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Evolução darwiniana e involução do jornalismo

Por Silvio Motta Costa em 10/2/2009

Evolução das espécies mais fortes. Em tom de reverência teológica, senão litúrgica,
Veja (edição 2099, de 11/2/2009) dedicou várias páginas ao seu deus: Charles Darwin.
O artigo pinta Darwin como um revolucionário; embora não fale explicitamente, sugere
que Darwin está muito acima de qualquer outro cientista, como Newton, Pasteur, Von
Braun, entre outros. O artigo afirma categoricamente que os argumentos por ele
exarados foram definitivamente comprovados e aquilo que não foi está a caminho, ou
seja, todas as pesquisas recentes da microbiologia, física quântica, bioquímica
etc."comprovam" que tudo que Darwin falou aconteceu.

Veja simplesmente ignora Michael Behe (que escreveu A Caixa Preta de Darwin),
Bayle, o brasileiro Marcos Eberlin e outros grandes nomes da ciência moderna que
questionam o modelo evolucionista. Em seu afã de defender seu deus (Darwin) e sua
pseudo-igreja (a Ciência) dos"hereges", Veja usa até mesmo argumentos de Francis
Collins, um dos principais mapeadores do DNA humano, um teísta declarado, que
disse:"Usar ferramentas da ciência para discutir religião é uma atitude imprópria e
equivocada. A Bíblia não é um livro científico. Não deve ser levado ao pé da letra".

Se você leu o livro de Collins e se leu suas declarações por inteiro, entende que a Bíblia
realmente não é um livro científico, mas a ciência apenas comprova um Criador, um
Deus verdadeiro. Essa fala de Collins em nenhum momento sugere, como Veja tenta
fazer crer, que a Bíblia é um livro fantasioso e sem credibilidade.

Quem questiona é retrógrado

A revista cita a angústia de Darwin com sua própria teoria, pois ele foi religioso por
muito tempo; diz que biólogos viram a evolução ocorrer em tempo real em Galápagos.
Mas a verdade é que mutações ocorrem em tempo real em Galápagos e em qualquer
lugar, mas em nenhum momento os"tentilhões galapaguianos" chegaram a tornar-se
papagaios ou outro bicho qualquer. No início do século 20, Thomas Hunt Morgan já
havia estudado 500 gerações seguidas da mosca drosophila, que apresentaram grandes
variações genéticas, mas não chegaram a se transformar em nova espécie, assim como
os tentilhões de Galápagos, que ainda não viraram papagaios ou"papagalápagos".

Veja ignora que muitos cientistas são criacionistas e que muitos outros não são
criacionistas, mas rejeitam o darwinismo por razões estritamente científicas (como o
supracitado Michael Behe). Outros ainda são darwinistas que afirmam que o
darwinismo não está respondendo às questões que se propôs responder.

A revista pinta de forma exagerada, insidiosa e irresponsável um conflito entre ciência e


religião, como se todas as pessoas religiosas fossem fanáticas e medievalistas; como se
todas elas tivessem ódio ao darwinismo por ser ateísta. O artigo dá a entender que um
sujeito religioso rejeita que ocorre seleção, quando, na verdade, isso é amplamente
aceito por cristãos esclarecidos. Diz também que os cristãos rejeitam qualquer aspecto
científico sobre o qual a Bíblia não fala. É outra falácia. Cristãos crêem que a Bíblia não
é um compêndio científico e buscam na ciência compreender o Criador e Sua obra em
matérias a respeito das quais a Bíblia nada menciona.

Um artigo à página 88 admite que fé e ciência já dialogaram, mas esse diálogo foi
superado, pois"atraso mesmo está na aceitação literal da Bíblia em questões científicas".
Admite que cientistas têm limites, mas, apesar desses limites, tudo que a evolução prega
é verdadeiro; logo, quem a questiona é retrógrado, especialmente se o fizer por razões
religiosas.

Igreja coloca-se"em seu lugar"

Involução (retrocesso) do jornalismo mais fraco. No dia 22 de janeiro deste ano, a sede
do jornal Correio Popular, em Campinas, sofreu um atentado à bomba. Por sorte,
conseguiram tirar o artefato antes que explodisse. Atentados a jornais e revistas
ocorreram muitas vezes nas ditaduras pelas quais o Brasil passou e estão acontecendo
com freqüência assustadora em jornais de pequeno e médio porte. Jornais estão sendo
ameaçados também juridicamente, pois muitos juízes corruptos sentem-se incomodados
com a imprensa.

O lamentável é quando um órgão de imprensa que deveria ser o defensor por excelência
da liberdade de opinião luta contra essa cláusula pétrea do Estado de Direito que cada
cidadão deve defender. Veja diz:

"Em sua profissão de fé, eles [os que têm fé religiosa] têm o direito de
acreditar que Deus criou o mundo e tudo o que existe nele. Coisa bem
diferente é querer impingir [apresentar outras opiniões aos outros é
impor] essa maneira de enxergar a natureza às crianças de idade escolar,
renegando fatos comprovados [será??] pela ciência. Essa atitude [fazer o
uso pleno da liberdade de expressão e opinião, discordando inclusive da
maioria] nega às crianças os fundamentos da razão, substituindo-os pelo
pensamento sobrenatural [a revista insiste em que o fato de alguém crer
no sobrenatural faz desse alguém um idiota]."

Veja elogia a Igreja Católica:"A Igreja Católica aceitou há bastante tempo que sua
atribuição é cuidar da alma de seu 1 bilhão de fiéis e que o mundo físico é mais bem
explicado pela ciência", e completa citando o congresso evolucionista promovido pelo
Vaticano em março do ano passado.

Aí temos um fato a questionar. A Igreja Católica perseguiu cientistas e agora tenta


acalmá-los colocando-se submissa a eles; a Igreja também atribuiu a si, no passado,
cuidar apenas de religião, enquanto a África era massacrada pela deportação e
escravização de sua população; silenciou sobre o massacre indígena no novo mundo e
ficou cuidando de religião; a Igreja também vem combatendo a pesquisa de células-
tronco em nome da fé; a Igreja (juntamente com outras igrejas cristãs) se manteve
quieta com Hitler cuidando de religião; nas várias ditaduras impostas aos povos latino-
americanos, a Igreja ficou eu seu lugar e os caudilhos gostaram muito disso. O fato de
uma igreja colocar-se"em seu lugar", permitindo a opressão, é algo a se lamentar. No
caso, quando uma igreja se submete ao status quo do momento, e esse status quo
pressupõe a supressão de um direito básico – o de livre expressão de conceitos e idéias
– um órgão de imprensa responsável deve lamentar e não elogiar.
"Arriscar" todas as possibilidades

Veja abriu espaço para os dissidentes, não para mostrar o outro lado da moeda, mas para
lamentar o fato de eles existirem, pois o importante é o pensamento único.

À página 84, um artigo lamenta que em escolas confessionais"Darwin é só mais uma


teoria", ignorando que para muitos cientistas (não-cristãos, inclusive) o darwinismo é
uma teoria ultrapassada, e negando o fato de que muitos cientistas de renome
questionam essa teoria; coisa que não ocorre com a teoria da relatividade de Einsten,
por exemplo.

Veja insiste em repetir em várias de suas páginas que os cristãos estão insuflando uma
luta irracional contra o darwinismo, quando o que ocorre é bem o contrário. Cita a lei da
Louisiana que obriga incluírem-se teorias paralelas ao darwinismo para"ajudar o
professor a criar nas escolas um ambiente que promova o pensamento crítico, a análise
objetiva das teorias científicas... deve-se incentivar os alunos a analisar com
objetividade as teorias estudadas". Ora a lei foi feita porque as crianças estão sendo
forçadas a se submeter-se ao pensamento único, e os pais querem que os filhos
conheçam outras idéias. A revista se esquece que lá sempre houve pessoas que lutaram
ousadamente por esse direito.

Veja se alegra com o fato de o filme criacionista Expelled ter sido massacrado pela
crítica. Mas vale lembrar que a crítica também massacrou o filme JFK. Mesmo assim,
90% dos norte-americanos acham que houve conspiração para assassinar o presidente
Kennedy, como o produtor Oliver Stone sugere no filme. A semanal lamenta também
que os Estados Unidos, um país que bate todos os recordes científicos, estejam
sendo"enredados" ao permitir outras idéias sobre as origens sejam expostas. O fato é
que a grandeza dos Estados Unidos consiste justamente em permitir que se"arrisquem"
todas as possibilidades, mesmo as não aceitas pela maioria.

Um dia sinistro

A revista insiste que as escolas religiosas podem ensinar criacionismo em aulas de


religião, mas nunca em aulas de ciências; lembre-se de que para tudo dar certo
a"religião tem que ficar em seu lugar". Nas ditaduras foi assim e tudo deu certo. Para
que essa confusão de liberdade de expressão?

O Mackenzie refuta as críticas categoricamente, dizendo que é criacionista há 138 anos,


e as escolas adventistas também têm esse enfoque há mais de um século. O Ministério
da Educação nada pode fazer quanto a isso, mas quer que criacionismo apareça em
aulas de religião e evolucionismo, em ciências, almejando, juntamente com a revista, o
pensamento único."A triste novidade", diz Veja,"é que, na maioria das escolas mantidas
por confissões evangélicas, o criacionismo passou a ser ensinado também nas aulas de
ciências e de biologia, dividindo território com o evolucionismo de Charles Darwin."

Nessa separação ciência-religião, Veja insiste: os retrógrados religiosos podem existir


desde que aceitem que suas idéias fiquem com eles e não sejam debatidas com os
outros. Isso é uma educação opressora; também nega a multidisciplinaridade que faz
parte da pedagogia moderna. Ou seja, devem-se contrapor várias formas de saberes de
conteúdos diferentes, não dividi-los em matérias"estanques".
Felizmente, existem muitas outras revistas e jornais para se ler porque ainda temos a
liberdade de expressão e lutamos por ela. Embora os brasileiros tenham crenças
diferentes, une-os a fé na liberdade plena. Se um dia tivermos o pensamento único que
Veja quer, escolas serão fechadas por ditadores, grevistas serão massacrados pela
polícia, jornais e revistas acabarão proibidos de circular por razões ideológicas ou
políticas, juízes farão julgamentos subservientes aos caudilhos; áreas de reserva
ambiental serão desmatadas porque os cientistas do poder não vêem nenhum dano ao
bem comum (mesmo sem estudar o impacto ambiental); inocentes serão presos por
subversão.

E as igrejas? As igrejas ficarão nos seus devidos lugares sem incomodar a ordem
pública, apenas acalmando aqueles que sofrem as mazelas de uma ditadura que parecia
o triunfo do bem.

Nesse dia sinistro, a revista Veja será também riscada do mapa e não poderá reclamar
disso, pois o pensamento único que ela defendeu tão veementemente fechou a boca,
bloqueou o computador, proibiu o jornalismo livre e independente que ela desprezou em
seus dias gloriosos de liberdade, quando todos podiam expressar o que acreditavam
incondicionalmente.

Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?msg=ok&cod=524FDS016&

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