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O Conceito de Igreja – Una Sancta e Congregação Local

Introdução

O que é Igreja? Esta é uma das questões que mais surgiu durante os últimos séculos. Essa

pergunta envolveu muitas conferências e discussões doutrinárias até os nossos dias. Embora Lutero,

tenha dito que “graças a Deus, uma criança de sete anos sabe o que é igreja, a saber, os santos crentes e

os ‘cordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor’” 1, mesmo assim, a questão não ficou clara para muita

gente. Esse artigo tem como propósito mostrar o conceito de Igreja, sob duas perspectivas: Una Sancta

(Igreja Universal) e a Congregação Local.

O termo em sua origem

O termo usado para Igreja é Ekklesia, este não significa desde sua origem algo ligado a questões

religiosas, mas é uma designação se referindo a uma reunião da assembléia, onde se tratavam de vários

assuntos públicos de um estado livre. Por isso, não se pode a partir da etimologia fazer uma base para o

estudo doutrinário. Mas o que se pode destacar é que, conforme nos relata o evangelista Mateus, Cristo

mesmo deu o impulso ao uso de Ekklesia (não sei se já em sua forma grega), mas a idéia já aparece em

duas passagens: Mt 16.182 e Mt 18.173. E a partir desses dois textos já dá para se falar no assunto

proposto: Igreja Universal (Mt 16.18) e congregação local (Mt 18.17).

Una Sancta

Conforme Mueller “a igreja cristã consiste apenas daqueles que realmente crêem em Cristo”4. Ou

seja, a igreja é santa porque tem Cristo como objeto da fé, ela é santa pela Palavra de Deus. Isso quer

dizer que a igreja repousa na obra de Cristo. Não é por causa das pessoas, mas se olharmos para Cristo,

1
LIVRO DE CONCÓRDIA. Artigos de Esmalcalde, Terceira Parte, XII, 2. Pág.338. Arnaldo Schüler, trad. Porto Alegre/São
Leopoldo, Concórdia/Sinodal, 1997.
2
“Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela”.
3
“E, se não os atender, dize-o à igreja; e se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano”.
4
MUELLER, John T. “Dogmática Cristã. Um Manual Sistemático dos Ensinos Bíblicos”. Porto Alegre, Concórdia, 2004.
Pág. 506.
aí sim ela é santa, pois foi Ele que tirou os pecados de todo o mundo. Toda essa santidade da Igreja não

tem caráter externo, hierárquico e institucional. Mas o seu fundamento é a Palavra que é Santa.

Jamais podemos entender a Igreja universal como a igreja católica a compreende ou como Lutero

jovem a compreendia. Rehfeldt fala como Lutero jovem a entendia: “Primeiro fundamento: a igreja

universal é em sua essência a reunião (convocatio) de todos os cristãos para o culto a Deus. A mesma

igreja, contudo, conforme sua eficácia a Igreja Romana, a cabeça de todas as igrejas, e o papa...Segundo

fundamento: como a igreja universal não pode errar, quando determina sobre a fé e costumes, assim

também um concílio verdadeiro não pode errar...Terceiro fundamento: Quem não permanece com a

doutrina da igreja romana e do papa...é um herege...”5.

Dessa forma, a Igreja Católica Romana se autodenomina como a Igreja Universal. Se assim

quisermos entender a Una Sancta, então estamos negando a igreja como obra de Deus e aceitando a

alegação de santidade que se fundamenta nas qualidades pessoais do papa e nas de seres humanos. Isso

não é Escriturístico.

Muito ainda poderia ser dito a respeito da Igreja Universal, mas o que deve ficar claro é que ela é

o grupo que foi congregado pelo Evangelho, tudo está fundamentado no artigo da justificação pela fé em

Cristo. E assim, não podemos dizer quem faz ou não parte dessa igreja, pois ninguém de nós vê quem

tem fé. Por isso ela é chamada de igreja invisível.

Congregação Local

Se por um lado, vimos que a igreja é universal, temos que acentuar que no NT, a igreja também

se manifesta de maneira local, isso nós podemos ver no texto de Mt 18.15-20, que é a Ekklesia no lugar

específico em que se cometeu o pecado do irmão. Por isso, não se pode nesse texto entender a igreja em

sua universalidade, pois nesta (Una Sancta) seria impossível executar na prática as regras de disciplina.

Nesse texto, Jesus diz as pessoas, que Ele está “no meio deles” quando se reúnem em seu nome.

5
REHFELDT, Mário L. “O Desenvolvimento do Conceito de Igreja de Lutero até 1521”. Concórdia, Porto Alegre, 1966.
Pág. 40.
Não podemos fazer separação entre Igreja Universal e congregação local, pois “não são duas

igrejas diversas ou duas diferentes espécies de igreja”6.

A verdade é que a igreja (em ambos os sentidos) é somente ação de Deus, ou seja, a igreja é

espiritual, mas também é reconhecível (congregação local), pois é ali que a pregação da Palavra de Deus

e administração dos sacramentos acontece.

Uma critica em relação a isso deve ser feita a doutrina reformada. Enquanto que nós luteranos

afirmamos que os meios da graça são as marcas pelas quais um cristão pode determinar a presença da

igreja verdadeira, a doutrina reformada reconhece ainda a disciplina eclesiástica como indispensável

para se reconhecer a igreja verdadeira7.

Se nós adotarmos a disciplina eclesiástica (ou organização da igreja) como sendo um ponto

necessário para se reconhecer a verdadeira igreja, novamente estaremos minimizando a obra de Deus.

Na verdade, a organização da igreja deve servir à igreja local para que os meios da graça sejam pregados

e administrados com mais facilidades.

Conclusão

Sempre que você ouvir falar em igreja universal ou congregação local, pense na igreja como obra

de Deus unicamente, pois tudo está ligado a fé e esta é ação de Deus, Ele é quem a cria e mantém. É

pela fé em Cristo que se faz parte da Igreja Universal e é pela mesma fé que se pode reconhecer a sua

existência (congregação local). A Igreja é o santo povo de Deus em ambos os sentidos (Una Sancta e

Congregação Local). A Igreja se faz unicamente pela Palavra e é criação do Senhor. A Igreja está onde

Cristo governa por graça.

6
MUELLER. Pág. 516.
7
SASSE, Herman. “Aqui nos Firmamos. Natureza e Caráter da Fé Luterana”. Tradução: Leandro Hübner. Canoas/São
Leopoldo: Ed.Ulbra/Concórdia, 2008. Pág. 126.
Bibliografia

- ALTHAUS, Paul. “A Teologia de Martinho Lutero”. Tradução: Horst Kuchenbecker. Canoas:


Ed.Ulbra, 2008.

- BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de Estudo Almeida (RA). Barueri – SP: Sociedade Bíblica do Brasil,
1999.

- LIVRO DE CONCÓRDIA. Arnaldo Schüler, trad. Porto Alegre/São Leopoldo, Concórdia/Sinodal


1997.

- MUELLER, John T. “Dogmática Cristã. Um Manual Sistemático dos Ensinos Bíblicos”. Porto
Alegre, Concórdia, 2004.

- REHFELDT, Mário L. “O Desenvolvimento do Conceito de Igreja de Lutero até 1521”. Concór-


dia, Porto Alegre, 1966.

- SASSE, Herman. “Aqui nos Firmamos. Natureza e Caráter da Fé Luterana”. Tradução: Leandro
Hübner. Canoas/São Leopoldo: Ed.Ulbra/Concórdia, 2008.

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