Você está na página 1de 6

As pedagogias do “aprender a aprender”...

As pedagogias do “aprender a aprender” e


algumas ilusões da assim chamada sociedade
do conhecimento*

Newton Duarte
Universidade Estadual Paulista
Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar.

Iniciarei este trabalho defendendo a tese de que a rência às idéias pedagógicas que tiveram sua origem
assim chamada pedagogia das competências é integran- no movimento escolanovista. Alguns parágrafos mais
te de uma ampla corrente educacional contemporânea, adiante, nesse mesmo livro, Perrenoud afirma que “a
a qual eu chamarei de pedagogias do “aprender a apren- formação de competências exige uma pequena ‘revo-
der”. Já há algum tempo venho desenvolvendo estudos lução cultural’ para passar de uma lógica do ensino
acerca dessas pedagogias, por meio de uma pesquisa para uma lógica do treinamento (coaching), baseada
de cunho teórico-bibliográfico que realizo com apoio em um postulado relativamente simples: constroem-se
do CNPq, pesquisa essa intitulada “O Construtivismo: as competências exercitando-se em situações comple-
suas muitas faces, suas filiações e suas interfaces com xas” (idem, p. 54). Esse aprender a aprender é, por-
outros modismos”. tanto, também um aprender fazendo, isto é, learning
Philippe Perrenoud, em seu livro Construir as by doing, na clássica formulação da pedagogia de John
competências desde a escola, afirma que “a aborda- Dewey. Perrenoud expressou-se da seguinte maneira
gem por competências junta-se às exigências da na entrevista que deu à Revista Nova Escola:
focalização sobre o aluno, da pedagogia diferenciada
Para desenvolver competências é preciso, antes de
e dos métodos ativos” (1999, p. 53). Convém lembrar
tudo, trabalhar por problemas e projetos, propor tarefas com-
que a expressão métodos ativos é utilizada como refe-
plexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus co-
nhecimentos e, em certa medida, completá-los. Isso pressu-
põe uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade
ou para o bairro, seja na zona urbana ou rural. Os professo-
* Trabalho apresentado na sessão especial “Habilidades e
res devem parar de pensar que dar aulas é o cerne da profis-
competências: a educação e as ilusões da sociedade do conheci-
mento”, durante a 24ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em são. Ensinar, hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e

Caxambu (MG), de 8 a 11 de outubro de 2001. regular situações de aprendizagem seguindo os princípios

Revista Brasileira de Educação 35


Newton Duarte

pedagógicos ativos e construtivistas. Para os professores O primeiro posicionamento pode ser assim for-
adeptos de uma visão construtivista e interacionista de apren- mulado: são mais desejáveis as aprendizagens que o
dizagem trabalhar no desenvolvimento de competências não indivíduo realiza por si mesmo, nas quais está ausente
é uma ruptura. (Perrenoud, 2000) a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimen-
tos e experiências. O construtivista espanhol César Coll
Cito aqui essa passagem de Perrenoud para mos-
é um dos autores que explicitam esse princípio. Esse
trar que não se trata de uma rotulação apressada, de
autor chega mesmo a apresentar o “aprender a apren-
minha parte, a inclusão da pedagogia das competên-
der” como a finalidade última da educação numa pers-
cias no grupo das pedagogias do aprender a aprender,
pectiva construtivista:
juntamente com o construtivismo, a Escola Nova, os
estudos na linha do “professor reflexivo” etc. Ao in- Numa perspectiva construtivista, a finalidade última
vestigar em minha pesquisa as interfaces entre o da intervenção pedagógica é contribuir para que o aluno
construtivismo e outros modismos educacionais, tenho desenvolva a capacidade de realizar aprendizagens signifi-
chegado ao estabelecimento de elos entre ideários pe- cativas por si mesmo numa ampla gama de situações e cir-
dagógicos normalmente vistos por boa parte dos edu- cunstâncias, que o aluno “aprenda a aprender”. (Coll, 1994,
cadores brasileiros como ideários pertencentes a uni- p. 136)
versos distintos. Mas essa é uma questão para outro
Nessa perspectiva, aprender sozinho contribuiria
momento. Tendo em vista os objetivos deste trabalho,
para o aumento da autonomia do indivíduo, enquanto
passarei diretamente ao seu tema central, isto é, as re-
aprender como resultado de um processo de transmis-
lações entre as pedagogias do “aprender a aprender” e
são por outra pessoa seria algo que não produziria a
algumas ilusões da assim chamada sociedade do co-
autonomia e, ao contrário, muitas vezes até seria um
nhecimento.
obstáculo para a mesma.
Mas, para estabelecer relações entre as ilusões
Não discordo da afirmação de que a educação
da sociedade do conhecimento e as pedagogias do
escolar deva desenvolver no indivíduo a capacidade e
“aprender a aprender”, é necessário que primeiramen-
a iniciativa de buscar por si mesmo novos conheci-
te eu analise, ainda que de forma breve, qual a essên-
mentos, a autonomia intelectual, a liberdade de pensa-
cia desse tão proclamado lema educacional. Para isso
mento e de expressão. Mas o que estou aqui procuran-
retomarei aqui algumas das considerações que teci
do analisar é outra coisa: trata-se do fato de que as
sobre esse tema em meu livro Vigotski e o “aprender
pedagogias do “aprender a aprender” estabelecem uma
a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-
hierarquia valorativa na qual aprender sozinho situa-
modernas da teoria vigotskiana (Duarte, 2000). Nesse
se num nível mais elevado do que a aprendizagem re-
livro analisei a presença do lema “aprender a apren-
sultante da transmissão de conhecimentos por alguém.
der” em dois documentos da área educacional: o pri-
Ao contrário desse princípio valorativo, entendo ser
meiro, relativo à educação em âmbito mundial, é o re-
possível postular uma educação que fomente a auto-
latório da comissão internacional da UNESCO,
nomia intelectual e moral através justamente da trans-
conhecido como Relatório Jacques Delors, presidente
missão das formas mais elevadas e desenvolvidas do
da comissão (Delors, 1998); o segundo, o capítulo
conhecimento socialmente existente.
“Princípios e fundamentos dos parâmetros curricula-
O segundo posicionamento valorativo pode ser
res nacionais”, do volume I, “Introdução”, dos PCN
assim formulado: é mais importante o aluno desenvol-
das séries iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL,
ver um método de aquisição, elaboração, descoberta,
1997, p. 33-55). Neste trabalho não poderei, entretan-
construção de conhecimentos, do que esse aluno apren-
to, deter-me nos detalhes dessa análise. Focalizarei
der os conhecimentos que foram descobertos e elabo-
apenas quatro posicionamentos valorativos contidos no
rados por outras pessoas. É mais importante adquirir o
lema “aprender a aprender”.

36 Set/Out/Nov/Dez 2001 Nº 18
As pedagogias do “aprender a aprender”...

método científico do que o conhecimento científico já entre esse terceiro posicionamento valorativo e os dois
existente. Esse segundo posicionamento valorativo não primeiros consiste em ressaltar que além do aluno bus-
pode ser separado do primeiro, pois o indivíduo só car por si mesmo o conhecimento e nesse processo
poderia adquirir o método de investigação, só poderia construir seu método de conhecer, é preciso também
“aprender a aprender” através de uma atividade autô- que o motor desse processo seja uma necessidade ine-
noma. Piaget, numa conferência proferida em 1947, rente à própria atividade do aluno, ou seja, é preciso
intitulada “O desenvolvimento moral do adolescente que a educação esteja inserida de maneira funcional
em dois tipos de sociedade: sociedade primitiva e so- na atividade da criança, na linha da concepção de edu-
ciedade ‘moderna’”, defendeu essa idéia, ao contra- cação funcional de Claparède (1954).
por a transmissão de conhecimentos existentes ao ofe- O quarto posicionamento valorativo é o de que a
recimento de condições que permitam ao aluno educação deve preparar os indivíduos para acompa-
construir suas próprias verdades: nharem a sociedade em acelerado processo de mudan-
ça, ou seja, enquanto a educação tradicional seria re-
O problema da educação internacional é, portanto,
sultante de sociedades estáticas, nas quais a
essencialmente o de direcionar o adolescente não para solu-
transmissão dos conhecimentos e tradições produzi-
ções prontas, mas para um método que lhe permita cons-
dos pelas gerações passadas era suficiente para asse-
truí-las por conta própria. A esse respeito, existem dois prin-
gurar a formação das novas gerações, a nova educa-
cípios fundamentais e correlacionados dos quais toda edu-
ção deve pautar-se no fato de que vivemos em uma
cação inspirada pela psicologia não poderia se afastar: 1)
sociedade dinâmica, na qual as transformações em rit-
que as únicas verdades reais são aquelas construídas livre-
mo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais
mente e não aquelas recebidas de fora; 2) que o bem moral é
provisórios, pois um conhecimento que hoje é tido como
essencialmente autônomo e não poderia ser prescrito. Desse
verdadeiro pode ser superado em poucos anos ou mes-
duplo ponto de vista, a educação internacional é solidária de
mo em alguns meses. O indivíduo que não aprender a
toda a educação. Não apenas a compreensão entre os povos
se atualizar estará condenado ao eterno anacronismo,
que se vê prejudicada pelo ensino de mentiras históricas ou
à eterna defasagem de seus conhecimentos. Uma ver-
de mentiras sociais. Também a formação humana dos indi-
são contemporânea desse posicionamento aparece no
víduos é prejudicada quando verdades, que poderiam des-
livro do autor português Vitor da Fonseca, intitulado
cobrir sozinhos, lhes são impostas de fora, mesmo que se-
Aprender a aprender: a educabilidade cognitiva. Ao
jam evidentes ou matemáticas: nós os privamos então de
abordar as mudanças na economia global e suas im-
um método de pesquisa que lhes teria sido bem mais útil
plicações para uma formação de recursos humanos que
para a vida que o conhecimento correspondente!. (Piaget,
esteja à altura dos desafios do século XXI, esse autor
1998, p. 166, grifo meu)
afirma o seguinte:
São, portanto, duas idéias intimamente associa-
A miopia gerencial e arrogante e a resistência à mu-
das: 1) aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é
dança, que paira em grande parte no sistema produtivo, de-
superior, em termos educativos e sociais, àquilo que
vem dar lugar à aprendizagem, ao conhecimento, ao pensar,
ele aprende através da transmissão por outras pessoas
ao refletir e ao resolver novos desafios da atividade dinâmi-
e 2) o método de construção do conhecimento é mais
ca que caracteriza a economia global dos tempos modernos.
importante do que o conhecimento já produzido so-
Tal mundialização da economia só se identifica com uma
cialmente.
gestão do imprevisível e da excelência, gestão essa contra a
O terceiro posicionamento valorativo seria o de
rotina, contra a mera redução de custos e contra a simples
que a atividade do aluno, para ser verdadeiramente
manutenção. Em vez de se situarem numa perspectiva de
educativa, deve ser impulsionada e dirigida pelos inte-
trabalho seguro e estático, durante toda a vida, os empresá-
resses e necessidades da própria criança. A diferença
rios e os trabalhadores devem cada vez mais investir no de-

Revista Brasileira de Educação 37


Newton Duarte

senvolvimento do seu potencial de adaptabilidade e de em- do as competências necessárias à condição de desem-


pregabilidade, o que é algo substancialmente diferente do pregado, deficiente, mãe solteira etc. Aos educadores
que se tem praticado. O êxito do empresário e do trabalha- caberia conhecer a realidade social não para fazer a
dor no século XXI terá muito que ver com a maximização crítica a essa realidade e construir uma educação com-
das suas competências cognitivas. Cada um deles produzirá prometida com as lutas por uma transformação social
mais na razão direta de suas maior capacidade de aprender radical, mas sim para saber melhor quais competên-
a aprender, na medida em que o que o empresário e o traba- cias a realidade social está exigindo dos indivíduos.
lhador conhecem e fazem hoje não é sinônimo de sucesso no Quando educadores e psicólogos apresentam o “apren-
futuro. [...] A capacidade de adaptação e de aprender a apren- der a aprender” como síntese de uma educação desti-
der e a reaprender, tão necessária para milhares de trabalha- nada a formar indivíduos criativos, é importante aten-
dores que terão de ser reconvertidos em vez de despedidos, a tar para um detalhe fundamental: essa criatividade não
flexibilidade e modificabilidade para novos postos de traba- deve ser confundida com busca de transformações ra-
lho vão surgir cada vez com mais veemência. Com a redu- dicais na realidade social, busca de superação radical
ção dos trabalhadores agrícolas e dos operários industriais, da sociedade capitalista, mas sim criatividade em ter-
os postos de emprego que restam vão ser mais disputados, e mos de capacidade de encontrar novas formas de ação
tais postos de trabalho terão que ser conquistados pelos tra- que permitam melhor adaptação aos ditames da socie-
balhadores preparados e diferenciados em termos cognitivos. dade capitalista.
(Fonseca, 1998, p. 307) Até aqui me referi à sociedade capitalista e não à
sociedade do conhecimento. Passo a tratar, em segui-
O autor não deixa qualquer dúvida nessa passa-
da, das relações entre o “aprender a aprender” e algu-
gem quanto ao fato do “aprender a aprender” ser apre-
mas ilusões da assim chamada sociedade do conheci-
sentado como uma arma na competição por postos de
mento. O que seria essa tal sociedade do conhecimento?
trabalho, na luta contra o desemprego. O “aprender a
Seria uma sociedade pós-capitalista? Seria uma fase
aprender” aparece assim na sua forma mais crua, mos-
da sociedade capitalista? Nem sempre perguntas des-
tra assim seu verdadeiro núcleo fundamental: trata-se
sa natureza têm sido respondidas, nem mesmo formu-
de um lema que sintetiza uma concepção educacional
ladas por aqueles que muito cultivam a idéia de que
voltada para a formação da capacidade adaptativa dos
estamos vivendo na sociedade do conhecimento. Pois
indivíduos. Não é demais aqui recorrer novamente
bem, de minha parte quero deixar bem claro que de
àquela mencionada entrevista dada por Perrenoud, na
forma alguma compartilho da idéia de que a sociedade
qual a certa altura ele afirma o seguinte:
na qual vivemos nos dias atuais tenha deixado de ser,
A descrição de competências deve partir da análise de essencialmente, uma sociedade capitalista. Sequer co-
situações, da ação, e disso derivar conhecimentos. Há uma gitarei a possibilidade de fazer qualquer concessão à
tendência em ir rápido demais em todos os países que se atitude epistemológica idealista para a qual a denomi-
lançam na elaboração de programas sem dedicar tempo em nação que empreguemos para caracterizar nossa so-
observar as práticas sociais, identificando situações na quais ciedade dependa do “olhar” pelo qual focamos essa
as pessoas são e serão verdadeiramente confrontadas. O que sociedade: se for o “olhar econômico”, então podemos
sabemos verdadeiramente das competências que têm neces- falar em capitalismo, se for o “olhar político”, deve-
sidade, no dia-a-dia, um desempregado, um imigrante, um mos falar em sociedade democrática, se for o “olhar
portador de deficiência, uma mãe solteira, um dissidente, cultural”, devemos falar em sociedade pós-moderna
um jovem da periferia? (Perrenoud, 2000) ou sociedade do conhecimento ou sociedade multicul-
tural ou sei lá mais quantas outras denominações. Essa
O caráter adaptativo dessa pedagogia está bem
é uma atitude idealista, subjetivista, bem a gosto do
evidente. Trata-se de preparar aos indivíduos forman-
ambiente ideológico pós-moderno.

38 Set/Out/Nov/Dez 2001 Nº 18
As pedagogias do “aprender a aprender”...

Reconheço, e não poderia deixar de fazê-lo, que Primeira ilusão: O conhecimento nunca esteve
o capitalismo do final do século vinte e início do sécu- tão acessível como hoje, isto é, vivemos numa
lo vinte e um passa por mudanças e que podemos sim sociedade na qual o acesso ao conhecimento
considerar que estejamos vivendo uma nova fase do foi amplamente democratizado pelos meios de
capitalismo. Mas isso não significa que a essência da comunicação, pela informática, pela Internet
sociedade capitalista tenha se alterado, isso não signi- etc.
fica que estejamos vivendo uma sociedade radicalmente Segunda ilusão: A capacidade para lidar de for-
nova, que pudesse ser chamada de sociedade do co- ma criativa com situações singulares no coti-
nhecimento. A assim chamada sociedade do conheci- diano ou, como diria Perrenoud, a habilidade
mento é uma ideologia produzida pelo capitalismo, é de mobilizar conhecimentos, é muito mais im-
um fenômeno no campo da reprodução ideológica do portante que a aquisição de conhecimentos teó-
capitalismo. Assim, para falar sobre algumas ilusões ricos, especialmente nos dias de hoje, quando
da sociedade do conhecimento é preciso primeiramente já estariam superadas as teorias pautadas em
explicitar que a sociedade do conhecimento é, por si metanarrativas, isto é, estariam superadas as
mesma, uma ilusão que cumpre uma determinada fun- tentativas de elaboração de grandes sínteses
ção ideológica na sociedade capitalista contemporânea. teóricas sobre a história, a sociedade e o ser
Quando uma ilusão desempenha um papel na re- humano.
produção ideológica de uma sociedade, ela não deve Terceira ilusão: O conhecimento não é a apro-
ser tratada como algo inofensivo ou de pouca impor- priação da realidade pelo pensamento mas, sim,
tância por aqueles que busquem a superação dessa uma construção subjetiva resultante de proces-
sociedade. Ao contrário, é preciso compreender qual o sos semióticos intersubjetivos nos quais ocor-
papel desempenhado por uma ilusão na reprodução re uma negociação de significados. O que con-
ideológica de uma formação societária específica, pois fere validade ao conhecimento são os contratos
isso nos ajudará a criarmos formas de intervenção co- culturais, isto é, o conhecimento é uma con-
letiva e organizada na lógica objetiva dessa formação venção cultural.
societária. Quarta ilusão: Os conhecimentos têm todos o
E qual seria a função ideológica desempenhada mesmo valor, não havendo entre eles hierar-
pela crença na assim chamada sociedade do conheci- quia quanto à sua qualidade ou quanto ao seu
mento? No meu entender, seria justamente a de enfra- poder explicativo da realidade natural e social.
quecer as críticas radicais ao capitalismo e enfraque- Quinta ilusão: O apelo à consciência dos indiví-
cer a luta por uma revolução que leve a uma superação duos, seja através das palavras, seja através
radical do capitalismo, gerando a crença de que essa dos bons exemplos dados por outros indivíduos
luta teria sido superada pela preocupação com outras ou por comunidades, constitui o caminho para
questões “mais atuais”, tais como a questão da ética a superação dos grandes problemas da huma-
na política e na vida cotidiana, pela defesa dos direitos nidade. Essa ilusão contém uma outra, qual
do cidadão e do consumidor, pela consciência ecológi- seja, a de que esses grandes problemas exis-
ca, pelo respeito às diferenças sexuais, étnicas ou de tem como conseqüência de determinadas men-
qualquer outra natureza. talidades. As concepções idealistas da educa-
Para não me alongar, passarei diretamente à apre- ção apóiam-se todas nessa ilusão. É nessa
sentação de cinco ilusões da assim chamada socieda- direção que são tão difundidas atualmente pela
de do conhecimento. Elas serão aqui apenas enuncia- mídia certas experiências educativas tidas como
das e anunciadas. Seu detalhamento foge aos limites aquelas que estariam criando um futuro me-
desta apresentação. lhor por meio da preparação das novas gera-

Revista Brasileira de Educação 39


Newton Duarte

ções. Assim, acabar com as guerras seria algo sões acerca de uma situação é conclamá-las a acaba-
possível através de experiências educativas que rem com uma situação que precisa de ilusões”.
cultivem a tolerância entre crianças e jovens.
A guerra é vista como conseqüência de pro- NEWTON DUARTE é livre-docente em Psicologia da Educa-
cessos primariamente subjetivos ou, no máxi- ção, na UNESP, campus de Araraquara e coordenador do Programa
mo intersubjetivos. Nessa direção, a guerra de Pós-Graduação em Educação Escolar. Publicou: Vigotski e o
entre os Estados Unidos da América do Norte “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-
e Afeganistão, por exemplo, é vista como con- modernas da teoria vigotskiana (Campinas: Editora Autores Asso-
seqüência do despreparo das pessoas para con- ciados, 2001, 2ª ed.); A Individualidade para-si: contribuição a uma
viverem com as diferenças culturais, como con- teoria histórico-social da formação do indivíduo (Campinas: Editora
seqüência da intolerância, do fanatismo Autores Associados, 1999, 2ª ed.); Educação escolar, teoria do co-

religioso. Deixa-se de lado toda uma comple- tidiano e a escola de Vigotski (Campinas: Editora Autores Associa-
dos, 2001, 3ª ed.); organizou o livro: Sobre o construtivismo: contri-
xa realidade política e econômica gerada pelo
buições a uma análise crítica (Campinas: Editora Autores Associa-
imperialismo norte-americano e multiplicam-
dos, 2000). Pesquisa atual, apoiada pelo CNPq: “O Construtivismo:
se os apelos românticos ao cultivo do respeito
suas muitas faces, suas filiações e suas interfaces com outros modis-
às diferenças culturais.
mos”. E-mail: newton.duarte@uol.com.br

Para concluir, esclareço que tenho consciência das


Referências Bibliográficas
limitações deste trabalho. Afirmar que as idéias aci-
ma enunciadas constituem-se em ilusões da sociedade
BRASIL, (1997). Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução.
do conhecimento gera a necessidade de apresentar uma
Brasília: MEC/SEF.
análise detalhada, bem fundamentada em teorias e em
dados empíricos, de maneira a justificar tal afirmação. CLAPARÈDE, E., (1954). A educação funcional. 4ª ed. São Pau-
Não é difícil perceber que isso exigiria bem mais do lo: Companhia Editora Nacional.
que uma tarde de debates, por mais rica que ela fosse. COLL, C. S., (1994). Aprendizagem escolar e construção do co-
Entretanto, mesmo tendo consciência desse fato, optei nhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas.
por ao menos iniciar o debate usando o recurso da pro-
DELORS, J., (org.) (1998). Educação: um tesouro a descobrir. São
vocação. Essas idéias, acima apresentadas na forma
Paulo: Cortez, Brasília, DF: MEC: UNESCO.
de cinco ilusões, têm sido tão amplamente aceitas, têm
exercido um tal fascínio sobre grande parcela dos in- DUARTE, N., (2000). Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica

telectuais dos dias de hoje, que o simples fato de ques- às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria

tionar a veracidade das mesmas talvez já produza um vigotskiana. Campinas: Autores Associados.

efeito positivo, qual seja, o de fazer com que a adesão FONSECA, V., (1998). Aprender a aprender: a educabilidade
a essas idéias ou a crítica às mesmas deixe o terreno cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas.
das emoções que sustentam o fascínio e a sedução e PERRENOUD, P., (1999). Construir as competências desde a es-
passem ao terreno da análise propriamente intelectual. cola. Porto Alegre: Artes Médicas.
É preciso, porém, estar atento para não cair na
, (2000). A Arte de construir competências. Revista
armadilha idealista que consiste em acreditar que o
Nova Escola. São Paulo, Abril Cultural, set.
combate às ilusões pode, por si mesmo, transformar a
realidade que produz essas ilusões. Como escreveu PIAGET, J., (1998). Sobre a pedagogia (textos inéditos). São Pau-
Marx: “conclamar as pessoas a acabarem com as ilu- lo: Casa do Psicólogo.

40 Set/Out/Nov/Dez 2001 Nº 18

Você também pode gostar