Outra universidade
By Pedro Demo
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Outra universidade - Pedro Demo
Pedro Demo
OUTRA UNIVERSIDADE
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Coordenação Editorial: Kátia Ayache
Revisão: Elisa Santoro
Capa: Matheus de Alexandro
Diagramação: André Fonseca
1ª Edição: 2011
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Conselho Editorial
Profa. Dra. Andréa Domingues
Profa. Dra. Benedita Cássia Sant'Anna
Prof. Dr. Carlos Bauer
Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha
Prof. Dr. Fábio Régio Bento
Prof. Dr. José Ricardo Caetano da Costa
Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes
Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira
Prof. Dr. Romualdo Dias
Profa. Dra. Thelma Lessa
Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt
Paco Editorial
Rua 23 de Maio, 550
Vianelo - Jundiaí-SP - 13207-070
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Para Graciosa, do alto de seus noventa anos.
Sumário
Introdução
I. Definindo Universidade
II. Formar-se, Aprender
III. Traços da Condição Docente e Discente
IV. Acesso à Educaçao Superior
V. Ensaios Preliminares
1. Outro professor
2. Formato institucional
VI. Nova
Universidade
Arrematando
Referências
Lista de Tabelas
Tabela 1: Indicadores da educação superior, graduação presencial – Brasil – 2008
Tabela 2: Funções docentes (em exercício e afastados), por regime de trabalho - Brasil - 2008
Tabela 3: Docentes em exercício, titulação, dependência administrativa - Brasil - 2002 e 2008
Tabela 4: Docentes em exercício, por titulação - Brasil - 2002 a 2008
Tabela 5: Funções docentes em exercício, titulação, organização acadêmica - Brasil - 2008
Tabela 6: Vagas ociosas – Instituições Universitárias, Brasil – 2008 (%)
Tabela 7: Evolução de ingressos, matrículas e concluintes na educação à distância - Brasil - 2008.
Tabela 8: Proporção de concluintes em relação a ingressantes quatro anos antes - graduação presencial - Brasil - 2002 a 2008.
Tabela 9: Evolução das IES, cursos, vagas e inscritos na Educação à Distância - Brasil - 2002 a 2008.
Tabela 10: Média de proficiência em LP e M – SAEB/IDEB Brasil - 1995-2009
Tabela 11: Professores do ensino fundamental com ensino médio (Regiões e Estados) – 2009 (%)
Introdução
Como sugere Duderstadt (2003), a universidade poderia ser, possivelmente, a instituição mais relevante e estratégica deste século, tendo em vista que pessoas educadas e suas ideias são a real riqueza das nações, em especial da riqueza globalizada. Formação primorosa é o capital intelectual
mais decisivo de hoje, porque planta a perspectiva permanentemente aberta de desenvolvimento pessoal e social. É inegável o sabor neoliberal dessas expectativas, na medida em que se reduz facilmente formação aos ditames do mercado, sobressaindo empregabilidade
e competitividade
(Kirp, 2004). Manter-se empregável
significa submeter-se docilmente ao mercado que a nada se submete (desregulado, cada vez mais), como se fosse a única razão de ser da sociedade (Ehrenreich, 2005. Schiller, 2000. Boltanski Chiapello, 2005). O trabalhador precisa correr obsessivamente atrás do mercado globalizado e enlouquecido, sem nunca o alcançar, já que, inovando-se por inovar, não há aonde chegar (Rosso Fortes, 2007. Rosso, 2008). Manter-se competitivo
sinaliza a disposição de vencer a qualquer custo, mas mesmo assim, a visão de Duderstadt é uma, entre tantas outras, bem mais afinada com os tempos, sem falar que insiste adequadamente na formação para a vida e não somente para o mercado. Marca maior desta formação é a aprendizagem permanente, entendida como desafio de desconstrução e reconstrução infinda das potencialidades de desenvolvimento (Tuschling Engemann, 2006. European Union, 2005). Por isso, uma das características mais cruciais da universidade seria aprender a aprender, ao lado do domínio de conteúdos.
Parto da metáfora de que a universidade é como o sarcófago. Por fora, pode até brilhar, mas dentro contém um cadáver. Instituição quase milenar tem problemas similares de igrejas milenares: a fé arraigada perdeu completamente o senso de realidade. Os tempos passam, inelutavelmente. O espírito pode e deve persistir, também porque é algo flexível, como um sopro não linear, mas as burocracias, os poderes, os arranjos e astúcias, não! Universidade é instituição do século passado, para dizer o mínimo, e lá está ancorada, plácida e altaneira. Parece anunciar: os tempos que se lixem, ela está acima dos tempos! O pior é que, em geral vendendo-se como fonte paradigmática da mudança, em especial da mudança bem concebida e feita – diz-se isso sempre, monótona e vaziamente, da educação (Demo, 2004b) – é uma das instituições que menos muda (Darder et alii, 2009. Barber et alii, 2008. Laurillard, 2007) fala tanto de mudança, para encobrir o quanto a teme. Não é menos pior que, tendo sido um dos baluartes da queda do argumento de autoridade por conta de seu método científico (Demo, 2005), a universidade hoje vive não mais que de autoridade
, num mundo onde só tem autoridade o que funciona. Não posso negar o quanto isto tudo é ambíguo, mas a "autoridade do argumento" é referência extremamente mais sadia e promissora.
Tento neste texto alinhavar algumas ideias – que valem o quanto pesam – em torno do que seria a universidade do futuro, para o futuro. Entendo que é instituição central das oportunidades de vida e trabalho. No entanto, não cabe mais o apelo reformista, que se contenta em arrumar mazelas, mas de salto radical, também para ser condizente com uma de suas referências mais caras: conhecimento disruptivo e rebelde. A universidade estagnou na transmissão de conteúdos envelhecidos e canônicos (Christensen et alii, 2008). Usando terminologia modista atual: não consegue se propor como web 2.0, persistindo como web 1.0: estática, reprodutiva, autoritária (Miessler, 2007). Em minha visão, ao fundo está concepção específica de universidade, incompatível com a atual e, que representa uma visão entre outras tantas. Por coerência, busco usar a autoridade do argumento em favor de outra universidade
, que deveria viver deste tipo de autoridade
, ou, como diria Habermas, da força sem força do melhor argumento (1989). Não estou, com isso, simplesmente endossando o aporte teórico de Habermas, por mais que o admire, pois entendo ser teoria objeto
de uso, não de adoção. Estudamos teorias para nos tornarmos autores, não porta-vozes e minhas bases teóricas são remix
de outras, ainda que sempre reconstruídas pessoalmente (Weinberger, 2007. Latterell, 2006. Lessig, 2009). Filiação teórica não é inteligente (Demo, 2010). Reconstruir teoria própria, plural, aberta, em constante evolução e aprendizagem, é o que parece mais hábil e capaz de acompanhar os tempos, e, mesmo, de estar à frente deles. Dispensa-se dizer o quanto isso é polêmico e, que falar de outra universidade
só pode o ser. Vale, porém, apenas o que pesa, ou seja, pelo bom uso da autoridade do argumento (Demo, 2004a).
I. Definindo Universidade
Entendo que universidade gira, institucionalmente, em torno de dois desafios mais básicos. De um lado, produzir conhecimento próprio. De outro, formar alunos, produzindo, assim, conhecimento. Ambos os desafios são de igual importância, e requerem a universidade de pesquisa
, na qual a tarefa decisiva é obra de pesquisadores/educadores. Não dou importância à extensão, nem ao ensino. Extensão é, como já disse em outros momentos (1996), a má consciência
da universidade: não sendo cidadania compromisso curricular (extensão é tipicamente opcional, eventual, intermitente), arranja-se lugar colateral, no qual se fazem coisas pouco significativas para a formação estudantil, também porque não faz parte da formação docente. De fato, não faz parte do currículo a cidadania, pois está fundado em ensino
, sem mais. Ensino é referência de velhos tempos, quando o argumento de autoridade ainda valia (mui contraditoriamente) consubstanciado tipicamente na aula sem autoria. O modelo que chamo de ibérico
de universidade – verboso, retórico, beletrista, filosofante – centra-se no ensino, quase como função profética, ainda que não passe de porta-voz de fonte pretensamente indiscutível e alheia. A vida implica ensino, pois não é viável extirpar relação de autoridade entre as pessoas, mas não é formativo. Do ponto de vista da formação – forja do sujeito capaz de história própria, individual e coletiva, e de convivência igualitária – a categoria mais apropriada é aprendizagem
, a mesma no professor e no aluno, embora em estágios diferenciados (Soby, 2003).
Processos formativos profundos implicam, naturalmente, no desenvolvimento da cidadania, ou, como costumo sugerir, da qualidade política, o que dispensa extensão. Ao mesmo tempo, implicam aprendizagem reconstrutiva e autopoiética, o que nada tem a ver com ensino, mas com construção de habilidades autoras e autônomas (Fadel, 2009. Jenkins, 2009). Do ponto de vista da sociedade, não é função da universidade cuidar, por exemplo, da favela ao lado, ainda que possa, se nisto se produzir conhecimento e se formarem melhor os alunos. Mas não apenas como função social
ou coisa parecida, pois função social por excelência da universidade é produzir conhecimento sempre atualizado em favor da sociedade e, nisto, formar bem seus alunos para corresponderem com cidadania e competência esperada. A universidade não pode