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Introdução
Para discorrer a respeito da importância do trabalho de Kurt Gödel, é necessário relacioná-lo ao seu
contexto histórico. Durante o período turbulento compreendido entre a década de 70 do século XIX
e a década de 30 do século XX, estabeleceram-se uma série de questionamentos relacionados à
matemática. Esta etapa da história foi denominada pelos historiadores da Ciência como a “crise nos
fundamentos da Matemática”, em uma alusão ao abalo sofrido pela Matemática depois da
descoberta de teoremas que introduziram inconsistências insolúveis na em sua teoria. Entre esses
paradoxos, tornaram-se famosos os descobertos por Greg Cantor e Bertrand Russel.
Motivado pelo então chamada crise e buscando contorná-la, na década de 1920 o matemático
alemão David Hillbert propôs um programa de investigação que visava a reformulação das bases da
matemática. Esta reformulação, na visão de Hillbert, deveria ser pautada pela axiomatizações das
teorias fundamentais da Matemática como objetos matemáticos. Para isto, a estrutura lingüística que
dá base às diversas disciplinas Matemáticas - leia-se as definições, os axiomas e os princípios
lógicos utilizados por elas - deveriam ser explicitados unicamente em função destes objetos
lingüísticos, sem recorrer a qualquer fundamentação que não estivesse previamente completamente
formalmente definida. Ou seja, Hillbert pretendia definir um conjunto fundamental de axiomas que
fundamentaria rigorosamente toda a Matemática. Realizada esta utopia Hillbertiana, qualquer
proposição da matemática poderia ser provada dentro desse sistema (e o sistema seria dito
completo).
• Seria a Matemática completa? No sentido técnico de Hillbert, a completude implica que toda
a afirmação (ex: “todo o inteiro é a soma de quatro números quadrados”) definida dentro de
um sistema formal pode ser demonstrada ou rebatida dentro deste sistema.
Nenhuma destas questões tinha resposta, embora Hillbert opinasse que a resposta seria positiva para
todas as questões. Isto sugere uma crença por parte de Hillbert, em uma Matemática completa,
consistente e decidível.
Neste contexto, o trabalho de Kurt Gödel se insere como uma espécie de desfecho, anunciando
resultados que constituíram em duros golpes nos objetivos propostos por Hillbert, mas que, por
outro lado, revolucionaram a maneira através da qual a Matemática era encarada até então,
sugerindo limites ao que pode ser provado dentro dos sistemas formais, e à própria noção de
formalização da racionalidade. Na próxima sessão serão discutidos os 3 principais teoremas de
Gödel.
Os teoremas de Gödel
O primeiro dos 3 famosos teoremas de Gödel, conhecido como o teorema da completude de Gödel
foi publicado em um trabalho de Gödel, intitulado “Completude dos axiomas do cálculo funcional
de primeira ordem”. Este teorema estabelece que, se uma proposição for verdadeira a partir de um
dado conjunto de axiomas, existe um conjunto de argumentos lógicos que permite demonstrá-la
verdadeira. Ou seja, este teorema demonstra que todos os teoremas que derivam dos axiomas
podem ser provados. Assim, o teorema estabelece uma correspondência entre a noção semântica de
verdade e provabilidade sintática da lógica de primeira ordem.
Para provar os teoremas da incompletude, Gödel introduziu um novo esquema de prova, que por si
só já é uma grande contribuição para a Matemática. Este esquema envolvia a realização de 3 passos:
1) Estabelecer as regras pelas quais axiomas (e teoremas) podem gerar novos teoremas. Estas
regras compreendem as regras de dedução natural.
3) Estabelecer uma forma de numeração para os teoremas assim gerados. Ou seja, este passo
envolve a codificação de fórmulas em números (os chamados números de Gödel, entidades
numéricas que falham em comportar-se como números em certos pontos de vista). Assim,
Gödel mostrou que as fórmulas do seu sistema podiam ser codificadas como inteiros,
representando asserções acerca de inteiros. É interessante notar que, através deste processo,
Gödel codificaria toda uma teoria da aritmética dentro da própria aritmética.
Além dos 12 símbolos constantes, e seus números associados, Gödel definiu uma tabela semelhante
para os três tipos de variáveis que ele utiliza:
• Variáveis numéricas (Figura 2): Representam numerais, tais como s0 (sucessor de zero), ou
expressões numéricas, tais como x+y.
Os números de Gödel são construídos da seguinte forma. Tomam-se os número primos a partir do 2.
São eles: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 23, 29... Cada axioma terá seu número de Gödel calculado através de
uma multiplicação de termos (que representam os símbolos do axioma), sendo cada qual formado
por uma base e um expoente, onde a base é um número primo e o expoente é o número que
representa o símbolo. Na Figura 5 pode-se observar uma fórmula e os número associados a cada um
dos seus símbolos constituintes.
Figura 5: Exemplo de fórmula e os números que representam cada um dos
símbolos constituintes. Imagem retirada do livro Gödel's proof.
Na Figura 6 pode-se observar a multiplicação que resulta no número de Gödel que representa a
fórmula da Figura 5.
Este artifício permite que, dado um número, se ele for um número de Gödel, seja possível recuperar
qual o axioma ou teorema que lhe deu origem. Para isto, basta fatorá-lo em seus fatores primos, e
verificar qual o expoente de cada um deles. Ou seja, a relação axioma - número de Gödel é bi-
unívoca. Na Figura 7 é possível observar o processo de obtenção de uma fórmula a partir de um
número de Gödel.
Figura 7: O número 243 milhões, fatorado, revela a fórmula "0=0".
Imagem retirada do livro Gödel's proof
A prova de Gödel é obtida, definindo-se uma fórmula que faz uma asserção sobre si mesma (quando
observada no meta-nível). Esta fórmula é denotada por G e afirma que “A fórmula G não é
demonstrável”. Assim, substituindo G da fórmula G, pelo número de Gödel que codifica G, a
asserção G passa a afirmar sua própria indemonstrabilidade (quando interpretada via sua respectiva
decodificação na meta-linguagem). Desta forma, Gödel obtém uma fórmula que não pode ser
provada e nem refutada dentro do sistema formal em que foi definida. No entando, cabe chamar a
atenção para o fato de que, observando a asserção G de fora do sistema formal em que foi definida,
ela adquire validade.