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O quilombo dos Palmares em sala de aula através de mapas táteis e didática multissensorial

Paula Cristiane Strina Juliasz, Maria Isabel Castreghini de Freitas, Silvia Elena Ventorini
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – campus de Rio Claro

Resumo
A Cartografia mostra-se importante para que os alunos sintetizem informações e expressem
conhecimentos, envolvendo a idéia da produção e organização do espaço. Com base nas políticas
voltadas à educação de alunos deficientes visuais, busca-se desenvolver material didático tátil para que
estes possam ter acesso aos documentos cartográficos. Desta forma, vem-se pesquisando
procedimentos metodológicos de construção e aplicação de mapas temáticos táteis com recursos
multissensoriais, aprofundando os estudos na área de cartografia tátil. O presente trabalho tem como
objetivo apresentar os resultados parciais da experiência obtida no desenvolvimento do tema
Quilombo dos Palmares, integrante da Coletânea de Mapas Multisensoriais: Brasil e África,
desenvolvido para alunos cegos e de baixa visão do ensino fundamental. O tema abordado nesta
Coletânea tem como base a exigência estabelecida pela Lei Federal 10639/03: a obrigatoriedade do
ensino da História e a Cultura Africana e Afro-brasileira no âmbito de todas as disciplinas. Na
elaboração do material tátil, busca-se compreender a forma pela qual os alunos com deficiência visual
apreendem o mundo, valorizando suas diversas formas de percepção. Assim, a qualidade dos mapas
foi avaliada por meio de aulas práticas realizadas com a participação de alunos deficientes visuais que
freqüentam aulas na Escola Municipal Integrada de Educação Especial Maria Ap. Muniz Michelin –
José Benedito Carneiro Deficientes Auditivos e Deficientes Visuais (EE). O estudo com o mapa tátil
consistiu na sua elaboração, no preparo da aula e sua prática. Assim, para desenvolver o tema
Quilombo elaboraram-se dois mapas: Divisão Política do Brasil (destacando os Estados de
Pernambuco e Alagoas) e Estados de Pernambuco e Alagoas, destacando a localização do Quilombo
dos Palmares. O primeiro foi elaborado com o objetivo de facilitar o entendimento da inserção dos
dois estados no Brasil, abstração que deve ser trabalhada com cuidado por parte do professor devido à
dificuldade na compreensão que uma localidade está dentro de outra. Após a elaboração dos mapas em
alto-relevo em folhas de alumínio efetuou-se a inserção de informações sonoras através do programa
Mapavox. Selecionaram-se trechos do filme Quilombo, de Cacá Diegues, que explica através de um
diálogo entre personagens o que foi este quilombo. Na localização do estado de Alagoas, colocou-se
uma música afro-brasileira denominada coco, originada neste quilombo. A aula foi iniciada com a
apresentação da rapadura, doce cuja matéria prima é a cana-de-açúcar e foi exposto aos alunos que, na
época da escravidão o estado de maior expressão canavieira foi Pernambuco, onde se estabeleceu o
quilombo dos Palmares. Neste sentido, a exploração dos mapas desenvolvidos busca desenvolver a
didática multissensorial não valorizando um sentido em detrimento dos outros. Os resultados desta
experiência indicam a importância de se respeitar as especificidades dos alunos cegos e de baixa visão
na interação com o material didático tátil, sem compará-los, valorizando todos seus sentidos
funcionais. E, pode-se afirmar que a união de mapas temáticos e dispositivos sonoros uma
aprendizagem significativa sobre os conteúdos e fenômenos relacionados a cultura e ocupação e
formação do territorial brasileiro, de forma a contribuir para o conhecimento tanto cartográfico e
espacial quanto para o conhecimento cultural de seu país.

Palavras-chaves: mapas táteis, geografia, deficiência visual; cultura afro-brasileira.

Introdução
Em publicações acadêmicas e nas propostas governamentais referentes ao Ensino Básico no
Brasil, observa-se a importância da Cartografia para que os alunos sintetizem informações e
expressem conhecimentos e estudem situações, envolvendo a idéia da produção do espaço,
considerando sua organização e distribuição.
Miranda (2001) afirma que o mapa é um instrumento fundamental para pensar, planejar e agir
sobre o espaço, principalmente, quando a escala ultrapassa a dimensão do lugar vivido pelo sujeito.
No entanto, verifica-se que diversos alunos, no contexto da inclusão escolar, não têm acesso a
este tipo de material e conteúdo, devido a deficiência visual. Neste caso, a inserção de figuras nos
livros didáticos, como os mapas, que têm por objetivos desenvolver conceitos e elementos que
ultrapassam a escala local, torna-se um problema. Segundo REILY (2004),
(...) para o aluno com déficit visual, o aumento da quantidade de imagens no
material didático do estudante é um empecilho que precisa ser enfrentado
pelo professor na sala de aula. Quando a imagem não tem função de mera
ilustração de um conceito trabalhado verbalmente, mas está articulada com o
conteúdo em discussão, será necessário encontrar maneiras de tomar
acessível o sentido da figura ao aluno cego.
Neste sentido, sabe-se da necessidade em se criar meio de acesso à este tipo de material,
buscando a real inclusão de alunos cegos ou com baixa visão na escola e tornando-o participante das
aulas e não apenas um ouvinte. Almeida, referente aos materiais cartográficos, afirma que
A pessoa com deficiência não pode prescindir desse meio de comunicação,
que adaptado ao tato, ajuda na organização de imagens espaciais internas.
Diagramas, gráficos, mapas de qualquer natureza possibilitam o
conhecimento geográfico e facilitam a compreensão do mundo em que
vivemos (ALMEIDA, 2005, p.120).
Desta forma, diversos pesquisadores têm se dedicado ao desenvolvimento da área de
Cartografia, chamada de Cartografia Tátil, tendo como objetivo a elaboração de materiais táteis e a
compreensão do meio pelo qual o deficiente visual compreende e utiliza os documentos cartográficos.
No entanto, há uma grande carência destes materiais e também falta de conhecimento dos
professores sobre essa linha de pesquisa, o que resulta, muitas vezes, em simples adaptação de
material (figuras, gráficos, mapas, etc.) para o tátil e, ainda, sem um estudo prévio das reais
necessidades de seus usos, assim como das facilidades e dificuldades dos alunos cegos em entendê-las.
No entanto, é de conhecimento destes pesquisadores, que a elaboração de um mapa tátil não é
apenas a transformação deste em tridimensionalidade, necessitando de outros recursos na
aplicabilidade destes mapas, a didática multissensorial. Esta metodologia de trabalho, tem como base a
utilização de todos os sentidos, não valorizando apenas o tato ou a visão, e que será apresentada ao
longo deste trabalho.
Neste contexto, tem-se como objetivo apresentar os resultados parciais da experiência obtida
no desenvolvimento do tema Quilombo dos Palmares, integrante das atividades desenvolvidas por
meio da Coletânea de Mapas Multissensoriais: Brasil e África1, desenvolvida para alunos cegos e de
baixa visão do ensino fundamental.
O tema abordado nesta Coletânea - A Influência Africana no Brasil - foi adotado visando
atender a Lei Federal Brasileira 10639/03, que foi criada para que as escolas desenvolvam o conteúdo
sobre a História e a Cultura Africana no âmbito de todas as disciplinas.
No que diz respeito à Geografia, nota-se que a importância do tema não se refere somente à
localização e ao reconhecimento da distribuição espacial das etnias de origem africana no Brasil, mas
de sua influência histórica e cultural no território brasileiro. Logo, a experiência e o estudo
apresentado a seguir tomam como base tal idéia, elaborando mapas táteis e atividades que permitam a
compreensão das contribuições sociais, culturais e econômicas das etnias africanas no Brasil.
Pode-se citar como justificativa para o ensino da História e Cultura Africana, a necessidade de
reconhecer a cultura dos povos africanos e seu legado histórico para a humanidade. Além disso,
refletir sobre a visão ideológica negativa que é atribuída, muitas vezes, aos africanos e aos seus
descendentes e que foi construída ao longo da história.
Assim, nota-se a importância da escola abordar tal tema já que pode estar presente no
cotidiano de muitos envolvidos no ambiente escolar. De forma geral, Parecer da Lei 10639/03 afirma
que:
Todos estes dispositivos legais, bem como reivindicações e propostas do
Movimento Negro ao longo do século XX, apontam para a necessidade de
diretrizes que orientem a formulação de projetos empenhados na valorização
da história e cultura dos afro-brasileiros e dos africanos, assim como
comprometidos com a educação de relações étnico-raciais positivas, a que
tais conteúdos devem conduzir (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2004 p.9)
Conforme Portella (2007, p.04)
De acordo com a lei, o conteúdo programático das diversas disciplinas deve
abordar o estudo de história da África e dos povos africanos, a luta das

1
Coletânea elaborada e aperfeiçoada no projeto de pesquisa Cartografia Tátil e Didática
Multisensorial: uma construção diferenciada de mapas sobre a África e sua influência no Brasil
com financiamento do PIBIC – CNPQ, desde 2007.
 
pessoas negras no Brasil, a cultura negra brasileira e o(a) negro(a) na
formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil. Os
conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira devem ser
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar e, principalmente, nas
áreas de educação artística, literatura e história brasileira.
Desta forma, para tal tema, destaca-se que a ciência cartográfica é muito importante para os
estudos geográficos, pois os conceitos cartográficos abordados juntos aos geográficos contribuem para
a compreensão da dinâmica territorial e localização de fenômenos físicos e culturais, ou seja, os
recursos dos documentos cartográficos são úteis no “conhecimento e na apreensão do conteúdo
historiográfico e contemporâneo” (ANJOS, 2005, p. 168).
É válido ressaltar a necessidade em submeter o mapa tátil à avaliação do aluno deficiente
visual, haja vista que sua forma de percepção é diferente da pessoa dotada de visão que elaborou tal
material. Neste sentido, a qualidade do mapa foi avaliada pelos alunos deficientes visuais que
freqüentam aulas na Escola Municipal Integrada de Educação Especial Maria Ap. Muniz Michelin –
José Benedito Carneiro Deficientes Auditivos e Deficientes Visuais (EE).
É válido ressaltar que este trabalho apresenta dois eixos norteadores: a apreensão do mapa
pelos alunos com baixa visão e a dos alunos cegos, não partindo de uma análise comparativa. “Deve-
se considerar que a geração de material didático tátil não deve ter como referencial básico o canal
visual. Neste sentido, a geração de mapas táteis para pessoas deficientes visuais, não consistem em
simplesmente adaptar a linguagem gráfica visual para a tátil.” (JULIASZ, FREITAS, VENTORINI,
2007, p. 2482).

Cartografia e Didática Multissensorial


Como foi dito anteriormente, no que se refere ao ensino de Cartografia e Geografia para os
alunos deficientes visuais, um problema encontrado são as representações bidimensionais: figuras,
gráficos e mapas, disponibilizados em livros didáticos. Muitas destas representações são adaptadas
para a tridimensionalidade sem um estudo prévio das reais necessidades de seus usos.
Batista (2005, p. 14) destaca a necessidade de “pensar a noção de representação, como base
para o planejamento de recursos didáticos, a serem elaborados e apresentados de forma interligada aos
sistemas conceituais já adquiridos e em fase de aquisição pelos alunos”. Portanto deve-se considerar a
percepção do aluno na elaboração de materiais didáticos e também nas práticas pedagógicas.
(...) surge a necessidade de entender sob quais parâmetros este ser humano
que vê o mundo não com os olhos, mas vê o mundo pelos sons, pelo tato,
pelo olfato, pelo paladar, enfim pelo corpo, é denominado cego. Este ponto
de partida me faz refletir com mais cautela sobre esta população que vem
sendo caracterizada e denominada a partir do potencial funcional do órgão
olho, demonstrando como este ser é prejudicado na sua capacidade de olhar
e ver o mundo a partir das imagens quando apresenta algumas alterações
funcionais (PORTO 2005, p. 24).
Neste sentido faz-se necessário compreender como o deficiente visual utiliza os materiais
didáticos, elaborados por pessoas sem deficiência visual. Para Ventorini (2007, p. 64) existe uma
“falta de clareza de como as pessoas cegas se beneficiam e/ou ampliam seus conhecimentos por meio
dos documentos cartográficos táteis gerados”. Huertas; Ochaíta; Espinosa (1993, p. 256) também
ressaltam a importância de se compreender como os cegos podem utilizar documentos cartográficos
para aprofundar seus conhecimentos sobre o espaço:
Sin duda, es importante para los profesores de geografía encargados de la
enseñanza de los invidentes saber cosas tales como las peculiaridades del
desarrollo y el aprendizaje del conocimiento espacial en los ciegos, los
procedimientos más apropiados para exteriorizar sus representaciones
espaciales, o cómo se desarrolla la capacidad para manejar mapa táctiles.
A simples adaptação subsidia a tentativa de se padronizar os símbolos táteis na cartografia,
porém não se chegou a consenso entre os pesquisadores (VENTORINI, 2007). É válido ressaltar que
“essa adaptação precisa ser estudada profundamente, pois apenas com uma transcrição das
informações visuais para a forma tátil não se obtém resultados aceitáveis, devido à diferença de
resolução entre o sentido da visão e do tato, dentre outras razões”. (ALMEIDA, 2007, p. 121). Nesta
mesma linha de pensamento Almeida e Loch (2005, p. 6) salientam:
É preciso, entretanto, levar em consideração que a transcodificação do
mundo visual para uma linguagem tátil traz consigo a nomenclatura de quem
vê, e isso pode dificultar a compreensão do mundo interno ou da
representação mental que o cego faz do mundo.
Isso é também ressaltado por Chaves; Andrade, Loch (2006, p.3) que afirma que
Vastas pesquisas sobre inclusão social já afirmaram o despreparo do
educador frente aos novos desafios de transpor os conteúdos trabalhados em
sala de aula para linguagens acessíveis às pessoas com algum tipo de
deficiência, como a visual ou auditiva. Por outro lado, os recursos didático-
pedagógicos utilizados atualmente para o ensino de Geografia no Brasil, por
exemplo, se mostram defasados e ineficientes quanto à acessibilidade das
informações para pessoas com deficiência visual. Os mapas, globos e atlas
escolares ainda são direcionados a uma clientela que dispõe da capacidade
de enxergar, impossibilitando o uso dos mesmos por uma significativa
parcela da população.
Portanto, faz necessário compreender como o material cartográfico é utilizado pelos
deficientes visuais, aperfeiçoando as informações táteis dos mapas aliadas à didática multissensorial
em sala de aula, tendo como base o grau de deficiência, maturidade, grau de escolaridade e as
particularidades perceptivas de cada aluno.
Por meio dos sentidos – visão, olfato, tato, paladar e audição – o indivíduo percebe o ambiente
exterior, assimila-o com sua vivência e posteriormente forma conceitos sobre o local explorado. Essa
etapa permeia por processos complexos de sensação, reconhecimento, percepção significativa e
assimilação cognitiva. (LORA). 2
Neste sentido, o deficiente visual também explora, percebe e organiza os elementos no espaço,
utilizando todos seus recursos sensoriais, o que não possibilita a supervalorização da visão, pois seria
uma forma de depreciar essa capacidade sensorial do deficiente visual (VENTORINI, 2007).
O deficiente visual ao tocar um objeto utiliza outros sentidos para reconhecer o que está
tateando. Isso ocorre também com as pessoas que enxergam que, muitas vezes, sentem a necessidade
de explorar os objetos utilizando outros sentidos, juntamente com a visão, ou seja, com o auxílio do
tato, olfato, audição e até do paladar, dependendo das características do objeto.
Para Porto (2005, p. 25), “o invisível aos olhos do cego não é invisível à sua sensibilidade e
interioridade. Com sua forma de ver e olhar o mundo, o cego, como o vidente, interroga e sente-se
sujeito da sua presentidade no mundo”. Observa-se, assim, que é importante respeitar e conhecer os
mecanismos que os cegos usam para estabelecer sua relação do mundo exterior com o mundo interior
por meio dos estímulos sensoriais e sua percepção.
Na literatura encontra-se uma obra de extrema importância denominada Didáctica
multisensorial da las ciencias: un nuevo método para alumnos ciegos, deficientes visuales, y también
sin problemas de visión, de autoria de Soller. Nesta obra é discutido como a didática multissensorial
contribui para o ensino dos alunos, sejam deficientes visuais ou não. Assim, conforme Soller (1999,
p.45), a didática multissensorial é:
Un método pedagógico de interés general para la enseñanza y aprendizaje de
las ciencias experimentales y de la naturaleza, que utiliza todos los sentidos
humanos posibles para captar información del medio que nos rodea e
interrelaciona estos datos a fin de formar conocimientos multsensoriales
completos y significativos.
Esta didática possibilita uma aprendizagem mais completa, por não supervalorizar o canal
visual, por não atribuir ao tato a função de substituto da visão e, principalmente, por valorizar a
utilização dos sentidos com os processos cognitivos (VENTORINI, 2007).
É importante ressaltar que, não se trata de uma compensação de sentidos, ou seja, de que a
ausência de um sentido pode ser compensada pelo desenvolvimento dos outros sentidos. Esta
afirmação tem como base Caiado (2006) para quem esta compensação é social e não orgânico. Assim,
a didática multissensorial possibilita o ensino aprendizagem mais completo, não evidenciando um
sentido em detrimento de outro. Para Merleau Ponty (1994, p. 308)

2
Conceitos apresentados no texto Considerações básicas sobre a educação de alunos com
necessidades educacionais especiais de autoria de Tomázia Dirce Peres Lora, trabalhado em aula do
curso de Pedagogia em 2005, no período noturno
[...] os sentidos se comunicam entre si e abrem-se à estrutura da coisa.
Vemos a rigidez e a fragilidade do vidro visível. Vemos a elasticidade do
aço, a maleabilidade do aço incandescente, a dureza da lâmina em uma
plaina, a moleza das aparas. A forma dos objetos não é seu contorno
geométrico: ela tem uma certa relação com sua natureza própria e fala a
todos os nossos sentidos ao mesmo tempo em que fala com a visão.
Através da dissertação de mestrado de José Alfonso Ballestero-Alvarez denominada
“Multissensorialidade no Ensino de Desenho a Cegos”, pode-se constatar a importância da utilização
de todos os sentidos no desenvolvimento de desenhos por pessoas cegas, numa perspectiva
multissensorial. “Na ausência de um sentido, na maioria dos casos, obtemos a informação de
elementos por meio de outros sentidos de percepção sensorial, em separado ou em conjunto, naquilo
que se denomina multissensorialidade, são aquelas elaboradas entre: ouvido e tato, nariz e tato, boca e
tato, etc.” (BALLESTERO-ALVAREZ, 2003, p.13)
Para trabalhar com tal didática com alunos cegos deve-se considerar o desenvolvimento da
sensibilidade tátil de cada aluno para o discernimento de texturas, a distinção de forma e tamanhos e a
estética tátil. Além disso, conhecer (e/ou estimular) como o aluno usa o olfato, a audição e até mesmo
o paladar para (re) conhecer o mundo. O mesmo deve ser adotado para os alunos de baixa visão,
ressaltando que, neste caso faz-se necessário compreender (e/ou estimular) o uso do resíduo visual do
sujeito juntamente com os outros sentidos para (re) conhecer o mundo.

O quilombo dos Palmares em sala de aula


Observa-se que o tema “Quilombo dos Palmares” é pouco trabalhado, tendo em vista sua vasta
abrangência no que diz respeito ao papel desempenhado pela escravidão no antigo sistema colonial, a
fuga e a construção de quilombos e a sua contribuição cultural.
Tendo-se como base tal importância para o desenvolvimento das atividades sobre a influência
africana no Brasil na EE, optou-se pela abordagem deste quilombo, bem como a representação de sua
localização no mapa tátil dotado de recursos sonoros.
Inicialmente foram elaborados dois mapas em alumínio: Divisão Política do Brasil, destacando
os Estados de Pernambuco e Alagoas com textura e cor diferenciadas - na escala 1:17.000.0000 - e
outro ampliado representando, os Estados de Pernambuco e Alagoas, destacando a localização do
Quilombo dos Palmares (figuras 1 e 2).

Figura 1: Divisão Política do Brasil, com Figura 2: Mapa Quilombo dos Palmares
destaque para os estados Pernambuco e
Alagoas
O procedimento de construção do mapa está delineado nas seguintes etapas:
- decalque dos mapas dos Atlas originais para papel vegetal;
- transferência do avesso dos mapas do papel vegetal para as folhas de alumínio3;
- elaboração de molduras para os mapas de alumínio em placas de E.V.A., para proteger as
partes cortantes do alumínio, que são perigosas para o manuseio;
- elaboração de símbolos;
- elaboração de legendas em Braille e em escrita convencional;
- elaboração de trama de micro-chaves de alumínio para a gravação e inserção de efeitos
sonoros.
Como auxílio destes mapas, optou-se por construir um mapa do Brasil, na mesma escala do
anterior, destacando os estados de Pernambuco e Alagoas, no material denominado E.V.A. Este mapa
foi elaborado com o objetivo de facilitar o entendimento da localização e inserção dos dois estados no
Brasil, fato que exemplifica uma abstração que deve ser trabalhada com cuidado por parte do professor
devido à dificuldade de alguns dos alunos, em entenderem que uma localidade está inserida em um
estado e, este em um país e assim por diante. Nos estados destacados foram colados pedaços de velcro
no verso, de forma a fixá-los no mapa do Brasil, visando a interação do aluno com o mapa. (Figura 3 e
4). Ressalta-se ainda, que conforme estudos anteriores de Juliasz; Freitas; Ventorini (2007) estas
partes móveis favorecem a compreensão do contorno dos mapas por parte dos alunos cegos.
Para inserir recursos sonoros no mapa de alumínio, elaborou-se uma base de E.V.A. com uma
trama contendo duas micro-chaves de alumínio. Esta trama conectada ao computador munido do
programa denominado Mapavox 4 permite a inserção e disponibilização de recursos sonoros em
conjuntos didáticos. Neste sentido, os recursos sonoros ajudam a diminuir a quantidade de
informações na legenda, tornando sua leitura mais dinâmica e menos cansativa.

Figura 3: Mapas em E.V.A. Figura 4: Estados de Alagoas


da Divisão Política do Brasil e Pernambuco em destaque,
e dos mapas dos estados de de forma que o aluno pode
Pernambuco e Alagoas retirá-los e colocá-los no
mapa

Desta forma, com relação às informações sonoras optou-se por inserir ao título um trecho do
filme Quilombo (1984) escrito e dirigido por Cacá Diegues: “quilombo, terra dos homens livres pra
onde fogem os negros que não querem ser escravos”, visando iniciar a aula com base nesta frase
ampliando-a com reflexões sobre a busca pela liberdade, na época.
Na micro-chave referente ao quilombo dos Palmares, selecionou-se o ritmo afro-brasileiro
chamado Coco, originado neste local. Assim, empregou-se 23 segundos do programa Danças
Brasileiras televisionado pelo Canal Futura, e disponibilizado no site www.youtube.com, que
apresentou a origem deste ritmo: “Para alguns pesquisadores o coco surgiu em Alagoas no século
XVII no Quilombo dos Palmares”, e, ainda um trecho do próprio ritmo.

3
Este procedimento deve ser feito no avesso do mapa para que o desenho dos contornos no alumínio apareça em
alto relevo no formato correto.
4
Este sistema foi desenvolvido através do Projeto FAPESP n. 2005/03446-3, resultado de uma
parceria entre pesquisadores do Grupo de Cartografia Tátil – CEAPLA/IGCE – UNESP, Rio Claro e
do Núcleo de Computação Eletrônica (NCE) da UFRJ, Rio de Janeiro.
 
Assim, o mapa estava pronto para ser utilizado como suporte para aula sobre o Quilombo dos
Palmares, visando explorar a contribuição cultural e territorial dos escravos no Brasil. Ressalta-se,
ainda que, a aplicabilidade deste mapa tinha como suporte a didática multissensorial, buscando
apresentar algum elemento que fosse atraente para o início da atividade. Neste sentido, escolheu-se a
rapadura, doce característico da região nordeste, sendo sua matéria prima o açúcar, cuja produção
empregou mão-de-obra escrava.
A aula foi iniciada com a apresentação da rapadura, sem revelar aos alunos do que se tratava,
verificando que o doce não foi identificado. Desta forma, foi necessário revelar a eles o que era, e
afirmaram que conheciam a rapadura, mas não lembravam o seu cheiro e gosto. (Figura 5)

Figura 5: Didática
Multisensorial: aluna
utilizando o olfato para
reconhecer o doce

E, assim a aula prosseguiu de forma expositiva, apresentando que a produção de açúcar foi
uma das atividades econômicas que requereu mão-de-obra escrava negra, tendo como, um dos maiores
produtores de cana o estado de Pernambuco, local que “sediava” parte do Quilombo dos Palmares.
Desta forma, abordou-se a formação deste quilombo, explicando sua origem e sua localização.
Portanto, o mapa em alumínio que localizava os estados Alagoas e Pernambuco no Brasil foi
explorado individualmente, primeiramente pela aluna cega, que não reconheceu o mapa em questão
sendo necessário utilizar como recurso o mapa do Brasil em E.V.A., o que possibilitou o
reconhecimento do contorno do território brasileiro. Assim, foi possível manusear novamente o mapa
que anteriormente não foi identificado.
Ao longo da exploração deste documento cartográfico, esta aluna identificou uma textura
diferenciada e recorreu à legenda buscando saber o que estava representado naquele local e constatou
que se tratava da localização dos estados de Alagoas e Pernambuco (Figura 6 e 7).

Figura 6: Aluna explorando o mapa em Figura 7: Exploração tátil do mapa da


E.V.A. que auxiliou na exploração do localização de Pernambuco e Alagoas
mapa em alumínio

Após a leitura destes mapas, a aluna passou a manusear o mapa Quilombo dos Palmares, o
qual tinha como recurso representações móveis em E.V.A. de Alagoas e Pernambuco, com o intuito de
facilitar a compreensão do contorno destes estados, além das informações sonoras, descritas
anteriormente.
Assim, o aluno com baixa visão ao manusear o mapa em alumínio do Brasil, reconheceu-o, e
observou que os estados de Alagoas e Pernambuco estavam em destaque, afirmando que estes se
encontravam no nordeste brasileiro, observando-se um conhecimento prévio por parte deste aluno.
Ressalta-se quanto ao material que essa identificação deu-se pela eficiência da cor vermelha na
percepção de alunos com este tipo de deficiência.
Neste sentido, depois de identificado os estados, o aluno passou a explorar o mapa Quilombo
dos Palmares. O aluno, inicialmente, comparou o tamanho deste mapa com o mapa do Brasil,
apresentando certa noção de escala (Figura 8, 9 e 10). Quanto ao conteúdo, mostrou ter conhecimento
sobre Zumbi interrompendo a aula diversas vezes com informações sobre a temática, tornando a aula
expositiva em uma conversa sobre a construção do quilombo.

Figura 8: Aluno explorando Figura 9: Aluno comparando as Figura10: noção de escala:


visualmente o mapa miniaturas com o mapa aluno comparando as
dimensões dos mapas

Resultados
Observou-se que esta atividade contribuiu ao conhecimento de redução e ampliação de
representações gráficas, possibilitando o acesso à diferentes escalas de mapa. Estas questões
comparativas que foram levantadas pelo aluno com relação à escala, mostram que o material
possibilitou ir além da sua representação permitindo a discussão de aspectos cartográficos fato que não
estava previsto em aula, porém utilizadas como métodos de abordagem do mapa.
Constatou-se ainda, através de depoimentos dos próprios alunos durante a prática, que a
manipulação do mapa em E.V.A. que é uma representação em três dimensões (3D), ajudou a aluna
cega a formar a imagem mental do contorno dos referidos estados.
Quanto ao conteúdo, os alunos conheciam a formação do quilombo dos Palmares, porém não
tinham conhecimento de sua localização e sua herança cultural, no caso apresentado, o ritmo afro-
brasileiro chamado coco. Este, segundo os alunos mostrava ser interessante pela forma cantada da
música, com diversas vozes e som de percussão, características marcante nas músicas afro-brasileiras.
O conhecimento anterior à esta atividade sobre o quilombo dos Palmares se dá devido a presença desta
temática no conteúdo da disciplina de História e em livros didáticos. No entanto, está temática muitas
vezes não apresenta as contribuições sociais e econômicas para a sociedade brasileira.
A didática multissensorial mostra-se como um meio atraente que possibilita aos alunos utilizar
outros sentidos que não seja a visão. Esta atividade mostrou que a utilização do olfato, paladar, tato e
audição possibilitaram o início da atividade, partindo de um doce conhecido por todos, a rapadura e
assim, partir para questão da escravidão e a contribuição dos negros para a formação da cultura
brasileira. Observa-se que em escolas regulares, é comum o início de atividades através de uma
fotografia com relação ao tema, estimulando a curiosidade dos alunos. Neste caso, o uso da didática
multissensorial permite a inclusão dos alunos deficientes visuais, possibilitando uma aprendizagem
mais completa e não evidenciando um sentido em detrimento de outro.
Desta forma, a avaliação por parte dos alunos deficientes visuais mostra-se importante na
validade deste material cartográfico, haja vista sua liberdade em reconhecer falhas no material e nas
informações sonoras, que comprometiam e dificultavam sua leitura.
Os resultados desta experiência indicam a importância de se respeitar as especificidades dos
alunos cegos e de baixa visão sem comparar seus resultados na interação com o material didático tátil
com os resultados obtidos com alunos sem dificuldades visuais significativas. E, pode-se afirmar que a
união de mapas temáticos e dispositivos sonoros acionados por software permite a elaboração de
material didático tátil que possibilitam aprendizagem significativa sobre os conteúdos e fenômenos
relacionados à cultura e ocupação e formação do territorial brasileiro, de forma a contribuir para o
conhecimento tanto cartográfico e espacial quanto para o conhecimento cultural de seu país.
É importante ressaltar que há muito que se percorrer com relação à cartografia tátil e a
temática abordada no mapa. Desta forma, acredita-se que este trabalho requer aprofundamento com
relação a formação de professores, a abrangência escolar da lei 10639/03, que não contempla os cursos
de licenciatura universitários (fator prejudicial no emprego da temática) e a forma pela qual os alunos
deficientes visuais utilizam os materiais cartográficos.
E assim, tendo em vista o potencial da cartografia no processo de apreensão de conceitos
geográficos sobre esta temática, um dos desafios dos professores que lidam com alunos que possuem
necessidades especiais, principalmente deficientes visuais, é possibilitar que eles tenham acesso a
representações bidimensionais como figuras, gráficos e mapas.

Referências Bibliográficas:

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ALMEIDA, R. A. de. A cartografia tátil no ensino de geografia: teoria e prática. In: cartografia
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ALMEIDA, Luciana Cristina de ; LOCH, R. E. N. . Mapa Tátil, passaporte para a inclusão social.
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BALLESTERO-ALVAREZ, J. A. Multissensorialidade no ensino de desenho para cego. 2002. 121


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