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DIFERENCIAÇÃO COMPETITIVA DE VALOR ENTRE AS

MONTADORAS DE AUTOMÓVEIS INSTALADAS NO BRASIL

Autores: André Torres Urdan, Andréia Cássia de Moura e Nádia Mária Lopes Mello

RESUMO

No ramo automobilístico, intensamente disputado no mundo todo, seria de esperar que


boa parte das montadoras estivessem atuando estrategicamente com diferenciação. Todavia,
aparecem muitas evidências na literatura de que o ramo aproxima-se de uma situação de
grande semelhança entre os veículos. Relata-se neste artigo uma pesquisa empírica de
verificação de diferenciação na base de Valor Percebido pelos clientes em relação aos
automóveis das empresas Fiat, General Motors e Volkswagen. Foram levantados dados de
304 proprietários de veículos, a partir de 6 concessionárias de Belo Horizonte, MG. Os
resultados mostram que essas três montadoras são vistas como semelhantes por seus clientes
em termos de Valor Percebido. Ademais, é digno de nota o nível de Valor Percebido pelos
proprietários, oscilando entre 5,57 e 6,30, isto numa escala de 1 a 10, o que conforma um
quadro por demais desfavorável para todas as montadoras. Decerto que as montadoras terão
de identificar, assimilar e implementar novas práticas críticas de negócios, de modo a
viabilizar estratégias competitivas (como a diferenciação), estando tal questão no cerne do
desafio competitivo que o ramo automobilístico inexoravelmente terá doravante de enfrentar.

1. O Ramo Automobilístico e o Desafio da Competitividade


Porter (1991:49-60) notabilizou-se propondo sinteticamente a possibilidade de dois
tipos de vantagem estratégica (singularidade observada pelo cliente e posição de baixo custo)
e dois alvos estratégicos (âmbito do ramo todo e apenas um segmento particular). Da
combinação de vantagem e alvo despontam três estratégias genéricas, determinantes de
melhor desempenho: liderança no custo total, diferenciação ou enfoque. Liderança no custo
total implica produzir unidades de um produto padronizado, com uma posição de custos a
mais baixa dentro do ramo, por ele podendo-se cobrar mais barato que os demais
fornecedores. Diferenciação requer oferecer atributos que os clientes percebam como únicos e
desejáveis, seja no projeto, produção, serviço, imagem, ensejando a cobrança de preços acima
da média ou preços na média permitindo maior volume de vendas. Enfoque envolve
concentração para destacar-se nas especificidades de um grupo particular de clientes, mercado
geográfico, canal de distribuição ou linha de produto, seja através de diferenciação voltada
para seu alvo ou custos mais baixos no atendimento desse alvo.
Na atualidade, muito tem sido discutido sobre a tendência geral de crescente
fragmentação dos mercados, mormente nos países mais ricos. Para Engel et al. (1994), os
mercados de massa não diferenciados seriam uma raridade na atualidade. Daí a dificuldade
que é obter vantagem competitiva quando o consumidor dispõe de uma cornucópia de opções,
os pontos de distribuição são abundantes, os produtos (bens e serviços) sendo vistos cada vez
mais como commodities e, culminando, a lealdade à marca erodindo-se. Em resposta a esse
quadro, Rapp & Collins (1996) ressaltam a necessidade de uma abordagem individualizada ao
cliente, através de uma forma muito pessoal de atuação que reconheça e sirva aos interesses e
necessidades de grupos selecionados de consumidores cuja identidade seja ou venha a ser
conhecida pelo fornecedor. Na concepção de Porter (1991), isto eqüivaleria à necessidade de
desenvolver estratégias de enfoque, em especial calcada na vantagem de singularidade.

1
Então, transportando essa tendência para o ramo automobilístico, seria de esperar que
as montadoras estivessem atuando estrategicamente com enfoque e/ou diferenciação. Neste
caso, mais precisamente cada montadora deveria estar oferecendo produtos percebidos como
singulares pelos clientes, fosse num mercado amplo (diferenciação) ou num segmento
particular (enfoque).
Todavia, apontando noutra direção, Pelofsky & Schlesinger (1991) relatam como, no
final da década passada, a Ford nos Estados Unidos (EUA) já vislumbrava importantes
mudanças no ramo automobilístico nos anos 90, com o que concordavam muitos analistas.
Para essa montadora, à medida que o processo de globalização do ramo automobilístico atinge
a maturidade: a) os produtos atingem maior complexidade, pela utilização intensa de
tecnologia; b) a qualidade do produto perde força como motivação para a compra; c) as
exigências de satisfação do consumidor crescem. Corroborando tal perspectiva, esses autores
referem-se a um relatório da empresa de consultoria J.D.Power and Associates, com o
sugestivo título de “Revolução no Varejo Automotivo”. Pois tal trabalho destacava a
proximidade de uma situação de grande semelhança entre os veículos, a ponto de elevar
sobremaneira o papel competitivo, na conquista do cliente, das redes de distribuição, como
fonte de diferenciação.
É inegável haver inúmeras iniciativas das montadoras, no mundo todo, buscando
construir singularidades, refletindo a preocupação com o assunto. Assoma um extenuante do
ramo para vincular imagens de marca sedutoras, mesmo com suas freqüentemente superpostas
plataformas e linhas de modelos, haja vista que, na emergência dos imitadores, as fábricas
precisam de novas formas para explorar seus posicionamentos (Gelsi, 1997). Basta constatar
que 8 das principais marcas no ramo automobilístico mudaram de rumo em 1997: Mercury,
Plymouth, Chrysler, Acura, Saab, Toyota, Mazda e Infiniti (Kiley, 1998). Todas elas seguindo
novas avenidas almejando estar num lugar lógico onde os consumidores, como elas próprias,
possam compreender o significado de suas marcas.
Tome-se o panorama norte-americano, berço da indústria automobilística. Até aqui as
empresas têm tradicionalmente determinado suas linhas de produto através de análise dos
produtos dos concorrentes e posicionado seus veículos para simplesmente equipará-las. Mas
Smith (1996) acredita está em curso uma revolução no ramo, que deve guiar a estratégia de
produto para os anos vindouros. Nela, cada uma das 3 grandes montadoras (Chrysler, Ford,
General Motors) têm buscado construir uma estratégia própria de gestão de marca, o que
configura um jogo totalmente novo, ao menos em tese, devendo conduzir a mudanças
significativas no marketing e até mesmo na produção. É sintomático como Halliday (1997)
discorre sobre a mudança de inspiração das montadoras para a revisão de suas estratégias de
marca, que originalmente olhavam para bens de consumo, alimentos e bebidas, e hoje
contemplam o dinamismo e a complexidade da moda, empresas de eletrônica de consumo e
software, em virtude de suas estruturas de marca que precisam evoluir significativamente.
Nos EUA, indo além de seus domínios industriais e avançando sobre a cadeia
distributiva, no afã de criar imagens de marca distintivas para os seus modelos e divisões, a
General Motors vem realocando concessionários, fundindo outros e reduzindo a rede deles,
que passará de 9.500 para 7.000 até o final do ano 2000 (Kerwin, 1998). Pela primeira vez em
décadas, a General Motors estaria ganhando diferenciação entre as suas próprias divisões
automotivas, tomando medidas de envergadura na definição de estratégias de marca para cada
uma das 8 existentes (Smith, 1997). Cada divisão terá um mercado alvo específico, e os
veículos de cada divisão serão projetados para ajustar-se às necessidades dos seus clientes.
Todavia, ao mesmo tempo em que chama a atenção essa nova onda da General Motors na
administração de marca, há aqueles que indagam se a proposta não passa apenas disso
mesmo: uma onda (Stevens, 1997). As tentativas não se restringem à oferta e sua distribuição.
Explorando a propaganda, um atributo extrínseco ao produto em si, há o exemplo da Chrysler
2
tentando ampliar seu apelo aos clientes e procurando diferenciar a personalidade das marcas
de seus carros através das campanhas lançadas para o ano-modelo 1997 (Halliday, 1996).
Não obstante, a grande dúvida é se a singularidade realmente existe ou se ela é mais
um imenso desejo irrealizado das montadoras. Tome-se o caso da inovadora divisão Saturn da
General Motors. Embora observadores cépticos continuem a debater se tal divisão é um
sucesso em termos de desempenho financeiro, poucos deles discutiriam a claridade da sua
imagem de marca (Gardner, 1996). Porém, avançando a General Motors como um todo em
derivar a maior parte das plataformas de seus carros pequenos de uma mesma arquitetura
global, até mesmo a Saturn vai lentamente vendo sua autonomia e identidade cultural sendo
assimiladas na sombra de sua gigantesca corporação controladora (Saturn, 1997).
Mesmo o desempenho tão propalado das montadoras japonesas nos EUA é algo em
mutação. Rosecky & King (1996) recapitulam que os japoneses primeiro introduziram carros
de preços baixos, eficientes no consumo e de alta qualidade. Lutando para atender a restrições
voluntárias de exportações, eles introduziram versões mais caras de seus carros. Mais tarde,
numa tentativa de colher ainda mais receita por unidade, introduziram carros de luxo.
Inicialmente, para os dois autores, esses novos modelos foram bem recebidos, porém ao longo
dos últimos vários anos os carros de luxo japoneses perderam força, não tendo conquistado
ganhos de participação de mercado, decorrência da sua semelhança com os concorrentes
nacionais antes inferiores.
Sobre o Japão, Maruko (1997) entende que, com mais pessoas começando a pensar
que não há nada especial em relação aos carros importados, as montadoras estrangeiras não
podem mais basear-se em sua antes imagens de marcas luxuosas para realizar as vendas por
elas. Agora, para ele, as montadoras estrangeiras estão defrontando-se com uma competição
crescentemente feroz com as montadoras japonesas, que defendem ardorosamente seu
mercado doméstico. Por outro lado, como os gostos, políticas e regulamentações variam, os
projetistas e engenheiros automobilísticos japoneses sentem que o carro mundial na linha um-
tipo-que-serve-para-tudo estão limitados no apelo e na capacidade de serem vendidos
(Chrysler, 1996). É essencial dispor de singularidade. Em conseqüência, as maiores
montadoras japonesas têm estabelecido centros de pesquisa e desenvolvimento nos EUA e na
Europa, cuja missão é conceber e desenvolver carros que se ajustem às necessidades
regionais.
Na Europa, o quadro também assoma anuviado. Para as suecas Volvo e Saab, mesmo a
invejável reputação de segurança automotiva conquistada juntos aos consumidores não pode
obscurecer sérios problemas, entre os quais novos produtos medíocres, não preenchendo
nenhuma necessidade desatendida dos consumidores (Taylor, 1997). Daí, essas duas
montadoras estão tentando algo novo e audacioso para o perfil delas: inventar novas
personalidades que as façam mais valorizadas entre consumidores de alto nível.
No geral, Uma Indústria Congestionada (1997) observa que as montadoras enfrentam
seu próprio congestionamento, devido ao excesso de carros. Nos países ricos, as vendas de
carros estão estagnadas e, embora a demanda esteja crescendo na Ásia e na América Latina, a
produção está se expandindo num ritmo mais acelerado, graças a um grande afluxo de
investimentos recentes. O resultado final é uma super-oferta mundial de carros - boa para os
consumidores, perniciosa para as montadoras e suas concessionárias. Em 1996, no Mundo
foram fabricados 50 milhões de unidades, ocupando não mais que 73% da capacidade
instalada. O panorama não deve melhorar. Dentro de três anos, a capacidade mundial deve
crescer para 80 milhões de veículos ao ano, enquanto a demanda, no melhor dos casos,
aumentará para pouco menos de 60 milhões de unidades. Então, vendo de outra forma, todas
as fábricas da América do Norte poderiam fechar e, mesmo assim, ainda haveria capacidade
ociosa.
Tal excesso de capacidade produtiva do ramo não pode durar para sempre, exigindo
3
ajustamentos traumáticos. Para as montadoras sem algo especial em suas ofertas, uma das
poucas opções para elevar as vendas é reduzir os preços dos automóveis ou oferecer opcionais
e acessórios sem acréscimo de preço. Porém, a viabilidade dessa opção ao longo do tempo
está na dependência de duas condições: a) adoção e implementação de um estratégia de
liderança de custo total (o que, a rigor, estaria reservado para um dos concorrentes) ou pelo
menos melhoria da posição de custos, porque diminuir preços sem reduzir custos obviamente
sufoca o resultado; b) sem mexer nos custos, a geração de um aumento da demanda por uma
montadora mais que suficiente para compensar a diminuição da margem de lucro por unidade
vendida. Mesmo assim, em face da gravidade da situação, a luta por vantagem competitiva
deve ser de um ferocidade impressionante.
Quanto aos países em desenvolvimento, os dirigentes das mais importantes
montadoras do mundo concordam que a taxa de crescimento do mercado neles, como o
México, é muito atraente e constitui a única resposta viável para o decréscimo nos negócios
causados pela estagnação dos mercados maduros, como EUA, Japão e Europa (Lira, 1997).
Por isso a luta das montadoras globais para estabelecer-se nos mercados emergentes. Mas aí
também são muitos os obstáculos. Smith (1997) cita Giuseppe Perlo, vice-presidente de
produto da Fiat SpA, para quem exportar não mais é suficiente, sendo preciso produzir nos
mercados em que se vende. Então, o executivo discorre sobre a “nova” estratégia de
globalização da Fiat, baseada na produção de veículos que atendam a necessidades regionais.
Sobre o Brasil, Viladarga (1997) acredita que o aumento da demanda por veículos,
impulsionado pelo Plano Real, e grandes investimentos contribuíram consideravelmente para
o melhoramento do processo de produção e do produto final. Com isso, diminuiu a diferença
de qualidade e o tempo entre os lançamentos recentes das montadoras no exterior e no país,
apesar de algumas restrições pendentes (como na segurança e no uso de eletrônica). Um dos
indicadores do novo patamar do ramo no país seria o ritmo e a qualidade de lançamentos de
novos carros, como nos modelos “mundiais” (Corsa, Palio, Fiesta) produzidos
simultaneamente no Brasil e nos mercados mais exigentes.
No presente, para o Brasil está programado um dos maiores volumes de investimentos
da industria automobilística no mundo (Magnavita, 1997). As montadoras devem investir
cerca de US$ 17 bilhões em alguns anos e o país logo passará a contar com 11 fábricas,
passando para o sexto lugar no ranking mundial de produtores. As vendas no Brasil cresceram
126,5 % entre 1992 e 1996, o que atraiu muito as empresas que operam no país e também
montadoras estrangeiras (como Peugeot, Toyota, Mercedes Benz, BMW). Cada qual acredita
não só no grande potencial do Brasil, bem como na sua localização estratégica, que pode
facilitar as vendas no Mercosul. Mas é amplamente improvável que as taxas elevadas de
aumento da demanda interna por carros venham a continuar nos próximos anos. Por isso,
diante da abundância de montadoras que estão e virão a se instalar no país, ao lado de tantas
outras montadoras instaladas no exterior que aqui buscam distribuir seus produtos, é certo que
vai acirrar-se tremendamente a concorrência.
Atente-se que, para o ramo automobilístico do Brasil, esse quadro crescente de
competição global é muito recente e diferente. É uma imensa onda que está sobrevindo depois
de décadas de proteção de mercado, materializada na proibição de importação de veículos
estrangeiros. Apesar dos avanços na abertura para o exterior, o Brasil ainda tem a economia
mais fechada da América Latina (Moura, 1996). Em 1990, o País importava 4,9% do Produto
Interno Bruto (PIB), contra 15,5% do México. Em 1995, o País passou a importar 7,2% do
PIB, contra 25,9% do México. Mas a proteção contra o exterior tende a diminuir,
incrementando ainda mais a concorrência já intensa.
Portanto, a questão de como competir, como obter vantagem competitiva, como
desenvolver um estratégia sustentável, embora sempre presente na gestão empresarial, neste
momento coloca-se como crucial para o ramo automobilístico, porque não deve sobrar espaço
4
para muitos dos seus participantes. De forma particular, é de interesse saber como diferenciar-
se.

2. Valor Percebido como Base de Diferenciação


Embora existindo muitas bases de diferenciação, valor percebido é uma opção cada
vez mais lembrada, pela sua importância crítica como determinante do comportamento de
compra e da escolha de produto. Para Olshavsky (1985:3-29), é por causa do valor percebido
que muitos dos consumidores não compram a oferta de mais alta qualidade em cada categoria.
Kotler (1991:6, 289-291), apenas variando na terminologia, fala em valor entregue,
como a razão ou diferença entre valor total e preço total, ambos tomados segundo a visão do
consumidor. Valor total para o consumidor é o somatório do que ele obtém dos diversos itens
de uma determinada oferta, como bens, serviços, pessoal e imagem. Em contrapartida, preço
total ao consumidor é o somatório dos encargos da oferta respectiva, tais como preço
monetário, custo de tempo, custo de energia, custo psíquico. Esse autor reforça a tese de que,
na maioria das situações, o cliente comprará da organização oferecendo o produto com o mais
alto valor entregue.
Zeithaml (1988), Monroe & Krishnan (1985) e Pisharodi (1987), em essência,
concordam com essa noção de valor percebido, como a razão dos benefícios de sua aquisição
e os sacrifícios feitos para obtê-lo, conforme a avaliação do consumidor. Dessa natureza
perceptual do fenômeno, aliás, surge a necessidade de buscar similaridade entre as percepções
do fornecedor, naquilo que ela tem de favorável, e as próprias percepções do cliente sobre a
oferta. Não melhora o valor aquilo que, mesmo tecnicamente presente numa oferta, não é
reconhecido pelo consumidor. Eis aí algo particularmente preocupante para a indústria
automobilística, tendo em vista a enorme complexidade tecnológica dos automóveis atuais,
enquanto seus clientes são, via de regra, mais ou menos leigos nessa seara de sofisticação.
Por isso, Porter (1985:132-50) assinala dois tipos de valor: valor de uso e valor em
sinal. Valor de uso tem a ver com a elevação do nível de desempenho do cliente (fazendo-o
mais efetivo) ou diminuição de seus custos, sendo este o tipo de valor a que normalmente é
feita referência. Todavia, pode ser difícil a avaliação do valor de uso que uma oferta pode
prover ao cliente, donde decorre a busca de sinais de valor. Infere-se o valor que uma empresa
irá criar ou cria através de indicações como embalagem, profissionalismo, reputação e
propaganda. De qualquer forma, o cliente não pagará mais pelo valor que ele não percebe, não
importando quão real o seja.
Já Fornell et al. (1996) definem o valor percebido como o nível percebido de
qualidade do produto relativamente ao preço pago. Tal definição é utilizada no modelo
American Customer Satisfaction Index, por eles concebido, bem como no amplo projeto de
pesquisa de âmbito nacional que conduzem nos EUA. No modelo, o valor percebido é
inserido como determinado pela qualidade percebida e as expectativas do cliente e
determinante da satisfação global do cliente. Embora constituindo uma representação mais
restrita, tal conceito de valor percebido tem a vantagem de permitir avaliação mais simples
por parte dos clientes, já que limitada a indagação à qualidade que o cliente recebe e ao preço
com que ele arca. Mesmo assim, a incorporação da informação de preço já incrementa a
comparabilidade dos resultados entre empresas, ramos e até setores, e também enseja o
controle de diferenças de renda e restrições de orçamentos entre consumidores, o que
viabiliza comparar produtos de preços variantes (mais altos e mais baixos).
Pelo visto, descortina-se um cenário onde a sobrevivência das montadoras no Brasil
(mesmo no Mundo em geral) será árdua, quanto mais a prosperidade. O nível já vigente e em
ascensão de concorrência trará exigências estratégicas muito maiores para que uma empresa
consiga alcançar patamar satisfatório de desempenho. Entretanto, fora os relatos qualitativos,
ou os abundantes não-científicos tão em voga, são poucas as tentativas científicas de
5
quantificação da existência ou não de diferenciação entre as montadoras, seja em termos
gerais ou especificamente com base no valor percebido. Isto é verdade mesmo no exterior e
pior ainda no Brasil. Com efeito, radica enorme carência acadêmica nesse domínio, sendo
poucas as iniciativas no sentido de ampliar o conhecimento sobre o assunto.

3. Metodologia da Investigação Empírica


Tendo por inspiração essa problemática situação relatada, decidiu-se realizar uma
pesquisa empírica com o objetivo geral de verificar a existência de diferenciação do Valor
Percebido, cobrindo as grandes montadoras que já estavam instaladas no Brasil em outubro de
1997, tendo por base a avaliação dos proprietários em relação a seus automóveis. Foram
inicialmente consideradas as empresas Fiat, Ford, General Motors e Volkswagen.
A opção foi por uma pesquisa do tipo conclusiva e descritiva, de seção cruzada,
visando a determinação e descrição sistematizadas de relacionamentos entre variáveis
(Malhotra, 1996). Desse modo, não se teve a pretensão de provar relacionamentos de causa e
efeito. A pesquisa esteve mais para um estudo de campo que um levantamento de campo
(Mattar, 1993), pois não foi possível ter preocupação absoluta, em face da restrição de
recursos financeiros, com a geração de grandes amostras representativas.
Adotou-se a definição conceitual de valor percebido proposta por Fornell et al. (1996),
bem como a operacionalização deles para o construto. Isto desembocou em duas variáveis,
sendo uma de avaliação do preço tendo em vista a qualidade (VP1) e a outra de avaliação da
qualidade tendo em vista o preço (VP2). Tais variáveis, medidas em escalas de diferencial
semântico de 10 posições de resposta, rotuladas nos extremos, estão reproduzidas no Quadro
1. Apesar das controvérsias reinantes, assumiu-se esse tipo de escala como sendo de natureza
intervalar (Malhotra, 1996).No questionário preparado constavam outras variáveis, além
dessas duas em pauta, mas que não serão neste artigo apreciadas, pois referentes a outros
construtos. Os respondentes foram solicitados a avaliar o automóvel que possuíam, porém
houve agregação por montadora das avaliações dos proprietários de modelos respectivos,
tendo em vista o objetivo do estudo. Realizando-se rápido pré-teste do questionário, cumprido
com proprietários de automóveis, não houve problemas de compreensão do seu conteúdo e de
preenchimento.
Definiu-se como população alvo da pesquisa, nos mesmos moldes de Fornell et al.
(1996), as pessoas físicas na condição de proprietárias de veículos produzidos pelas
montadoras em questão, adquiridos novos de concessionárias autorizadas dentro de período
de 6 meses a 3 anos para trás. A pretensão era obter a participação de duas concessionárias
instaladas em Belo Horizonte, MG, de cada uma das montadoras. Para tanto, foram
consultadas as concessionárias através das Páginas Amarelas da Lista Telefônica Oficial 1997
da cidade. A amostra acabou formada por 2 empresas da bandeira Fiat (Automax e Motorbel),
1 da Ford (Pisa), 2 da General Motors (Arthur Haas e Varella) e 2 da Volkswagen (Catalão e
Mila). Destoou a Ford daquilo que se desejava para a amostra, pois só havia duas
concessionárias dela na cidade que preenchiam o requisito de tempo de existência (3 anos ou
mais), a Pisa e a Clássica, sendo que esta última definitiva e lamentavelmente recusou-se a
tomar parte da pesquisa.
Com esse esquema delineado, o objetivo específico foi testar a hipótese nula de que
são iguais, ao longo das montadoras de automóveis estudadas, os vetores formados pelas
médias das 2 variáveis (VP1 e VP2) do construto Valor Percebido, na avaliação pelos
proprietários. Para tanto, escolheu-se a técnica estatística de Análise Multivariada de
Variância (MANOVA). Na equação de teste, as 2 variáveis métricas de Valor Percebido
entraram como dependentes e a variável categórica Montadora (Fiat, Ford, General Motors,
Volkswagen) como independente.

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QUADRO 1
Variáveis do construto Valor Percebido utilizadas na pesquisa

Variável Formulação

VP1 Considerando a qualidade desse seu automóvel, como você avaliaria o preço que você
pagou por ele? Dê uma nota de 1 a 10, onde 1 “significa “preço inteiramente não
compatível com a qualidade do automóvel” e 10 significa “preço inteiramente compatível
com a qualidade do automóvel”.
Preço Preço inteiramente
inteiramente Å 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Æ compatível
não compatível com a qualidade
com a qualidade

VP2 Considerando o preço que você pagou por esse seu automóvel, como você avaliaria a
qualidade dele? Dê uma nota de 1 a 10, onde 1 significa “qualidade muito baixa tendo em
vista o preço pago” e 10 significa “qualidade muito alta tendo em vista o preço pago”
Qualidade muito Qualidade muito
baixa tendo em Å 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Æ alta tendo em
vista o preço vista o preço

A MANOVA tem como hipótese nula justamente a igualdade de vetores de médias de


múltiplas variáveis dependentes ao longo de grupos (no caso, montadoras). Na presença de
multicolineariade entre as variáveis dependentes, a MANOVA tende a ser mais poderosa do
que os testes univariados separados, pois na abordagem de Análise de Variância (ANOVA)
usa-se menos do que o total de informações disponíveis para a avaliação de diferenças entre
os grupos (Hair et al., 1995). Uma série de testes univariados ANOVA não avalia a
possibilidade de que alguma combinação linear das variáveis dependentes propicie evidência
de diferença global entre os grupos. Por outro lado, esses autores exprimem que, havendo
grande quantidade de variáveis dependentes, o poder estatístico de vários testes ANOVA
pode exceder aquele conseguido com uma única MANOVA. No caso desta pesquisa,
empregando-se apenas 2 variáveis dependentes (VP1 e VP2) e sendo quase certa a ocorrência
de correlação entre elas, a opção pela MANOVA para o teste da hipótese aduzida foi óbvia.
Definiu-se o tamanho total da amostra de proprietários de veículos pelo critério da
disponibilidade de recursos (Tull & Hawkins, 1990). Ademais, tendo em vista a pretensão de
comparação entre as montadoras, fixou-se uma mesma quantidade de 200 proprietários por
concessionária. A pretensão era ter-se uma amostra perfeitamente aleatória dos proprietários.
Todavia, embora com instruções passadas nesse sentido, a seleção acabou ficando sob a
responsabilidade dos gerentes de contato em cada concessionária, o que pode ter provocado
alguma imperfeição na aleatoriedade da extração amostral.
O levantamento dos dados deu-se através do método postal. O questionário seguiu
acompanhado de um envelope já selado para a devolução, nele estando subscrito o endereço
dos pesquisadores e inclusas instruções sobre o preenchimento do questionário no domicílio e
a devolução dele, também por via postal, sem qualquer despesa. Uma carta de
acompanhamento, reiterando a importância da resposta, pela mesma via foi despachada aos
clientes da amostra 10 dias depois, reiterando a importância da resposta.

4. Resultados Encontrados

7
No levantamento de dados dos proprietários, realizado entre outubro de 1997 e abril
de 1998, dos 1.400 questionários remetidos, retornaram em condições aproveitáveis 304,
dando uma proporção de retorno de 22%, conforme anotado na Tabela 1. Tendo em vista as
dificuldades inerentes ao método impessoal de levantamento de dados adotado, afigura-se
razoável essa proporção global de retorno. Todavia, para a Concessionária 5, da montadora
Ford, o retorno foi de somente 8%, destoando em demasia das demais concessionárias, com
perda potencial de representatividade. Por isso, julgou-se conveniente excluir a Ford do
estudo, já que ela já estava representada por uma única concessionária e para esta só havia 15
questionários respondidos. Depois disso, os dados lançados nos questionários pelos
respondentes foram depurados para sanar inconsistências facilmente detectáveis, passando-se
à digitação no programa estatístico SPSS for Windows (versão 6.1), com essa ferramenta
sendo realizadas todas as manipulações e análises necessárias.

TABELA 1
Mapa de distribuição e retorno de questionários por concessionária e fábrica

Concessionária Questionários remetidos Questionários devolvidos Proporção de retorno de


ou Fábrica aos proprietários (A) pelos proprietários (B) questionários (C=B/A )
1 200 55 28%
2 200 45 23%
3 200 53 27%
4 200 53 27%
5 200 15 8%
6 200 48 24%
7 200 35 18%
Total 1.400 304 22%
Fiat 400 108 27%
Ford 200 15 8%
General Motors 400 93 23%
Volkswagen 400 88 22%
Total 1.400 304 22%

As estatísticas descritivas das variáveis do construto Valor Percebido por montadora


encontram-se na Tabela 2. Numa inspeção meramente visual, nas duas variáveis parece haver
muita proximidade da média e do desvio padrão para as 3 montadoras. Recorde-se que as
escalas são de 1 a 10. As médias para a variável VP1 são sempre um pouco maiores do que as
médias respectivas para a variável VP2; isto é, os proprietários avaliaram um pouco melhor o
preço do automóvel tendo em vista a qualidade (VP1) do que a qualidade tendo em vista o
preço (VP2). Mesmo assim, a maior média não foi além de 6,30 (VP1 da General Motors), o
que está longe de constituir um bom resultado, e a menor média ficou em 5,57 (VP2 da Fiat).
As FIG 1 e 2 apresentam as variáveis VP1 e VP2 em boxplot, propiciando uma melhor
visualização comparativa do panorama das distribuições dessas variáveis nas montadoras.
Nesse tipo de gráfico (Norusis, 1993), o limite inferior da caixa é o 25º percentil e o limite
superior o 75º percentil (logo, 50% dos casos têm valores dentro da caixa). A linha horizontal
em negrito dentro da caixa representa a mediana. A posição das duas linhas horizontais de
pequeno comprimento, uma acima e outra abaixo da caixa e a ela ligadas por uma linha

8
vertical, exprimem os maiores valores observados, que não um caso afastado ou extremo. Não
apareceu nenhum destes dois tipos, afastado ou extremo, na massa de dados, como estampado
nos dois gráficos elaborados.

TABELA 2
Estatísticas descritivas das variáveis do construto Valor Percebido por montadora

Montadoras Variáveis do construto Valor Percebido


ou Conjunto VP1 - Preço dada a Qualidade VP2 - Qualidade dado o Preço
Fiat
Média 6,05 5,57
Desvio Padrão 2,74 2,67
General Motors
Média 6,30 5,99
Desvio Padrão 2,87 2,63
Volkswagen
Média 5,99 5,79
Desvio padrão 3,04 2,77
Conjunto das 3 Montadoras
Média 6,11 5,77
Desvio Padrão 2,87 2,68

11

10
9

7
6

5
4

2
1
0
Fiat Volkswagen General Motors

GRÁFICO 1 - Boxplot da variável VP1 (avaliação do preço do automóvel tendo em vista a


qualidade) por montadora

9
11

10
9

7
6

5
4

2
1
0
Fiat Volkswagen General Motors

GRÁFICO 2 - Boxplot da variável VP2 (avaliação da qualidade do automóvel tendo em vista


o preço) por montadora

Os resultados da MANOVA constam da Tabela 3, sendo adiante interpretados


consoante Norusis (1991). Como não há sentido em empreender uma MANOVA se as
variáveis dependentes não são correlacionadas, é útil examinar a matriz das variáveis
dependentes (no caso em pauta, apenas 2 x 2). Para tanto, o Teste de Bartlett foi usado de
modo a verificar a hipótese de que a matriz de correlação populacional é do tipo identidade,
isto é, todos os termos diagonais são 1 e os termos fora da diagonal são 0. Os resultados desse
Teste, como na Tabela 3, revelam um nível de significância baixíssimo, ensejando a rejeição
da hipótese de identidade da matriz e, nesse aspecto, autorizando a aplicação da MANOVA.
Outro requisito da MANOVA é a equivalência das matrizes de covariância ao longo
dos grupos (Hair et al., 1995). A preocupação aqui é com diferenças substanciais na
quantidade de variância de um grupo versus outro para a mesma variável. Com esse
propósito, a Tabela 3 traz dois testes univariados de homogeneidade de variância para cada
variável dependente individualmente. O elevado nível de significância desses dois testes, C de
Cochran e F de Bartlett-Box, indicam não haver razão para rejeitar a hipótese de que a
variância nos grupos (montadoras) são iguais.
Adicionalmente, levando-se em conta os determinantes das matrizes de variância-
covariância de cada célula tanto quanto da matriz em pool de variância-covariância, o Teste
Multivariado das Matrizes de Dispersão proporciona uma aferição multivariada da
homogeneidade das matrizes. Esta tomou a forma de dois testes, F e de Qui-Quadrado, onde o
nível de significância de ambos (acima de 12%) sinaliza ausência de evidência de violação do
requisito pertinente. Logo, ficou por completo viabilizada a utilização da MANOVA.
Quanto à MANOVA em si, a Tabela 3 traz três testes multivariados de significância:
Pillais, Hotellings e Wilks. Para todos eles, os elevados níveis de significância não permitem
rejeitar a nulidade da hipótese formulada. Portanto, não há evidências de que sejam
diferentes, ao longo das montadoras de automóveis estudadas, os vetores formados pelas
médias das 2 variáveis (VP1 e VP2) do construto Valor Percebido, na avaliação dos
proprietários. Fechando os resultados, os Testes F univariados da Tabela 3, com elevados
níveis de significância, sinalizam que as montadoras não diferem na variável VP1 (avaliação
de preço tendo em vista a qualidade) e nem na variável VP2 (avaliação da qualidade tendo em
vista o preço), cada qual tomada individualmente. Tem-se aí formado, em síntese, um
resultado bastante interessante.
TABELA 3
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Resultados da MANOVA das variáveis dependentes do construto Valor Percebido
em relação à variável independente Montadora

I - Teste da Correlação entre as Variáveis Dependentes


Teste de Bartlett Significância
320,73881 0,00000
II - Teste Univariado da Homogeneidade de Variância
Teste C de Cochrans Teste F de Bartlett-Box
Estatística Significância Estatística Significância
Variável VP1 0,37131 0,507 0,58425 0,558
Variável VP2 0,35392 0,891 0,13346 0,875
III - Teste Multivariado de Homogeneidade das Matrizes de Dispersão
Teste F Teste do Qui-Quadrado
Estatística Significância Estatística Significância
1,65568 0,127 9,93415 0,127
IV - Testes Multivariados de Significância
Valor F Aproximado Significância
Pillais 0,00727 0,51441 0,725
Hotellings 0,00731 0,51136 0,727
Wilks 0,99274 0,51289 0,726
V - Testes F Univariados
F Significância Poder
Variável VP1 0,28514 0,752 0,09870
Variável VP2 0,60170 0,549 0,15226

5. Algumas Limitações Incidentes


Incidiu sobre a pesquisa a restrição de um erro de não-resposta dos proprietários, pois
a maior parte deles, cerca de 78% no todo das 7 concessionárias pesquisadas (Tabela 1),
incluídos para tomar parte das amostras, não responderam o questionário. Ainda que a
proporção de retorno em tal tipo de levantamento impessoal e postal não seja em geral alta,
fato é que muitos dos consultados não se manifestaram. Pior ainda foi o caso da única
concessionária Ford, com apenas 8% de retorno dos questionários. Por isso, a dúvida que se
instala é se aqueles que responderam diferem substantivamente daqueles que não
responderam em termos de variáveis relevantes para o estudo (Malhotra, 1995). Se a
discrepância é expressiva, então as estimativas extraídas das amostras devem estar
contaminadas de viéses. Como um nível maior de respostas diminui a probabilidade de
ocorrência de um viés de não-resposta, em outras pesquisas devem ser implementadas ações
para elevar a taxa de respostas. Com isso seria atendida outra recomendação, qual seja, a de
elevação dos níveis de confiança e precisão das estimativas, mesmo que eles não tenham sido
estimados nesta pesquisa.
Lamentável foi não poder contar com a montadora Ford na amostra pesquisada, seja
pela estranha recusa da concessionária Clássica em tomar parte do estudo, seja pela aludida
baixa taxa de retorno de questionários da concessionária Pisa. Quanto a esta, já se iniciou o
refazimento do levantamento de dados, quando serão consultados 200 outros proprietários,
provenientes de nova amostragem aleatória. Quanto à Clássica, parece irremovível a
insensibilidade de seus dirigentes, de forma que a alternativa restante seria incorporar uma
11
outra concessionária Ford de Belo Horizonte, mesmo sabendo-se que nenhuma delas possui 3
anos de existência. Este intervalo máximo, sugerido na metodologia de Fornell et al. (1996),
por conseguinte, terá de ser sacrificado, prejudicando a estrita comparabilidade dos dados.
Enfim, por ora é o que se afigura exeqüível para avançar, superando essa limitação de excluir
a Ford, uma das quatro grandes montadoras do País.
Generalização dos resultados foi outra limitação da pesquisa, já que as organizações
estudadas foram todas provenientes de uma mesma cidade. Recomendável seria promover o
teste da hipótese levantada estendendo-se a população alvo, incluindo concessionárias e
proprietários de outras cidades e regiões brasileiras. Melhor ainda se fosse possível tomar o
Brasil como um todo. Esta última e ideal opção, entretanto, exigiria acesso aos cadastros das
próprias montadoras contendo os clientes compradores de carros novos, o que se pretende
mais adiante buscar, talvez com a interveniência do órgão de representação do ramo, a
Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA).

5. Conclusões e Implicações
Os resultados mostram, em conclusão, que as três montadoras de automóveis
instaladas no Brasil que foram pesquisadas, Fiat, General Motors e Volkswagen, não se
diferenciam em Valor Percebido na avaliação dos proprietários de seus automóveis, nos
limites da amostra tomada e das demais limitações expostas. Em outras palavras, as três
empresas são vistas como semelhantes para seus clientes em termos de Valor Percebido.
Ademais, é digno de nota o nível de Valor Percebido pelos proprietários, oscilando entre 5,57
e 6,30, isto numa escala de 1 a 10, o que conforma um quadro por demais desfavorável para
todas as montadoras nesse construto tão relevante.
Faz sentido o que afirma Fairen (1996), explicando que, quando os preços no varejo
de carros novos são plotados versus um parâmetro que caracteriza seu volume, surge um
mapa de convergência na direção de somente uns poucos padrões de automóveis. A
existência desses padrões pode ser considerado, segundo esse autor, como o resultado de um
processo de imitação entre as montadoras, que por sua vez parecem ter escolhido, com isso,
uma estratégia de sobrevivência coletiva. Daí uma possível coexistência de vários modelos
similares de carro, como facilmente observado no mercado. Talvez as montadoras aqui
pesquisadas, quiçá tantas outras, e seus automóveis estejam mesmo nessa situação
caracterizada por Fairen. Sem embargo, tal imitação tem pouca chance de assegurar a
continuidade da sobrevivência coletiva.
Porque essas montadoras e seus automóveis podem estar incorrendo na situação
descrita genericamente por Engel et. al. (1994): alcançaram ou estão no caminho de chegar
ao status de meras commodities. A séria implicação disso, claro, é que a marca cessa de ser
um fator na compra, degenerando a competição em preço e promoções de vendas. Acontece
que, para ser realmente bem sucedido disputando na base do preço, insta contar com a
estratégia de liderança do custo total, o que, quanto muito, seria prerrogativa de um, tão só
um, dos concorrentes. A propósito, seria interessante pesquisar as posições de custos da
montadoras.
As montadoras não estão inertes. Pensando além do Brasil, há um certo otimismo de
Brookes & Little (1997), resumindo as tentativas de mudanças nos EUA, onde as empresas do
ramo buscam desenvolver um foco mais apurado no cliente. No geral, segundo eles, exemplos
de mudanças substanciais nas abordagens tradicionais do ramo estariam tornando-se
aparentes. Outro flanco de diferenciação muito enfatizado está nas concessionárias (Pelofsky
& Schlesinger, 1991), cujos serviços em bons níveis, em sintonia com as necessidades e
desejos do cliente, deve assumir um papel muito mais importante no processo de compra de
um automóvel, já que diminui, até desaparece, a diferença entre os automóveis.

12
Dolliver (1997) recomenda até que as montadoras se voltem para questões subjetivas,
pois a qualidade melhorou até um tal ponto, que os consumidores tomam o desempenho sem
problemas como algo obrigatório. Porém, Crain (1996) alerta que empresas como a japonesa
Nissan e a norte-americana General Motors precisam aprender logo que a propaganda, por
exemplo, não pode fazer milagres. Para ele, não se pode querer que os anúncios da Nissan
criem uma herança instantânea para a montadora quando se sabe o que ela traz de ruim do
passado. Já os gerentes da General Motors não podem querer esculpidas diferenças dentro e
entre suas divisões quando na realidade nenhuma existe.
Então, pode ser que o panorama adverso constatado nesta pesquisa seja mais comum,
no Brasil e em outros países. Eis porque Gelsi (1996) ironiza que nos Estados Unidos, com
uma demanda estática e a crescente transformação dos veículos em commodities no mercado
doméstico de mais de 400 milhões de dólares, a General Motors, Ford e Chrysler terão de
competir mudando os “motores” de suas organizações. Keller (1997) é enfático em relação ao
EUA: embora as montadoras de lá tenham melhorado nos últimos anos, com forte
aprimoramento gerencial, os eventos recentes sugeririam que elas não estão ainda preparadas
para enfrentar os desafios confrontando-as. E diz que as montadoras não podem escapar de tal
realidade tornando-se globais. Pois a globalização, não seria uma estratégia para o sucesso
quando os sistemas de fabricação e de desenvolvimento de produto, como também a estrutura
de custos, não serão em nada melhores nos mercados estrangeiros do que o são na nação sede.
De fato, Craig & Douglas (1996) recordam que, à medida que o cenário global torna-se
ocupado por um arranjo cada vez mais diversificado de empresas de diferentes portes,
atuando em diferentes ramos e de variadas origens nacionais, desenvolver uma estratégia para
competir efetivamente em mercados globais é algo sempre mais e mais complexo.
Por isso tudo, é muito pertinente o raciocínio que Dove (1996) desenvolve. As
empresas bem sucedidas sabem a maior parte dos requisitos competitivos de seus ramos e
desenvolvem competências neles. Todos ramos possuem múltiplos requisitos de competência
em muitas práticas de negócios. É improvável que uma empresa qualquer tenha, para todas as
práticas críticas, superioridade de competência. Práticas críticas são aquelas que diferenciam
os concorrentes de sucesso no ramo, pois as práticas necessárias para sobrevivência, mas que
se tornaram comum numa indústria, saem da lista crítica. Sucede que a mudança de
proficiência em práticas críticas tornou-se hoje uma ampla fronteira, não sendo de fácil
assimilação pela maioria dos gerentes e empresas. O desafio está no fato de que as novas
práticas mais importantes geralmente não são aquelas visíveis na superfície, presentes no
cotidiano, e nenhuma empresa, no fundo, compreendeu todas as práticas críticas de seu ramo.
Quais são essas novas práticas críticas no caso das montadoras, como desenvolvê-las a ponto
de viabilizar uma estratégia competitiva (como a diferenciação), isso está no cerne do desafio
competitivo que o ramo automobilístico inexoravelmente tem de enfrentar.

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