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8 DE SETEMBRO

22. NATIVIDADE DE NOSSA SENHORA


Festa

– A alegria no nascimento de Nossa Senhora.

– A festa de hoje leva-nos também a olhar com profundo respeito a concepção e nascimento de
todo o ser humano.

– O valor de cada dia.

Temos notícia desta festa de Nossa Senhora há muitos séculos. Foi


comemorada primeiro no Oriente e depois em toda a Igreja. É uma festa
cheia de alegria, pois celebramos o nascimento d’Aquela que seria a Mãe de
Deus e também Mãe nossa. A sua chegada ao mundo é o anúncio da
proximidade da Redenção. Muitas nações e cidades, sob diversas
invocações, celebram hoje a sua Padroeira.

I. CELEBREMOS COM ALEGRIA o nascimento da Virgem Maria:


por Ela nos veio o Sol da justiça, Cristo, nosso Deus1.

O convite dos textos litúrgicos à alegria é constante desde os


antiquíssimos começos desta festa2. É lógico que seja assim: se
a família, os amigos e vizinhos se alegram quando nasce uma
criança, e se os aniversários são celebrados com júbilo, como
não havemos de encher-nos de alegria ao comemorarmos o
nascimento da nossa Mãe?

Este acontecimento feliz indica que o Messias já está


próximo: Maria é a Estrela da manhã que, na aurora que precede
a saída do sol, anuncia a chegada do Salvador, o Sol da justiça
na história do género humano3. “Convinha – escreve um antigo
escritor sagrado – que a fulgurante e surpreendente vinda de
Deus aos homens fosse precedida por algum acontecimento que
nos preparasse para receber com alegria o grande dom da
salvação. E este é o significado da festa de hoje, já que a
natividade da Mãe de Deus é o exórdio de todo esse cúmulo de
bens. Portanto, cante e dance toda a criação e contribua com
algo digno do júbilo deste dia. Que se juntem os céus e a terra
nesta celebração, e que a festeje tudo quanto há no mundo e
acima do mundo”4.

A liturgia da Missa de hoje aplica à Virgem recém-nascida a


passagem da Epístola aos Romanos5 em que São Paulo
descreve a misericórdia divina que escolhe os homens para um
destino eterno: Maria, desde toda a eternidade, é predestinada
pela Santíssima Trindade para ser a Mãe de Deus. Para isso, foi
adornada de todas as graças. “Inegavelmente, a alma de Maria
foi a mais bela que Deus criou. Depois da Encarnação do Verbo,
foi esta a obra mais formosa e mais digna de Si que o
Omnipotente levou a cabo neste mundo”6.

A graça de Maria no momento da sua concepção ultrapassou


as graças de todos os santos e anjos juntos, pois Deus dá a
cada um a graça que corresponde à sua missão neste mundo 7. A
imensa graça de Maria foi suficiente e proporcionada à singular
dignidade a que Deus a tinha chamado desde toda a
eternidade8. Maria foi tão grande em santidade e beleza – afirma
São Bernardo –, que não convinha que Deus tivesse outra Mãe,
como também não convinha que Maria tivesse outro Filho a não
ser o próprio Deus9. E São Boaventura afirma que Deus podia ter
feito um mundo maior, mas não podia ter feito uma Mãe mais
perfeita do que a Mãe de Deus10.

Recordemos hoje que recebemos de Deus uma chamada à


santidade, para cumprirmos uma missão concreta no mundo. Ao
contemplarmos a plenitude de graça e a beleza de Nossa
Senhora, também devemos pensar que Deus nos dá a cada um
as graças necessárias e suficientes, sem que falte uma só, para
levarmos a cabo a nossa vocação específica no meio do mundo.
Podemos considerar também que é lógico que desejemos
festejar o aniversário do nosso nascimento porque Deus quis
expressamente que nascêssemos, e porque nos chamou a um
destino eterno de felicidade.

II. EXULTE, Ó DEUS, a vossa Igreja [...], pois nos alegramos


pelo nascimento de Maria, que foi para o mundo inteiro
esperança e aurora da salvação11.

Quantos anos celebra hoje a nossa Mãe?... Para Ela, o tempo


já não passa, porque alcançou a plenitude da idade, essa
juventude eterna e plena que nasce da participação na
juventude de um Deus que, conforme diz Santo Agostinho, “é
mais jovem do que todos”12, precisamente por ser eterno e
imutável. Talvez tenhamos podido ver de perto a alegria e a
juventude interior de alguma pessoa santa, e contemplar como,
de um corpo que carregava o peso dos anos, brotava uma
juventude de coração com uma energia e uma vida
irreprimíveis. Essa juventude interior é tanto mais profunda
quanto maior a união com Deus. Maria, por ser a criatura que
mais intimamente se uniu a Ele, é certamente a mais jovem de
todas as criaturas. Nela, juventude e maturidade confundem-se,
como também em nós, quando caminhamos a direito ad Deum,
qui laetificat iuventutem meam, para Deus que nos rejuvenesce
cada dia por dentro e, com a sua graça, nos inunda de alegria13.

Desde a sua adolescência, a Virgem possuiu uma maturidade


interior plena e proporcionada à sua idade. Agora, no Céu, com a
plenitude de graça – a inicial e a que alcançou com os seus
méritos, unindo-se à obra do seu Filho –, contempla-nos e presta
ouvidos aos nossos louvores e súplicas. Hoje escuta o nosso
canto de acção de graças a Deus por tê-la criado; olha-nos e
compreende-nos porque Ela – depois de Deus – é quem mais
sabe da nossa vida, das nossas fadigas, dos nossos anseios14.

Quando nasce um filho, todos os pais pensam que é


incomparável. É o que muito naturalmente devem ter pensado
São Joaquim e Santa Ana quando Maria nasceu, e não se
enganaram: todas as gerações a chamariam bem-aventurada...
“Joaquim e Ana não podiam suspeitar naquele dia o que havia
de ser aquele fruto do seu casto amor. Nunca se sabe. Quem
pode dizer o que será uma criatura recém-nascida? Nunca se
sabe...”15 Cada uma é um mistério de Deus, que vem ao mundo
com uma missão específica do Criador.

A festa de hoje leva-nos a olhar com profundo respeito a


concepção e o nascimento de todo o ser humano, a quem Deus
deu o corpo através dos pais e infundiu uma alma imortal e
irrepetível, criada directamente por Ele no momento da
concepção. “A grande alegria que como fiéis experimentamos
pelo nascimento da Mãe de Deus [...] comporta ao mesmo
tempo, para todos nós, uma grande exigência: devemos sentir-
nos felizes quando se forma uma criança no seio de uma mãe e
quando vê a luz do mundo. Mesmo quando o recém-nascido
exige renúncias, limitações, sobrecargas, sempre deverá ser
acolhido e sentir-se protegido pelo amor de seus pais”16. Todo o
ser humano concebido é chamado a ser filho de Deus, a dar-lhe
glória e a gozar de um destino eterno e feliz.

Deus Pai, ao contemplar Maria recém-nascida, alegrou-se com


uma alegria infinita ao ver uma criatura humana sem o pecado
original, cheia de graça, puríssima e destinada a ser a Mãe do
seu Filho eternamente. Ainda que Deus tenha concedido a São
Joaquim e Santa Ana uma alegria particular, como participação
da graça derramada sobre a sua filha, o que teriam sentido se,
ao menos de longe, tivessem vislumbrado o destino daquela
criatura que vinha ao mundo como as outras? Em outra ordem,
também nós não podemos fazer ideia da incomensurável
eficácia da nossa passagem pela terra, se formos fiéis às
graças recebidas para levarmos a cabo a nossa vocação,
outorgada por Deus desde toda a eternidade.

III. NENHUM ACONTECIMENTO EXTRAORDINÁRIO


acompanhou o nascimento de Maria, e os Evangelhos nada
dizem a esse respeito. Nasceu talvez numa cidade da Galileia,
provavelmente na própria Nazaré, e naquele dia nada se revelou
aos homens. O mundo continuou a dar importância a outros
acontecimentos que depois seriam completamente apagados da
face da terra sem deixar o menor rasto. Com frequência, as
coisas importantes para Deus passam desapercebidas aos olhos
dos homens, que sempre procuram o extraordinário para
enfrentarem a sua existência. Só no Céu é que houve festa, e
festa grande.

Depois, durante muitos anos, a Virgem passou inadvertida.


Todo o povo de Israel esperava essa donzela anunciada na
Escritura17, e não sabia que Ela já vivia entre os homens.
Externamente, não se distinguia em nada das outras mulheres.
Tinha vontade, queria, amava com uma intensidade que nos é
difícil abarcar, com um amor que em todas as coisas se
amoldava à vontade de Deus. Tinha entendimento para
compreender os mistérios que ia descobrindo pouco a pouco, a
perfeita relação que havia entre eles, as profecias que falavam
do Redentor...; e entendimento para aprender como fiar ou
cozinhar... E tinha memória – guardava as coisas no seu
coração18 – e passava de umas recordações para outras, valia-
se de referências concretas. Possuía ainda uma imaginação
viva, que a fez ter uma vida cheia de iniciativas e de singela
perspicácia para servir os outros e tornar-lhes a vida mais
amável. Deus contemplava-a cheio de amor, ocupada nos
pequenos afazeres de cada dia, e alegrava-se com imenso júbilo
ao vê-la realizar essas tarefas desprovidas de relevo.

A sua vida tão cheia de normalidade ensina-nos a agir de tal


maneira que saibamos ocupar-nos nas nossas tarefas diárias
sempre de olhos postos em Deus: que saibamos servir os outros
sem alarde, sem fazer valer constantemente os nossos direitos
ou os privilégios que nós mesmos nos arrogamos, que saibamos
terminar bem o trabalho que temos entre mãos...
Se imitarmos Nossa Senhora, aprenderemos a dar valor às
pequenas coisas dos dias sempre iguais, a dar sentido
sobrenatural às nossas acções, que talvez ninguém vê: limpar
uns móveis, corrigir uns dados no computador, arrumar a cama
de um doente, procurar as referências precisas para dar bem
uma aula que estamos preparando... É um conjunto de
trivialidades que, vividas com amor, atraem a misericórdia
divina e aumentam continuamente a graça santificante na alma.
Maria é o exemplo perfeito desta entrega diária, “que consiste
em fazer da nossa vida uma oferenda ao Senhor”19.

Sob diversas invocações, muitas cidades e nações celebram


hoje esta festa, com uma intuição certeira, pois “se Salomão –
ensina São Pedro Damião – celebrou solenemente com todo o
povo de Israel um sacrifício tão copioso e magnífico para
comemorar a dedicação do templo material, qual e quanta não
será a alegria do povo cristão ao celebrar o nascimento da
Virgem Maria, em cujo seio, como num templo sacratíssimo,
desceu o próprio Deus em pessoa para dela receber a natureza
humana, dignando-se viver visivelmente entre os homens?”20
Não deixemos de festejar a data de hoje com essas delicadezas
que são próprias dos bons filhos.

(1) Antífona de entrada; (2) cfr. J. Pascher, El año liturgico, BAC, Madrid, 1965,
pág. 689; (3) cfr. João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 25-III-1987, 3; (4)
Liturgia das Horas, Segunda leitura; Santo André de Creta, Dissertações, 1;
(5) Rom 8, 28-30; (6) Santo Afonso Maria de Ligório, As glórias de Maria, II, 2;
(7) cfr. São Tomás, Suma Teológica, III, q. 27, a. 5, ad. 1; (8) cfr. ib., III, q. 7, a.
10, ad. 1; (9) cfr. São Bernardo, Sermão 4 na Assunção da Beatíssima Virgem
Maria, 5; (10) São Boaventura, Speculum, 8; (11) Missal Romano, Oração
depois da comunhão; (12) Santo Agostinho, Homilias sobre o Génesis, 8, 26,
48; (13) Sl 42, 4; (14) cfr. A. Orozco, En torno a Maria, Rialp, Madrid, 1975, pág.
8; (15) ib., pág. 9; (16) João Paulo II, Angelus em Liechtenstein, 8-IX-1985; (17)
Gen 3, 15; Is 7, 14; (18) Lc 2, 51; (19) João Paulo II, Discurso ao Congresso
Mariano internacional de Saragoça, 12-X-1979; (20) São Pedro Damião,
Sermão 45, 4.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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