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CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 12 de novembro de 2008 • 11

REFÉNS DO ABANDONO 9

Monique Renne/CB/D.A Press

Viciados no crime vítima. Para justificar a conduta,


Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press
A PRISÃO É UMA eles argumentam que a sedução
MEDIDA partiu da criança ou da adoles-
cente. “Eles precisam negar ou
INSUFICIENTE diminuir a responsabilidade
frente aos crimes. Mesmo in-
PARA CRIMINOSOS conscientemente, sabem que fi-
zeram algo extremamente con-
SEXUAIS. SEM denável”, analisa a psicóloga
PASSAR POR Andreína Moura, que prepara
tese de doutorado sobre o tema
QUALQUER na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
TRATAMENTO Mauro (nome fictício), 45
anos, põe a culpa na enteada de
PSICOLÓGICO, 12 anos. Argumenta que a moça
“armou” para cima dele. Ela teria
MUITOS VOLTAM A combinado com a mãe uma ara-
puca para retirá-lo de casa. “Foi
COMETER ABUSOS ela (a menina) que me chamou
TRATAMENTO E REPRESENTAM para o sofá, eu não fiz nada”. Na
versão da menina, o padrasto in-
A AGRESSORES UMA AMEAÇA vadiu o quarto dela, a arrastou
para a sala e tentou despi-la. O
PERMANENTE À estupro só não foi consumado
porque a mãe acordou e sur-
SOCIEDADE preendeu o marido sobre a filha.
Sentenciado a seis anos e seis
meses de prisão, Mauro adota
tom moralista para falar das duas:
agressor treme a voz, “São safadas. Eu criava ela como

O abaixa a cabeça, nega o


crime. Wilson Soares
Santos, 44 anos, cumpre
pena por ter violentado uma me-
nina de apenas três anos. Com
filha e a minha mulher já botou
outro homem dentro de casa”.
Os agressores geralmente en-
frentam problemas com a se-
xualidade. Muitos têm dificulda-
seus dedos longos e unhas com- de em manter relacionamentos
pridas, violou o corpo da filha de adultos. Deficiente físico, o co-
uma vizinha. Pelo crime, Wilson merciante Aureliano Santos, de
ganhou o apelido de Gavião. Co- 57 anos, procurava meninas com
mo a ave predadora, prefere as idades entre 7 e 11 anos para se
“presas” pequenas. Na peniten- satisfazer sexualmente. Oferecia
ciária de Medina (MG), improvi- balas e moedas de R$ 1 para to-
sada nos fundos da delegacia, car no corpo delas e exibia DVDs
não recebe atendimento psicoló- pornográficos. “Não houve dúvi-
gico que o faça refletir sobre a das sobre a culpa dele porque as
barbaridade que cometeu. meninas detalharam muito bem
“Tenho filha, não mexo com a o que acontecia. Elas chegaram
família dos outros”, desconversa até a indicar para a polícia onde
Gavião. A reação mais comum ele guardava os DVDs”, comenta
entre os agressores é negar a vio- a promotora Sumara Aparecida
Só punir lência cometida. Eles conside- Marçal, que apresentou a de-
não resolve ram o ato tão brutal que não ad- núncia à Justiça.
A opção por tratar o agressor mitem nem para si mesmos que Na penitenciária de Medina,
encontra forte resistência na foram responsáveis pelo crime. Aureliano garante que as meni-
A atitude não contribui para a nas é que buscavam por ele. “Elas
opinião pública. A maioria
reintegração à sociedade. Negar iam para a minha casa, pegavam
da sociedade os vê como
a culpa aumenta o risco de rein- o controle remoto, pareciam as
monstros.“As pessoas acham cidência. No caso de Wilson, a donas do lugar”, declara o comer-
que, ao trabalharmos com menina de três anos violentada é ciante, que, durante a entrevista,
um autor de violência a segunda vítima. Em 2000, ele tenta chorar.
sexual, estamos concordando foi condenado por estuprar uma
com o que ele fez. É preciso moça. “Não falo sobre isso, não Castração e vigilância
compreender que o foco do cabe falar, já paguei o que devia”, A maneira correta de lidar com o PRESO POR ABUSAR MENINAS ENTRE 7 E 11 ANOS, AURELIANO SAIRÁ DA PRISÃO SEM QUALQUER
trabalho é a prevenção”, diz Gavião. agressor não é consenso em ou- ATENDIMENTO TERAPÊUTICO: MAIS DE 30% DOS AGRESSORES SEXUAIS REINCIDEM NO CRIME
explica a psicóloga Karen Não é apenas na cadeia do tras partes do mundo. Na Fran-
Esber, que durante o interior de Minas que os agres- ça, a castração química — trata- Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press
sores ficam sem atendimento. mento hormonal que diminui o
mestrado na Universidade
No Brasil, experiências de trata- desejo sexual — é defendida pe-
Católica de Goiás pesquisou
mento para eles são iniciativas lo presidente Nicolas Sarkozy.
o universo dos autores de isoladas. Até hoje não foi formu- Em agosto, ele anunciou a cons-
violência sexual. Ela lada uma estratégia nacional de trução de um hospital psiquiá-
trabalha em um programa atenção aos abusadores sexuais. trico para tratamento de conde-
pioneiro que atende detentos Depois de cumprir as sentenças, nados por crimes sexuais. Nos
do Complexo Prisional eles voltam às ruas sem passar Estados Unidos, alguns estados
Goiano.“Muitos foram por qualquer tipo de atendi- adotam métodos de vigilância
vítimas de violência, são mento psicológico. eletrônica. Os passos dos vio-
pessoas que têm problemas As chances de reincidência lentadores são comunicados a
com a sexualidade. Precisam são grandes. Uma pesquisa re- uma central de polícia por meio
cente realizada nos Estados Uni- de sinais emitidos por chips.
ser tratadas”, completa
dos mostra que 33,2% dos abusa- “A discussão sobre o trata-
Karen Esber.
dores voltam a cometer crimes mento do agressor é muito no-
sexuais. Quando recebem trata- va. Ainda temos de avançar mui-
mento terapêutico, o percentual to”, reconhece Neide Castanha,
cai para 14%. “Temos de investir secretária-executiva do Comitê
na Justiça restauradora, que faça Nacional de Enfrentamento à
os agressores terem a consciência Violência Sexual contra Crian-
dos crimes e que, inclusive, os le- ças e Adolescentes. Para ela, a
ve a pedir perdão para as víti- complexidade do assunto mere-
mas”, afirma Carmen Oliveira, ce maior investimento em pes-
subsecretária de Promoção dos quisas. “A penalização não dá
Direitos da Criança e do Adoles- conta de resolver o assunto. É
cente, da Secretaria Especial dos necessário fazer algo para evitar
Direitos Humanos. a reincidência”, acrescenta. “A
primeira reação é apartá-los do CONDENADO A SEIS ANOS POR TENTAR ABUSAR A WILSON, CHAMADO DE GAVIÃO NA CIDADE DE MEDINA
Culpa da vítima convívio. Mas isso não contribui ENTEADA, MAURO JOGA A CULPA NA MULHER E NA (MG) POR PREFERIR AS “PRESAS” PEQUENAS:
Uma estratégia comum entre para a construção de uma socie- GAROTA. TOM MORALISTA PARA FALAR DO ASSUNTO: ABUSADORES NEGAM A BRUTALIDADE DA AGRESSÃO
agressores confessos é culpar a dade mais pacífica.” "SÃO SAFADAS" SEXUAL E ACUSAM AS VÍTIMAS

9. Receio paraibano nossas meninas sejam exploradas",explica a secretária correiobraziliense.com.br


A capital paraibana ainda não é um dos destinos municipal de Desenvolvimento Social de João Pessoa, Podcast:
A consultora da Associação de
turísticos favoritos no Nordeste,mas o fluxo de visitantes Francisca Chagas.Na praia de Cabo Branco,uma das Magistrados e Promotores de
aumenta a cada dia.O desafio das autoridades mais conhecidas da capital paraibana,adolescentes Defesa da Infância e da Juventude
municipais é fomentar o turismo sem trazer a exploração começam a aparecer cedo,a partir das 8h.As três jovens América Ungaretti explica a
importância de dar tratamento
sexual."Essa é uma das nossas grandes preocupações. que aparecem na foto correram ao perceberem que psicológico aos agressores
Queremos trazer mais visitantes para João Pessoa,mas haviam sido flagradas.Mas no dia seguinte,duas delas
estamos trabalhando preventivamente para evitar que estavam no mesmo local.

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