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Acta Scientiae Medica_On line Vol.

1(1): 35-43; 2008

DERRAME PLEURAL NA CRIANÇA COM DENGUE


Mônica de Cássia Firmida

Escola de Medicina da UNIGRANRIO


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RESUMO

Objetivo: A dengue é considerada uma grave doença infecciosa emergente. Casos


graves, com sinais de perda plasmática, foram mais comuns nos últimos anos. O
derrame pleural é um desses sinais. Portanto, um maior entendimento de sua
fisiopatologia, apresentação clínica e manejo, é necessário para profissionais de saúde
que cuidam de crianças. O objetivo deste estudo foi o de revisar a literatura sobre
derrame pleural em crianças com dengue.
Fontes: Revisão não sistemática da literatura nas bases de dados MEDLINE e
LILACS, usando os termos dengue, febre hemorrágica da dengue e derrame pleural
como descritores e / ou como palavras do título ou resumo, em diferentes
combinações. Foram selecionados artigos publicados nos últimos dez anos, de acordo
com sua relevância para os objetivos do estudo.
Síntese dos dados: Derrame pleural é mais comum em febre hemorrágica da
dengue (FHD) do que no dengue. É um sinal de extravasamento de plasma e merece
rigorosa observação. Na maioria dos doentes, é detectado logo após a defervescência,
principalmente entre o terceiro e sétimo dias. Ultra-sonografia e radiografia do tórax
em decúbito lateral direito são ferramentas úteis para o diagnóstico e o
acompanhamento. O tamanho dos derrames correlaciona-se bem com gravidade.
Drenagem torácica não é indicada. Não existe nenhum tratamento específico para o
derrame pleural da dengue. O manejo cuidadoso dos sinais e sintomas clínicos e os
cuidados de suporte adequados devem ser suficientes para a sua resolução.
Conclusões: Compreender a fisiopatologia e o curso de derrame pleural na
dengue pode contribuir para o manejo mais adequado de crianças com este problema,
reduzindo o risco de mau prognóstico.

Unitermos: dengue; febre hemorrágica da dengue, derrame pleural

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também já foram documentados
INTRODUÇÃO (Fatimil, et al., 2003; Chotigeat, et al.,
2003).
A dengue é uma doença viral
aguda, causada por um vírus da família É a arbovirose (doença
Flaviridae, sorotipos 1, 2, 3 e 4. O vetor transmitida por artrópodes) mais
mais comum é o mosquito Aedes importante que afeta o homem. Apesar
aegypti, embora o Aedes albopictus e o de ser uma doença de ocorrência
Aedes polynesienses também possam antiga, é considerada emergente, em
estar envolvidos em sua transmissão expansão mundial desde a década de
(Ligon, et al., 2005). Casos raros de 50, sobretudo nos países tropicais e
transmissão vertical, transmitidos a subtropicais. Além do aumento do
recém nascidos por mães que número de casos, têm sido descritas
apresentaram dengue na gestação, manifestações cada vez mais variadas e
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maior freqüência de casos graves adinamia e quadro álgico diverso


(Ligon, 2005; Casali, et al., 2004). (mialgia, artralgia, dor retroorbitária) e
com possível, mas não obrigatório,
As formas graves são mais exantema maculopapular pruriginoso
freqüentes em crianças do que em ou não. Sintomas gastrintestinais como
adultos (Guzman, et al., 2002). anorexia, náuseas, vômitos e diarréia
também são comuns. Na criança, pode
O município do Rio de Janeiro manifestar-se como síndrome febril
sofreu uma grande epidemia aguda acompanhada de sinais e
dengue/dengue hemorrágico em sintomas inespecíficos, como apatia ou
2001/2002. Foram notificados 155.242 sonolência, recusa alimentar, vômitos,
casos ao Sistema de Informações de diarréia e, especialmente nas crianças
Agravos de Notificação no período de menores de 2 anos, irritabilidade
janeiro de 2001 até junho de 2002. (Ministério da Saúde, 2007).
Destes, 81.327 foram classificados
como dengue clássico e 958 como As manifestações iniciais da FHD
dengue hemorrágico, com 54 óbitos no são semelhantes às da dengue clássica,
total. A evolução para óbito na dengue porém o quadro geralmente se instala
hemorrágica foi 34,8 vezes maior do que após a defervescência, habitualmente
na dengue clássica (Casali, et al., 2004). entre o terceiro e o sétimo dias. Em
crianças, as formas graves também
Entre os fatores responsáveis costumam ocorrer em torno do terceiro
pelo ressurgimento global da dengue dia, mas nem sempre são
estão: a falha de controle da população acompanhadas de defervescência
de Aedes, o aumento das viagens de (Ministério da Saúde, 2007).
saída e chegada às áreas endêmicas, o
descontrole da urbanização e um As principais características da
crescimento populacional desenfreado, FHD são a tendência a manifestações
além de outros fatores. (Ligon, et al., hemorrágicas espontâneas ou
2005; Guzman, et al., 2002). provocadas, com trombocitopenia
(plaquetas abaixo de 100.000/mm3), e a
A gama de manifestações clínicas alteração da permeabilidade vascular,
é ampla e varia desde formas leves e com extravasamento plasma, levando à
inespecíficas até doença potencialmente hemoconcentração e ao acúmulo de
letal. O Ministério da Saúde (2007) e a líquido em terceiro espaço (derrame
Organização Mundial de Saúde (WHO, pleural, ascite, espessamento da parede
1997) propõem a classificação clínica da vesícula e derrame pericárdico)
nas formas de dengue clássica e febre (Ministério da Saúde, 2007;
hemorrágica da dengue (FHD). Casos Srikiatkhachorn, et al., 2007). O
intermediários, que extrapolam a derrame pleural e outras manifestações
classificação de dengue clássica mas atípicas da dengue têm sido mais
não preenchem os critérios necessários freqüentes nos últimos anos (Méndez, et
para a FHD, podem ser classificados al., 2006; Casali, et al., 2004; Guzman,
como dengue com complicação e devem et al., 2002). Os derrames pleurais
ser rigorosamente acompanhados vistos com maior freqüência em
(Ministério da Saúde, 2007). crianças são os causados por
pneumonias (derrames pleurais
A dengue clássica é mais parapneumônicos), resultantes da
freqüente do que a FHD. É um quadro inflamação da pleura sobre a área
agudo, cuja manifestação mais precoce pulmonar acometida (Balfour-Lynn, et
é febre, geralmente alta (39 a 40oC) e de al., 2004). Porém, o derrame pleural da
início súbito, associada a cefaléia, dengue, menos visto no cotidiano da
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prática pediátrica do que os derrames e leucócitos também estão presentes no


parapneumônicos, tem fisiopatologia e líquido pleural. Estas células e as
abordagem diferentes. proteínas são reabsorvidas por vasos
linfáticos da pleura parietal, através de
O objetivo deste estudo foi rever a pequenos poros. A capacidade de
literatura sobre derrame pleural na drenagem pelo sistema linfático pode
criança com dengue, visando facilitar aumentar em 20 a 30 vezes, quando
sua abordagem. Trata-se de uma necessário.
revisão não sistemática da literatura,
baseada em publicações dos últimos Os derrames pleurais resultam
dez anos. As bases de dados LILACS e de um desequilíbrio entre a produção e
Medline foram as fontes de busca. Os a reabsorção do líquido pleural. Na
termos, dengue, febre hemorrágica da maioria dos casos, são explicados por
dengue e derrame pleural, e suas um entre três mecanismos
respectivas traduções para o inglês, fisiopatológicos principais: elevação da
foram usados como descritores e/ou pressão hidrostática intravascular,
como palavras do título ou do resumo, diminuição da pressão oncótica ou
em combinações variadas. Manuais alteração da permeabilidade vascular. O
técnicos do Ministério da Saúde (2007) aumento da pressão hidrostática e a
e da Organização Mundial de Saúde diminuição da pressão oncótica são
(WHO, 1997) também foram utilizados mecanismos que levam ao acúmulo de
como referências. líquido pleural com baixo teor de
proteínas (menos de 3g por 100 mL),
FISIOPATOLOGIA classificados como transudatos,
enquanto a alteração da permeabilidade
Cada pulmão está totalmente permite o extravasamento de líquido
envolvido por um saco formado pelas rico em proteínas (3g ou mais por 100
pleuras. A pleura visceral é o folheto mL) denominados exsudatos. A
que reveste a superfície externa dos albumina é a proteína que extravasa
pulmões, e a pleura parietal é o folheto com maior facilidade, por ser a de
que reveste a parte interna da caixa menor peso molecular.
torácica, mediastino e diafragma. Há Na dengue, uma reação imune
um pequeno espaço entre elas com uma complexa em resposta à infecção pelo
fina camada de líquido que facilita o vírus leva à alteração da permeabilidade
deslizamento durante os movimentos vascular, que é uma das características
respiratórios. básicas da fisiopatologia da FHD
(Green, et al., 2006). Ocorre, então,
Em condições fisiológicas, há um saída de fluidos e proteínas,
equilíbrio dinâmico entre a produção e principalmente albumina, do leito
a reabsorção do líquido pleural. A vascular para espaços intersticiais e
produção se dá por filtração na pleura cavidades serosas. Na cavidade pleural,
parietal. Noventa por cento do líquido a velocidade do acúmulo de líquido
filtrado é reabsorvido pela pleura maior do que a capacidade de drenagem
visceral e os 10% restantes são pleural resulta no derrame pleural. Por
drenados por via linfática. O líquido que esta alteração de permeabilidade
resta apresenta volume mínimo, quase ocorrer sistemicamente, é comum, mas
virtual, é claro e estéril e contém não obrigatório que o derrame pleural
pequena quantidade de proteínas (1,5g na dengue seja acompanhado de
por100 mL em média). Estas proteínas acúmulo de líquido em outras
extravasam dos capilares pleurais e são estruturas (cavidade peritoneal, saco
responsáveis pela pressão pericárdico e parede da vesícula). O
coloidosmótica intra-pleural. Eritrócitos derrame pleural começa pelo lado
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direito e comumente é bilateral, taquipnéia, retrações torácicas, macicez


principalmente em pacientes com à percussão do tórax, diminuição ou
choque (Srikiatkhachorn, et al., 2007). abolição do frêmito tóraco-vocal e, à
Outros mecanismos, como ausculta, diminuição ou abolição do
hipoalbuminemia e disfunção murmúrio vesicular e da ressonância
cardiocirculatória, podem contribuir vocal. Na dengue, no entanto, estas
para o acúmulo de líquido pleural. manifestações mais clássicas são mais
comuns nas formas mais graves da
doença, principalmente na
FHD/síndrome do choque da dengue
(SCD) (Balasubramanian, et al., 2006).

Nesta doença, o derrame pleural


é um sinal de extravasamento de
plasma. Portanto é mais comum na
FHD do que na dengue clássica e o
momento mais esperado da sua
instalação é logo após a defervescência,
entre o terceiro e o sétimo dia. Outros
sinais de extravasamento plasmático,
Figura – 1
como outros derrames cavitários,
hemoconcentração e hipoalbuminemia
costumam estar presentes. Um dos
desafios para o reconhecimento da FHD
é que, algumas vezes, o
desaparecimento da febre é
erroneamente interpretado como
melhora da doença. Mesmo em crianças
com dengue clássica, com exame físico
de tórax normal, o derrame pleural
pode ser um achado em exames de
imagem (radiografia e ultrassonografia)
(Srikiatkhachorn, et al., 2007). Exame
físico meticuloso e a curtos intervalos
de tempo pode auxiliar na detecção
clínica do derrame pleural
(Balasubramanian, et al., 2006).
Um estudo realizado na
Universidade de Massachusetts
Figura - 2 mostrou que achados de discreta perda
A radiografia de tórax em decúbito lateral de líquido podem ser ocasionalmente
direito aumenta a sensibilidade para a encontrados em crianças com dengue
detecção de derrames pleurais de pequeno clássico, sendo habitualmente
volume (Figuras 1 e 2). transitórios e com resolução rápida
(Srikiatkhachorn, et al., 2007). O
achado mais precocemente encontrado
no subgrupo de crianças com dengue
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS clássico foi o espessamento da parede
da vesícula e o mais comum foi o
Tradicionalmente, a síndrome derrame pleural de pequena monta. Já
semiológica de derrame pleural é no grupo com FHD, embora os sinais de
reconhecida pela presença de perda de líquido tenham sido
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detectados pelos métodos de imagem no (Ministério da Saúde, 2007). Vale


início do curso da doença em alguns ressaltar ainda que a dengue é uma
casos, na maioria dos pacientes esta doença de notificação compulsória,
detecção ocorreu após a defervescência, mesmo quando o caso é apenas
conforme o já esperado. suspeito.

Como a dengue é muito MANIFESTAÇÕES RADIOLÓGICAS


dinâmica, todo paciente com derrame
pleural deve ser rigorosamente A radiografia de tórax e a
observado devido à possibilidade de ultrassonografia são exames da grande
agravamento do quadro. utilidade na busca de derrame pleural.

A classificação das formas Alguns estudos em pacientes


clínicas da dengue, segundo a OMS, é com dengue destacam a
retrospectiva e depende de critérios ultrassonografia como o exame mais
clínicos e laboratoriais que nem sempre sensível com esta finalidade
estão disponíveis precocemente, (Balasubramanian, et al., 2006;
principalmente nos casos de dengue Venkata-Sai, et al., 2005).
clássica com complicações (WHO,
1997). A avaliação clínica rigorosa, em Além do derrame pleural, a
curtos períodos de tempo, com atenção ultrassonografia auxilia na detecção de
aos sinais de alerta (tabela - 1) acúmulo de plasma em outros sítios,
provavelmente ajudará mais o médico por exemplo, na parede da vesícula, na
na tomada de decisões para a cavidade abdominal e no pericárdio. Em
instituição oportuna do tratamento do outro estudo, entretanto, a radiografia
que a busca obcecada pela classificação de tórax em decúbito lateral direito, no
clínica. dia seguinte à defervescência, mostrou
maior sensibilidade para a detecção de
Tabela 1 - Sinais de alerta na dengue. derrame pleural do que a
a) dor abdominal intensa e contínua; ultrassonografia (Srikiatkhachorn, et
b) vômitos persistentes; al., 2007). Outros autores também
c) hipotensão postural e/ou lipotímia; demonstraram a importância da
d) hepatomegalia dolorosa; radiografia de tórax na abordagem do
e) hemorragias importantes paciente com dengue hemorrágica
(hematêmese e/ou melena); (Wang, et al., 2007). Buscando a
f) sonolância e/ou irritabilidade; aplicabilidade prática destes diferentes
estudos, podemos concluir que, como
g) diminuição da diurese;
as radiografias são exames mais
h) diminuição repentina da
disponíveis do que a ultrassonografias,
temperatura corpórea ou hipotermia;
elas podem ser de grande utilidade em
i) aumento repentino do hematócrito;
pacientes com suspeita de FHD. A
j) queda abrupta de plaquetas;
radiografia de tórax em decúbito lateral
l) desconforto respiratório.
direito aumenta a sensibilidade para a
Fonte: Ministério da Saúde: Dengue:
detecção de derrames pleurais de
diagnóstico e manejo clínico-adulto e
pequeno volume. Além disso, a extensão
criança, Brasília, 3ª ed., 2007.
do derrame pleural à radiografia mostra
boa relação com a gravidade da doença
A prova do laço deve ser realizada
(Srikiatkhachorn, et al., 2007; WHO,
em todos os pacientes com suspeita de
1997). No choque, a efusão pleural
dengue; às vezes, seu resultado positivo
bilateral é um achado comum. A
é a única manifestação hemorrágica de
desvantagem da radiografia é a
casos complicados ou de FHD
exposição do paciente à radiação. Por
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outro lado, quando há disponibilidade normais de hematócrito a serem


de ultrassonografia e de profissional utilizados como referência podem
bem treinado para a sua realização este ser vistos na tabela - 2.
exame é de grande valia. Tem como ƒ Trombocitopenia: Plaquetas abaixo
vantagens ser um exame não invasivo e de 100.000/mm3. A queda do
inócuo para o paciente, o que facilita número de plaquetas pode estar
sua repetição quando necessário, e associada com a evolução para FHD.
permitir a detecção de outros sítios de ƒ Pacientes com plaquetas abaixo de
coleção líquida. 50.000/mm3 devem ser
rigorosamente observados e aqueles
ACHADOS LABORATORIAIS com plaquetas abaixo de 20.000 a
internação é inquestionável. Estes
Exames do líquido pleural são devem ser reavaliados clínica e
desnecessários na dengue. Resultados laboratorialmente a cada 12 horas
de exames úteis na sua abordagem são (Ministério da Saúde, 2007). Apesar
os mesmos usados na avaliação geral destas recomendações trabalhos
do quadro, particularmente aqueles que tentando correlacionar o número de
buscam detectar evidências de evolução plaquetas com o risco de
para FHD. A saber: sangramentos não conseguiram
mostrar evidências de uma relação
ƒ Alterações do leucograma: Na FHD, linear entre estes eventos. Isto
a contagem de leucócitos pode variar sugere que outros mecanismos
de leucopenia até leucocitose leve, fisiopatológicos podem estar
mas a queda dos leucócitos totais, envolvidos com o risco de
devida à redução do número de sangramentos, como disfunção
neutrófilos, é quase sempre plaquetária e coagulação
observada no final da fase febril da intravascular disseminada (Lum, et
doença. Linfocitose com atipia al., 2002; Gomber, et al., 2001).
linfocitária é comum antes da
defervescência ou do choque (WHO, ƒ Hipoalbuminemia: A dosagem de
1997). albumina sérica pode aumentar a
ƒ Hemoconcentração: Definida como sensibilidade para a detecção de
aumento do hematócrito acima de sinais de FHD, embora a
20% do valor basal. Quando não se hipoalbuminemia não seja
sabe o valor basal, o parâmetro de encontrada em todos os casos (Brito,
queda após a expansão volumétrica, et al., 2007).
na mesma proporção, também pode ƒ Outros exames inespecíficos podem
ser utilizado (WHO, 1997). A ser indicados em pacientes com
identificação da hemoconcentração dengue, mas não necessariamente
nem sempre é uma tarefa fácil. Em pela presença de derrame pleural.
grande parte dos atendimentos, não Entre eles, podemos citar a dosagem
se sabe o valor basal do hematócrito de transaminases, uréia, creatinina,
do paciente. Além disso, é difícil coagulograma e EAS. Exames
definir a hemoconcentração nos específicos para a comprovação
locais com alta prevalência de diagnóstica de infecção pelo vírus da
anemia,quando não se tem o dengue (isolamento viral, sorologia)
referencial de valores médios do são úteis para fins epidemiológicos,
hematócrito daquela população mas não interferem na abordagem
(Hasteld, et al., 2007; Gomber, et al., na fase aguda da doença.
2001). As recomendações do
Ministério da Saúde (Ministério da
Saúde, 2007) para os valores
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Tabela 2 - Valores normais de de extravasamento plasmático e exige


referência para hematócrito de crianças. observação rigorosa da evolução do
- < 1 mês: Ht 51% quadro. Ultra-sonografia e radiografia
- 2 meses a 6 meses: Ht 35% do tórax em decúbito lateral direito
podem ajudar na detecção precoce do
- 6 meses a 2 anos: Ht 36%
derrame pleural, mesmo em pacientes
- 2 anos a 6 anos: Ht 37%
sem alterações sugestivas ao exame
Fonte: Ministério da Saúde: Dengue:
físico do tórax. Este derrame pleural
diagnóstico e manejo clínico-adulto e
não deve drenado e não tem tratamento
criança, Brasília, 3ª ed, 2007
específico. O tratamento deve ser
dirigido para a doença de base, cujo
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO
curso determinará a evolução do
derrame. Compreender a fisiopatologia e
O derrame pleural resultante da
o curso de derrame pleural na dengue
dengue não deve ser puncionado nem
pode contribuir para o manejo mais
drenado. O manejo pode ser diferente
adequado de crianças com este
caso se suspeite de pneumonia com
problema, reduzindo o risco de mau
derrame pleural parapneumônico,
prognóstico.
complicando o quadro de dengue. Esta
suspeita pode ocorrer, por exemplo,
REFERÊNCIAS
quando a febre se arrasta por mais de 7
dias e debris são observados no líquido
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pleural através da ultrassonografia do
hemorragic fever: a review of the
tórax.
history, transmission, treatment and
Caso não haja esta suspeita, o
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tratamento deve ser voltado para a
2005;16:60-65.
doença de base, cuja melhora se
2) Fatimil LE, Mollah AH, Ahmed S,
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Detalhes do tratamento da
dengue: first caso report from
dengue extrapolam os objetivos desta
Bangladesh. Southeast Asian J Trop
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infection in Thai infants: two case
cuidadosa e rigorosamente observada,
reports. J Med Assoc Thai.
pode reduzir muito a taxa de
2003;86(Suppl 3):S628-632.
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4) Casali CG, Pereira MRR, Santos
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CONCLUSÕES
hemorragic dengue fever in the city
of Rio de Janeiro, 2001/2002. Rev
O derrame pleural no quadro de
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dengue tem sido mais comum nos
299.
últimos anos, ocorre com maior
5) Guzmán MG, Kourí G: Dengue: an
freqüência na FHD e costuma se
update. Lancet Infec Dis. 2002;2:33-
instalar a seguir da defervescência,
42.
principalmente entre o terceiro e o
6) Ministério da Saúde: Dengue:
sétimo dias. Embora pequenos
diagnóstico e manejo clínico-adulto e
derrames, com melhora espontânea,
criança. Brasília. 3ª ed., 2007.
possam ocorrer em indivíduos com
7) WHO. Dengue haemorrhagic fever,
dengue clássica, sua presença é sinal
Geneva, 2nd ed., 1997.
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Radiol. 2005;78:416-418. Autor Correspondente
14) Wang CC, Wu CC, Lju JW, Lin AS, Dra. Mônica de Cássia Firmida
Liu SF, et al.: Chest radiographic Estrada do Dendê, 1711, Apto 303
presentation in patients with dengue 21920-001, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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ABSTRACT

Objective: Dengue is considered a serious emerging infectious disease. Severe


cases, with signs of plasma leakage, have been more common in recent years. Pleural
effusion is one of these signs. So, an increased understanding of its pathophysiology,
clinical presentation and management is needed for health professionals who care for
children. The objective of this study was to review the literature about pleural effusion
in children with dengue.
Sources: A non-systematic review of literature in the MEDLINE and LILACS
databases, using the terms dengue, dengue hemorrhagic fever and pleural effusion as
descriptors and/or as words in the title or abstract in different combinations. It was
selected articles published in the last ten years, according to their relevance to the
study objectives.
Summary of the findings: Pleural effusion is more common in dengue
hemorrhagic fever (DHF) than in dengue fever. It is a sign of plasma leakage and
deserves rigorous observation. In most patients, it is detected around the time of
defervescence, mainly between the third and seventh days. Ultrasonography and chest
roentgenogram in right lateral decubitus are useful tools for the diagnosis and follow-
up. The size of the effusions correlates well with disease severity. Chest tube drainage
is not indicated. No specific treatment for dengue´s pleural effusion exists. Careful
management of clinical symptoms and appropriate supportive care should be enough
for its resolution.
Conclusions: Understanding the pathophysiology and course of pleural effusion
in dengue can contribute to the most adequate management of children with this
problem, reducing the risk for poor prognosis.

Keywords: dengue, dengue hemorragic fever, pleural effusion


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