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Segundo O´Donnel, a transição de regimes autoritários para governos eleitos democraticamente não encerra
a tarefa de construção democrática: é necessária uma segunda transição, até o estabelecimento de um regime
democrático. A escassez de instituições democráticas e o estilo de governo dos presidentes eleitos em vários
países que saíram recentemente de regimes autoritários – particularmente da América Latina – caracterizam
uma situação em que, mesmo não havendo ameaças iminentes de regresso ao autoritarismo, é difícil avançar
para a consolidação institucional da democracia. O estudo desses casos sugere a existência de um tipo peculiar
de democracia em que a DELEGAÇÃO prevalece sobre a REPRESENTAÇÃO, denominada pelo autor de
DEMOCRACIA DELEGATIVA, fortemente individualista, com um corte mais hobbesiano do que lockiano.
Consultar O´Donell, Guillermo. Democracia delegativa? In: Novos Rumos CEPRAP, n. 31, out/91, p. 25 e segs.
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Nessa linha, vem bem a propósito o dizer de Boaventura de Souza
Santos, para quem esse Estado, também chamado de Estado Providência ou
Social, foi a instituição política inventada nas sociedades capitalistas para
compatibilizar as promessas da modernidade com o desenvolvimento capitalista.
Este tipo de Estado, segundo os defensores do neoliberalismo, foi algo que
passou, desapareceu, e o Estado simplesmente tem, agora, de se enxugar cada
vez mais. Para os neoliberais, complementa Souza Santos, ele (o Estado) é,
agora, uma instituição anacrônica, porque é uma entidade nacional, e tudo o
mais está globalizado.
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Cfe. Folha de São Paulo, 28 março 1998, pp. 1-3.
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Cfe. Arruda Jr., Edmundo Lima. Neoliberalismo e Direito. Paradigmas na crise global e o Neoliberalismo. In:
Direito e século XXI: ordem e conflito na onda neoliberal pós-moderna. Rio de Janeiro: Luam. Caps. II e III.
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regulação neofeudal, porque as principais especificidades que separaram o
Estado Moderno do medievo estão sendo diluídas no plano da globalização.
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dilemas: quanto mais necessitamos de políticas públicas, em face do profundo
processo de exclusão social, mais o Estado se encolhe...
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Consultar Hobsbawn, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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Ver, nesse sentido, Neves, Marcelo. Teoria do Direito na Modernidade Tardia. In: Arguello Kátie (Org.). Direito
e democracia. Florianóplis: Letras Contemporâneas, 1996. p.110.
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Nesse sentido, ver Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica E(m) Crise. 4a. Ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003.
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Sloterdijk, Peter. Kritik der zynischen Vernunft. Frankfurt, 1983. Também, Zizek, Slavoj. Como Marx inventou
o sintoma? In: Uma mapa da Ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, pp. 312 e 313.
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2. O (novo) papel do Direito no Estado Democrático de Direito – a
Constituição como “constituir” e a resistência constitucional como
compromisso ético do jurista
A toda evidência, não se está, com isso, abrindo mão das lutas políticas,8
através do Executivo, do Legislativo e dos movimentos sociais. É importante
observar, nesse contexto, que, em nosso país, há até mesmo uma crise de
legalidade, uma vez que nem sequer esta é cumprida, bastando, para tanto, ver
a inefetividade dos dispositivos da Constituição. Com efeito, passados doze
anos desde a promulgação da Constituição, parcela expressiva das regras e
princípios nela previstos continuam ineficazes. Essa inefetividade põe em
xeque, já de início, o próprio art. 1º da Constituição, que prevê a dignidade da
pessoa humana como um dos fundamentos da República brasileira, que,
segundo o mesmo dispositivo, constitui-se em um Estado Democrático de
Direito. Daí a necessária pergunta: qual é o papel (e a responsabilidade) do
jurista nesse complexo jogo de forças, no interior do qual Konder Comparato9
denuncia a "morte espiritual da Constituição"? Quais as condições de acesso à
justiça do cidadão, visando o cumprimento (judicial) dos direitos previstos na
Constituição?
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Nessa linha, é relevante trazer à colação o dizer de Tarso Genro, que, fazendo uma crítica ao parlamento,
que “parece ter sido terceirizado” e aos tribunais superiores que “aceitam o estupro de um governo que só
governa pela exceção”, propõe um novo contrato social: “Não (precisamos) de um novo ‘pacto social’, que
sempre foi um embuste das elites em horas de aperto político, mas de ‘contrato’ que dê base à formação de
uma nova maioria, na sociedade e no parlamento, para colocar o Estado a serviço da construção da nação. Um
contrato social que viabilize a inserção soberana, interdependente e cooperativa do país na ordem globalizada e
que oriente uma sociedade integrada nacionalmente por um mercado interno de massas. Esse novo contrato
social deverá ter como participantes os que querem estabilizar econômica e politicamente o país e subordinar o
Estado à sociedade, retirando-o do domínio do capital financeiro e dos seus burocratas, a serviço apenas dos
próprios interesses. In: Por um novo contrato social. Folha de São Paulo, Tendência e Debates, opinião 1,
02/08/98.
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O jurista Fábio Konder Comparato publicou veemente artigo no jornal Folha de São Paulo (10/05/98, p. 1-3),
fazendo críticas às reformas constitucionais. Na abertura do testo, Comparato diz; "Não sejamos ridículos. A
Constituição de 1988 não está mais em vigor. (...) A Constituição é hoje o que a Presidência (da República)
quer que ela seja, sabendo-se que todas as vontades do Planalto são confirmadas pelo Judiciário".
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É por mais evidente que a Constituição de 1988 é uma Constituição
classificável como social, incluindo-se no moderno Constitucionalismo, lado a
lado com as Constituições européias do pós-guerra. Mais do que isso, é uma
Constituição dirigente, contendo no seu ideário a expectativa de
realização dos direitos humanos e sociais até hoje (só)negados à
Sociedade brasileira. Mas não basta a vigência do texto; o que é preciso é
efetivá-lo. Um olhar retrospectivo já se torna suficiente para diagnosticar a
necessidade urgente de uma mudança na postura dos juristas/operadores do
Direito. Dito de outro modo, há que se redimensionar o papel do jurista e do
Poder Judiciário nesse complexo jogo de forças (sociais e políticas), na exata
medida em que se coloca o seguinte paradoxo: uma Constituição rica em
direitos (individuais, coletivos e sociais) e uma prática jurídico-judiciária
que, reiteradamente, (só)nega a aplicação de tais direitos.
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As críticas deste texto são dirigidas, à evidência, à dogmática jurídica não-garantista, que não questiona as
vicissitudes do sistema jurídico, reproduzindo esta injusta e desigual ordem social. Ou seja, as críticas aqui
feitas ressalvam e reconhecem os importantes contributos críticos - e não são poucos - construídos/elaborados
ao longo de décadas em nosso país.
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Uma necessária observação: os “personagens” Caio, Tício Mévio são aqui utilizados como uma crítica aos
manuais do direito, os quais, embora sejam dirigidos – ou deveriam ser – a um sistema jurídico (brasileiro) no
interior do qual proliferam João, Pedros, Antonio, José, Marias, Terezas, teimam (os manuais) em continuar
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Tício (ou Mévio) o réu/vítima. Assim, se Caio invadir (ocupar) a propriedade de
Tício, ou Caio furtar um botijão de gás ou uma galinha, é muito fácil para o
operador do Direito resolver o problema. No primeiro caso, a resposta é singela:
é esbulho, passível de imediata reintegração de posse, mecanismo jurídico de
pronta e eficaz atuação, absolutamente eficiente para a proteção dos direitos
reais. No segundo caso, a resposta igualmente é singela: é furto.
utilizando personagens idealistas/idealizados, desconectados da sociedade. Até mesmo nos provões do MEC os
personagens Caio e Ticio (re)apareceram...
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função social da propriedade, passando pelos juros bancários, o valor do salário
mínimo, etc). O problema eficacial das normas passa, fundamentalmente, por
um redimensionamento do papel dos operadores do Direito, do Poder Judiciário e
do Ministério Público. Para tanto, deve ficar claro que a função do Direito –
no modelo instituído pelo Estado Democrático de Direito – não é mais
aquela do Estado Liberal-Absentista. O Estado Democrático de Direito
representa um plus normativo em relação ao Estado Social. Dito de outro
modo, o Estado Democrático de Direito põe à disposição dos juristas os
mecanismos para a implantação das políticas do welfare state, compatíveis com
o atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana.
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Desnecessário, neste ponto, dizer (e alertar) que a Constituição não é aqui entendida como topos
conformador de uma atividade subsuntiva, onde o seu texto seria a última ratio do sistema, atuando como um-
repertório-de-conceitos-abstratos – espécies de significantes primordiais-fundantes – à espera de uma
“acoplagem” proveniente da infra-constitucionalidade... Ora, pensar assim seria resvalar em direção à
metafísica, ocultando a diferença ontológica. Dizendo de um modo mais simples: é preciso ter claro que o
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seu texto. Nesse sentido, as lições de Paulo Bonavides, para quem princípios
valem, regras vigem, e Celso Antonio Bandeira Melo, que sustenta ser mais
grave violar um princípio do que uma norma. Reforça, ainda, a lição de Souto
Maior Borges, para quem a violação de um princípio constitucional importa
em ruptura da própria Constituição, representando por isso mesmo uma
inconstitucionalidade de conseqüências muito mais graves do que a violação de
uma simples norma, mesmo constitucional.
sentido do ser de um ente não pode ser constitutivo do ser de outros entes. Para uma análise mais
aprofundada, ver Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica, op.cit, em especial o posfácio.
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O Juiz de Direito Dyrceu Cintra fere bem a questão, dizendo: "Há o fator cultural. A tradição discursiva dos
bacharéis, sua linguagem arrevesada e a falta de objetividade dificultam o trabalho de todos. Gasta-se muito
tempo com questões periféricas formais. Juízes e operadores do Direito não têm formação voltada para
aplicar o saber jurídico de modo a atender à demanda da sociedade contemporânea. A magistratura
guarda ranços do positivismo normativista, que mantém distante a preocupação com a Justiça real e
cultiva demasiada reverência às cúpulas dos tribunais, dando pouco espaço á criatividade. O processo
tradicional despolitiza o conflito, que muitas vezes é afastado sem ser resolvido". In: Por uma
reforma radical e abrangente. Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 25/05/99, p. 1-3. (grifei)
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constitucionais são aplicados e nem as normas infraconstitucionais passa(ra)m
pelo necessário processo de filtragem constitucional. Ou seja, é necessário
pregar o óbvio. Afinal, como dizia Darci Ribeiro, em seu Tratado de Obviedades,
Deus é muito treteiro. Faz as coisas de forma tão recôndita e disfarçada que
precisamos ir tirando os véus, a fim de revelar a obviedade do óbvio!
Essa tarefa, entretanto, não se faz sem ranhuras. Não se deve olvidar
que o direito constitucional tem sido relegado a um plano secundário em nosso
país. Isto ocorre porque a nossa cultura jurídica positivista, permeada e
calcada no paradigma liberal-individualista-normativista, concebe a
Constituição apenas como um marco, entendendo que a dimensão dos
direitos fundamentais se resume a um leque de direitos subjetivos de
liberdades voltados para a defesa contra a (indevida) ingerência do
Estado (G. Cittadino). Enfim, trabalha-se ainda com a concepção de que o
Direito é ordenador, o que, à evidência, caminha na direção oposta de um direito
promovedor-transformador do Estado Social e Democrático de Direito.
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Cfe. Comparato, Fabio Konder. Réquiem para uma Constituição. In: O desmonte da nação. Petrópolis:
Vozes, 1999. p. 16.
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significa assumir uma posição de defesa e suporte da Constituição como
fundamento do ordenamento jurídico e expressão de uma ordem de
convivência assentada em conteúdos materiais de vida e em um projeto
de superação da realidade alcançável com a integração das novas
necessidades e a resolução dos conflitos alinhados com os princípios e
critérios de compensação constitucionais15.
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Consultar Garcia Herrera, Miguel Angel. Poder Judicial y Estado Social: Legalidad y Resistencia
Constitucional. In: Corrupcion y Estado de Derecho – El papel de la jurisdiccion. Perfecto Andrés Ibáñes
(Editor). Madrid: Trotta, 1996. p. 83.
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