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Capítulo 3 – Aprendizagem
Continuidade e descontinuidade
Histórias de aprendizagem
Continuidades e descontinuidades
Aprender na prática
Estrutura emergente
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O filósofo Stephen Turner (1994) propõe que a habituação individual é um conceito
melhor que a prática como fundamento para uma teoria social porque pode ser
situada e, em consequência, pode ser considerada causal em relação às ações
humanas. Desconfio que esteja interessado em uma explicação mecanicista e que,
em consequência, fala de uma empresa diferente. Existem poucas dúvidas de que
os hábitos desempenham uma função essencial na aprendizagem que dá lugar às
práticas. Entretanto esta observação ou é evidente, mas em nível errôneo da
explicação, ou se aplica ao nível correto, mas não aporta nenhuma informação: eu
afirmei que o nível em que o conceito de “prática” desempenha alguma função
interessante é o da negociação de significado.
existe em si mesmo e por si mesmo e que se possa ser separada do
processo que a origina. Pelo contrário, é uma estrutura emergente.3
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Fish (1989) argumenta que a continuidade na prática surge porque nem tudo
muda ao mesmo tempo. Trata-se de uma boa observação, mas não basta como
explicação. A continuidade não é um processo totalmente passivo; também é uma
questão de construir identidades.
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Os estudiosos dos sistemas auto-organizados têm destacado a natureza geradora
da “beira do caos” (Kauffman, 1993; Wheatley, 1995). A capacidade de incluir ao
mesmo tempo estrutura e dinamismo, de andar na beira entre caos e ordem, é uma
característica que faz das comunidades de prática um lugar propício à criatividade.
Neste sentido, uma comunidade de prática tem suas características do que o
teórico das organizações Dee Hock (1995) chama de organização “caórdica”
(mistura de caos e ordem, grifo meu).
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Trata-se de duas suposições que encontrei com frequência e com diversas formas
em minhas conversas, sobretudo com pessoas que trabalham com práticas
diferentes da sua por questões de gestão ou por questões teóricas. Por exemplo, a
resistência inerente à mudança é um pressuposto comum na literatura voltada à
transformação das organizações. Asseguro que as comunidades de prática são mais
resistentes às noções de sua evolução que não estejam embasadas em uma
compreensão profunda de sua prática que à mudança per se.
Quanto aos operadores, eles próprios construíram políticas
locais para coordenar o tratamento específico de clientes.
Também argumentei que um participante com uma quantidade
desproporcional de poder e influência pode criar um tipo de
estabilidade à custa de desencorajar a negociação. Todavia, a
estabilidade exige trabalho; não é um caso por omissão que
sustenta a si mesmo a menos que o perturbe. Requer tanto
trabalho quanto transformação.
Descontinuidades de gerações
Encontro de gerações
MAUREEN: Nos cursos te dão, não sei, uma ideia geral, não? E logo
quando começa de verdade, quanto mais processos você
faz, mais entende. Não te contam os detalhes.
Em nosso livro sobre este tema, Jean Lave e eu, utilizamos o termo
participação periférica legítima para caracterizar o processo pelo qual os
novatos são incorporados a uma comunidade de prática. Mesmo se tratando
de um termo um pouco pomposo, expressa as condições importantes sob as
quais alguém pode tornar-se membro de uma comunidade de prática.
Queríamos destacar que a aprendizagem necessária não se realiza apenas
pela reificação de um currículo como pelo estabelecimento de formas
modificadas de participação que estejam estruturadas para abrir a prática a
pessoas alheias à comunidade. Argumentávamos que a periferia e a
legitimidade são dois tipos de modificação necessária para permitir uma
verdadeira participação:8
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Ver Lave e Wenger (1991).
• Para poder seguir uma trajetória de entrada, os novatos devem
adquirir uma legitimidade suficiente para ser tratados como membros
em potencial. Se uma comunidade como a dos operadores recusasse
um novato por algum motivo, essa pessoa teria uma aprendizagem
muito difícil. Lembre-se que a legitimidade pode adotar muitas
formas, ser útil, ser recomendada, ser temida, ser o tipo correto de
pessoa, ser de boa família. Pode ser que um escudeiro novato apenas
se dedique a limpar as armaduras e alimentar aos cavalos, mas a
legitimidade que lhe outorgaram em seu nascimento, foi suficiente
para que o caráter periférico destas atividades de baixa categoria
justifiquem a possibilidade de chegar a ser um cavaleiro. Na
aprendizagem tradicional, normalmente faz falta o patrocínio ou a
recomendação de um professor para que os aprendizes possam ter
acesso à prática. Por isso, o lugar que ocupa o professor na
comunidade é fundamental. Hoje em dia, os estudantes de medicina
têm professores que lhes dão acesso às comunidades acadêmicas.
Conceder legitimidade aos novatos é importante porque é provável
que não cheguem a cumprir o que a comunidade considera que seja
um compromisso competente. Somente uma legitimidade suficiente
poderá fazer com que tropeços inevitáveis e erros se transformem em
oportunidades para aprender ao invés de ser motivo de demissão,
negligência ou exclusão.
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Esta é uma questão sutil. Por exemplo, Stephen Turner acredita que a prática é um
objeto tácito que transmite e afirma que a impossibilidade de transmissão deste
objeto invalida o conceito de “prática” (Turner, 1994). Em minha definição da
prática não é necessário explicar a reprodução desta por meio de um mecanismo
separado, como o processamento da prática. Como a prática já é desde o início um
processo social de negociação e renegociação, o que torna possível a transição
entre gerações se encontra na mesma natureza da prática. Sob esta ótica, os
encontros de gerações nunca são uma simples continuidade ou uma simples
descontinuidade, mas sempre são uma interação entre as duas. Estes encontros
tampouco são uma simples transmissão de um patrimônio, nem uma mera
substituição do antigo pelo novo: sempre são a reconstituição de uma comunidade
de prática em torno de uma descontinuidade.