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1 Núcleo de Estudos Abstract The author analyzes the new social policy shaped by the assimilation of the notion of
Político-Sociais em Saúde,
integral social protection with a view towards equity. The premises marked the social reform
Departamento de
Administração contained in the wording of the 1988 Constitution and in the laws regulating the respective
e Planejamento em Saúde, rights during the 1990s, including public social assistance, health care, and education. The arti-
Escola Nacional de Saúde
cle demonstrates how, in the former context, Brazil’s children and adolescents were subject to
Pública, Fundação Oswaldo
Cruz. Rua Leopoldo Bulhões great vulnerability due to their position in the country’s social structure, aggravated by differen-
1480, Rio de Janeiro, RJ tial access to public goods and services. An analysis of the health care policy for children and
21041-210, Brasil.
adolescents, emphasizing an inter-sectoral approach and redefining social and health programs
mhelenam@ensp.fiocruz.br
and measures in the 1990s, was not intended to be conclusive but did point to some trends in the
reorganization of public social assistance policy for low-income youth, in keeping with gains ob-
tained in social indicators of vulnerability in the areas of health, education, and labor during
the last decade. Still, the author concludes that this policy reorientation renewed the tension be-
tween targeting more vulnerable segments of the population with selective measures as com-
pared to universal and comprehensive access to social protection.
Key words Child Health; Adolescence; Social Assistance; Health Care; Equity
Resumo O trabalho analisou a nova política social que se configurou pela assimilação da no-
ção de proteção social integral com vistas à eqüidade. Os seus pressupostos marcaram a reforma
social contida no texto constitucional de 1988 e nas leis regulamentadoras dos direitos assegura-
dos – assistência social, saúde e educação públicas – nos anos 90. Mostrou-se que, no contexto
precedente, a população jovem no Brasil apresentava situação de grande vulnerabilidade, em
face da sua posição na estrutura social, reforçada pelo acesso diferenciado a bens e serviços pú-
blicos. A análise da política de atendimento para a infância e adolescência, que enfatizou a in-
tersetorialidade e redefiniu os programas e ações sociais e de saúde, nos anos 90, não pretendeu
ser conclusiva, mas apontou algumas tendências na reordenação da política de assistência pú-
blica para o população jovem pobre, compatíveis com alguns avanços dos indicadores sociais de
vulnerabilidade na área da saúde, educação e trabalho na década. Contudo, considerou-se que
essa reorientação renovou a tensão entre a focalização nos segmentos mais vulneráveis, com se-
letividade das ações a serem oferecidas e a universalização com integralidade da proteção social.
Palavras-chave Saúde Infantil; Adolescência; Assistência Social; Assistência à Saúde; Eqüidade
construção da imagem da família brasileira, de- mília, incluindo os próprios adolescentes. É en-
volvendo-lhe a responsabilidade de criar e edu- tre a população de zero a 6 anos que se encon-
car seus filhos, a partir de suas condições ma- travam as maiores ocorrências da condição de
teriais. Assim, prioritariamente a criança deve indigência, sendo sempre mais intensa na Re-
permanecer junto aos pais, exigindo que as po- gião Nordeste do país.
líticas foquem o ambiente social onde se inse- A dimensão rural do fenômeno chama a
rem crianças e adolescentes, para atender à ne- atenção para a estrutura familiar sendo maior
cessidade do grupo familiar. A política de aten- na faixa de zero a seis anos, e na condição de
dimento passa a ser centrada não só no indiví- membro de família estruturada de modo mo-
duo mas no alcance de suas relações sociais, se- noparental, com chefia feminina que participa
jam os demais membros familiares, sejam as co- do mercado de trabalho.
munidades onde eles vivem (Mendonça, 2000). A chefia feminina apareceu proporcional-
Essas novas definições esbarraram em al- mente maior entre os adolescentes de 15 a 17
guns constrangimentos nos primeiros anos da anos, indicando que a ruptura do vínculo con-
década de 90. O setor social de assistência foi jugal e o isolamento da mulher podem estar as-
desmontado pelas reformas liberais imple- sociados às dificuldades de garantir a reprodu-
mentadas, sem que se definissem novos pro- ção da prole, colocando-a no circuito do mer-
gramas e ações que abordassem as desigualda- cado de trabalho.
des sociais dado à vulnerabilidade dos jovens O abandono escolar entre a população in-
brasileiros no âmbito local. digente infanto-juvenil total era bastante ele-
A situação de indigência desse grupo social, vado – 1,6 milhões (26%) de crianças na faixa
no Brasil, divulgada pelo governo (IPEA/IPLAN, de idade com freqüência escolar obrigatória,
1993), já no período pós-impeachment do Pre- estavam fora da escola, sendo maior a propor-
sidente Fernando Collor, apontava para sua dis- ção de crianças indigentes sem freqüentar es-
tribuição espacial, para a configuração familiar cola no meio rural e nas regiões metropolitanas.
das crianças e adolescentes indigentes e para o A proporção de jovens que não freqüenta-
grau de participação dos jovens de 7 a 14 anos vam a escola alcançava 60% entre os jovens de
nas instituições sociais – escola e trabalho – e 15 a 17 anos. Essa situação variava bastante
permitiu estabelecer os parâmetros da focali- conforme a condição de domicílio, sendo sem-
zação das políticas que poderiam ser adotadas. pre mais grave no meio rural. Entre os jovens
A revisão dessas relações sociais se apoiou, de 15 a 17 anos, 23% eram analfabetos e 20 %
sem dúvida, na discriminação dos grupos por tinha ensino básico (quatro primeiras séries)
faixas etárias ligadas aos principais ciclos de vi- concluído.
da, em face da percepção de diferentes neces- Essa baixa escolaridade somada a não fre-
sidades e da exigência de diferentes formas de qüência à escola repercute nas condições de
ação durante o processo de desenvolvimento inserção no mercado de trabalho e de supera-
individual e social: a primeira infância (pré-es- ção da pobreza, agravada pela precocidade em
colaridade), a infância (escolarização) e ado- que este grupo ingressa no mercado para com-
lescência (escolarização mais capacitação pro- plementar a renda familiar ou buscar seu pró-
fissional). prio sustento. A condição de trabalho era mais
O contingente de miseráveis na população freqüente no meio rural, onde estavam maio-
total brasileira estava em 1990 na ordem de 32 res taxas de ocupação para essa faixa etária.
milhões, entre os quais 15 milhões eram crian- Isto constitui uma situação desfavorável,
ças e jovens entre zero e 18 anos (IPEA/IPLAN, em especial para as crianças, pela deterioração
1993). Portanto, a incidência de jovens em si- do trabalho infantil, com baixíssima remune-
tuação de indigência correspondia a cerca de ração, associada à família como unidade eco-
25% da população infanto-juvenil, que era de nômica produtora neste setor e até ao trabalho
45 milhões. escravo.
A indigência infanto-juvenil como um fenô- Ao analisar a participação do jovem entre
meno urbano, se destacava nas áreas metropo- 10 e 14 anos no mercado de trabalho, e a rela-
litanas e nas maiores concentrações como o Rio ção entre a freqüência à escola e a apartação
de Janeiro (471 mil) e em São Paulo (327 mil) na dessa etapa de socialização, observou-se que a
Região Sudeste, seguidos por Recife (283 mil) e situação dos jovens entre os 10 e 14 anos esta-
Fortaleza (229 mil) na Região Nordeste. va longe de garantir condições de desenvolvi-
Os índices de indigência se reduziam com o mento integral aos mesmos.
aumento da idade das crianças, o que pode es- Estudos mais recentes atualizam essa reali-
tar associado a uma capacidade de gerar rendi- dade permitindo observar onde e como o de-
mentos por parte dos diversos membros da fa- senvolvimento humano se expressou com maior
sensibilidade, atuando sobre os fenômenos de centes entre 15 e 17 anos tem-se 60% de fre-
vulnerabilidade crescentes no período de 1970 qüência em 1992, passando-se a 78,5% em 1999.
a 1990. Assim, alguns indicadores medidos no A análise preliminar destes dados aponta-
intervalo entre os anos de 1992 e 1999 apresen- ram algum impacto da vigência de normas le-
taram uma pequena queda (IBGE, 2000). gais que exigem a presença obrigatória na es-
O setor saúde contribui para este quadro cola do jovem até 14 anos; proíbem o trabalho
com os indicadores de saúde e longevidade – infantil e inibem a incorporação precoce do jo-
esperança de vida ao nascer e taxa de mortali- vem entre 12 e 14 anos, fase em que ele pode
dade infantil – que vêm mostrando uma contí- ser apenas sujeito de treinamento, estando ex-
nua e progressiva melhora nestas duas déca- cluído do mercado formal.
das, associada aos investimentos realizados na Mesmo reduzidos o trabalho infanto-juve-
infra-estrutura de serviços de saúde e sanea- nil e a não escolarização em seus distintos e ne-
mento e ao aumento da cobertura. Ao longo gativos aspectos – evasão, baixa escolaridade e
dos anos 90, aprofundou-se a definição mais analfabetismo – se somam à falta de capacitação
precisa de programas de saúde para a popula- profissional para compor a problemática enfren-
ção total e para grupos específicos como a mu- tada por essa população, também marcada pe-
lher, a criança e o adolescente, entre outros, la fome e desnutrição, que prejudicam sua saú-
que inclusive adotaram uma perspectiva mais de, além da violência, que afeta sua existência.
coletiva e preventiva. Os riscos inerentes a estas precárias condi-
No entanto é ainda na área de saúde que se ções de vida caracterizadas pela fragilidade do
observam indicadores que expressam forte- núcleo familiar e fracasso da escola como agen-
mente os riscos que afetam a população jovem tes socializadores de base, e pelas vivências de
entre 15 e 19 anos, como a taxa de mortalidade rua, se traduzem em muitas situações de risco
proporcional por causas de óbitos. Para o Brasil para a infância e a juventude, que são formas
temos que em 1992, 63% dos óbitos entre jovens de exploração que as sociedades desenvolvidas
eram por causas externas, sendo a menor taxa já conseguiram controlar, e que permanecem
da Região Norte (52%), enquanto no Sudeste como desafios para a política de atendimento
(69%) ultrapassou a média nacional. Em 1999, à juventude no Brasil.
esses percentuais continuam a crescer sendo a A exclusão que se observa ainda pressiona
taxa para o Brasil de 68%, enquanto o Sudeste os jovens a formas negativas de integração, le-
tem 73% e a Região Norte 62% (IBGE, 2000). vando alguns até mesmo a carreira de infrator,
Evidencia-se também que a taxa de ativida- onde esbarram com a marginalização jurídico-
de total entre os jovens teve pequena variação policial. Esta mais ainda faz parte de um pro-
entre 1992 (61,5%) e 1999 (61,0%). No entanto, cesso político que tem como efeito reforçar a
é significativa a queda para o grupo de 10 a 14 exclusão do processo decisório, que ordena a
anos, de 22% em 1992 chega a 17% em 1999. vida social, política e econômica e a sua não in-
Para o grupo de 15 a 17 anos, a variação é de tegração social (Luz, 1993).
54%, em 1992, para 45% em 1999. Essa variação
se dá em todas as unidades da federação e nas
regiões metropolitanas (IBGE, 2000). A política de atendimento à infância
A queda no emprego das crianças e adoles- e à adolescência
centes pode indicar a redução da incorporação
precoce dos jovens, contudo os maiores de 18 O governo que tomou posse, em 1995, estrutu-
esbarram com poucas oportunidades de ab- rou sua política no campo social privilegiando
sorção no mercado de trabalho, qualquer que o planejamento em torno das ações sociais bá-
seja sua qualificação profissional. Isto se agra- sicas, e se propondo a organizar a sociedade ci-
va nas camadas populares com baixa escolari- vil para a ação substitutiva ao Estado na esfera
dade e sem especialização técnica, indicando social, em especial, quanto à política sanitária,
uma tendência de exclusão dessa população. à erradicação do analfabetismo e à formação
A taxa de escolarização apresenta uma ele- do jovem para o trabalho.
vação em todas as faixas de idade que com- Duas foram as vertentes das políticas do
põem tradicionalmente a população de estu- governo federal voltadas para a juventude, vi-
dantes. Esse aumento se dá especialmente en- sando alterar o quadro já descrito. Uma foi a
tre crianças de 5 e 6 anos, mostrando em 1999 Política de Promoção e Proteção Integral da In-
maior freqüência à pré-escola (71%), que em fância e da Adolescência, apresentada desde
1992 (54%). Para a faixa de 7 a 14 anos observa- 1995, pelo Ministério da Justiça, simultanea-
se que 87% freqüentavam a escola em 1992, ta- mente ao desmonte das estruturas herdadas da
xa que sobe para 96% em 1999. Para os adoles- Política Nacional de Bem-Estar do Menor, já al-
cial no contexto da seguridade social se frus- O desafio que fica para as agências que exe-
trou na década de 90. Assim temos que: cutam a política de atendimento é expandir for-
• Os benefícios materiais ofertados aos jo- mas alternativas e mais democráticas de agir,
vens e às famílias, voltados para sua inserção que reforcem mais os vínculos institucionais
autônoma no mercado, frente aos limites im- dos jovens e trabalhem a iniciativa do indiví-
postos ao crescimento econômico e ao aumen- duo, para que ele elabore projetos para seu pró-
to do desemprego na reestruturação produtiva prio desenvolvimento, além de valorizar a livre
desencadeada nos anos 80, ainda são residuais; escolha e manifestação da vontade do jovem
• A garantia do acesso dos jovens a serviços so- diante dos efeitos da crise econômica e social,
ciais, promovendo e acompanhando seu desen- que atinge a todos.
volvimento, ainda não é universal, tendo-se mes-
mo nesta década reforçado sua focalização.
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