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Cristologia: a Pessoa e a Obra de Nosso Senhor Jesus Cristo


Kelson Mota T. Oliveira

Parte IV - A Humanidade de Jesus


"E o verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1:14)

O tópico sobre a humanidade de Jesus não é tão discutido quanto a sua divindade, mas seu
estudo é tão importante quanto este. Que Jesus é Deus, todos os cristãos sinceros concordam e
entendem, contudo a idéia da sua humanidade, ainda que aceita, não é corretamente entendida, e
poucas vezes ensinada.
O credo cristão formula a natureza de Jesus como sendo plenamente Deus e plenamente
Homem. Ou seja, o Deus encarnado assumiu completamente a humanidade, tornando-se passível
das mesmas limitações físicas e psicológicas comuns a todos os homens. Uma vez que estávamos
separados de Deus pelo pecado, foi necessário que o próprio Deus encarnasse para que pudéssemos
voltar a ter novamente comunhão com Ele. Dessa forma, a genuinidade da divindade de Cristo
garante a eficácia de sua obra realizada na cruz, e a realidade de sua humanidade garante que sua
morte é aplicável a todos os seres humanos.
Vejamos o que a Bíblia tem a nos ensinar sobre o aspecto humano da natureza de Cristo.

1. O Testemunho das Escrituras Sobre a Humanidade de Jesus

Há indicações claras na Bíblia que Jesus era uma pessoa plenamente humana, sujeito a todas
as limitações comuns à raça humana, mas sem pecado. Como tal nasceu como todo ser humano
nasce. Embora sua concepção tenha sido diferente, uma vez que não houve a participação de um ser
humano masculino, todos os outros estágios de crescimento foram idênticos ao de qualquer ser
humano normal, tanto física como intelectual e emocional. Também no sentido psicológico, era
genuinamente humano, pois pensava, raciocinava, se emocionava, como todo ser humano normal.

1.1. Sua Natureza Física.


• Seu nascimento (Lc 2: 6,7): Jesus não desceu dos céus, e sim nasceu de uma mulher humana,
passando por todas as fases que uma criança normal passaria.
• Sua árvore genealógica (Lc 3: 23-38; Mt 1:1-17): a Bíblia deixa evidente portanto que Jesus
teve, por parte de Maria, ancestrais humanos, dos quais provavelmente herdou características
genéticas, como todos os homens o recebem de seus antepassados.
• Seu crescimento (Lc 2:52): cresceu como toda criança normal cresceria, alimentada por comida
e água. Seu corpo não era sobre-humano, e não tinha características especiais, diferentes de
qualquer ser humano normal.
• Suas limitações físicas: em tudo idênticas aos de um ser humano.
• Sentia fome (Mt 4:2; Mc 11:12).
• Sentia sede (Jo 19:28)
• Ficava cansado (Jo 4:6)
• Sofria a dor (Jo 18:22; 19: 2,3)
• Sua percepção pelos homens (I Jo 1:1; Mt 9: 20-22; 26:12; Jo 20: 25,27): Jesus de fato foi
visto e tocado pelos homens a sua volta. Não era um espírito com a forma humana, nem um
fantasma, mas um homem real, a ponto de Tomé só acreditar em sua ressurreição após tocá-lo.
Mesmo o testemunho do Espírito de Deus afirma que Jesus tomou plenamente a forma humana
(I Jo 4: 2,3a).
• Sua morte(Lc 23: 46; Jo 19: 33,34): Jesus Podia morrer, como de fato morreu. Sua morte não
foi aparente, mas verdadeira. Seu corpo sucumbiu aos sofrimentos infligidos e de fato expirou à
semelhança de todos os homens. Esta é talvez a suprema identificação de Jesus com a
humanidade, pois sendo Deus não deveria morrer, mas ao assumir plenamente a humanidade,
torna-se sujeito a possibilidade da morte. Eis uma verdade tremenda e profunda.
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1.2. Sua Natureza Psicológica e Intelectual


⇒ Quanto ao Caráter Emotivo
• Sentia emoções (Mt 9:36; 14:14; 15:32; 20:34): ainda que sentir emoções não seja uma prova
da humanidade de Jesus, uma vez que Deus também se emociona, elas demonstram a plena
humanidade de Cristo, como também deixam claro algumas reações tipicamente humanas.
• Sentia tristeza e angústia (Mt 26:37)
• Sentia alegria (Jo 15:11; 17:13; Hb12:2)
• Sentia indignação (Mc 3:5; 10:14)
• Sentia ira (Mt 21: 12,13)
• Se surpreende (Lc 7:9; Mc 6:6): Jesus se mostra genuinamente surpreso perante a fé do
centurião e se admira da incredulidade dos habitantes de Nazaré. Não era uma atitude falsa ou
de retórica, Jesus realmente era surpreendido em algumas circunstâncias.
• Se sente atormentado (Mc 14:33): no Getsêmani Jesus foi tomado de grande angústia e pavor.
Estava em conflito íntimo e se atormenta pelo fato de não querer ser deixado só, contudo ainda
assim escolhe fazer a vontade do Pai. Mesmo na cruz, sua frase "Deus meu, Deus meu, por que
me desamparaste?" (Mc 15:34), é uma das expressões mais humanas de solidão já registradas
na história dos homens.
• Se comove e chora (Jo 11:33,35,38): Mesmo sabendo de antemão que Lázaro havia morrido,
Jesus é tomado de comoção e chora ao ver a tristeza ao seu redor e a triste realidade humana da
morte. A expressão "agitou-se no espírito", retrata vividamente alguém gemendo no íntimo,
aflito e comovido com uma situação que trás dor e cansaço.
⇒ Quanto ao Caráter Intelectual
• Seu conhecimento era superior ao dos homens: em termos intelectuais, Jesus possuía um
conhecimento que se destacava em relação aos outros homens. Ninguém na História Humana
disse palavras tão belas, de grande profundidade e de maior alcance. Não só isso, Jesus deu
claras demonstrações de um conhecimento além da capacidade humana. Sabia o que pensava os
seus amigos e inimigos(Lc 6:8; 9:47). Conhecia coisas sobre o presente, pois sabia que Lázaro
estava morto (11:14), o passado, uma vez que conhecia o fato da mulher samaritana ter tido
cinco maridos (Jo 4:18) e o futuro das pessoas, ilustrado no fato de antemão ter avisado a Simão
Pedro de sua negação (Lc 22:33).
• Seu conhecimento não era ilimitado: em algumas passagens vemos Jesus fazendo perguntas
retóricas afim de reforçar algum ensinamento (Mt 22: 41-45), contudo há outras passagens em
que Jesus pergunta sinceramente em busca de informações às quais não possuía. Um exemplo
claro foi o caso do garoto acometido de um espírito de surdez e mudez, onde Jesus pergunta ao
pai dele "Há quanto tempo isto lhe sucede?" (Mt 9: 20,21). Há nesta passagem uma clara alusão
que Jesus não tinha tal informação, e a julgava útil e necessária para promover a restauração
daquele garoto. Um outro caso ainda mais explícito foi no discurso apocalíptico em Mc 13:32,
quando ao ser interpelado sobre quando voltaria uma segunda vez, Jesus respondeu
francamente: "Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem
o Filho, senão o Pai". Foi uma declaração clara de sua falta de conhecimento sobre essa
informação.
⇒ Quanto ao Caráter Religioso
• Participava regularmente dos cultos na sinagoga (Lc 4:16): era de seu costume ensinar nas
sinagogas e visitar e participar dos cultos no templo quando estava em Jerusalém.
Humanamente mantinha um padrão de vida religioso irrepreensível quanto aos parâmetros de
Deus.
• Mantinha uma vida de oração (Lc 6:12; 22: 41,42; Jo 6:15): várias ocasiões vemos Jesus sair
para orar sozinho ou em grupo. Sua dependência humana do Pai era total e a oração era uma
prova disso. Em todas as coisas Jesus se mostrou plenamente humano, tanto no aspecto físico,
como no mental. Não havia dúvidas para os autores do NT que Jesus era plenamente homem.
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2. Jesus, Plenamente Homem, Totalmente Singular

Pelos tópicos acima está claro que Jesus assumiu completamente a humanidade, sujeito a
todos os reveses que o estado de humanidade poderia lhe trazer, contudo Jesus não um homem
qualquer, igual a todos os homens. Vários fatos em sua vida mostram essa santa singularidade:

2.1. O Nascimento Virginal


Jesus nasceu como todos os homens, no entanto sua concepção no ventre de Maria foi de
origem divina, sem a participação do componente sexual masculino (Mt 1:18-25; Lc 1:26-38).
Teologicamente chamamos a isso de concepção virginal. Maria era virgem na época da concepção e
assim continuou até o momento do nascimento de Jesus. As Escrituras deixam muito claro que José
não teve qualquer intercurso com Maria antes do nascimento de Jesus (Mt 1:25).
A influência sobrenatural do Espírito Santo é que tornou possível a geração de Jesus no ventre
de Maria. Isso não significa que Jesus é o resultado de uma relação de Deus com Maria, longe de
nós tal idéia. O que Deus fez foi providenciar, por uma criação especial, tanto o componente
humano ordinariamente suprido pelo macho (e assim o nascimento ser virginal) como um fator
divino ( e assim a encarnação). Assim, o nascimento de Jesus nos aponta algumas verdades
essenciais no cristianismo:
• Que nossa salvação é sobrenatural (Jo 1:13): a salvação não vem pelo nosso esforço ou
realização.
• Que a salvação é uma dádiva da Graça (Ef 2:8): assim como não houve nenhum mérito em
Maria para que fosse escolhida, da mesma forma acontece conosco quando somos salvos.

2.2. A Impecabilidade de Jesus


Outra prova da singularidade de Jesus como homem é o fato de não ter pecado:
"...antes foi ele (Jesus) tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado."(Hb 4:15)
A Bíblia mostra Jesus como um sumo sacerdote totalmente sem mancha e feito mais alto que
os céus (Hb 7:26; 9:14). Pedro nos ensina que Jesus é o Santo de Deus (Jo 6:69) e que não cometeu
pecado (II Pe 2:2). O que está de acordo com a afirmações de João, que em Jesus não existe pecado
(I Jo 3:5), e as de Paulo que Cristo não conheceu pecado (II Co 5:21).
Mesmo as acusações de blasfêmia feitas a Jesus pelos judeus são infundadas (Lc 5:21), uma
vez que Ele sendo Deus tinha pleno poder para perdoar os pecados. E mesmo algumas pessoas da
época deixaram bem claro a inocência de Jesus:
- A esposa de Pilatos (Mt 27:19): "Não te envolvas com o sangue deste justo".
- O ladrão na cruz (Lc 23:41): "este nenhum mal fez".
- Judas, o traidor (Mt 27:4): "Pequei, traindo sangue inocente".
A Bíblia deixa claro portanto a impecabilidade de Jesus, mas isso não invalida as tentações
que sofreu como algo de somenos. Foram as tentações genuínas, e embora Jesus pudesse pecar , era
certo que não pecaria. Entretanto alguém poderia levantar a questão: uma pessoa que não pode cair
ao ser tentado, de fato experimentou a tentação? Um famoso comentarista bíblico, Leon Morris,
argumenta que uma pessoa que resiste até o fim conhece todo o poder da tentação. Dessa forma a
impecabilidade aponta para uma tentação muito mais intensa que estamos geralmente acostumados
a pensar e sentir. Diz Morris que "O homem que cede a certa tentação não sente todo o seu poder".
Uma outra pergunta que fica no ar é: se Jesus não pecou, Ele era realmente humano? Se
respondermos não, estaremos incorrendo em gravíssima heresia, pois estamos dizendo em outras
palavras que Deus criou o homem naturalmente pecador e portanto Ele é a causa do pecado e o
criador de uma natureza má e corrompida. O Senhor é puro de olhos, Ele sequer pode contemplar o
pecado (Hc 1:13), quanto mais ser a causa intencional de seres corrompidos pelo mesmo pecado.
Não, a resposta não só não é este como a pergunta está formulada de maneira errada, pois estamos
de certa forma perguntando se Jesus é tão humano quanto nós. O correto é perguntar:
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Somos tão humanos quanto Jesus? Esta pergunta nos remete a verdade que não temos a
humanidade em toda a sua plenitude. Não somos seres humanos genuinamente puros, assim como
Jesus o foi. Do ponto de vista bíblico só houve três seres humanos completamente humanos: Adão e
Eva (antes da Queda), e Jesus. Todo o restante da humanidade é apenas uma sombra da humanidade
original. Nossa humanidade é totalmente conspurcada pelo pecado que tenazmente nos assedia.
Somos versões inferiores da versão adâmica original. Dessa maneira Jesus não só é humano como
nós, como também é mais humano. É sua humanidade que deve ser padrão para nós e não o inverso.

2.3. A Unidade na Pessoa de Jesus


Jesus é também singular no que diz respeito a sua pessoa. Sendo Ele Deus perfeito e Homem
perfeito, não é duas pessoas ao mesmo tempo. Ainda que seja de difícil compreensão a unificação
do ser divino com o ser humano em um único ser, Jesus nos é apresentado dessa maneira nas
páginas do NT.
A falta de referências bíblicas sobre uma dualidade existente na pessoa de Jesus já é claro
indicativo que há uma unidade em torno de sua Pessoa. No entanto há textos claros sobre a deidade
e a humanidade de Jesus reunidas em um único ser (Jo 1:14; Gl 4:4; I Tm 3:16; I Co 2:8).
A fé cristã enuncia este mistério desde o século cinco da seguinte forma:
"Um só e mesmo Cristo, Filho Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas,
inconfundíveis e imutáveis, indivisíveis e inseparáveis; a distinção de naturezas de modo algum é
anulada pela união, mas pelo contrário, as propriedades de cada pessoa e natureza permanecem
intactas concorrendo para formar uma só Pessoa..."
Jesus ao assumir a forma humana, adquire atributos humanos, mas não desiste de sua natureza
divina (Fp 2: 6,7). Quando Paulo fala em Fp que Jesus se esvaziou assumindo a forma de servo, é
da posição de igualdade com Deus que Jesus se esvazia e não da natureza divina. Assim Jesus se
submete funcionalmente ao Pai e ao Espírito Santo no período da encarnação. Mantém todos os
atributos divinos (Cl 2:9), mas os submete voluntária e humildemente ao Pai, não fazendo uso deles
a não ser que seja esta a vontade dAquele que o enviou.
Também deve ficar claro que Jesus não era em algumas ocasiões humano e noutras divino, e
nem mesmo um terceiro ser resultante da fusão das duas naturezas. Seus atos sempre foram
humanos e divinos ao mesmo tempo. Dessa maneira a humanidade e a divindade são conhecidas de
forma mais completa em Jesus Cristo. Não existe melhor fonte para conhecermos como deveria ser
o ser humano do que olharmos para Jesus. Ele é o novo Adão e nEle somos feitos novas criaturas,
segundo a vontade de Deus (Jo 1:12; II Co 5:17). Mas Cristo também é nossa melhor fonte para
conhecermos como e quem é Deus, pois Ele nos revela de forma mais plena possível o Pai:

"Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou" (Jo 1:8).

"Se vós me tivésseis conhecido, conheceríes também a meu Pai. Desde agora o conheceis e o
tendes visto. Replicou-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta. Disse-lhe Jesus:
Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim, vê o Pai;
como dizes tu: Mostra-nos o Pai?" (Jo 14: 8,90).

Jesus, Nosso Senhor, é alguém totalmente singular entre todas as pessoas que viveram e
viverão na face da terra. Ele é o perfeito humano, sem pecado, dependente da vontade do Pai e
submisso a ela. É também verdadeiro Deus, em honra, majestade e poder, que assumiu a
humanidade e do homem teve compaixão a ponto de morrer por ele, de forma que este fosse liberto
do pecado, para que pudesse viver como filho de Deus. Sua obra e propósito eterno foram e serão
plenamente cumpridas. Louvado seja o Senhor por ter enviado seu Filho a mundo, para que fosse
salvo todo aquele que nEle crê.
Ao Deus triúno na pessoa do Senhor Jesus seja a glória, a majestade e a honra, antes de todas
as eras, e agora, e por todo os séculos. Amém!

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