . mente delirante. Por fim a bizarrice da idéia acabou
- Só que tem uma contradição gritante nessa parada seduzindo o povo.
toda. A tecnologia dispensa os trabalhadores e sem O problema eram os tais cinco pilas pra pagar os
compradores a máquina não roda. É preciso mercados, “salários.” Passou-se uma semana até que sobre a cabeça
muitos mercados, daí privatizarem tudo. Não duvido que de Vinícius que aquela famosa lampadazinha acendeu-se.
ainda vão inventar trabalhos sem sentido só pro capital - Cara! lembra as idéias daquele doido do Rogério
continuar circulando e o sistema se manter. Coaxo do blog dos delinqüentes?
- Ari, confesso que isso tá confuso pra caralho. - Só!
- E, você esta andando em círculos sem chegar em - Pois então, aplicamos aquele migue do sobrinho do
ponto algum, ainda bem que você não é professor de nada. interfone pra conseguirmos a bufunfa pro MTS do Ari!
“Felizes são aqueles que andam em círculos, pois O caso foi de um típico meme, pulando de cérebro
serão conhecidos como rodas.” em cérebro, Mutando-se & Replicando-se sem nenhuma
Resolvi partir direto pros finalmentes e deixar as interferência nossa. Jean & Fábio surgiram também num
teorias mal interpretadas e os conceitos distorcidos de lado. plano B. Circulou pela Internet a historia de um neguinho
- Bom galera, durante um delírio de febre vislumbrei que dá curso de mendicância pregando que é possível
um Movimento do Trabalho sem Sentido, alguma coisa do levantar duzentos paus se escolher os lugares certos pra
tipo MTS ao invés de MST. mendigar. Marimita irmão da Milene namorada do Fábio se
- O que significa isso Ari? escalou pra tentar cuidar de carros em estacionamento em
- A gente pode plagiar as cores e a bandeira do MST dia de jogo no Couto Pereira.
pro negocio ficar ainda mais palhaço e criar mesmo o Para a operação Interfones Vinícius voluntariou-se. É
movimento. uma boa idéia, mas requer toneladas de paciência e muita
- Mas que caralho! Que movimento? dedicação. Escolheu um trecho da padre Agostinho com
- Por alguns trocados, oferecer vagas pra uns bastante prédios e no horário do Jornal Nacional.
trampos totalmente nonsenses. Apertava o interfone e falava.
- Tia? Oi tia! A definição do local da obra gerou discussões
Quando não se tratava de uma mulher com um único monstruosas. Sérgio & Vinícius queriam que fosse no centro,
sobrinho as pessoas ou perguntavam “o que?,” “como?” ou um Mega Evento. Fábio queria que fosse perto do viaduto
então desligavam o interfone. É uma idéia que requer Capanema, nas redondezas da rodoviária de Curitiba. Jean
paciência, eu falei. ficou do meu lado e vencemos o debate.
Até que lá pelo milionésimo toque a Profecia de Continuaremos voando por toda a periferia. Ação de
Coacho se concretiza. impacto é coisa pra rato de mídia. Estamos fora, não
- Oi ... É você Marcelo? gostamos de aparecer na foto.
Com o sinal verde dado, Vinicius soltou essa que Escolhemos o bairro do Cajurú e fomos de ônibus
estava com o carro estragado cinco quadras a baixo e que mesmo, com a presença marrrrrcante do figuraço Marmita e
precisava de quarenta reais emprestados. com os cavaletes no corredor, dando quinhentas explicações
- Eu te avisei que aquele carro ia te dar problemas e aos curiosos que insistem em existir, graças aos céus, pois
prejuízos. Sobe aí que eu te empresto, mas que isso não se são os curiosos que garantem a evolução da espécie.
repita, hein? Dê um jeito nessa cangalha veia. Chegando no Cajurú escolhemos o lugar mais pop
- O carro ficou aberto, tenho que correr lá. Vai subir das proximidades, o terreno baldio ao lado do bar do
o Vinícius ai pra pegar, ok? Espedito, tava escrito com”S “ assim mesmo. Montamos os
- Tá bom. É ate melhor. Se não eu ia ter que te dizer apetrechos e esticamos a enorme faixa que Sérgio
muitas verdades. preparou.
Deu certo. Ela caiu. Fábio & Jean ainda conseguiram HÁ VAGAS. SERVICO FÁCIL. DINHEIRO À VISTA.
vinte e cinco pilas. Marmita quebrou a cara no dia do jogo, Três frases com três palavras magicas para para
já existe um cartel explorando os estacionamentos, não ressoarem nas mentes de Desempregados, Vagabundos &
conseguiu um único centavo. No total levantamos 65 Vadios em geral, essas criaturas lindamente românticas do
Dinheiros para estartarmos nosso MTS. Com o tempo, todos mundo moderno. Não demorou muito pra chamar a atenção
gostaram dessa coisa de brincar de vanguarda. dos pinguços do boteco. Mas não foram falar com a gente,
Nosso movimento é quase artístico. Nosso mandaram um moleque.
movimento é quase vanguarda. Se nada disso é verdadeiro, Explicamos para o pirralho e ele voltou rindo sozinho
então beleza. Ele no mínimo é QQQ, Quase Qualquer Qoisa. para o bar. Ouvimos gargalhadas e não demorou muito pra
Fábio conseguiu pás, enxadas, um balde e dois pintar o primeiro voluntário. Bêbado e provavelmente duro.
cavaletes na casa de seus coroas em Colombo. A O cara mais se escorava na pá do que cavava
empreitada consistia em cavar um buraco, raso mesmo, pra propriamente. Devido ao estado de bebedeira do cidadão, o
não dar muito trabalho. Colocar a terra em cima de umas que era pra ser fácil tornou-se difícil. Era tão cômico que
tábuas que colocaríamos sobre os cavaletes. Dar vinte e três acabou se formando uma multidão de curiosos, sempre eles
voltas em torno do cavalete repetindo o Mantra Sagrado: ao redor. Marmita ria tanto que nem participou da ação,
“Quem inventou o trabalho não tinha o que fazer.” seutou-se um pouco distante e ficou se contorcendo.
Depois tapar o buraco, meter a mão nos cinco reais e Na hora das vinte e três voltas a risada era geral. O
partir para o abraço. povo não botava fé no que estava acontecendo. Não
botavam fé mesmo, mas na hora que ele tapou o buraco e juntos. Só que nem tudo é perfeito. No outro lado da
pegou as cinco pratas ganhamos respeitabilidade. O negócio avenida tem uns quatro ou cinco out-doors emporcalhando a
era sério além de palhaço. visão.
O segundo funcionário foi o moleque mensageiro que Uma puta sacanagem. Ainda mais tratando-se de
fez tudo rapidinho e saiu feliz da vida pra torrar a grana nos nós, pela primeira vez reunidos, quase que uma provocação.
caça-níqueis. Foi uma ação muito divertida e até Terminamos de transferir todas as nossas tralhas na sexta-
recompensadora no sentido do reconhecimento pela feira à noite e essa porra de publicidade acabou sendo o
população local. Não faltaram trabalhadores e todos nos assunto da vez. Fábio era o mais indignado.
trataram bem. - Esses filhos da puta se acham na moral de dizer
Os 65 dinheiros acabaram rapidinho, o sucesso da quais são nossos verdadeiros desejos.
empreitada foi total. Nosso movimento é viável e digo uma - Podes crer.
coisa, do fundo de meu Coração Delinqüente: o dinheiro da Gargalhadas. Todos caíram na gargalhada com o tom
mulher que caiu no Migué do Interfone foi muitíssimo bem messiânico do sujeito. Um monstro. Um orador em praça
aplicado. Bem explicadinho acho ela até sentiria orgulha. pública, seduzindo milhares de almas com sua retórica
Temos outras idéias ainda para por em prática. Descobrir hipnótica.
um formigueiro e criar o “Sedex 10 Para Formigas”, pega a - Só que eles não estão sozinhos nessa.
carga de uma delas e entrega na porta de casa, cinco pilas - Óh! Existe uma conspiração por trás.
pelo transporte. Ou então localizar todas as bitucas de - Os Iluminatti devem estar envolvidos.
cigarro de um quarteirão e orientá-las a Meca, bitucas - Calem a boca seus paunocús! Sou eu, é você
Muçulmanas, saca? Dez reais por isso, pois sabemos que é Vini, somos nós!
foda, primeiro achar todas as bitucas, depois descobrir que Nessa hora a galera baixou a bola. Só que numa pose
diabo de lado fica Meca. de respeito tão caricatural que foi incontrolável, as
Enquanto esperávamos o ônibus no ponto tivemos gargalhadas voltaram. Nunca se leve a sério de mais.
que responder a um batalhão de perguntas a respeito de - Cara, saca que na maior parte das vezes
quem éramos, o que significava aquilo tudo e onde seria somos nós mesmos que matamos nossos desejos.
nossa próxima performance. - Assassino! Assassino!
- Somos do MTS, movimento do trabalho sem sentido - Acabamos deixando de fazer as coisas por um
e infelizmente não sabemos quando haverão novas vagas. medo ou uma vergonha que no fundo não sentimos, mas
Poluição Visual? Desejos Pré- achamos obrigação senti-los.
Fabricados? Só Jesus Salva! Palmas. Desta vez não foram gargalhadas, desta vez
foram palmas mesmo, Fábio foi ovacionado.
(ataque XXX) - Claro que tem gente querendo se aproveitar dessa
fraqueza. Gente oferecendo desejos prontinhos, custam
Nosso novo porão é massa. Pela primeira vez desde alguns trocados, mas estão lá, prontos pro consumo.
que existimos nesse planetinha véio ordinário de bosta que Jean foi o único que não ficou o tempo todo junto,
só é azul pra quem vê de fora, estando morando todos viajando no discurso de Fábio. Ficou quieto, na dele,
olhando os out-doors. Quando sentou com agente estava alguma merda. Demoraram pra caralho e voltaram mudando
sorridente . todos os planos originais.
- Acho já que sei o que fazer pra aliviar nem que seja - Cara, aqui na frente não vai dar. Aqui na frente vai
um pouco essa raiva de Fábio. ser muito bandeira.
- Ih! Lá vem... - E a escada? Como é que vamos carregar a escada
- Vamos sacanear esses especialistas em desejo num lugar muito movimentado?
tirando onda deles. Estávamos todos no tesão de fazer a coisa no sábado
- Como assim? mesmo, só que não teve jeito. Tentamos localizar o
- Sabe o que eu pensei? A gente bola um Marmita, mas o cara tava acampado no Marumbi. Fábio teve
personagem. Tipo cartum mesmo. Desenha numa cartolina que ir até Colombo batalhar uma escada dessas que se
ou papel grande, recorta e cola nos out-doors. Minha idéia desmonta enquanto nosostros fomos definir novos alvos,
era que esse personagem ficasse o tempo todo expondo o que se adequassem aos nossos desenhos.
lado ridículo e grotesco dos anúncios. Não foi mole. Tivemos que fazer um mapa
- Pode crer véio! Não é uma má idéia... complicado, teríamos que andar um monte. Só que tudo
- Em cima dos bonequinhos colocamos balões com meticulosamente planejado, com tudo pra dar certo. Nossa
frases tirando onda da parada. auto-confiança se baseava no fato de que estaríamos com
Uma tentação e tanto e depois de uma semana tudo pronto, desenho recortado, cola esparramada, e que
parados não conseguimos resistir a ela. Sérgio que tem as seria só fixar e pronto. Missão comprida.
manhas pra essas coisas de recortes saiu atrás dos papeis e Só que na hora a parada não foi tão simples assim.
do resto dos materiais enquanto ficamos ajeitando o resto No fim da terde de domingo o tempo fechou e uma
das coisas. Foi o animal do Vinícius, que não pensa, que enxurrada se abateu sobre Curitiba. E a chuva não tinha
teve a idéia de dar o nome de Jesus pro nosso personagem pinta de passar tão cedo. Ainda por cima mais uma vez
gozador de propagandas. cometemos um erro de principiantes. Até quando seremos
- Eu sou Jesus e te digo uma coisa: você é mané a cabaços? Analisamos as rotas de fuga e não sei que lás e
ponto de acreditar que isso vale a pena? ignoramos por completo a escada e o plano de abordagem.
Foi massa. Curtimos pra caralho. Bolamos um Durou muito mais do que imaginávamos. Tínhamos
racunho de nosso Jesus, nada daquela imagem padrão de calculado uns 30 segundos. 30 segundos o caralho!
barba grande, cabelo longo, vestido e sandálias de couro. Chegar, armar a escada no lugar certo, subir sem
Nosso Jesus era um baixinho e gordinho escroto, dobrar o papel ou rasgar por causa da chuva e ainda colar
personagem típico de botecos da periferia. Damos altas no lugar adequado sem enrugar nem nada é uma tarefa
gargalhadas imaginando as palhaçadas que nosso Jesus muito foda. Pra cola pegar tivemos que antes dar uma
aprontaria. Quando Sérgio chegou com o material já enxugada meia boca no local da colagem e depois ainda
estávamos com as idéias plenamente definidas. segurar pressionando o papel por um certo tempo. A coisa
Na tardinha de sábado Fábio & Jean saíram pra toda durou quase dez minutos, uma eternidade perto dos 30
analisar os alvos e bolar as rotas de fuga pra no caso de dar segundos que tínhamos imaginado.
Foi um negócio agonizante. Vinícius foi o primeiro a odioso. Aquele da Master Card convidando todos a ficarem
fazer a colagem. Eu & Jean ficamos segurando a escada e ou serem sossegados. De longe o mais falso.
mandando apurar enquanto Fábio & Sérgio eram os Esse eu aguardei com expectativa pra ver como
sentinelas. ficava. Esse eu quis curtir o resultado. E nesse Jean decidiu
Era a propaganda de uma oferta de carro por trinta e dispensar a escada. Maldita idéia. Mais segura, mas repito:
poucos mil reais. No desenho que colamos Jesus segurava a Maldita idéia! Tivemos que escalar a parte de trás do painel
barriga com uma mão e com a outra apontava sorridente pra segurar suas pernas sem enxergar bosta nem uma do
para o carro: que ele tava fazendo.
- É fácil comprá-lo! Basta ficar trinta anos sem - E ai véio tá pronto?
comer. Alguns mestres iogues dizem que o sol e o ar bastam - Relaxa tá quase.
pra se manter vivos! - Apura sua bixa! Cê pensa que é leve?
Mais abaixo um outro balãozinho. - Agüentem aí suas putinhas, tá ficando massa.
- E lembre-se! Eu sou Jesus e Jesus saca as coisas! - Anda logo com isso se não eu solto!
Quando Vini acabou estávamos com a nossa - Solta nada, você me ama.
paciência esgotada e muito nervosos, aquilo era pra ser Tenho certeza que ele demorou de sacanagem. Jean
rápido e fácil. Nossa auto-confiança foi parar na puta que o nunca desperdiça uma chance de sacanear alguém. Deve ter
pariu. Saímos correndo dali, nem conferimos com calma o demorado uns quinze minutos.
resultado da colagem. Mas tenho que admitir que ele tinha razão: Ficou
O segundo alvo ficava um pouco longe e tivemos que massa. Jesus se passou nessa.
andar um monte. Tratava-se de um anúncio de uma nova - Você tem todos os motivos do mundo pra ficar
escola de negócios, famosa na Europa e que agora esta se sossegado, afinal sou Jesus e sua mulher me ama.
instalando em Curitiba. Na foto um casal de jovens Sei que é meio óbvio e até chavão, mas colocamos
empresários em pose de bem sucedidos. Ridículos os uns chifrinhos no cara da foto da propaganda.
coitados. - E todos os hotéis aceitam Master Card! Veja só!
Foi Jean quem subiu pra colar Jesus. Uma chance a mais de você ser sorteado.
- Nada é tão ruim que não possa ficar pior. Agora os E não foi só isso.
gringos vão ensinar seu chefe a ser um mala, explorador e - E veja bem: Jesus saca das coisas e agora também
folho da mãe de uma maneira que você nem sonhava ser saca que sua mulher é muito gostosa.
possível! Exaustos que estávamos, sentamos na calçada no
Mais abaixo o mesmo balão de antes outro lado da rua, Ensopados & Imprudentes, pra dar
- Jesus saca das coisas, meu filho! risadas do corno sossegado sorteado pelos Delinqüentes.
Jean fez tudo certinho em seis minutos e meio. Tínhamos material pra sacanear mais três anúncios e
Apesar dos protestos de Fábio, foi eleito automaticamente agora estávamos mais sossegados. Nos sentíamos OS
“O Colador de Jesus Cristos” oficial. O próximo out-door era Vândalos Palhaços. Nos sentimos os salvadores da espécie
próximo, hehe, porém visível e perigoso. E também o mais humana.
Só que a chuva aumentou pra caralho e o quarto alvo Nessa semana fui dar uma banda na baia de um
ficava numa encosta, uma filial do Rio Iguaçu se instalou na amigo meu e o pau no cú se atrasou umas duas horas. Tive
frente dele, mais ou menos onde jean botou a escada. E ele que dar um tempo na frente do prédio dele sentado bem na
estava perigosamente Tranqüilo & Seguro. frente da vitrine de um desses estabelecimentos para cães
Odeio estar certo, massabia que ia dar merda. de madames. É incrível como a cachorrada se arrega em
Quando Jean esticou o braço pra colar o balão com termos de Apetrechos, Enfeites & Acessórios. Os viadinhos
frase de Jesus o terreno onde a escada estava armada passam bem. É caminha, é roupinha, é escovinha, é
cedeu e Jean desabou desajeitadamente de uma altura de xampuzinho, é coisa que não acaba mais. Fora os Rangos,
mais de quatro metros. as Atenções & os Carinhos. Só que em termos de
O cara caiu todo errado e tragédia das tragédias: filhadaputiçe o inesperado sempre se supera.
Quebrou a clavícula. Ele que trabalha de moto fazendo Lá estava eu, fumando meu cigarro e pensando na
entregas, quebrou a clavícula. Na hora não atinamos o que moral daquela cachorrada quando passou uma catadora de
tinha acontecido com ele, que só gritava, e simplesmente papelão. Junto a ela, uma menina de uns quatro anos
abandonamos a escada ali mesmo e torramos nossos carregando um bebê no colo e correndo para acompanhar o
últimos dinheiros pra levarmos o sequelado no posto do SUS passo rápido da mãe. Fiquei olhando aquelas três criaturas
vinte e quatro horas do Boqueirão. até ver mais. Por último, carregando um carrinho de bebê
Foi um susto dos diabos, o maior que já levamos até só com as duas rodas de trás, uma outra menina, menor
agora. Mas como somos uns incuráveis, na madrugada, de que a que estava correndo.
volta ao porão, já estávamos rindo do ocorrido. Aquilo me deixou puto. Quando olhei de novo pra
A TIM celulares safou-se dessa, deixamos sua vitrine do pet shop a vontade que eu tinha era despedaçar
sacanagem pela metade. No out-door premiado ficou aquele vidro com um chute e tacar fogo em tudo. Tive que
apenas a imagem de nosso Jesus baixinho, barrigudinho & sair dali e andar um pouco pela quadra e acender mais um
careca, com cara de safado. cigarro. Aquilo me deixou muito puto mesmo.
- Nunca esqueça! Jesus voltou e Jesus saca as Nessa época estávamos nos mudando da kit pro
coisas! porão e quando cheguei lá na noite a piazada estava toda
envolta as caixas de papelão e sacolas de supermercado.
Cachorrada Doentia Delinqüente - Galera, temos que fazer alguma coisa com essas
veterinárias de burguês.
(ataque XXXI) - Qualé Ari? Levou um fora de uma cadela?
- A cachorrinha não tinha telefone?
Além do clima, que se comporta como uma mulher No meio da mudança ninguém levou a coisa muito a
de fases, o pobre curitibano ainda tem que conviver com sério, mas a parada ficou pendente, incubando em nossas
cocôs de cãozinhos de dondocas nas solas de seus sapatos. mentes delinqüentes. Foi Fábio conversando depois com
Sei que isso é uma reclamação pequena, banal, estúpida. Milene sobre os poodles da madame do mal que o assunto
Seria, se em Curitiba não existissem mais hoteizinhos e voltou a tona.
creches para cachorros do que pra crianças.
- E não é que você tem razão Ari, quando critica os pedaços de idéias de todo mundo. O lachante pra eles
cachorros das madames. cagarem adoidados é básico, mas os requintes de crueldade
- Num falei? Mas porque isso agora? foram acrescentados pelo Velho & Bom Anarki3a das boas
- A Milene falou que a patroa dela uma vez deixou idéias. Saca só como o cara não pensa:
aquela duplinha por duas noites num desses hotéis pra Mandar correspondências para os clientes com
cachorros, pra poder viajar pro interior. insinuações de zoofilia e informando que molestar os
Começamos então a pensar em algo pra sacanear animais os deixa com diarréia. Vinícius sugeriu
esses filhos de uma égua que lucram em cima dos protestarmos contra a desigualdade social canina levando
burgueses esnobes. As idéias vieram facilmente. Foda foi cães sem teto e deixando-os lá, passando a noite com seus
convencer a galera a não fazer nem um mal com os pobres semelhantes afortunados e Jean conseguiu tintas
dos bichinhos que, no final das contas não tem culpa de poderosíssimas pra misturarmos com os xampús e os
nada. “cremes pra pelos oleosos’’ dos au-aus mauricinhos.
Durante a semana Fàbio estava disposto a andar. Organizar tudo isso em termos de um plano
Estava pensativo, apaixonado e queria andar. Estava concreto e realizável foi uma dura tarefa. Vinícius,
vasculhando cursos de inglês e encaixou na agenda responsável pela idéia de gerico dos cães, vasculhou meio
vasculhar pet shops. É fácil viajar, planejar e rir com as Boqueirão atrás dos sem-teto e descolou dois exemplares.
idéias, executar a invasão são outros quinhentos. E uma loja Jean conseguiu a tinta façinho enquanto eu e Sérgio nos
fresca de animais é mais complicado ainda. O principal item encarregávamos das correspondências e informes de
a se considerar é o alarme. E eu te digo: com toda essa zoofilia.
onda de violência ainda tem otimista (ou pão duro, vai Depois de muita insistência consegui convencer o
saber) que não instala alarme. Sérgio a fazer a coisa certa. Ficou de segunda até quarta,
Fábio identificou os alvos. Depois foi só levantar a todas as tardes, de butuca seguindo os clientes pra ver onde
ficha da vitima. Milene, acostumada com as frescuras de sua moravam. Os nomes não deu pra descobrir, teria que ser
patroa com seus poodles, foi a tarde com eles e Fábio uma correspondência impessoal.
conhecer as instalações. A exemplo da invasão da mansão Bolamos tipo que um jornal de bairro, uma
da madame do mal, Fábio cuidou de todos os detalhes da associação nova formada por pessoas que apreciam ter
invasão. animais de estimação. O tema da edição era maltrato aos
Como prova de sua generosidade deixou a nós a animais. Milene cedeu gentilmente uma foto de sua mãe
tarefa de decidirmos que diabos faríamos lá dentro quando para escanearmos e ilustrarmos uma entrevista contendo
conseguíssemos entrar. Foi divertido pra caralho imaginar as uma denúncia. Seu cachorro havia sido estuprado na pet
coisas que podíamos aprontar com aqueles coitadinhos shop que atacaríamos. Depoimentos de cientistas
daqueles cãezinhos. Um festival de Humor Negro & explicavam que os cães costumavam ser atacados por
Sadismo Inconseqüente. Foi onda. diarréias agudas após serem violentados sexualmente.
Acabou que fizemos um troço democrático. Isso Sérgio seguiu e a notou o endereço de cinco clientes.
pra ser bonzinho nas críticas ao nosso plano, porque na Louco de bom, cinco clientes indignados ou no mínimo sem
verdade o que fizemos foi um Frakeinstein, horroroso, com entender o que está acontecendo já tá mais do que
suficiente. Agora Vinicius levar os cãezinhos sem teto na - Vini, você fica aqui esperando com o cachorro e
noite da ação é que foi elas. Fabio dava pulos de dois quando tivermos com tudo pronto aí a gente te chama e tu
metros de altura de tão indignado. solta ele lá dentro.
- Porque é que vocês não me avisaram dessa Nos equilibramos por sobre o muro e andamos uns
cagalhoniçe antes? vinte metros até pularmos no quintal do que parecia ser um
- Pensei que o Vini tivesse avisado. Você não falou cartório ou alguma secretaria da prefeitura. O cagaço foi
nada seu animal? grande, pois Fabio não tinha checado esse detalhe e era
- Pensei que ele soubesse... bem provável que aquela porra tivesse vigia noturno.
Tentamos de tudo quanto é jeito levá-los no ônibus, Quando caímos no chão ficamos uns cinco minutos com o
por baixo de nossas jaquetas, mas não rolou. Ou eles latia coração disparado, suando frio e esperando o pior a
ou eles se mexiam e o cobrador acabou mandando nós qualquer momento. Como temos mais sorte que juízo não
descermos. Tivemos que ligar a cobrar pro nosso amigo apareceu ninguém.
Társis que foi nos buscar e nos deixar nas proximidades do Todas as portas e janelas da loja tinham grades que
local da ação. impossibilitavam a invasão por ali, mas facilitava a escalada
O plano do Fábio não era nada fácil. O cara estava do telhado. Eram telhas de barro, fáceis de desencaixar.
coberto de razão em reclamar dos cachorrinhos. Era Tiramos oito telhas e Fabio pulou sobre o sótão. Péssima
semelhante à vez em que fomos enfeitiçar a imobiliária, idéia, o animal não tinha se ligado que o forro era de
teríamos que pular muros e andar em terrenos madeira podre, rachou e ele quase despencou lá de cima. A
inexplorados. Como fazer isso carregando dois cães que cachorrada que tava hospedada se desatou a latir. Um
podem se desatar a latir a qualquer momento? barulho infernal. Por Éris! Teríamos que ser rápidos e
Dessa vez não houve coleguismo, Fábio deu um rasteiros. Uma prova de fogo do nosso profissionalismo
esporro e Vinicius teve que carregar sozinho os dois vandalístico.
pestinhas. Fabio tinha sido perfeito em sua rota de invasão, - Caralho! Vamos rápido!!
tinha vários muros emendados uns nos outros e só teríamos Fábio bum bum bum, correu em direção ao tampão,
que descer deles uma única vez, perfeito. abriu e pulou pra baixo.
Perfeito não fossem os cães sem teto. - Rápido Ari! Joga a mochila com as tralhas!
Equilibrar os bichinhos em cima do muro e mantê-los O nervosismo se abateu sobre todos. Sergio se cagou
quietos era uma missão quase impossível. Pelo menos teve todo nas calças. Isso não é uma metáfora, o cara se cagou
a manha de levar uns pedaços de salsicha pra eles ficarem mesmo, tava com umas broncas digestivas e a merda
lambendo. A merda é que a parada só funcionou com o escorreu por baixo de suas calças jeans desbotadas. Eu
menor, o maior começou a latir quando sentiu cheiro de pessoalmente não sabia se ria da situação ou chorava por
comida. Tive que voltar com ele e deixá-lo de fora da causa do fedor. Dadas as circunstâncias deixamos Fabio
missão. Ficou com Jean que estava de sentinela na frente da fazer todo o trabalho, ficamos só iluminando com a lanterna
loja por causa de sua clavícula quebrada no último ataque. e dando palpites.
Fabio queria surrar o Vini. Abriu uma porrada de frascos de xampu, jogou um
pouco do conteúdo no vaso do banheiro e completou com
tinta. Encontrou um grampeador e o fichário com o cadastro cachorrinho que tinha ficado de fora da operação e que latia
dos clientes em em todas as fichas grampeou um papel com no colo do Vinicius, acho que latia pra rir com a gente.
o seguinte texto: A descarga de adrenalina foi tão grande que ao
“Quem batalha pelos direitos dos animais deveria acharmos um posto de gasolina com loja de conveniência
incluir em suas reivindicações o direito dos pobres coitados compramos dois litros daquela pinga 44 de um real,
dos bichinhos de se verem livres de serem tratados como sentamos na sarjeta e bebemos até o sol raiar. No outro dia
bebezinhos mimados por burgueses esnobes.” (na verdade no mesmo, mas pra mim só troca de dia
Dentro do aparelho de som colocamos um CDR com quando durmo) não consegui acordar pra ir trabalhar.
uma única música, aquela do Eduardo Duzek cujo refrão é: Mas não dá nada. O importante é que as dondocas e
“Troque seu cachorro! Troque seu cachorro por uma criança seus cachorros cagadores de calçada tiveram uma lição
pobre”. O clima de tensão estava chegando a níveis merecida. Vingamos todos os Tênis, Sandálias & Sapatos
insuportáveis devido a barulheira do latido dos chorros que cagados de Curitiba. Au-au-au nós somos do mal!!!!
estavam lá. Não demorou muito pra Jean se indignar e
começar a bater na porta da frente.
- Seus viados! Que porra de merda de puta de bosta
do caralho vocês estão fazendo aí dentro? Apurem suas
bixas!
Fabio bateu o martelo.
- Tá beleza! Ari, traz o cachorro do Vini.
Saltei apressadamente no telhado e berrei pro
Vinicius trazer o cachorro logo. Nessa correria o bichinho se
assustou e começou a latir e tentar me morder. Ainda bem
que era um filhote, mas mesmo assim me arranhou todo.
Alcancei o Totó, e junto com Sérgio Cagado puxamos Fabio
de volta pro sótão. As possibilidades de alguém ter ouvido a
barulheira e acionado a polícia eram grandes e por isso nem
tapamos as telhas. Que se fodam, eles notariam o forro
quebrado mesmo.
Nos encontramos do lado de fora e fomos entregar as Pare, Olhe, Pense: O Inesperado
“correspondências” no estilo daquele carteiro do comercial Acontece
do Sedex que alcança um maratonista em plena corrida. (ataque XXXII)
Corríamos feito uns doidos ensandecidos. Só não estávamos
sendo mais rápidos por causa do Jean e do Vini, que se
mijavam de rir do Sergio Cagado e do próprio, que nos deu Todo ser humano tem garantido o seu direito de ir e
o prazer de descobrir como é engraçado o jeito de uma vir. Circular livremente pela face do planeta onde vive. Nada
pessoa cagada correr, de pernas abertas e todo duro. Fora o mais básico e justo. Será que ainda existe alguém que ainda
acredita que esse direito é minimamente respeitado? Nem - Tigrada! Lembram que o Sérgio queria aprontar
nas cidades (Não é qualquer um que entra num shopping). alguma coisa nas be érres? Pois então! Meu chefe pediu pra
E nem no campo (experimente pular a cerca da fazenda mim fazer um orçamento pra ele colocar umas placas de
errada) e agora, com as privatizações e os pedágios, nem indicação no sitiozinho que ele tem acho que é em Cerro
nos caminhos que ligam um lugar ao outro. Azul.
A alguns fins de semana atrás descemos até - Tá mas e daí?
Matinhos pra curtir uma praia de carona com o Társis e - Daí que existe à venda, em forma de adesivos,
acabamos prometendo a nós mesmos que faríamos alguma aquela material que os caras fazem as placas de trânsito.
coisa por nossas estradas. O Delinqüente Pós-Romântico Saca? Aquela parada que brilha quando as luzes dos faróis
Sérgio Augusto, que odeia automóveis e tudo o que se dos carros iluminam?
relaciona a eles, era o mais exaltado. Não posso mentir: Todos Os Nossos Olhos Brilharam.
- Reparem que não existe nenhuma poesia nas auto- - E é caro?
estradas. - É! Setenta paus o metro quadrado.
- Tem a paisagem maravilhosa. – defendeu Fábio. - Caralho!
- Mas a paisagem já estava aqui. Essa paisagem Porcos capitalistas, sempre dificultando nossas ações.
maravilhosa que você fala foi ferida de morte por esse Seria perfeito! Sabotaríamos placas de sinalização com
asfalto obsceno. chamadas subversivas ou quem sabe até Mensagens
- É, mas as auto-estradas tem seu charme. Discordianas. Só que nossos métodos alternativos jamais
- Charme falso, o charme reside no fato de reside no seriam suficientes pra juntar grana pra comprar uma
viajar. Elas são apenas um meio pra se chegar em algum quantidade decente desse tal material, o vinil refletivo.
lugar. As pessoas não querem nada além de chegar ao fim Só que quando somos tomados pelo Tesão do
delas, aos seus destinos. Vandalismo não conseguimos sossegar tão facilmente.
- Tá, mas o que você quer afinal de contas. Alguma coisa tinha que ser feita. Foi colocando nosso amigo
- Sei lá, que as pessoas curtissem mais a viagem. Marmita a par do problema, que a solução acabou surgindo.
Cara, só tem out -door e placas de sinalização! Cadê a arte? O cara é mesmo um Monstro Sagrado.
Cadê a poesia? Cadê o prazer de viver? - Vocês poderiam fazer um disco voador pousar na
- Não viaja, seu monstro? BR parando o trânsito.
- É, esse teu papo aí não tá com nada, só A frase dele saiu assim mesmo, simples assim, como
reclamações e ladainhas e nenhuma solução. se fosse a coisa mais banal desse mundo. A cara de sério
Acabou que a galera acalmou os ânimos de nosso que ele faz quando fala merda sempre nos levou as
amigo artista plástico e mudou de assunto. Só que como gargalhadas. Todo mundo riu, mas ao mesmo tempo todo
sempre, a idéia ficou apenas adormecida, esperando o mundo se ligou que se tratava de uma excelente idéia.
momento certo pra ressurgir das trevas de nossas mentes - Eu tenho as moral de a gente conseguir todo o
delinqüentes. material pra fazermos o disco voador mais do outro mundo
E renasceu através do Jean, que chegou animado que já pousou nesse mundo.
depois de um dia de trabalho com sua moto. - Não tenho dúvidas a isso.
- Então? Vamos mexer nossas bundas magras! Quando o troço tava quase pronto começamos a ficar
Foi unânime a decisão de concretizarmos essa idéia. de cara.
Cada um tratou de dar os seus pitacos. Vinícius, que no - O que será que as pessoas vão fazer com isso?
fundo sempre foi o mais misericordioso e preocupado com o - Chamarão a policia rodoviária? Chamarão a
efeito a terceiros dentre nós, propôs que colocássemos imprensa? O Padre Quevedo?
alguma sinalização na pista pra evitar que algum descuidado Então uma luz se acendeu em nossas cabeças de
se acidentasse num choque com o estranho OVNI. Sérgio bagre e começam a bolar e montar objetos, esculturas e
fez questão de fazer umas colagens loucas nas placas outras coisas que as pessoas pudessem levar pra suas casas
próximas ao local do “pouso”. Descolou uns trocos vendendo quando parassem pra olhar o troço.
cartões e comprou vinil adesivo normal pra fazer suas artes. Saiu tudo quanto é tipo de bizarrice possível e imaginável.
- Confiem em mim, vai ficar massa. Estranhos bonecos.
- Não tenho dúvidas quanto a isso, só espero que Vinícius se alugou de montar réplicas de miniaturas de
não se amarre muito e ferre com tudo. OVNI.
- E nem se cague nas calças. Jean deu uma fugida do trampo com sua moto e
Eu, Jean, & Fábio nos ocupamos em ajudar o junto com Fábio saiu estrada a fora definir onde seria a
Marmita a montar a aeronave. Jean nos convenceu de cara aterrissagem. Quando Marmita concluiu sua obra máxima
a descartar a idéia de disco, de coisa redonda. passamos a queimar nossos neurônios pra resolver o óbvio
- Vamos inovar. Vamos fazer algo realmente dos óbvios: Como carregar aquele baita trambolho até o
estranho. local do crime?
- Fora dos padrões? Nem nós, nem Marmita tínhamos pensado nisso.
- Claro! Algo verdadeiramente de outro mundo. Durante três noites ficamos para aquela coisa monstruosa
Bom, tendo em vista a catapulta que o Marmita que ocupava mais da metade do porão sem saber o que
construiu pra jogarmos bosta nos carros novinhos da fazer. Foi no Sábado passado, na manhã do dia que seria
Renault, eu pessoalmente já sabia que o resultado seria feito o ataque, que Marmita apareceu pilotando o
uma geringonça absurdamente anormal. Montamos a caminhãozinho de um conhecido.
“coisa” no Porão do Boqueirão mesmo. A cada dia Marmita - Galera! Pra todos os efeitos vocês estão de
descia do biarticulado, aquela estranha serpente vermelha, mudança.
carregando toneladas de tralhas esquisitas. Apenas Tivemos que dar quinhentas explicações aos sempre
ajudávamos alcançando as coisas ou dando palpites, ele presentes curiosos na hora de carregar nosso amado
mesmo se encarregou de enroscar os parafusos e ligar os artefato alienígena.
fios que iluminariam o Carango Intergaláctico. - É uma feira de ciências minha senhora, essa parada
O cara trabalhou obstinadamente durante exatas oito aqui é pra destilar água poluída.
noites. Quando falo obstinadamente, falo sério. Teve noites Sábado de madrugada partimos em missão secreta.
que bodiamos todos e ele seguiu na labuta, mergulhado de Andamos uma porrada de quilômetros até Marmita encostar
corpo e alma em sua obra. Nem Sérgio eu vi trabalhar desse e estacionar no ponto X. Estávamos cabreiros. Não sei se
jeito em seus quadros. por causa do constante risco de sermos pegos ou de termos
que fazer uma puta força pra descarregar aquela porra. E foi dar o nó vi a lanterna do Vini piscando desesperadamente. A
foda. Cada um reviu sua tarefa, acertamos os relógios e única coisa que consegui pensar na hora foi: putz, FODEO.
combinamos nos encontrar num ponto próximo ao Dei o nó mais tosco e rápido da minha vida e voei de
caminhão. cima da árvore. Não tinha como, não dava tempo dos piás
Sérgio tratou logo de sumir pra fazer suas colagens terem montado. Pelos meus cálculos não tinha dado nem
nas placas. Eu dividiria com Vinicius a bronca de esticarmos um minuto. Corri de um jeito que eu acho que se gritasse o
as faixas. Cada um com a sua a um quilômetro do ponto X, som ficaria pra trás. Era uma reta longa e logo vi que a luz
teriam que estar as duas prontinhas para serem esticadas no fim do túnel era uma jamanta no sentido contrário. Nada
simultaneamente, na hora em que começássemos a mais óbvio, como eu não previra antes? Corri demais, corri
aterrissagem. até topar com o inesperado. As luzes vermelhas da nave
Quando me separei dos piás o clima era de tensão, piscando fortemente. Quando cheguei perto e saí da estrada
pelo menos eu estava tenso. Ficariam só os três: Marmita, pra correr no mato ainda pude ver “a coisa” com suas luzes
Jean & Fabio pra em dois minutos montar tudo e “fazer o absurdas numa gambiarra cósmica, existem Punks nas
contato”, um pepino do cacete. Mas Marmita estava seguro Plêiades.
de si. Quando vi que a coisa tava encaminhada tratei de
- Relaxa Ari, é rapidinho de montar e não tem erro. correr pro ponto de encontro. Acabou que acabei dando uma
Basta cada um fazer sua parte no tempo certo e na hora de manézão apavorado. A piazada tava lá, dando risada
certa. porque já tinham parado dois carros. Os caras desciam do
Saí andando no escuro da estrada assumidamente carro meio cabreiros pra olhar. Então viam o cartaz grande
cagado de medo. Casa carro que passava eu imaginava que colado no “troço”:
soubessem de nossos planos e tivessem armando uma “Putz! Não sakamuz o ky sygnyfyka pedágyus y não
cilada. Exatamente a uma e meia da manhã eu teria que temuz eçys taiz dynheyrus, deyxamuz então nossu kavalu
esticar a faixa, em dois minutos. Primeiro amarrei a aquy y seguymus a pé”
cordinha numa árvore do lado esquerdo da estrada. Então No chão um monte de papéizinhos com essa frases e
deixei a faixa esticada no chão fui soltando a corta até a tentativas de réplicas da nave em miniatura. Entramos no
árvore do outro lado. Daí seria só passar a corda por cima caminhão e fomos pra fila do engarrafamento. Fiquei com
de outra árvore e esticar. Esse só esticar é que eu teria que Marmita, estava acabado pela adrenalina, enquanto os piás
fazer em 30 segundos. correram pra tentar ver o fenômeno. O caminhoneiro jogou
Eu e Vinicius estávamos munidos de lanternas pra tudo, com ajuda de mais cinco cidadãos, pra cima da
avisar em sinal de perigo, tipo algum carro se aproximando. carroceria. Depois o resto das pessoas pegou as coisas
Baseávamos no cálculo estatístico que tínhamos feito. pequenas. Não eram muitas, mas suficientes. Foi massa,
Teríamos em média um minuto, um minut e meio pra fazer quando os piás chegaram lá não tinha mais nada e o
tudo. Mais que isso era contar demais com a sorte. Quando trânsito já estava pacificamente voltando ao normal. Nada
chegou a hora constatei que era bem pior do que imaginara. como o prazer das coisas suficientes.
A corda pesou pra caraaaalho. Minhas mãos suavam. Meu
coração disparava. E quando tava dando o último puxão pra
Massa mesmo, quando eles chegaram com as que aconteceu a cagada. Como ele gosta muito de criança,
notícias sorri feliz. Foi um ataque estranho. Desta vez não foi buscar o piá mais velho da Denise, aquela catadora de
gargalhamos, apenas sorrimos. Felizes e satisfeitos. papelão que levamos pra fazer escova no cabelo num salão
de beleza fresco de um shopping, a algum tempo atrás, pra
ele conhecer nosso porão.
Quando embarcaram no ônibus o piazinho sentou ao
lado de uma menina mais ou menos da sua idade. Foi um
troço por acaso, ele não tinha intenção de nada, a poltrona
tava vazia. Aconteceu que a mãe da menina, que tava
sentada no outro lado do corredor, tirou ela de lá indignada,
com uns papos de que os marginaizinhos estão por todos os
lugares e que não se pode mais nem andar de ônibus
sossegado.
Desceram uns dois ou três pontos depois e entraram
num curso de inglês. O guri perguntou pra que servia um
colégio de inglês. Ele não sabia nem do que se tratava. Jean
chegou no porão completamente revoltado contando essa
história.
- Porra cara! Enquanto tem criança que não aprende
nem português direito, tem outras que além de Ter tudo,
ainda tem seus olhos tapados pra que não enxerguem a
realidade, pra que não convivam com seus semelhantes que
estão de fora.
Jean estava surtando. Ficou muito Puto, com “P”
maiúsculo mesmo. Assim que chegou a Segunda feira ele
levou Fábio junto pra analisarem as possibilidade de
invadirem aquele cursinho de inglês pra aprontarem alguma
Os Pastéis Subversivos, As Coxinhas coisa. Sem chance, segurança reforçada, alarmes por todos
Revolucionárias & As Empadas Libertárias os lados e filmadoras. Fábio teve que se comprometer a
(ataque XXXIII) escolher pacientemente um outro alvo.
Enquanto isso discutimos muito o que faríamos lá
dentro se conseguíssemos invadir. Duas coincidências
Nossas ações não são boladas em termos de uma cósmica vieram em nosso socorro. A primeira foi um e-mail
estratégia definida. Somos uns contingentes mesmo. Volta e que recebi do Duque Das Mil Faces, dando todas as dicas
meia acontece alguma coisa com algum de nós, nos pra invadirmos sabe o que? Um cursinho de inglês! E a outra
emputecemos e fizemos algo. Dessa vez com foi com Jean foi o relato daquele Vândalo Louco chamado Jubyleu
contando da sacanagem que aprontou com uma velhinha - Ele pode ser casado e ser meio camisolão do tipo:
numa lanchonete do centro. Vou resumir, a senhora foi ao não vou trair minha mulher com qualquer vagabunda, sabe
banheiro, pediu pra ele ficar cuidando de seu lanche e o como é, não é mesmo?
maluco colocou um poema dentro do pastel da pobre - ele não precisa, ele não pode saber que se trata de
coitada uma puta
A piazada foi ao delírio quando ouviu a história. - Não entendi...
- É isso cara! A gente sabota a cantina do cursinho! – - Ela faz um trabalho metódico, a gente descobre que
Vinicius pirou. hora ele sai do trabalho ou então se freqüenta algum boteco
- Genial! Colocamos diversas mensagens indignadas antes e coisas do tipo e ela chega devagarinho, dá em cima,
dentro dos salgadinhos. seduz e pimba.
O problema foi o alvo, os cursinhos de inglês, como - Ih, cara. Assim ela vai cobrar muito caro pelo
cobram caro pelos seus serviços, não vacilam no quesito “serviço”
segurança. Fábio ficou duas semanas checando um por um, - Já falei que tenho contatos quentes em Colombo,
conhecendo as instalações e tal. Praticamente todos tem um meu irmão tem várias amigas desta área.
bom sistema de alarme ou então um vigia. Fábio apareceu - tá, vamos considerar que a coisa role, ela seduza o
com várias propostas, todas arriscadas demais. Inclusive o cara e tudo mais, mas e aí, onde isso vai facilitar nossa
próprio duque, em seu e-mail, dava dicas de como invadir e invasão?
como fugir, mas depois de uma análise realista, chegamos à - Ela faz a cabeça dele pra se encontrarem onde ele
conclusão de que seria arriscado demais. trabalha e aí nós...
Foi o próprio Fábio que chegou com uma solução Perfeito. Uma boa idéia no final das contas. Jean fez
altamente escrota. questão de que já que o plano tava redondinho o alvo fosse
- Galera, que tal se escroteássemos os nossos o curso de inglês que ele tinha visto a mulher entrar com a
métodos? filha. Fábio foi antes checar o local e a cantina e ficou três
- Escrotearmos os métodos? Como assim? noites de butuca checando o vigia, seus hábitos, horários de
- Hehe, pensei em terceirizarmos o trabalho de entrada e saída e o boteco que ele tomava uma pinguinha
facilitar nossa invasão. antes do trampo. Sim, o cara carburava uma antes de
- Fala logo seu puto, sem essa de mistério. trabalhar, sinal de safadeza e terreno fértil pros nossos
- É simples e de repente pode não sair tão caro, intentos.
tenho uns contatos lá em Colombo. A puta se chamava Fulana de Tal e segundo Fábio
- Fala logo seu porra! achou o vigia bonitinho e topou a missão. Não chegamos a
- Contratamos uma puta pra seduzir o vigia conhecê-la, essa era uma de suas condições pra topar a
- Que merda você quer dizer com isso? tarefa, ficávamos sabendo da evolução dos fatos através do
A princípio a galera ficou meio assim, mas depois Fábio. Enquanto isso bolávamos as frases pacientemente,
começamos a analisar a proposta mais seriamente e dividimos os temas entre chamadas claras contra a
chegamos à conclusão de que não era uma má idéia, só desigualdade social e algumas Mensagens Discordianas pra
precisava ser bem pensada.
deixar a coisa mais confusa e inusitada. Por mais o mundo joguinho. Ir, de telhado em telhado, de muro em muro, o
esteja uma merda o Maravilhoso TEM que estar presente. mais longe que pudesse. Primeiro foi Vini, depois, Sérgio,
Ficamos então na dependência da eficiência da Fábio, Jean e eu. O vencedor foi Jean, que percorreu o mais
fulana, porque a idéia era que ela convencesse o cidadão e longo e difícil caminho.
se encontrar com o cidadão dentro do cursinho enquanto Gastamos quase uma hora e meia nessa palhaçada e
atacássemos a cantina e só a cantina. Não queríamos de nada da Fulana e seu love aparecerem. Fizemos então outro
modo algum que o coitado perdesse seu emprego. Foi joguinho. Percorrer o Caminho de São Jean no menos tempo
Sexta-feira À tarde que o Fábio ligou animado. possível. Esse foi divertido, foi muuuito divertido. Além de
- é hoje Ari! É hoje rapaz! fazer o trajeto o mais rápido possível, o cara ainda tem que
- Sério? Ela conseguiu? se ligar em não cair nem despertar a atenção de ninguém.
- Arizito, chega a dar pena rapá, o cara tá Combinamos de um dia fazer um campeonato organizado.
apaixonado Já era mais de três da manhã quando Sérgio e vini
À noite o clima era de festa. Fulana de Tal estava que estavam de butuca no muro ouviram um barulho de
ligada de tudo. Fizemos praticamente uma planta do chaves abrindo uma porta pesada. Jean ainda tava
cursinho pra ela. Infelizmente nosso sonho de que tivesse “correndo” em nosso jogo.
uma porta ou uma janela que ela pudesse destravar não se - Volta cara! Volta logo que tá na hora
realizou. Na adrenalina de um encontro proibido, de um A cena era engraçada. Nunca vi alguém agarrar
amor ilegal, o vigia trancou tudo e checou tudo. Invadir pelo alguém tão desajeitadamente. O cara tava todo errado,
telhado como das outras vezes era inviável, o famoso descabelado, a farda toda aberta, as calças semiarriadas e
tampão do sótão estava chaveado. O único jeito era pelo agarrava ela de um jeito que parecia um gorila querendo
estacionamento. perder a virgindade.
Eles teriam que transar no estacionamento. Essa era - Será que ela ainda acha ele bonitinho?
a verdadeira Missão Impossível de Fulana de Tal, transar no Não teve como segurar as gargalhadas. Tivemos que
estacionamento. O encontro era meia-noite, “depois que ela respirar fundo e parar de rir pra nos mexermos. O casal se
saísse do colégio”. Nós teríamos que pular um muro no escorou na parede, ela tirou as roupas dele da cintura pra
outro lado do quarteirão, passarmos por dois telhados, uma cima e jogou-se no chão. Era a hora. Saltamos todos e
chaminé de churrasqueira, mais um telhado e então corremos pisando macio no chão. Tínhamos deixado nossos
aguardarmos o momento certo, no muro do calçados no muro pra corrermos silenciosamente.
estacionamento. Estávamos relaxados por causa do jogo, mas foi só
Não tinha como saber que hora que ela conseguiria entrar dentro do recinto que bateu a real dos riscos que
deixar a ponto de bala, louco, tarado, disposto a realizar a estávamos correndo. O meu coração disparou, quase que
Fantasia Sexual de Fulana de Tal de transar num tive que sair correndo atrás dele. Fábio era o que mais
estacionamento escuro e vazio. Tínhamos que ficar de conhecia o terreno e foi na frente em direção à cantina.
plantão, pacientemente. E o troço demorou pra caralho. Mostrou a todos que os salgadinhos e lanches ficavam em
Paciência é um negócio que não tenho e quando o espectro dois lugares, em cima do balcão, que seriam os primeiros a
do tédio começou a se aproximar acabei sugerindo um serem ingeridos no dia seguinte e no freezer, que eram os
que seria aquecidos no microondas pra serem servidos mais O Vini teve que apertar o nariz pra não rir e ferrar
tarde. Eu, Sérgio e Vini nos encarregamos do freezes com tudo. Então recebemos o sinal definitivo da Deusa de
enquanto Jean & Fábio barbarizavam os outros. Estávamos que o humor salvará o mundo. Fulana de tal foi carregada
muito cabreiros, afinal só Fábio conhecia as manhas, em pelo vigia até o banheiro. Passou bem pertinho de nós e não
poucos instantes todos estavam nervosos. Eu olhava pros nos viu. Entraram no banheiro e em cinco minutos ela saiu
outros e notava que todos estavam com as mão tremendo. rindo e trancando ele lá dentro e com o molho de chaves na
Sérgio nem conseguia pegar nos estiletes direito. mão. Correu e abriu a porta que dava para o
- Ô seu monstro, deixe quieto, fica ali no canto estacionamento.
cuidando se tá tudo certo e deixa a gente fazer isso na boa. - Corram seus moleques!
Levamos quinze minutos pra terminar tudo. Os Saímos todos rindo. Ela fechou a porta e eu comentei
bilhetes com as frases foram todos colocados. E nã eram só com Jean.
frases, tinham uns desenhos do Sérgio e umas figuras de - Essa é das nossas.
umas galinhas cagando. Saímos tão felizes que nem cabíamos em nós. Ainda
Você faz um cursinho bom, mas existem outras pessoas jogamos um pouco mais nosso esporte noturno e proibido.
lá fora. Você quer se preparar pra competir com quem? Retalharam o espaço? Pra nós é tudo liso, plano e infinito.
Você não está entendendo nada. Voce sabe que a grana Não reconhecemos as cercas embandeiradas que separam
pra uma pessoa aprender inglês paga a alfabetização de quintais.
dez? Você está bem instalado, mas pessoas moram nas
ruas. Você não entendeu nada, isso deve ser
maravilhoso.
Na hora que nos reunimos pra sair o inusitado fez um
gol contra. O vigia entrou fechando a braguilha com fulana
pendurada no pescoço tentando convencê-lo a ficarem um
pouco mais lá fora.
- Puta que o pariu! O cara fechou a porta. –
sentenciou Fábio, que estava agachado espiando na frente. Agora é Proibido Pensar em Estéreo?
Parece que o chão sumiu de nossos pés. Esperamos (ataque XXXIV)
ansiosos um tempão. Totalmente cagados, nos
considerávamos presos, expostos e ridicularizados A dança do acaso é uma dança muito massa. Andar
publicamente. por aí à deriva, com o pensamento à deriva, totalmente à
Jean, que estava ao lado do Sérgio, ainda conseguiu mercê do ócio é o céu. Sempre acabam pintando situações
tirar onda da situação sussurrando. ou projetos de situações. Estamos vivendo nuns dias onde
- Pessoal, que ninguém se cague por aqui, senão o se vangloria demais a produtividade e a eficiência. A Batalha
cara nos acha pelo cheiro. Cega pra fazer Mais & Melhor em menos tempo. Um
cotidiano em que se vive em concorrência contra tudo e
contra todos e que cada migalha conquistada carrega o peso vinha mais uma idéia/cagada.
de ter sido conquistada às custas de derrotados que ficaram Jean estava propondo investirmos nessa parada de
sem pães inteiros. Em resumo: uma Loucura Planetária, provocar as autoridades. Tipo cama elástica, fazer o coice
precisamos recuperar a Cultura do Ócio. delas voltar em dobro. Vamos cuspir de volta o lixo em cima
Numa dessas minhas tentativas de Religamento com de vocês.
o Ócio me deparei com o inesperado. Estava este - Mas munidos de humor. Vamos tirar sarro da cara
delinqüente que vos escreve voltando dos trabalhos desses filhos de uma puta.
forçados em pleno domingo quando chegando perto do - Tá Jean, a intenção é boa, mas fala de uma vez
terminal tubo me deparei com a polícia dando geral numa qual é o plano.
gurizada. Entrei no terminal e eles entraram logo depois. - Seremos os Levadores de Atraque Compulsivos.
Pensei: se safaram. O ônibus ainda demorou pra caralho e - Que caralho você quer dizer com isso?
deu pra ouvir a conversa deles. - Saca só: compramos fumo de enrolar, tipo Trevo ou
Os caras eram crentes e só aí que me liguei que as um outro qualquer e enrolamos com Colomy que nem
camisetas que eles usavam eram de cantores e bandas de baseado. Então nos vestimos de uma maneira
rap estilo gospel. Os caras não tinham nada a ver, tomaram descaradamente bandeirosa. Vamos para um lugar bem
na tarraqueta só por causa do visual, das aparências que sujeira e Fumamos & Gesticulamos & Prensamos que nem
sempre enganam. E os Garotos Fardados tinham sido fumando bégui. É só não estar premiado e ter todos os
ignorantes, eu vi, já chegaram empurrando contra a parede. documentos em cima que saímos numa boa.
Quando cheguei no PorãodoBoqueirão e deixei os - É perigoso, mas de repente pode até dar certo.
piás a par do que tinha acontecido tive mais uma surpresa, O plano do Jean era ambicioso. O plano do Jean era
mais um encontro com o inesperado. Jean abriu uns olhão chutar o pau do barraco e passar a noite levando atraques e
desse tamanho quando ouviu o relato. decretar aquele dia como o Dia Sagrado de Levar Atraques.
- Cara, é isso! - Tipo assim, toda a madrugada do dia oito é
- Isso o quê, seu porra? Madrugada de atraque.
- Esse é o Jogo Proibido que eu tava querendo bolar. Acabamos topando a parada mesmo sabendo dos
- O quê que você tá viajando, cara? riscos de os caras se indignarem e plantarem provas em
O paunocú tá lendo o livro Provos, da Coleção nós. Se fôssemos revistados pelos mesmos cidadãos com
Baderna, na nóia de nosso famigerado Natal Delinquente e certeza nos foderíamos. Jean estava obcecado, enquanto
estava numas de ressucitar o Projeto Marihu. botava pilha pra que preparássemos uns papéis com frases
- Queria fazer alguma coisa desse naipe, tá ligado? pra guardarmos o fumo, ia de tempo em tempos ao orelhão
- Projeto Marihu?? – Fabio tava de cara, nunca tinha do outro lado da avenida pra tentar convencer algum amigo
ouvido falar. de carro a fazer o carreto dos Delinqüentes. Foi que acabou
- Que porra é isso? – Vini tava indiferente convencendo o velho Társis de sempre, quase um
- Acordem, quando é que vocês vão acordar? – Delinqüente.
Sergio sem comentários. Nos papéis que serviriam pra guardar o tabaco que
- Putz, fodeo! – Eu, jubileando e já sabendo que lá Ozômi encontrariam na geral escrevemos a seguinte frase:
“Na natureza não existem leis, apenas hábitos.” Foi uma cúmulo de sentir pena. Acabou que levamos um puta
ação bolada às pressas, sem grandes planejamentos, sermão do sujeito que se dizia Sargento da Polícia Militar.
Combustão Espontânea. Onze e meia Társis buzinou na - Vocês estão de brincadeirinha e saibam que
frente do porão e saímos todos Ansiosos & Nervosos. Sérgio estamos aqui num trabalho sério, não vamos tolerar piás
ligou o “Tô Fora!” pançudos prejudicando nossas operações, estamos
- Fico esperando vocês no carro com o Társis. combinados?
O primeiro ponto quente escolhido foi na frente de Quando saímos fora seguramos nossas risadas por
uma igreja. Tinha uma viatura não muito longe dali. Só que um quarteirão e meio e depois explodimos. Droga nenhuma
quebramos a cara, ficamos ali fumando por mais de uma teria surtido um efeito tão hilariante. Quando chegamos no
hora e ninguém nos denunciou. Onde estão os cagüetas carro tiramos altas ondas do Sérgio.
dessa cidade? Se fosse maconha mesmo, garanto que não - Seu boiolão, perdeu altas performances.
daria pra fumar meio baseado e os Porcos já apareceriam. O terceiro ponto foi numa região onde tinham
Fábio ficou tão indignado que pegou seu pincel atômico e a diversas festas e tal, altamente movimentado. Muito
rabiscou a frente da igreja todinha com frases movimento, muita negadinha bêbada na saída da balada e
esculhambando o cristianismo. uma presença policial quase ostensiva. Confiantes que
- Não tem jeito, tem que ser no centro ou então num estávamos depois do sucesso inicial, ninguém se preocupou
lugar mais movimentado. com os riscos, exceto Vini.
Topamos todos, mas no fundo eu me sentia como se - Galera, eu acho que tá sujo, é melhor deixarmos
estivesse indo pra uma missão suicida. Mas tava tão quieto.
revoltado por ter passado o fim de semana trabalhando que - Vai amarelar agora, Ronaldinho?
mandei tudo se foder. Escolhemos o segundo ponto quente - É tua primeira vez queridinha?
ao acaso. Olha o acaso aí de novo geeente! Dessa vez a Era na frente de uma farmácia. Tinha gente passando
chapa foi mais quente. toda hora. Sérgio dessa vez ficou fingindo que conversava
Jean escroteou e começou a enrolar um com alguém num orelhão pra poder assistir. Jean naquela
descaradamente. Tinha um Porco na esquina, a uns noite parecia possuído por Robert Jasper Grootveld,
cinqüenta metros. Foi Jean acender, dar dois pegas e passar começou a enrolar um desavergonhadamente. Quando
pra mim que o sujeito veio correndinho. Já chegou falando começamos a fumar não demorou a aparecerem uns
no rádio e chamando duas viaturas. Aí eu pensei: o cara tá malucos querendo dar uns peguinhas.
chamando reforços, estamos podendo. O cagão ainda Foi engraçado, os caras tragavam e faziam altas
esperou os outros chegarem pra dar o atraque propriamente caretas.
dito. - Essa porra é fumo normal!
Vinícius tratou logo de disparar sua metralhadora Então o Profeta do Caos Jeanzinho Pierrinho soltou
persuasiva, quando as patrulhas chegaram o policial já tava um discurso inflamado a favor dos Distúrbios Cotidianos e
ligado de que se tratava apenas de tabaco. Tínhamos da necessidade de quebrar a rotina, romper com as
entregado todos os “baseados” a ele. O cara ficou correntes da aparência, fazer coisas que fujam da
pateticamente constrangido ao ponto do Vinícius chegar ao normalidade da vida numa metrópole. O viadinho nem tocou
no assunto de provocarmos as autoridades. E não é que planeta que só é azul pra quem vê de fora.
começou a se formar uma pequena multidão de fumantes Foi um bate boca do cacete e o lazarento insistia no
de falsos baseados. Fazia uma cara que u não me divertia lançe do desacato e da apologia. A mina do Jean ligou pro
tanto, foi muito engraçado, devido ao discurso do Jean a pai dela pra pegar umas dicas e por fim o Delegado decidiu
galera aderiu à causa sem nem ao menos compreender do nos liberar sem sermos fichados. Mas com uma condição,
que se tratava. que ganhássemos um pequeno castigo. Humilhante castigo,
Jean parecia chapado de tabaco ou possuído por diga-se de passagem. Aceitamos humildemente devido a
alguma entidade cósmica. nosso tradicional objetivo de nunca sermos pegos.
- Vamos jogar! Tó uma seda pra você, pra você e pra O castigo: fazer uma faxina completa no
você. Peguem aqui o fumo. Vini, passa o fumo pra eles. A estabelecimento.
meta é ver quem consegue enrolar o baseado primeiro, isso Jean e Vinicius tiveram que limpar o pátio, bituca por
é a primeira etapa. Depois é quem fuma primeiro. Se bituca de cigarro, todas as palhas e folhas secas visíveis a
restarem dois... fazem um duelo. olho nú. Eu e Fabio fomos jogados no banheiros, cheios de
Claro que quase ninguém topou, só quatro malucos. vasos com barros de bosta nas beradas, munidos apenas de
Só que Jean insistiu que os outros fizessem uma roda ao um pano, um balde e um sabão comum. Limpar tudo, deixar
redor. Um troço chamativo pra caralho. Nós continuamos brilhando... e não reclamar.
fumando nossos falsos baseados sossegadamente. Fizemos tudo em silêncio. Distantes, como se não
Foi muito louco. Nessa hora nem queríamos mais tivéssemos em nossos corpos. Funcionou. Cinco da manhã
levar atraque, foda-se o atraque, estava massa. Mas os estávamos nas ruas, com nosso ódio pelas Autoridades
filhos da puta sabem ser inconvenientes, chegaram bem na Instituídas absolutamente renovado. Eles podem até pensar
hora do duelo entre os dois vencedores. Foi inevitável, que venceram uma batalha, mas a guerra ficará bem pior
chegaram junto, duros e diretos em cima de Jean. O pro lado deles, podes crer que vai. Pois o castigo não
Reverendo do Caos. Deram uma geral em todos e só funcionou, saímos de lá acreditando ainda mais no nosso
acharam tabaco, mas encasquetaram com as frases. mote:
Começaram a falar grosso e baixar o nível da conversa Na natureza não existem leis, apenas hábitos.
dizendo que aquilo era um desacato à autoridade e apologia Quem Inventou O Trabalho Não Tinha O Que
à contravenção. Fazer
Os manezões dos participantes do jogo sumiram e só
ficou Jean nas mãos das Forças Imperiais. Nos sentimos na
(ataque XXXV)
obrigação de dar uma força e deixamos apenas o Sergio de
fora pro caso de precisarmos de algum contato externo. Meu trampo tá foda pra caralho. Fim de ano, prazos
Jean está de rolo com uma mina que faz Direito na Federal e vencendo, planilhas de produtividade, chefes querendo
Sergio ligou pra ela. Nos encontrou uma hora depois na fazer média com seus superiores, enfim, sou um soldado
vigésima-não-sei-que-lá DP. A porra da DP tava lotada, o lutando em uma guerra que não é minha. Só que
ambiente nervoso. O Delegado nos "atendeu" totalmente minha indignação com o trabalho vai além do fato de que
sem paciência e munido de toda a intolerância da face desse agora venho me ferrando. Simplesmente não concordo
com o culto ao trabalho. A dicotomia entre trabalhar para que o chatzinho do Blog dos Delinqüentes revelou-se uma
viver ou viver para trabalhar não existe. Não existe vida, grande ferramenta subversiva.
apenas sobrevivência. Ainda mais que o capitalismo Coloquei o problema para a galerinha que faz SBI
agonizante acaba sistematicamente com os postos de (Subversão de Baixa Intensidade), tecla em horário de
trabalho e os poucos ''felizardos'' tem que trabalhar expediente ou aula, e a solução acabou aparecendo. Um
dobrado pra manter as taxas de lucro e a doido anônimo que assina com reticências(...) sugeriu que
competitividade. Se não estamos vivendo a era mais um padre, segurando uma garrafa de vinho, desse uma
paradoxal da civilização humana é porque não entendi palestra eloqüente sobre a origem do “dever de trabalhar”
porra nenhuma do que está escrito nos livros de história. contando como era a vida na época em que o ócio era uma
virtude.
Nas últimas semanas até bem mais tarde todos os
Perfeito! Genial! Só faltava alguém pra fazer o papel
dias, sábados e domingos incluídos. Numa das vezes que
de padre. Nenhum de nós tem o biotipo pra fazer isso de
cheguei tarde ao porão encontrei Fábio acordado com uma
uma maneira decente. Foi Vinícius quem lembrou do Tiba,
charuto aceso.
que tinha participado do ataque dos transmissores quando o
- Ari, tive uma idéia pra você extravasar essa tua
filho da puta do Roberto Marinho morreu.
indignação com o trabalho.
- Ele é careca, gordo e usa óculos, além de ser um
- Fala, Monstro.
completo palhaço, é o cara certo pra essa missão.
- Mais uma encenação do nosso teatro secreto.
Fábio entrou em contato com ele e o viado deu uma
- Prossiga Gerald Thomas do Boqueirão.
de estrela, pediu uns dias pra pensar. Somente na sexta-
- A gente encena a parada em algum bi-articulado de
feira da semana passada que me ligou confirmando. Faltava
manhã cedo, quando o povo tá indo trampar. Cada um nós
então só bolar o roteiro. Reli o Manifesto Contra o Trabalho
se veste como um jovem e bem sucedido executivo. Bem
do grupo Krisis e me encarreguei dessa parte. Era só marcar
arrumado, cabelo molhado e... bêbado.
a data.
- Bêbado?
Só que a data foi marcada altamente nas colchas. Foi
- Sim, as pessoas são acostumadas a ver bêbados
depois desse ultimo ataque, em plena madrugada de
desarrumados ou maltrapilhos, já pessoas bem vestidas
Domingo pra Segunda, limpando a fedida privada da
causam um certo impacto, foge da normalidade.
vigésima e não-sei-que-mais Delegacia de Policia, que
- Tá, mas o que esses bebuns farão?
encasquetei que teria que ser naquela manhã.
- Como todo alcoolizado inconveniente, ficará
Procurem me entender: eu tinha trampado o fim de
discursando alto e falando mal do trabalho.
semana inteiro e na noite, ao invés de estar dormindo e
- Esculhambando o trabalho?
descansando pra encarar a segunda feira, limpando merda
- Só! Minha idéia era encenarmos o manifesto contra
de batedor de carteira. Puta que o pariu! Alguma coisa tinha
o trabalho subliminarmente. Semear memes, saca?
que ser feita. Foi só nos vermos livres das correntes da lei
Uma boa idéia, escravizado como ando ultimamente,
que já bati a real pros piás.
topei no ato. O problema é que faltava um gran finale e a
- Tem que ser hoje?
idéia ficou pendente aguardando um complemento. Foi ai
- Mas hoje Ari? Agente não programou nada, não Resolvemos beber mesmo pra coisa ficar mais
falou nem combinou com o Tiba nem nada... realista, bafo de pinga e aquela coisa toda. No aglomero de
- É, ainda tem as roupas e tal, não temos roupas de embarque já fui apavorando. Tarsis ficou fazendo a logística,
jovens executivos nem nada, hoje vai ser foda. quando eu desembarcasse entraria logo no carro, trocaria
- Foda- se o universo inteiro, tem que ser hoje, não de roupa e subiria no outro ponto pra curtir a cena. Fui bem
vou encarar aquele trampo de merda sem estar com a moral dramático no que me tocava. Foi entrar no latão que já
alta. começei.
- Vamos fazer o que então? - Vocês sabem o que está acontecendo? Hein?! Vocês
- Acordar o Tiba e convencer ele, você faz isso Vini. E sabem?
você Jean, liga no celular do Tarsis e convence ele a As pessoas me olhavam com cara de tédio.
descolar umas calças, uns ternos e uns sapatos do velho - De cada dez pessoas somente duas conseguem um
dele. trabalho decente! Hein?! Vocês sabem disso?
- Mas cara, São cinco e meia da manhã! Silêncio geral nas proximidades e gestos de
- Que se foda, eu já falei, tem que ser hoje nem que reprovação.
dê mais merda do que já deu. - E esses dois sorteados tem que trabalhar pelos
E assim foi feito. Sergio quis ficar de fora, só outros oito pra manter a empresa em condição de ser
observando o teatro no ônibus.Fiquei de cara com a competitiva. Competitiva o caralho! Competição pra mim é o
capacidade de articulação da pizada. Em tempo recorde Campeonato Brasileiro, é a Fórmula Um ou o Pré-Olímpico.
estávamos no porão do Boqueirão nos embecando. Sabe Alguns deram umas risadinhas sem graças e dois
que até fiquei bem de jovem executivo? Gel no cabelo e tal, piazões riram de verdade, acharam a parada engraçada.
falta só a tendência a submissão pra Ter sucesso nessa - E quer saber mais? Tomei no cú feito galinha. É!
área, pelo menos eu acho. Vocês dois ai tão rindo mas é verdade. Trabalhei Sábado,
Só que o Tiba ficou ainda mais redondinho no papel Domingo, feriado, todo dia até as dez e sabe o que eu
de padre, usando nossa antiga batina de abençoar bancos. ganhei?
Ainda mais que o cara é um palhaço que sabe entonar - O quê cara? Ficou rico? – Os dois piás tiravam
direitinho o jeito de falar de um pároco. Nos cagávamos de onda.
rir só no test-drive que fizemos no porão, seria foda - Não! Não fiquei rico! Quem nesse país fica rico
controlarmos as risadas dentro do ônibus. trabalhando? Sabe o que eu ganhei? Quer mesmo saber o
Tarsis deu um ferro no seu carango, e escolhemos o que eu ganhei? Um par de chifres e um ponta pé na bunda
Santa Cândida-Capão Raso como palco de nosso espetáculo. da esposa.
Como eu era o mais podre da turma implorei pra ser o Aí as risadas foram meio que generalizadas, umas
primeiro. Embarquei logo no terminal. Tínhamos parado disfarçadas outras nem tanto. Falei isso e dei o sinal pra
antes num posto de gasolina pra comprarmos aquelas descer. No mesmo ponto que desci subiu o Fábio pra fazer a
garrafinhas de bolso estilosase um litro de vinho pro Padre sua parte. No caso dele pegou uma úlcera nervosa por
Tibúrçio. causa da obsessiva dedicação ao trabalho e depois de
algumas faltas por causa da doença ganhou como prêmio: a - Eu sei o que fizeram com Cristo. Usaram sua
conta. mensagem como uma ferramenta para meter medo. Pra
Não consegui chegar a tempo pra ver a performance enfraquecer o ser humano.
dele. Sérgio, que me contou. A do Jean e do Vini consegui Tava engraçado, mas eu pessoalmente nessa hora
assistir. pensei que a coisa ia desandar pra uns lados filosóficos. Só
Os caras foram fodas. Jean se dizia convertido pelo que o Frei Tiba reagiu.
“o mais importante é o amor do Jesus Cristo” e - Agora dizem que Deus morreu, agora o trabalho é
simplesmente não suportava saber que cada mil reais que um Deus. Trabalhar, trabalhar, trabalhar. As coisas já foram
caía na sua conta como saláriode administrador de diferentes.
empresas era as custas de dezenas de seres humanos que Emendou um sermão improvisado a respeito de como era a
passavam fome. Não conseguia suportar aquilo e que a vida antiganmente e evoluiu rapidamente, ficando cada vez
cachaça era o único consolo, nem Deus era capaz de mais vermelho de nervoso (não sei como diabos ele
convencê-lo de que aquilo era justo. Vinícius dizia trabalhar consegue aquilo) até chegar na merda de vida de nossos
no mercado de ações e esbravejava de bêbado que aquilo dias, até que gritou:
tudo era uma grande falcatrua. Que milhões de pessoas - Cheeeeegaaa!!!!!!
tomam no cú de uma hora para outra devido à paranóia de Mas gritou alto mesmo, todo mundo olhou.
meia dúzia de investidores. Aproveitando o Momento de Centro das Atenções e um
- Nossa vida não vale nada, entenderam? Nossa vida terminal tubo que se aproximava, tirou a batina. Ficou só de
não vale nada! cuecão e camisa regata branca e furada. Ridículo. Cômico.
Mesmo no improviso o cara foi perfeito, altamente Teve gente que riu, teve gente que baixou a cabeça e teve
convincente. Então chegou o tão aguardado momento do gente que xingou. O Bi-Articulado parou e passamos pela
Padre Tibúrcio entrar em cena. E ele já chegou encarando catraca do tudo nos rachando de dar risada.
todo mundo, eu me partia de dar risidas no fundo do latão. Só que o cúmulo da coincidência aconteceu, junto
Se achegou perto de uma velhinha que estava de pé e deu com a gente desceu um cara que tinha acompanhado toda a
um senhor talagaço no vinho que carregava. A velhinha parada e foi “convertido” pelo padre, justamente tinha
arregalou os olhos. acontecido com ele aquilo que falei: perdeu a esposa e um
- Porquê está olhando? Acha que é fácil ser mês depois o emprego. Abraçou o padre chorando de
padre nesse mundo hipócrita. emoção.
- Não falei nada padre. - Tá na cara que vocês fizeram teatro, mas aliviou
- Nem deve! Nem deve falar nada mesmo! meu sofrimento. Posso pagar mais umas bebidas pra vocês?
O silêncio no bi articulado foi sepulcral depois que ele Eu estava podre de cansaço, tinha que estar no meu
pronunciou esta frase. trampo dentro de quinze minutos, só que sequencia de
- Deus sabe o que eu passo! Deus sabe o que eu eventos foi fulminante sobre mim. Mandei o Universo inteiro
passo! - Seu olhar era de um alucinado, chapado do sangue se foder e fui com o cidadão e os piás beber e comemorar.
de Cristo. Jean que tem trampo fixo como eu, topou também.
Plena segunda-feira e eu chego no trabalho meio-dia Jesus Cristo provavelmente é o sujeito cujas idéias foram
e bêbado. E feliz. mais indevidamente apropriadas em toda a história da raça
É pra botar pra fuder mesmo!!!! humana. Não basta-se o cristianismo, que durante dois mil
anos alimentou uma cultura de culpa, fraqueza e submissão,
ainda “marcaram” seu nascimento na data de uma festa
pagão que nos dias de hoje celebra-se o consumismo mais
do que qualquer outra coisa.
Desde o inicio de novembro que demos inicio aos debates
pra decidirmos o que aprontar neste natal. A idéia de
distribuirmos presentes aos excluídos dos shopping centers
foi aprovada, mas nada, nunca, é definitivo. Eis que aos
quarenta e pouco do segundo tempo surge uma idéia
massa, vindo da mente insana de Antônio Silvino, um dos
cangaceiros de São Paulo:
Seqüestrar o menino Jesus de algum presépio.
Apresentei a idéia pros piás e a aprovação foi imediata.
Embora estando com o grupo reduzido, Vinícius & Sérgio já
picaram a mula em suas viagens de fim de ano, resolvemos
levar adiante a bagaça.
- Ari, o ideal seria os presépios de shoppings, a visibilidade
é maior – Fábio queria mesmo era apavorar.
- A visibilidade e os riscos, esqueceu que lá tem segurança
pra tudo quanto é lado e filmadoras registrando tudo?
Presepada no Presépio - Realmente... tens razão.
(ataque XXXVI) Então contei a eles a técnica descoberta pelo anark3a pra
burlar as câmeras de segurança. É um troço bem simples
No natal a hipocrisia capitalista manifesta-se em todo até. Tudo o que se precisa é uma daquelas canetas com
o seu esplendor. A televisão é abarrotada por belíssimos um laser vermelho que projeta um pontinho luminoso a
comerciais pregando o amor e a solidariedade, gastando- se vários metros de distância. Aponta-se o laser para a lente
alguns é possível redimis a consciência do peso acumulado e tudo o que aparecerá no monitor na outra ponta é um
de um ano inteiro de vistas grossas à injustiça social. borrão vermelho.
- Genial! Massa saber disso.
- É, mas mesmo assim acho arriscado agente fazer isso outro tipo de metal nos fios de baixa-tensão, aqueles
num Shopping, não conseguiremos escapar dos quatro que ficam mais abaixo nos postes, fará com que
seguranças. abrir o fusível no transformador mais próximo. Dá certo,
é o jeito mais fácil, mas se a parada tiver religamento
Jean tinha razão. Depois da experiência frustrada com a
automático você quebrará a cara, só vai dar uma piscada
policia nossa cabreiriçe ganhou novos tons. Depois de
e a luz voltará em seguida. Regiões mais centralizadas ou
muita discussão optamos pela Velha & Boa periferia: os
de bairros burgueses geralmente tem essas paradas de
shoppings populares dos bairros.
religamento automático.
- Caralho! É isso mesmo Ari! É muito mais limpeza!
O certo mesmo é jogar uma barra de ferro nos fios de
- E acho que nesse caso é o momento ideal pra gente alta tensão, aí sim irá desarmar o disjuntor lá na
usar aquela técnica de provocar blecaute. subestação da concessionária de energia e se o ferro ficar
lá em cima, que é o correto, os caras só vão poder
- Blecaute?
normalizar o fornecimento de energia depois de retirarem
- Claro! A gente descobre a linha que fornece energia o ferro. Escolhemos essa segunda opção, pois
para o shopping e provoca o apagão. necessitaríamos de tempo hábil.
- Sabe que não é uma má idéia? Marmita, que faz bicos como eletricista e até já fez um
estágio na Copel, abraçou a causa apaixonadamente.
- Na hora que escureçer vamos lá, pegamos o pirralhinho
e deixamos sossegados nossas mensagens de indignação. - Carinhas! Desencanem dessa idéia de que precisamos
usar barras de ferro muito pesadas. É massa, na hora
Com o plano mais ou menos arredondado tratamos de
que fechar o curto circuito na alta-tensão ela não
verificar os aspectos práticos da operação. Reduzidos a
derreterá, mas é muito foda jogar ela e acertar na
apenas três Delinquentes, pois Vini & Sergio já picaram a
primeira.
mula em suas viagens de fim de ano, seria muito foda
provocarmos o blecaute e ainda capturar o menino Jesus. - Tá, seu monstro, e o que você sugere?
Não teve jeito, tivemos que ligar para o Marmita.
- Várias varetas.
- E aí véio, você topa?
- Como assim?
- Provocar um blecaute? Que pergunta mais besta, é
- Você sobe numa árvore próxima aos fios e mais alta
óbvio que eu topo, sempre imaginei fazer uma coisa
que a linha. A primeira vareta que você jogar vais dar um
dessa e com uma “causa” ainda, ih, nem se fala!
puta xabú e desarmar o disjuntor da subestação.
Foi ele quem desenrolou os materiais necessários para a Geralmente leva uns cinco segundos pra religar. Nesses
sabotagem. A técnica, paesar dos imensos riscos à vida cinco segundos você joga mais umas duas. Te garanto
de quem a executa da maneira errada, é até bem que com umas dez varetas de aço garantimos que o
simples. Se você jogar uma barra de ferro ou qualquer religador da subestação vá a bloqueio e os caras terão
que correr a linha pra descobrir onde é o curto-circuito. Nos despedimos e fomos pro alvo com nossas mochilas
No mínimo meia hora sem luz, garantido. abarrotadas de material subversivo. A merda é que no
horário de verão a noite custa a chegar e tivemos que
- Ó a do cara, altos papos técnicos, de onde você manja
torrar nossos dinheiros bebendo cerveja. E os caras
isso tudo?
demoraram pra cacete. Eu particularmente já estava
- Falei que sempre quis fazer isso e quanto fiz estágio na quase bêbado quando reparei que começou a cair uma
Copel dei um jeito de descobrir todas essas manhas. Mas chivinha fina.
essa parada toda ainda tem um galho.
- Cara, se eu conheço bem aquele baixinho invocado ele
- Que galho? vai aproveitar o momento pra dar início às atividades.
- Esse ataque não dá pra ser feito em quatro pessoas. Não deu nega, mal pagamos nossas contas e escureceu
Tem que ter mais gente pra coisa sair redondinha, se tudo. Entre os gritos de folia e susto da multidão estavam
formos pegos pode sujar e se eu passar o Natal em cana nossos gritos de euforia. Estávamos entrando no presépio
minha mãe acho que morre de desgosto. e começando a desenrolar as cartolinas quando o
inesperado fez um gol contra. A luz voltou. Caralho,
Marmita conseguiu então mais dois caras, amigos dele de
quaaaase fomos pegos em flagrante. Um senhora que
confiança. Eles cuidariam do blecaute enquanto eu e os
estava ao lado do presépio nos olhou desconfiada.
piás nos encarregaríamos do presépio. Já que
trabalharíamos no escuro, preparamos umas cartolinas - O que vocês iriam fazer?
com frases e uma caralhada de panfletos anti-
- Pegar uma vela, tem uma senhora na loja de calçados
consumismo e anti-cristianismo. Pena que Sergio viajou,
que está passando mal por causa do escuro.
tenho certeza que ele faria altas piras. Marmita e os
outros foram a mapear a rede de distribuição de energia - Da próxima vez peçam que eu dou.
próximo ao Shopping Popular do Capão Raso.
Devo confessar que ficamos todos desnorteados. Ou o
Saí do trabalho no sábado à tarde ansioso pra caralho, apagão foi uma puta coincidência ou os caras
por mais que confie no Marmita e tal, seria a primeira vez fracassaram. Além do mais nem tínhamos visto as velas,
que faríamos um ataque em que nem todas as coisas as coisas não seriam tão simples quanto imaginávamos.
dependeria só de nós. Sete da noite pegamos todos o De repente começamos a ficar pessimistas.
buzum carregando as varetas enroladas. Descemos
- É mano, acho que não vai ser dessa vez.
próximo ao shopping e fomos junto com os guris checar a
tal árvore de onde seriam lançados nossos mísseis - Vamos lá encontrar os piás?
inteligentes.
- Não, vamos esperar aqui pra ver o que acontece.
- É, realmente, vocês estão de parabéns, acharam uma
A cada minuto que passava ficávamos mais desbundados.
árvore na moral mesmo.
O Shopping já estava quase fechando quando novamente
escureceu tudo.
- É agora! Tem que ser agora! Esperamos escondidos atrás de um muro quarenta
minutos até a luz voltar, quando voltou não resistimos a
- Calma! Relaxa e espera um pouco mais.
curiosidade e entramos no shoppings, mais calmos e com
Passara-se dois eternos minutos enquanto a euforia um sorriso de orelha a orelha. Lá estava, no presépio,
tomava conta de nossas almas. Chegamos perto do junto com vários curiosos, o nosso cartaz:
presépio e a porra da velhinha estava lá. Tivemos que
Transformaram meu aniversário em símbolo do
bolar um plano B pra resolver o problema. Jean chegou
consumismo?
perto dela e com a entonação de voz mais desesperada
da galáxia soltou essa: ME INCLUAM FORA DISSO!!
- Vem comigo e trás uma vela minha senhora, PELO TÔ FORA! TÔ FORA!
AMOR DE DEUS, venha comigo que tem gente passando
Ainda chegamos perto e pegamos uns panfletos pra
mal ali na frente.
despistar. Realmente, nesse dia o Senhor deve ter
A coitada caiu feito uma patinha. Apaguei as velas e sentido orgulho de suas ovelhinhas.
embolsei o menino em minha mochila enquanto o Fábio
Amém.
estendia as cartolinas em pontos estratégicos e entupia
tudo com os panfletos. Tivemos que fazer tudo rapidinho
no cagaço de que alguém se ligasse nas velas apagadas.
Em um minutos estava tudo pronto e nós procurando
Jean. Nos encontramos no banheiro masculinos e
tratamos de dar o fora logo do local.
Foi só sairmos fora que encontramos o Marmita e os piás
correndo e suando feito uns desesperados.
- Galeeera, fomos vistos, vamos dar o fora dessa porra!
- Como foram vistos?
- Dá primeira vez que deu o apagão um senhor nos Um Desconto de Natal
pegou no flagra e tivemos que sumir e desbaratinar. Mas
o filho da puta ficou cuidando o lugar e esperou nós (ataque XXXVII)
subirmos na árvore pra começar a ameaçar a chamar a
polícia. Essa é mais uma Fábula de Natal. Era uma vez cinco
piazinhos, muito bonitinhos quando bebês e muito
- E chamou!!! – O amigo dele estava realmente nervoso
promissores em seus futuros. Certa noite o Destino
- Então estão esperando o quê? Bóra daqui! embebedou-se e ao voltar pra casa em meio a uma chuva
forte perdeu o registro dos cinco a essa altura quase
rapazes. Os coitadinhos foram largados à própria sorte e Essa história, parece que está na cara, não poderia
foram felizes quase todas as vezes que puderam ser. Mas as terminar assim. Então ele contou isso pra um monte de
historinhas na verdade não acabam quando as pessoas gente e um monte de gente tratou de dar uma bela lição no
ficam felizes. Depois elas ficam tristes e algumas coisas Malvado Rei Consumo e as regras muito feias pra se entrar
ruins também acontecem. Então elas tem que se dar por no Castelo Encantado do Consumo. E como somos agora
conta que não é nada disso. Elas tem que se dar por conta todos espertos, vamos dormir, pra que a historinha acabe
que é apenas mais uma historinha que começa. com nossos heróis felizes.
Com um dos piazinhos esquecidos pelo destino, Enquanto as crianças dormem, posso dizer que essa
agora chamado de Delinqüente, a história continuou num história praticamente aconteceu comigo. Como não estavam
domingo à tarde. Ele estava com alguns amiguinhos deixando fumar dentro do Shopping (O que fazia eu lá
diferentes, não aqueles outros quatro esquecidos pelo dentro? Fala sério) saí pra fazer um fumaçê do lado de fora.
destino e que agora também são chamados de Foi quando vi os oito tais piás Indignados & Chateados por
Delinqüentes, no Castelo Encantado do Consumo. O não poderem entrar. Quando cheguei perto vi que estavam
consumo é um rei muito malvado, mas muito esperto. planejando estratégias pra driblar os seguranças. Planejar
Vocês não acreditam do que ele é capaz. Ele capturou todas estratégias o caralho, combinei com eles que dois seriam
as brincadeiras. Para se divertir e brincar todos tem que ir meus irmãos e o resto amigos e tudo certo, entraríamos
em seu Castelo Encantado do Consumo. naquela porra de uma jeito ou de outro.
Aí o Delinqüente saiu do Castelo Encantado pra Quebramos a cara e eu só não fiquei de fora com
brincar de uma coisa que não podia brincar lá dentro. O Rei eles, como na fábula de natal, por que eles foram gente boa
Consumo anda meio brabo com umas coisas que andam e desbaratinaram em tempo recorde. Jurei vingança, dessa
fazendo e que ele não não gosta. O Rei consumo não deixa vez igualzinho que nem na fábula.
fazer lá dentro. Então o Delinqüente estava brincando no O Menino Delinqüente chamou os outros quatro
lado de fora quando viu oito outros meninos, todos coleguinhas esquecidos pelo destino e planejaram uma
discutindo entre eles. Alguns pareciam brabos, mas tinha vingança. Se oRei Consumo continuasse fazendo aquilo, o
uns pareciam tristes. O rapaz foi ver o que estava Castelo do Consumo deixaria de ser Encantado e para um
acontecendo e ficou triste também, pois os outros oito monte de gente não estava mesmo sendo Encantado. Os
meninos não podiam entrar no Castelo Encantado do amiguinhos combinaram todos um monte de gente e
Consumo. mostrar pro Rei consumo que dava pra ser encantado do
Mas eles foram espertos, fingiram que eram todos lado de fora do Castelo. Eles mostraram que também
irmãos e tentaram entrar no Castelo Encantado do Consumo sabiam ser tão espertos quanto Malvado Rei Consumo.
como se fossem uma Grande Família. Só que os Agentes do Desde outubro, quando uma aparição chamada
Rei são muito mais malvados do que a gente pode imaginar Rogério Coaxo apareceu no Blog dos Delinqüentes que
e não só os oito outros meninos não puderam entrar, como tínhamos captado o meme pra nossa ação de natal. Trata-se
ainda o Delinqüente esquecido pelo destino também ficou do seguinte, sem meios termos: vai-se até uma loja de
de fora e se perdeu de seus outros amigos. brinquedos portando um bloco de anotações. Finge-se que
está olhando os brinquedos pra presentear alguém, de
preferencia acompanhado de uma mina (uma barriga de foi que não se chegou em nenhum acordo e a coisa, pelo
gravidez mata a pau) e anota o número de série, lote e tudo menos na hora, teve que ser cancelada. Decidimos tocar no
o mais, assim como o e-mail ou serviço de zero oitocentos. estilo foda-se mesmo.
E o principal, se ligar no funcionamento dos brinquedos e Mas o Rei Consumo é muito esperto, não tem como
pensar no pior caso, ser macabro mesmo, imaginar que tal lidar com ele sem ficar muito, muito ligado. E ele fez com
peçinha ou não sei o quê, se soltou e machucou seu filho de que a maioria daquelas pessoas que acharam a brincadeira
uma maneira muito quase grave. Nunca vá às vias de fato, legal ficasse de fora. Mas eles não desistiram, tongos eles
apenas insinue a possibilidade de uns escândalos. Então use não é mesmo?
de toda a sua dramaticidade nos e-mails. Depois da sujeira que rolou na delegacia, Sérgio
Começamos em outubro e lá pelo dia vinte de simplesmente picou a mula e Vinícius, não sei se é verdade,
novembro começaram a chegar brinquedos irados pelo tinha que estar com os véios em sua cidade ainda essa
correio. Uma coisa de louco, uma coisa de outro mundo, semana. Ficamos em três. Eu, Jean & Fabio. Os presentes
algo como forjar milagres, Rogério Coaxo deveria ser estavam na mão. A fantasia de papai noel era fácil, era pra
canonizado. É desses santos que precisamos. ser mendigo mesmo, o rolo era encontrarmos a criançada,
A idéia inicial era fazermos um Potlatch de Natal, isso eu já sabia de antemão. Domingo à tarde saímos em
entrarmos numa loja de departamentos e darmos os missão.
brinquedos de graça pras crianças que estavam lá dentro O ponto fraco de nosso plano não tardou em se
com os pais, mas a coisa toda estava ainda muito palha. Foi manifestar. Aqueles meninos que ficam pedindo esmola ou
o episódio dos meninos barrados no shopping ,mais as vendendo adesivos e chicletes na rua XV não estavam lá. Os
viagens do Jean lendo o Provos e pirando em provocar as que ficam nos terminais de ônibus idem. Foi a mina que
autoridades que bolamos o Natal Delinqüente. estava com Jean na noite da reunião que deu a idéia. Chutar
Os Meninos Delinqüentes não estavam sozinhos o pau do barraco e sair nas praças procurando aqueles
nessa, apesar de esqueçidos pelo destino eles tinham um neguinhos cheradores de cola esquecidos pelo tempo, pra
estranho super poder. É, até os esquecidos pelo destino tem eles não tem a domingo. Era a única saída, mas decidimos
seus super poderes. Eles tinham a Rede Mágica do que eu iria pra frente do shopping, esperar as coisas
Inesperado. Eles convidaram todas as pessoas que puderam acontecerem naturalmente e eles sairiam atrás dos junkies.
pela Rede Mágica e várias pessoas legais toparam participar Acreditem, em Curitiba ser barrado na entrada de um
de sua brincadeira. Fazer com que as coisas fossem shopping anda acontecendo naturalmente.
encantadas do lado de fora do Castelo era muito legal. Esperei um tempão, comprei uma latinha de cerveja,
Essa parte da realidade já é uma adulteração tomei toda e comprei outra, perdi a noção do tempo até que
grosseira da fábula pois muita gente achou legal e pouca o tão esperado inesperado aconteceu. Os seguranças
mexeu suas bundas gordas. Depois de um quebra pau dos conduzindo aos berros e caras feias, três meninos. Para
diabos convenci os piás a participarem de uma reunião servir como uma espécie de castigo para mim, eram todos
aberta com o povo da lista de discussão dos Flash Mobs e a Coxas Brancas. Saíram resmungando e fui atrás. Eram uns
galera convocada pelo CMI e o caralho a quatro. Resumo: marmanjinhos de na faixa dos oito ou nove, mas eles
fora nós e uns amigos nossos, apareceram três neguinhos. E podiam vender os brinquedos e adquir seus próprios
presentes. Toda cafagestiçe da parada poderia ser ligaram na parada, Ari de Éris, salvamos o dia dos caras.
contornada explicando pros caras, de uma maneira curta e Estávamos empolgados, Jean imediatamente
grossa, o que significava aquela atitude. Convenci os caras desapareceu dentro do Shopping. Enquanto eu e os três
Foi massa, por que aí a demora do Jean & do Fábio coxas brancas preparávamos as cartolinas. Fábio se alugou
se converteu em vantagem a meu favor, tive tempo de de sair convencer outras pessoas que estavam por ali na
alugar os piás pra caralho. No fim eles já tavam ansiosos frente a participarem da palhaçada. E não é que teve um
que mais alguém fosse barrado pra montar as barricadas. grupinho de casais de namorados que topou? Com tudo
Só que tiveram que experimentar o mesmo gosto amargo pronto fui dar toque pro Jean no banheiro combinado.
que eu, esperamos um tempão, eu já tava achando que Todos preparam os brinquedos animados. Naquela
Jean & Fabio estavam paunocuzeando. Resolvi torrar os hora, todos os meninos que estavam lá se deram por conta
últimos reais comprando mais uma bera e uma Cini de dois que estavam recuperando, nem que fosse naquele
litros pros pirralhos Coxas lazarentos. Chegando de volta na momento, o Encanto a tanto tempo capturado pelo Malvado
entrada do shopping apresentei O Inesperado pros Rei Consumo.
Debutantes da Subversão. Cinco meninos menores sendo Quando voltei foi o auge, cada meninos estava
barrados pelos seguranças. segurando uma cartolina enrolada, Jean entregou-me uma e
Os Meninos Delinqüentes do bem saíram em sua disparamos nosso arsenal altamente constrangedor pros
jornada em busca de outras crianças mas não encontraram hipócritas. Todos os cartazes tinham a seguinte frase escrita
ninguém para participar da brincadeira. Então dois deles em caracteres toscos:
foram atrás dos Garotos Perdidos enquanto o Delinqüente, QUEM DIZER QUE O NATAL DO SHOPPING TAL, TÃO
nosso herói da fábula, foi pra frente do Castelo Encantado à BONITO NA PROPAGANDA, NÃO É PARA TODO MUNDO??
espera das crianças que não estavam do jeito que as regras Os primeiros instantes foram apoteóticos, os
do Rei Consumo diziam que deveriam estar. Foi muito legal, segundos já foram de “cadê o Jean?”. Os seguranças do
ele conheceu três meninos que foram expulsos de lá, mas Shopping Tal nos olhavam emputecidos e falavam no rádio
que apesar de ser vestirem de verde, eram do bem. O nervosamente. Naqueles instantes senti a gota de suor mais
Delinquente contou a eles direitinho o que estava marcante da minha biografia, pra sempre vou lembrar dela.
planejando e eles gostaram da brincadeira. Quando eles Estava com ela quando vi outra cena histórica. Um Papai
estavam já ficando impacientes pela demora em apareçer Noel maltrapilho sendo carregado por dois seguranças. O
mais crianças uma Fada Madrinha de nome Éris fez com que viado saiu do banheiro “travestido de Papai Noel”
aparecessem mais cinco crianças. Yabadabadú! cambaleando feito um bêbado com um saco de lixo cheio
De repente parece que todas as portas se abriram, nas costas. Uma personagem impossível dentro de um
como se o universo desse o braço a torçer, Jean & Fábio shopping center, se eu estivesse trampando de segurança,
finalmente deram as caras, com mais quatro. Eram junkie inserido na realidade consensual, não toleraria tal ousadia
boys da maneira em que encontramos no Aurélio. Fábio já Então o menino sorteado para fazer o papel de Papai
chegou se desculpando. Noel surgiu, conduzidos por dois Agentes do Rei que,
- Ari, relaxa aí, que nós demoramos por que comovidos, resolveram contribuir pra que a Brincadeira
estávamos fazendo a cabeça dos caras. Ari, os caras se ficasse ainda mais divertida. A criançada estava com
cartazes com frases bonitas e deram três urras e fizeram Os piás a princípio ficaram surpresos com nosso
uma fila pra ganhar seus presentes. Sim! Na brincadeira susto, mas acabaram correndo. Nós três corremos muito
bolada pelos Delinqüentes Esquecidos Pelo Destino tinham mais que todos, simplesmente sumimos de vista. A umas
brinquedos. Sem dúvida, o encanto estava temporariamente troçentas quadras de distância do shopping nos socamos na
recuperado das mãos do Rei Consumo. lanchonete de uns chineses, que é só o que tem no centro
Jean depois de ter encarnado Robert Jasper Grootvelt de Curitiba e nos mocamos bem no fundo, atrás de uns
tem se demonstrado um ator mais do que genial, engradados de cerveja vazia. Pedimos um bera e a secamos
intergalático. Quando os seguranças o soltaram, jogou-se no nervosamente, pedimos a segunda e secamos de novo,
chão e levantou-se lentamente, segurando o saco de lixo e agora relaxados e sorrindo. A terceira veio com gargalhadas
encarando o único segurança que ficou. Quando virou os e acabamos a noite bêbados e felizes.
olhos pra Galera Excluída todos baixaram os cartazes e Os Meninos Delinqüentes saíram correndo do Castelo
fizeram uma fila. Os Coxas Brancas demonstraram que para Imediatamente e na fuga se perderam dos amiguinhos
alguma coisa torcedores do Coritiba servem, subversão, novos, mas graças a Fada Madrinha Éris conseguiram
como todo ser humano aliás, mas vamos dar uma chance encontrar uma Caverna Mágica bem segura e após se
pros caras: apavoraram na fila: empanturrarem com o Liquido Maravilhoso viveram felizes
- Urrúúúú! Vamos ganhar presente! Ôou segurança para o resto do dia.
bombado aí, vem pra fila pra ganhar alguma coisa! Boa noite crianças.
- Garanto que é atleticano, vem cá que aqui você
ganha!
E a gurizada ganhou os brinquedos, por mais que
fossem palhas, por mais que eles reciclassem e acabassem
dando pra seus irmãos mais novos, valeu pelo momento de
abrirem os presentes (pois caprichamos nos papéis de
presentes e nos laços), toda a galera de curioos olhando
naquela de “o que que é?” e “abre aí de uma vez!”. Massa
mesmo, só não mais massa porque Rei Consumo corcoveou. Fuja Imediatamente: Fomos Descobertos! (A
O Malvado rei Consumo ficou muito bravo. Chamou última Dança)
os Perigosos Gambés. Para acabar com aquela Brincadeira e
recuperar o Encanto para seu Castelo.
(ataque XXXVIII)
Estávamos viajando na alegria do pessoal quando
ouvimos as sirenes dos carros da polícia, o pessoal do Cagamos fora do penico. Nossos objetos de culto: o
shopping não tolerou aquela palhaçada toda, mesmo do Inesperado, a Dança do Acaso & a Rede de Coinscidências
lado de fora, alguma coisa os filhos de uma puta tinham que Cósmicas, que sempre jogaram no nosso time, fizeram um
fazer. O cagaço nos paralisou por uns dois vírgula trinta e gol contra. Ainda não sei ao certo que diabos está
três segundos, então reagimos desesperadamente. acontecendo, só sei dizer que na quarta-feira à noite, lá
- Bóra galera, não tô afim de limpar banheiro
pelas dez horas da noite, enquanto estávamos eu o e o N outro dia trabalhei tomado por uma paranóia
Jubikão no porão, um Policial Civil bateu à porta. absurda. É foda a sensação de estar sendo seguindo,
- Gostaria de falar com Jean. investigado, monitorado. A impressão que eu tinha é que
- Eles não está. Sobre o que seria? cada pessoa que olhava pra mim na rua era um
- Sou Investigador da Polícia Civil. investigados, um detetive ou um Agente da Conspiração
Gelei. O Chão sumiu de meus pés. querendo me ferrar. Contei o ocorrido no Blog dos
- Investigador? Delinquentes e Jubyleu sugeriu que a coisa toda estav
- Sim. E você, quem é? É amigo dele ou mora com totalmente sem lógica, tinha que ter cagüeta no meio.
ele? Cagüeta, mas quem? Então começei a desconfiar de todo
- Não, sou amigo do Sergio e estou cuidando da casa mundo, de meus amigos mais chegados até meu chefe, meu
durante à noite enquanto eles todos estão viajando. vizinho e o pessoal dos Flash Mobs.
- Sabe me dizer onde Jean foi? À noite não fui dormir no porão. Aproveitei a deixa
- Olha Seu Polícia, o Jean só conheço de vista, sou pra realizar um sonho antigo: passar a noite na rua, junto
amigo do Sergio mesmo, mas ouvi falar que ele saiu com os mendigos. Me lasquei por que justo nesta noite um
viajando de carona por aí, parece que queria chegar até o frio totalmente fora de época se abateu sobre o verão
Espírito Santo ou coisa parecida. Mas não pode me dizer do Curitibano. Mnido de uma garrafa de 51 fui atrás dos
que se trata? mendigos. A prefeitura correu com todos que dormiam no9
- Temos uma denúncia de que ele anda participando centro, tive que andar um montão e acabei encontrando os
de umas badernas por aí. colegas indigentes no Mercado Municipal próximo ao Viaduto
- Badernas. Capanema.
- Sim, uma pessoa que trabalhava numa churrascaria Fui bem recebido, não sei dizer se é porque os caras
e agora é segurança de um Shopping testemunhou dos são gente boa ou por causa do litro de 51, que foi secado
casos envolvendo este sujeito. em tempo recorde. Foi uma noite legal, os cars me
- Ah, tá, mas será que se trata do mesmo Jean, o emprestar papelão e folhas de jornal pra enfrentar o frio e
cara é tão sossegado. enquanto nos embebedávamos contamos altas histórias.
- É o que estou investigando, vou deixar aqui meu Inclusive um deles me contou algo inédito para minha
cartão e se tiver algum contato com ele diga que quermos ignorância. A Revolta do Pente, que aconteceu nessa cidade
conversar, é importante. no ano de 1959. Por causa de um militar que comprou um
Então o cara saiu prometendo voltar dentro de simples pente e começou a discutir com o lojista por causa
alguns dias e fiquei só com meus pensamentos Perdidos & de uma nota fiscal começou um bate-boca que acabou em
Confusos & Temerosos,. Caralho, será que fomos pancadaria com o militar indo a nocaute. Os curiosos
descobertos? Passei a noite inteira quebrando a cabeça. tomaram as dores do derrotado e começou um quebra-
Essa história estava muitíssimo mal explicada. Que pessoa é quebra na loja que surpreendentemente se alastrou para as
esse? Como sabia que o nome dele era Jean? Como achou lojas vizinhas e dentro de pouco tempo a praça Tiradentes
nosso endereço? Porque só o Jean? Tentei de todo o geito inteira virou um Caos anárquico. Tiveram que acionar o
entrar em contato com o cara sem sucesso algum. exército para acalmar a turba e segundo o mendigo até
tanques de guerra ficaram de prontidão para o caso de as todo. Procure fazer a mudança na night e por favor, seja
coisas se complicarem ainda mais. discreto!
Noutro dia, de volta ao trampo, corri no Google pra Jean & Fabio sempre foram os mais paranóicos e
checar a veracidade da história e qual não foi minha desta vez contavam comigo em sua neurose. Sem saber o
surpresa ao descobrir que sim, a coisa tinha mesmo que fazer nem pra onde ir liguei pro Marmita, o único nome
ocorrido. Fiquei feliz e orgulhoso de meu amigo mendigo. No que me ocorreu, pois o Társis estava viajando também. Em
decorrer do cagar dos pássaros consegui contato com Jean. Curitiba o pessoal tem o costume de desaparecer da cidade
- O quê Ari? Me explica melhor essa história! nos feriados prolongados e férias. O baixinho, sempre
- Não tem mais o que explicar, só falamos isso desenrolado, me arrumou uma meia água no sitio Cercado
mesmo, simplesmente não sei te dizer o que está pra deixarmos nossas coisas temporariamente. Bolamos
acontecendo. então uma operação quase ridícula de tão paranóica.
- Puta que o pariu Ari, mas por que só eu? Atacarmos nós mesmos. Como ultimo ataque a coisa
- Não sei, cara! Eu não sei! chega até a ser irônica. Saquem só o que planejamos. Fazer
- Ari, você é o único que está aí em Curita, vai ter a mudança de madrugada, no escuro, como se estivéssemos
que ser você quem vai limpar nossa barra. roubando o porão. Para o caso de Jean estar certo, se tiver
- Limpar a barra? De que jeito cara? A única atitude alguém de campana na frente do porão, seria mesmo a
que tomei por enquanto foi contar o problema pro pessoal coisa mais correta a fazer.
mais chegado da Internet e sacar as sugestões deles. - Mas veja bem Ari, se formos pegos vai ser muito
- Caralho, Ari! Nem tava me lembrando disso! Ainda foda você explicar pro delegado que estavas roubando você
essa porra de blog na Internet. Seu Viado! Desde o começo mesmo. Além de ser uma comédia do cacete, as coisa
eu te avisava que essa coisa de ficar de ficar divulgando poderão se complicar ainda mais pro lado de vocês.
nossas paradas ainda ia dar merda. - Pro lado nosso? Esqueceu que você também está
- Relaxa cara, o pessoal deu altas sugestões. nessa? Rapaz, você participou de vários ataques, és um
- Que sugestões? Delinqüente também seu jagüar!
- Sumir, desaparecer, para de postar no Blog dos - E o pior é que é mesmo.
Delinquentes e passar a postar tudo como Timóteo Pinto, Fizemos tudo em tempo recorde. Marmita conseguiu
um condivíduo, um nome coletivo que criamos. de novo aquele caminhãzinho que usamos pra abandonar o
- Tá, beleza, só que você vai ter que dar um jeito de artefato alienígena auto estrada e duas da manhã
agente sumir desse endereço chave de cadeia aí. estacionamos na rua de trás a umas quatro quadras de
- Jeanzinho de Éris, o que tu tens em mente. distância. No dia em que caçamos ratazanas pra atacar o
- Infelizmente tá só você aí e vai é aquela velha Vegan radical mala sem alça, ataque que acabou não
história: “Já que não tem tu vai tu mesmo”. Vais ter que acontecendo, ficamos manjando de todos os terrenos
arrumar um novo mocó e transferir todas as nossas tralhas baldios e prédios abando nados das redondezes.
pra lá. Mas veja bem Ari, tens que ser discreto, pode ser - Marmita, olha só meu plano. A gente trás as coisas
que tenha alguém aí vigiando essa porra de porão o tempo pelo terreno baldio até esse armazém vazio, depois leva por
esse outro terreno baldio e deixa tudo atrás do muro. Então
faremos um esforço dos diabos mas em um minuto tudo vazio que parecia que até os pensamentos produziam ecos,
tem que estar em cima do caminhão. me deixou profundamente chateado. Olhei pela janelinha
- Beleza então... que tinha vista pra frente e fiquei um tempão analisando se
Chegando perto, pelos fundos, Jubikão, nosso tinha algum filho da puta nos vigiando. Não vi nada.
cãozinho que herdamos do ataque da Pet Shop revelou-se Realmente, talvez isso tudo não passe mesmo de uma
um bom cão de guarda, chegou junto, latindo ferozmente grande paranóia, mas como dizia aquele velho Junkie &
até me reconhecer e vir chacoalhando o rabo. A mudança Genial: “Paranóico é aquele que tem pelo menos uma
não foi nada fácil, transferirmos tudo pela janela e a mínima noção do que está acontecendo.” Se quiserem me
geladeira resolvemos deixar pra abater do valor do aluguel. chamar de ridículo podem chamar, estão liberados, eu sei
Dentro do porão eu pichei uma frase que insinuava que o que mereço, mas dei uma vasculhada geral atrás de escutas
porão tivesse sido invadido por alguém que era contra os eletrônicas e microcâmeras instaladas por possíveis Agentes
moradores por algum motivo desconhecido. da Conspiração. É aquela velha história: Se o que você faz,
“Aqui se faz. Aqui se paga.” Ass: AC faz impunemente, é por que é inofensivo.
O AC, pros menos ligados, significa: Agentes da Peguei ainda uns cartões do Sérgio que estavam pelo
Conspiração. Suamos pra cacete pra crregar tudo. Ainda por chão, dei uma última cagada naquele banheiro fedorento e
cima minha cixa de gibis se abriu no meio do caminho e tive abandonei o recinto. Jubikão me acompanhou o tempo todo,
que recolher tudo. Levamos quase duas horas pra carregar até no banheiro, parecia mesmo que queria me dar um
tudo até o muro que tínhamos combinado. Marmita apoio psicológico. Acho que amo esse cachorrinho
estacionou o caminhão debaixo de uma árvore e esperamos pulguento. Quando cheguei no caminhão Marmita já estava
praticamente mais uma hora pra conferir o movimento, completamente impaciente.
escutar ruídos e checar se dava pra fazer a carga sem - Porra cara, porque demorou tanto?
chamar a atenção de ninguém. - Ah véio, foi foda ver aquele Antro de Delinqüentes
Foi então que realizei o trampo mais sofrido dos vazio e ainda por cima saber que daqui pra frente tudo vai
últimos tempos, carregar aquilo tudo em um minuto com a ser diferente.
adrenalina a mil nas veias foi uma coisa muito foda. Eu - Tudo bem, mas não podemos ficar muito tempo
suava a cântaros. Marimta suava a cântaros e Jubikão nos aqui dando bandeira, alguém pode se ligar e dar merda.
olhava com um olhar entre o curiosos e o triste. Gosto dos - Então vamos embora de uma vez.
cachorros por que eles sacam das coisas e não possuem o - E que carinha triste é essa aí, seu boiola?
menos pudor em demonstrar seus sentimentos. Quando - Vai te fuder seu pau no cú.
terminamos jogamos uma lona por cima e paramos pra Marmita caiu nas gargalhadas e enquanto o
descansar. caminhão andava e os fundos do porão sumiam de vista
- E aí Ari, tem certeza que não esqueceu de nada meus olhos começaram a ficar aguados. Foi uma cena triste
- Acho que não, mas em todo caso, você me espera pra cacete, odeio despedidas, sei que o fim das coisas é
eu ir lá dar uma última conferida. uma coisa absolutamente natural, mas tenho o direito de
Aquele porão, mais que tenhamos ficado apenas um odiar despedidas e essa será uma que demorarei séculos
mês nele, havia conquistado meu coração, ver aquilo tão pra esquecer.
- Ari, você está chorando?
- Já mandei você se foder caralho! Estou com sono,
só isso.
Baixei a cabeça na janela do caminhão e fiquei
fingindo dormir e chorando de verdade até chegarmos do
sitio Cercado. Descarregamos tudo lentamente e em silêncio
até o casebre de madeira no fundo do quintal da tia do
Marmita. Quando acabamos sentei na calçada da frente pra
fumar um cigarro. Marmita sentou junto e conversamos um
pouco.
- Como serão as coisas de agora em diante, vão
seguir com os ataques?
- Não sei, isso é uma coisa pra se analisar.
- Acho que vocês fizeram tudo certinho, seria muita
sacanagem desistir de lutar contra o Império. Ari, somos os
rebeldes, a humanidade precisa de nós, hehehe!
- Vou ter que esperar o pessoal voltar e decidirmos
juntos as novas estratégias. De minha parte posso te
garantir que não vou parar. Decidi seguir esse caminho e
vou trilhá-lo até o fim, seja lá o que signifique esse fim.
- É, parece que essa coisa vicia.
- Realmente Marmita, liberdade causa dependência.
Então a melancolia voltou a me contaminar, fui até o
casebre com os olhos úmidos novamente e fiz a única coisa
que me pareceu digna na ocasião, peguei uma lata de spray,
corri sozinho por cinco quadras, escolhi um muroo adequado
e, ainda com lágrimas nos olhos pichei:
SEJA REALISTA, EXIJA O IMPOSSÍVEL.

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