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Florianópolis, setembro de 2009 Entrevista 3

Fotos: Flávia Schiochet

Informação não é conhecimento


A tecnologia invadiu a sociedade do conhecimento, e desta relação surgiram novos
paradigmas no campo da propriedade intelectual, na educação e na comunicação.
Mudou o modo de assistirmos televisão e vermos o mundo. Ethevaldo Siqueira,
jornalista e entusiasta tecnológico, baixa músicas pelo celular e condena quem
compra CD pirata nas ruas. Em entrevista ao ZERO, ele vai de videoconferências à
telenovela para explicar o que mudou com a digitalização, e os desafios que impedem
a expansão dessa realidade.

Z
ERO - O que muda na educação tra- Um paradigma positivo foi quebrado com a in- A internet é essencialmente interativa, porque
dicional e no papel dos professores a ternet: o direito de propriedade, o direito do autor.você não fica esperando que ela te mande o conte-
partir da busca, pelos alunos, de in- Nós temos que encontrar uma maneira de fazer údo, você vai navegando, abre um site, fecha, abre
formações na internet? com que o Estado, as fundações, as ONGs, as empre- um link, vai para outro... A internet só funciona
O professor tem que, acima de tudo, orientar a sas possam estimular de outra maneira o produtor com a participação interativa do usuário. Você es-
pesquisa. Fazer pesquisa na internet pode não signi- de música, o produtor de obras de arte de maneira colhe o caminho que prefere, os assuntos sobre os
ficar uma melhoria, pode ser até um retrocesso. Se o geral, para que a sociedade não entre em retrocesso. quais quer ler. No caso da videoconferência, ela só
professor pede aos alunos que façam um trabalho e Mas a pirataria pode chegar a um ponto em que ela funciona se for interativa. Não é televisão normal.
eles não leem nada, “recortam e colam” da internet, se torna um crime, aí é diferente. A televisão digital pode, no futuro, chegar até a fa-
e apresentam como seu próprio trabalho, a rede não zer comércio eletrônico, em que você congela uma
acrescentou nada. É preciso leitura e reflexão críti- Então o compartilhamento de arquivos na In- cena, clica no relógio da pessoa que aparece na tela
ca, seja na internet, seja no livro. ternet não é um crime? e compra aquele objeto, por exemplo.
Cabe ao professor mostrar para o aluno que in- O compartilhamento em si não é crime. Quando
formação não é conhecimento. O conhecimento é você cria uma armadilha para tomar dinheiro de A tecnologia da TV Digital está próxima disso?
uma coisa muito mais profunda, muito mais ela- alguém, aí sim. Eu tenho um celular que me per- Ainda é um longo caminho, principalmente por-
borada, que exige uma avaliação “isto aqui é uma mite baixar aqui as músicas que eu quiser durante que as pessoas que estão na frente da televisão não
verdade, e isto não é”. Uma informação pode ser fal- um ano, de um estoque de mais de 5,8 milhões de estão lá para falar com ela. Quando as pessoas estão
sa, o conhecimento não é falso, é algo comprovado músicas, sem pagar nada, porque o fabricante desse vendo novela na minha casa, eu não posso nem in-
cientificamente. O conhecimento é aquilo que você telefone pagou. Ele e a operadora de celular dividi- terromper. Imagina se eu vou congelar a imagem
pode transformar em um benefício para a huma- ram os custos. Eles chegaram para as gravadoras, para comprar qualquer coisa durante a novela.
nidade. que por sua vez pagaram os artistas, e disseram
A sociedade do conhecimento não é a sociedade “agora nós vamos comprar o direito para 1 milhão Então a TV digital mudaria a forma de ver te-
da informação. E a grande função do professor em de unidades desse telefone”. Esse é um modelo novo levisão?
relação ao aluno é orientá-lo para que ele saiba, de remunerar o dono dos direitos autorais e o usu- Mudaria. Vai ser preciso ter uma televisão por
como se fosse um garimpeiro, selecionar aquelas ário não pagar nada. Na verdade o usuário está pa- assinatura, cada um vai ver o que quiser, e interagir
informações que vão lhe dar base para o conheci- gando no preço do celular ou quase “um-a-um”.

“arquivos
mento. da tarifa. Esse é um modelo

O conhecimento possibilitado pela rede é de-


de negócios que “corrigiu” a
pirataria.
Compartilhar Como você vê a cobertura
atual na área de jornalismo
mocrático? não é tecnológico no Brasil, tan-
Não. Ele tende a ser, mas é necessário corrigir
uma série de desequilíbrios. O maior desequilíbrio
E o que fazer a respeito da
pirataria comum, a que
crime. Quando to em publicações diárias,
como em publicações espe-
é o acesso à própria rede, e pelo processo chamado você chama de crime? você cria uma cializadas?
de inclusão digital deve-se fazer com que pessoas
de menor poder aquisitivo tenham esse acesso. No
Educação é a primeira
coisa. Eu não compro um CD
armadilha para Ela vem melhorando sen-
sivelmente. Está muito longe
momento em que o celular se tornar realmente o pirata na rua, por princípio, tomar dinheiro de do ideal, porque as escolas não

Especializado em novas tecnologias, o


terminal principal de acesso à rede, e 160 milhões
de pessoas no Brasil possuírem celulares, então vai
porque aquilo é um crime.
Os jovens de hoje compram
alguém, aí sim” preparam realmente. O grande
esforço é feito pelo próprio jor-
jornalista Ethevaldo Siqueira é colaborador ser possível democratizar através do celular. Esse é porque pagam três, quatro, cinco reais por um CD nalista. Se ele gosta muito de computação, por exem-
da revista Época, comentarista da Rádio CBN um processo. Outro é a informatização das escolas e que na loja vai custar 15 ou 20. Se a pessoa não plo, ele cobre bem. O jornalista não cobre bem áreas
e colunista do jornal O Estado de S. Paulo. a distribuição de computadores por preços popula- tem poder aquisitivo, a única saída é comprar a que não são do dia-a-dia do jovem. Há áreas em que
Foi professor de Tecnologia da Informação res, acessíveis ou financiados, para cada jovem. Isso versão pirata. A polícia vai lá e reprime. Esse é um o jornalismo científico e tecnológico já tem um nível
e Telemática na USP, e fundou e dirigiu a depende de políticas públicas, de planos nacionais, caso de pirataria que não é o caminho. Se você bom de competência no Brasil, como é o caso da área
Revista Nacional de Telecomunicações e do investimento do governo, de consciência edu- educar as pessoas para não comprar a pirataria, de informática e da própria área de internet. Há mui-
a TelePress Latinoamérica. Ganhou dois cacional e da participação das escolas, de grandes ela se reduz. tos jovens recém saídos da universidade que vão dar
prêmios Esso de Jornalismo (1968 e 1978) empresas e da família. Há a educação, depois a legislação, e por últi- uma boa contribuição nessa área.
e o Prêmio Comunique-se na categoria mo a ação policial, a repressão. E agora você tem Eu acho que especialização não é característica
Jornalista de Tecnologia em 2007. Tem onze Você já declarou, em sua coluna, que é contra ainda a tecnologia, que dispõe recursos. Esse ce- apenas de ciência e tecnologia, mas também artes,
livros publicados. a pirataria. O que fazer então com a internet, lular, por exemplo, usa um recurso tecnológico, esportes, lazer, vida urbana, política, economia, fi-
onde milhares de usuários compartilham ar- um software que me permite baixar músicas. São losofia, gastronomia, tudo isso. O jornalismo cobre
quivos de áudio e vídeo ilegalmente? Proibir o caminhos novos, mas o desafio está ainda por ser o mundo, cobre a vida, e ele será tão melhor na
acesso a esses arquivos seria uma solução? resolvido. Não dá para dizer “liberou geral, vamos medida em que você tiver jornalistas mais espe-
Não. Nós temos que perceber que a propriedade piratear”. Nós temos que encontrar uma solução, cializados. Isso não quer dizer que ele vai escrever
intelectual vai mudar, está mudando, e não adianta novos modelos de negócios, educar mais o jovem. com uma linguagem científica, mas ele vai enten-
proteger. No momento em que as pessoas estão tro- der melhor, vai traduzir com maior fidelidade. É
cando arquivos de músicas sem pagar direitos auto- Você comenta sobre as conferências via te- como o Rui Barbosa dizia, “o dever de verdade”.
rais, não é que elas estão fazendo isso por maldade, lepresença, que são um bom exemplo de re- Não tem jornalismo que se salve se não for para
é porque estão à disposição. É um benefício que as curso tecnológico interativo. Em que outros dizer a verdade.
pessoas não tinham no passado. O caminho não é o sistemas de comunicação a interatividade re-
melhor, mas é o que a internet proporcionou. almente funciona? Camila Chiodi

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