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Um rolê pela cidade de riscos: Leituras da pixação em São Paulo
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Um rolê pela cidade de riscos: Leituras da pixação em São Paulo

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O livro apresenta o resultado de uma pesquisa etnográfica sobre a pixação em São Paulo, assim mesmo, com X, conforme o uso feito pelos seus protagonistas como forma de diferenciá-la das outras pichações. Um rolê pela cidade de riscos traz um olhar de longo prazo para esta prática, refletindo sobre as redes que estes jovens traçam na cidade ao se arriscarem para deixar marcado, na paisagem urbana, um nome. Descreve, assim, as diferentes formas de uso do espaço urbano desenvolvidas a partir dessa atividade. A pixação em São Paulo é nesta obra descrita como uma prática cultural juvenil que tem como um de seus objetivos a busca por reconhecimento social.
LanguagePortuguês
PublisherEdUFSCar
Release dateSep 19, 2022
ISBN9786586768701
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    Um rolê pela cidade de riscos - Alexandre Barbosa Pereira

    um rolê pela cidade de riscos

    Logotipo da Universidade Federal de São Carlos

    EdUFSCar – Editora da Universidade Federal de São Carlos

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

    Editora da Universidade Federal de São Carlos

    Via Washington Luís, km 235

    13565-905 - São Carlos, SP, Brasil

    Telefax (16) 3351-8137

    www.edufscar.com.br

    edufscar@ufscar.br

    Twitter: @EdUFSCar

    Facebook: /editora.edufscar

    Instagram: @edufscar

    um rolê pela cidade de riscos

    leituras da piXação em São Paulo

    Alexandre Barbosa Pereira

    Coleção Marginália de Estudos Urbanos

    Volume 4

    Logotipo da Editora da Universidade Federal de São Carlos

    © 2018, Alexandre Barbosa Pereira

    Fotografia da capa

    Augusto Gomes

    Capa

    Thiago Borges

    Projeto gráfico

    Vitor Massola Gonzales Lopes

    Preparação e revisão de texto

    Marcelo Dias Saes Peres

    Daniela Silva Guanais Costa

    Vivian dos Anjos Martins

    Editoração eletrônica

    Bianca Brauer

    Walklenguer Oliveira

    Editoração eletrônica (eBook)

    Alyson Tonioli Massoli

    Coordenadoria de administração, finanças e contratos

    Fernanda do Nascimento

    Apoio

    Fapesp

    Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar

    Pereira, Alexandre Barbosa.

    P436r           Um rolê pela cidade de riscos : leituras da piXação em São Paulo / Alexandre Barbosa Pereira. -- Documento eletrônico. -- São Carlos: EdUFSCar, 2022.

    ePub: 7.4 MB.

    ISBN: 978-65-86768-70-1

    1. Arte urbana. 2. Pixação. 3. Juventude. 4. Espaços urbanos. 5. Periferias. I. Título.

    CDD – 700 (20a)

    CDU – 7

    Bibliotecário responsável: Ronildo Santos Prado – CRB/8 7325

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do direito autoral.

    Para Manoella e Lidia

    Sumário

    Prefácio

    Introdução

    Capítulo 1 - AS MARCAS DA CIDADE

    Capítulo 2 - APROPRIAÇÕES DO ESPAÇO URBANO

    Capítulo 3 - TROCANDO NA HUMILDADE

    Capítulo 4 - PRÁTICAS CULTURAIS JUVENIS NA CIDADE

    Capítulo 5 - ARRISCAR-SE PARA SER LEMBRADO

    Considerações finais

    Referências

    Convite de festa com um prédio pichado desenhado

    Figura 1 Fotografia de convite de festa em homenagem ao pixador Edmilson Macena, mais conhecido como Di, morto em 1997. Extraído de pasta de pixos de Irany, ex-integrante do Pirados. Créditos da imagem de Alexandre Barbosa Pereira.

    PREFÁCIO

    O que fica é a etnografia. Este mote – repetidas vezes enunciado em situações de embate entre partidários de textos sofisticados, elucubrações teóricas de vanguarda em oposição ao trabalho colado ao cotidiano dos interlocutores e registrado no bom e velho caderno de campo – parece aplicar-se com propriedade a Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo. Este livro, que finalmente sai publicado treze anos depois da defesa do mestrado que lhe serve de base, defendida por Alexandre Barbosa Pereira no DA/FFLCH/USP, revela a vitalidade de um recorte original de pesquisa.

    Entretanto, é preciso relativizar a afirmação que abre esse prefácio, aqui empregada mais como frase de efeito para iniciar o debate: em primeiro lugar, porque não há teoria de vanguarda na Antropologia que não tenha como base um trabalho de campo sério, longo, continuado. Ademais, há muito tempo já está superada a visão do senso comum nas ciências sociais que opõe etnografia, como mera recolha de dados, a elaborações teóricas. Veja-se, a propósito, a reflexão de Marilyn Strathern sobre o momento etnográfico.

    Por outro lado, o livro de Alexandre, certamente um bom exemplo de imersão em campo pela riqueza dos dados que revela, pelo estreito contato com os interlocutores e pela valorização de suas práticas e discursos, não se limita, evidentemente, a um relato de peripécias e particularidades; além de valer-se, como referência, de quadros teóricos reconhecidos na teoria antropológica e aplicar instrumentos de pesquisa consagrados, abre e amplia uma discussão sobre periferia, juventude, política, cidade.

    Na verdade, Um rolê pela cidade de riscos: leituras da piXação em São Paulo filia-se a uma das linhas de pesquisa do LabNAU, do qual Alexandre faz parte desde longa data. Uma vez que tudo aí começou com a pesquisa sobre uma forma de lazer popular, o circo-teatro, nos pedaços da periferia de São Paulo, seu trabalho sobre a pixação avança, vinculando as quebradas ao centro da cidade e este àquelas: em vez do propalado confinamento na periferia, o estudo mostrou uma contínua circulação de jovens que, por meio de seus rolês/trajetos, com base em seus points/pedaços, vão deixando as marcas das respectivas grifes nos muros, nas paredes e nos edifícios de regiões centrais, provocando as mais diversas reações de proprietários, meios de comunicação e poder público. Se num primeiro momento fora tachada de puro vandalismo, já chegou a ser considerada como arte urbana de vanguarda, competindo – e estabelecendo conexões – com outra forma mais aceita e reconhecida, os grafitti.

    Ainda que mais ligado a um certo momento histórico dessa atividade na cidade de São Paulo, este livro não é apenas uma rememoração: Alexandre teve de aprender a ler o muro, o que lhe abriu caminhos para sua profícua carreira acadêmica. Na apresentação de seu livro ele reconhece: A pixação forneceu-me um novo ponto de vista sobre a cidade e os modos de ser jovem nela, que pauta minhas reflexões no campo da Antropologia com a mesma importância, talvez com intensidade até maior, que a discussão teórica ou acadêmica exerce sobre minha atividade.

    Ou seja – e agora retomando a frase inicial com novo sentido –, a etnografia não só fica, como transforma o pesquisador. A boa etnografia, claro.

    José Guilherme Cantor Magnani

    São Paulo, abril de 2018

    Fotografia de vários prédios

    Figura 2 Quem não é visto não é lembrado. Pixos de Di e seu parceiro Dino persistem, em 2017, no alto de um prédio próximo à Praça da Bandeira, região central de São Paulo. Créditos da imagem de Alexandre Barbosa Pereira.

    INTRODUÇÃO

    Objetivo: Não é pregar a apologia sobre pixação e sim mostrar o vandalismo existente.

    (Álbum de Cromos SóPixo, produzido por pixadores)

    Janeiro de 2017, dois acontecimentos me fizeram relembrar e retomar minha pesquisa sobre pixação que realizei nos anos 2000. Um mais pessoal e outro mais geral, relacionado a uma política pública empreendida pela nova gestão municipal de São Paulo. Começarei pelo primeiro, pois entrou em contato comigo um pixador já bastante conhecido da zona sul de São Paulo, então com 43 anos de idade e há 27 anos em atividade na pixação, o Lu, do Snowboys, que começara a pixar em 1990, quando tinha 16 anos de idade. Eu ainda não o conhecia pessoalmente e ele queria conversar comigo, pois ficou sabendo que eu tinha uma pasta com um acervo, que adquiri em meados dos anos 2000, de um pixador que largara o ofício. Na época, desembolsei 50 reais para obtê-la. A compra e venda de pastas ou de apenas alguns itens mais valiosos que possam ser encontrados nelas é bastante comum no mundo da pixação. O que havia nessa pasta que comprei? Folhinhas com assinaturas de pixadores com certa notoriedade na cidade de São Paulo, coletadas entre o final dos anos 1990 e início dos 2000; além de convites para festas e outros eventos promovidos por pixadores. A coleção que eu possuía não era das maiores, mas mesmo assim despertou o interesse de Lu. Ele queria saber se eu tinha ainda tal acervo e se nele havia peças raras, como folhinhas de pixadores antigos e famosos. Seu objetivo inicial era comprar a pasta e queria encontrar-me pessoalmente para negociar o valor. Combinei com ele em uma lanchonete próxima de minha casa. Ele avaliou a coleção e chegou até a desdenhar um pouco, talvez tentando pechinchar um menor valor final de venda. Porém, para sua surpresa revelei que não estava interessado em vender os itens de memória da pixação, mas sim em doá-los. Ele recebeu com grande euforia minha oferta de doação, agradecendo efusivamente. Ao fim, tomando um refrigerante, pois afirmou não beber, ele me contou um pouco de sua trajetória na pixação e teceu críticas à recente atuação da prefeitura de São Paulo em perseguir pixadores.

    Curiosamente, o interesse de Lu por esse acervo surgiu concomitante ao outro fato, uma grande ação protagonizada pelo poder público municipal contra a pixação, que me fez reviver minha pesquisa de campo durante o mestrado. Trata-se do programa Cidade Linda – do novo prefeito de São Paulo, que venceu as eleições municipais de 2016 –, cujo objetivo geral seria, segundo a Secretaria Especial de Comunicação da própria prefeitura, revitalizar áreas degradadas da cidade.[1] Como parte importante desse programa, houve o início de um combate bastante rigoroso às pixações e a todo o tipo de intervenção visual urbana não autorizada. Ocorreram inclusive algumas prisões de pessoas pegas praticando tal ato, como amplamente noticiado pela imprensa paulistana. A medida gerou grande polêmica principalmente quando se começou a apagar graffitis de nomes com certo prestígio no mundo da arte urbana em São Paulo e mesmo trabalhos considerados artísticos e realizados sob patrocínio da própria prefeitura, na gestão anterior, em importante via que corta a cidade de norte a sul, a Avenida 23 de Maio. Ademais, esse prefeito adotou um estilo bastante apelativo e midiático em suas ações políticas, chegando a ser caricato,[2] e utilizou-se dessa ação contra as intervenções urbanas para tentar se promover a partir de um sentimento de grande aversão que a maioria da população paulistana demonstra em relação à pixação. Contudo, ao apagar e tentar disciplinar os graffitis, por meio da proposta de permitir tal intervenção apenas em espaços estipulados pela própria gestão pública, ele atacou uma forma de expressão visual que, em muitos aspectos, se aproxima da pixação, mas que é muito mais aceita e é há algum tempo até instrumentalizada, por proprietários particulares de imóveis e pelo próprio poder público, como forma de combate à pixação.

    O mais importante para se pensar esses dois fatos aqui narrados, a política declarada da prefeitura de São Paulo de combate às pixações e o contato que Lu fez comigo para tentar adquirir o desejado acervo, é entender como eles se relacionam. De certa maneira, como um integrante de uma geração mais velha da pixação, Lu sentiu-se extremamente tocado pela perseguição iniciada pelo novo prefeito. Ele me disse que a maioria dos pixadores era formada por pessoas de bem, que havia nela muitos trabalhadores e pais de família. Contou também que o papel da prefeitura deveria ser o de investir em educação e saúde e não o de, conforme suas palavras, perder tempo perseguindo pixador. A iniciativa de combater as pixações levou, portanto, à perseguição e mesmo à prisão de alguns de seus autores. Chegou-se a cogitar imputar a acusação de associação criminosa para os pixadores a fim de aumentar suas penas e conseguir mais facilmente condená-los à prisão.[3] Contudo, o que ficou conhecido como um novo plano antipichação estipulou medidas como a cobrança de multa de até dez mil reais para quem for flagrado pixando, a criação de um cadastro negativo de pixadores, a fim de proibi-los de obter qualquer tipo de contrato ou trabalho com o poder público municipal, além de permitir a empresas privadas pintarem muros pixados em troca de propaganda gratuita. Essa última medida e a criação da lista de pixadores foram vetadas pela justiça paulista em setembro de 2017.[4] De certo modo, esse recrudescimento da repressão trouxe um estímulo para que Lu relembrasse seus tempos de juventude com a pixação. O que demonstra que a ousadia de realizar certas proezas e a transgressão são aspectos bastante importantes para os adeptos dessa prática. A perseguição em muitos casos proporciona um estímulo maior para a busca do que eles denominam adrenalina, alcançanda por intermédio do desafio de tentar marcar muros de maior risco e visibilidade da cidade.[5]

    Meu interesse pela pixação surgiu há quase 20 anos, quando presenciei um MC de hip hop, com o intuito de animar a plateia, lançar a seguinte indagação: Cadê os maloqueiro, skatista e pixador de Cidade Ademar?, em show realizado na Praça Comunitária Lígia Maria Nóbrega (na verdade, na época, um grande vão livre onde eram realizados diversos eventos culturais[6]) no bairro de Cidade Ademar, Zona Sul da cidade de São Paulo, no ano de 1999. Ao meu lado, alguns jovens vibraram entusiasmados, pois eles eram, ou se consideravam, tudo aquilo que o rapper apontara: pixadores, skatistas e maloqueiros. Esse foi um dos primeiros contatos que estabeleci com eles, antes mesmo de pensar em fazer esta pesquisa. A frase gritada pelo rapper e a reação dos pixadores despertaram minha atenção para aqueles jovens e sua atividade na cidade. Desde então, apesar da pouca proximidade inicial com a prática que realizavam, meu interesse aumentou gradativamente, pois conheci mais alguns deles no meu bairro, que estudavam na mesma escola em que eu havia cursado o ensino médio. Já na graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP), durante uma disciplina de antropologia urbana, em 2001, esse foi tema de minha pesquisa de campo que serviria como trabalho de avaliação final da disciplina. A partir daí, ingressei em uma iniciação científica e em um grupo de pesquisa sobre práticas e espaços de jovens na metrópole, pelo Núcleo de Antropologia Urbana da USP, e, posteriormente, em 2005, defendi minha dissertação de mestrado em Antropologia Social também pela USP. Em todo esse percurso tive o privilégio de ser orientado pelo professor José Guilherme Magnani, com quem tive grandes ensinamentos sobre a importância da experiência etnográfica para a produção do conhecimento. A pesquisa com a pixação integrou ainda um conjunto de outras experiências de pesquisa etnográfica em São Paulo sobre usos da cidade e práticas juvenis, realizadas pelo NAU, sob orientação de Magnani, que resultou no livro Jovens na metrópole, no qual há uma série de textos sobre diferentes formas de articulação de jovens em espaços urbanos.[7]

    Apesar de ter defendido a minha dissertação de mestrado no fim do ano de 2005, meu contato com a pixação e com adeptos e pessoas ligadas a essa prática persiste até hoje, com a participação em eventos – com destaque para o encontro realizado em Salvador, em 2013, que reuniu pixadores e pesquisadores do tema, oriundos de diferentes estados do Brasil, sob organização de Sérgio Franco e Djan Ivson –, idas esporádicas aos points de pixadores e entrevistas sobre o tema. Uma dissertação ou tese é sempre o produto de um tempo e espaço limitado de produção e reflexão sobre o tema escolhido. Por isso, posteriormente à defesa de meu mestrado, ainda retomei os dados que tinha colhido sobre a pixação para avançar em algumas discussões que não tinha aprofundado ou nem mesmo levantado no texto final, em artigos que publiquei em diferentes periódicos acadêmicos brasileiros.[8] Dessa forma, o que apresento aqui são os achados de minha dissertação de mestrado, atualizados por essas outras reflexões realizadas mais recentemente, avançando ainda em algumas questões não abordadas anteriormente.

    No início, nas minhas primeiras incursões a campo para conhecer a pixação, sentia um certo receio por causa da má fama que pairava sobre os pixadores, imaginava que seria muito difícil a aproximação ou mesmo que poderia ser hostilizado, por se tratar de uma prática considerada ilícita. No entanto, com o tempo compreendi que a dinâmica de suas relações envolvia muito mais uma abertura para a cidade e para a exposição mais ampla possível das marcas que deixam na cidade do que uma tentativa de reclusão ou de repelir contatos. Pude constatar, portanto, que eles não eram a grande ameaça anunciada pela imprensa e, a partir disso, comecei a temer mais o que a polícia poderia fazer contra eles e contra mim, por estar com eles. Assim, para a pesquisa, concentrei minha atenção nos espaços que ocupam na cidade: seus pontos de encontro, que eles chamam de points, suas festas e outros lugares nos quais poderia encontrá-los, como pistas de skate e shows de rap, entre outros. Embora, a princípio, alguns tenham ficado desconfiados de minha presença, muitos pixadores mostraram-se totalmente à disposição para contribuir com meu trabalho, sentindo-se valorizados por terem a oportunidade de aparecerem em uma pesquisa. Pediam para que eu tirasse fotos deles e de suas pixações. Em diversos momentos recebia telefonemas de interessados em conceder fotografias e entrevistas, pois ficavam sabendo por outros colegas sobre o meu trabalho. Poucos, no entanto, entendiam o que seria uma investigação antropológica, confundiam-me, às vezes, com um jornalista a fazer uma reportagem sobre a pixação na cidade. Por esse motivo, aliás, é que muitos deles me procuravam, pois ambicionavam ter suas pixações divulgadas na mídia, conforme será discutido no primeiro capítulo. Aos poucos, entretanto, muitos começaram a entender melhor o meu trabalho e o ritmo da pesquisa acadêmica.

    Esta pesquisa baseou-se, portanto, em observações participantes nos seus locais de encontro e em entrevistas individuais realizadas em seus bairros de moradia. Serviram também como importantes fontes de consulta os produtos criados por pixadores, como revistas e videodocumentários sobre graffiti e pixação, páginas na internet, fóruns em redes sociais e um álbum de cromos com imagens de pixações. Acompanhei-os poucas vezes em sua prática principal, a pixação, por conta não apenas do risco envolvido, mas também por entender que esta, embora seja a atividade definidora do grupo, não era fundamental para compreender a sua dinâmica na cidade. Além disso, com a presença de um espectador, eles intensificavam as suas performances, buscando lugares mais arriscados para que parecessem mais ousados do que os outros, o que, definitivamente, não era o objetivo da pesquisa. Esse é o modo, aliás, como costumam agir com os jornalistas, quando, para mostrar como são audaciosos, penduram-se em pontes e prédios para poder ver e exibir fotos de suas ações publicadas em jornais e revistas.

    Como já relatei, os pixadores historicamente não têm sido bem-vistos pela população em geral. Os meios de comunicação estão sempre a produzir matérias visando condená-los. Já o poder público está constantemente à procura de um projeto para tentar resolver o problema da pixação, apontada como um fator de degradação do espaço urbano. Por isso, cabe ressaltar que a perseguição promovida pelo atual prefeito, João Doria, não é uma grande novidade. Desde a administração Jânio Quadros, há mais de 30 anos, quando surgiram os primeiros pixadores em São Paulo, diversas foram as ações realizadas pela prefeitura. A caça aos autores das assinaturas nos muros da cidade foi a forma encontrada por Jânio para efetivar a sua propaganda populista e conservadora, chegando até a publicar no Diário Oficial da Cidade de São Paulo que prenderia os responsáveis pelas inscrições que apareciam nos muros. Durante a gestão Luiza Erundina, no fim dos anos 1980 e início dos 1990, entretanto, houve certa mudança de orientação, pois se tentou um diálogo com os pixadores, buscando aproximá-los das oficinas de graffiti promovidas pelo governo municipal. Porém, foi a gestão do prefeito Celso Pitta, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, que tentou adotar a medida mais controversa: cobrar multa daqueles que tivessem os muros de sua propriedade pixados e não os pintassem num prazo máximo estipulado. Logo em seguida, na primeira metade dos anos 2000, na gestão da prefeita Marta Suplicy, as oficinas de graffiti ganharam força novamente, surgindo, então, o Projeto Belezura, que visava, entre outros objetivos, a pintura constante de determinados espaços para que não voltassem a receber pixações. Nenhum dos referidos projetos, no entanto, conseguiu obter êxito e conter a ação dos pixadores na cidade.

    Em 2005, a gestão José Serra lançou um projeto denominado Plano antipichação, que visava, pela pintura constante de muros e de um maior rigor no tratamento dado aos pixadores – principalmente com prisões em flagrante –, acabar com a pixação. O objetivo era prender quem fosse pego pixando e cobrar a aplicação de penas mais rigorosas pelo poder judiciário. Para isso, decidiu-se usar uma via pública como isca, a Rua Cardeal Arcoverde, no bairro de Pinheiros.[9] A ideia era pintar um trecho da rua e esperar anoitecer para prender os pixadores em ação. A sua proposta principal era fazer com que os policiais, em vez de aplicarem um castigo físico aos jovens, como costumam agir – segundo relatos dos jovens com quem conversei –, efetuassem a prisão. Com isso, no caso dos menores de idade, seus pais ou responsáveis teriam de ser notificados e/ou responsabilizados, ou, no caso dos maiores de idade, haveria o julgamento e, como acontece geralmente, o cumprimento de penas alternativas, como realização de trabalhos comunitários e doações de cestas básicas. Pouco se falou na criação de opções para que esses jovens encontrassem outras formas de manifestação criativa que pudessem substituir a pixação. Ao que parece, no entanto, a intenção principal dessa ação da prefeitura era simplesmente afastar os pixadores dos bairros mais nobres e centrais da cidade. O projeto – inspirado em ação semelhante realizada pela prefeitura de São José dos Campos, cidade média do estado de São Paulo – na época sofreu resistências dentro da própria gestão municipal da capital, com integrantes da Coordenadoria da Juventude, órgão da prefeitura responsável por pensar as políticas públicas para a juventude na cidade, posicionando-se contra a medida e mesmo organizando debates a respeito com especialistas, políticos, ativistas e até pixadores.

    Ao se discutir a pixação, cabe, logo de início, uma observação ortográfica aprendida com os próprios pixadores, pois em vez de escrever a palavra pichação com ch, como consta na grafia dos dicionários, eles a escrevem com x. O que poderia ser constatado apenas como uma falta de conhecimento da maneira como a palavra é escrita, conforme as normas da Língua Portuguesa, foi apontado por eles como um

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