Entrevista MARCO AURÉLIO

MAYARA AZEVEDO E RAISA ANDRADE

“Futebol com vista pro mar”

O paulista Marco Aurélio, lateral direito do Vitória, bate uma bola sobre a copa de
2014 em Salvador, suas expectativas quanto às mudanças na cidade e seus
receios sobre falta de tempo e/ou seriedade na organização.

O
projeto feito por Salvador para sediar a
copa de 2014, foi aprovado juntamente
com outras nove cidades que
concorreram por esse benefício. Há
muita expectativa e esperança de melhorias na
cidade, mas não é só do ponto de vista utópico que
Marco Aurélio Barbosa, 32, enxerga a Copa 2014.
Segundo ele, a Copa e o futebol brasileiro,
precisam ser vistos do ângulo que muitos
torcedores não conhecem. Fugindo ao estereótipo
do jogador que só entende de bola, ele fala sobre
assuntos polêmicos como corrupção,
n e c e s s i d a d e s d a c i d a d e d e S a l v a d o r,
acessibilidade ao preço dos ingressos e o futuro da
cidade.

O senhor ficou feliz com a escolha de Salvador

como uma das cidades para sediar a Copa de
2014?
Além de Salvador, o Brasil né? Fiquei muito feliz
pelo país ter sido escolhido. Salvador é uma cidade
com potencial e claro, com muitas falhas, mas eu
acredito que tendo a oportunidade de co-sediar
uma Copa do Mundo muita coisa vai ser feita para
melhorar a infra-estrutura da cidade.

Na sua opinião, qual foi o fator fundamental que

fez Salvador vencer a disputa com outras
cidades?
Praia né? (risos) Acho isso um fator fundamental. E
“O projeto da Fonte
os pontos turísticos, claro. Salvador é uma cidade
muito alegre e todas também são. Tirando São Nova é bom, mas torço
Paulo, que não tem isso, só poluição (risos). A
Bahia tem um povo alegre e muitas coisas boas. A
campanha em si foi muito interessante. No pouco
para que não haja
que eu pude acompanhar, deu pra ver que o projeto
foi muito bem elaborado e creio que as belezas
superfaturamento na
tanto naturais e culturais de Salvador
surpreenderam os "jurados" dessa disputa. construção desse
Enquanto vive em Salvador, acha que a cidade
contribui para a realização dos jogos?
estádio”

Veja | 13 de outubro,2009 1
Entrevista MARCO AURÉLIO
Eu moro em Lauro de Freitas
porque é mais pacata e lembra
muito minha cidade no interior de
São Paulo. Salvador, pelo o que
eu vejo, precisa melhorar muito
no quesito transporte. A polícia
também precisa ser mais bem
treinada e mais bem preparada
para garantir a segurança da
população e dos turistas, o que
não vem acontecendo. Ainda tem
a questão do metrô, que não sei
se pra essa copa vai sair. Tudo
tem que ser muito bem planejado.
Qualificar os ambulantes também
é bastante importante. A copa vai
dar uma oportunidade muito
grande pra Salvador, é preciso
aproveitá-la. Cabe à população
cobrar e analisar tudo que está
sendo feito para melhorar a vida
na cidade.
O torcedor está preparado para
receber um evento de tal
magnitude? E, na relação de
consumidor, o senhor aposta
em um preço acessível ao povo
ou na realização de uma Copa
no Brasil pra turista ver?
Super preparado! A Bahia é uma
terra de gente linda, alegre, que
sabe conviver com diferenças e
respeitar quem vem de fora.
Acredito que vai ser bacana.
Quanto aos preços, a gente
sempre tem que acreditar que a
FIFA vá ter um bom senso e que o
preço dos jogos serão realmente
acessíveis ao torcedor, mas
sabemos que nem sempre é
assim. Deu pra ver pela
desorganização e preço
exorbitante do ingresso do jogo
do Brasil e Chile. Acho que a
importância a ser dada
percentualmente é de 60% para
turistas e 40% para o povo. Mas
estádio é muito bom. Muitos não
têm a dimensão de como é ver ao
vivo um jogo, e às vezes se
surpreende porque a energia é
muito boa e contagia. Ainda mais
quando é uma Copa do Mundo...
“Tem gente que
torce contra a
seleção porque o
Dunga não aceita
as especulações
da mídia e se
revolta, briga,
pega pesado e
fala na cara”
Os organizadores tem que
colaborar para que o povo viva
essa oportunidade única.
Como o senhor imagina
Salvador daqui a cinco anos?
Eu espero que esteja melhor. A
gente sempre almeja que tudo
melhore. É preciso mudar e
construir muita coisa, porém,
temos pouco tempo. A gente acha
que cinco anos é muita coisa e que
dá pra construir tudo, mas as
coisas não são assim. Tudo tem
que ser muito bem planejado e
muito bem feito para atender todas
as necessidades. Só o povo
brasileiro e o povo baiano têm a
ganhar com isso, porque a copa
não coloca dinheiro no bolso da
população então é a melhoria que
vai acontecer na cidade que vai ser
importante.
Sobre os escândalos no mundo
futebolístico, lhe surpreenderia
que algo desse nível
acontecesse justo na Copa?
O Brasil vive no futebol uma
realidade muito mascarada.
Dificilmente vemos jogadores irem
a público para falar de salários
atrasados, porque o que se passa
aqui dentro, muitas vezes, os
torcedores não sabem. Em
termos de copa, isso acontece,
mas é raro. No aspecto da
estrutura, o projeto é bom, e torço
para que não haja
superfaturamento na construção
desse estádio. Cabem às
autoridades terem um pouco
mais de bom senso e cuidado
nessas transações. Acho que
corrupção acontece mais fora do
estádio, com quem tá controlando
e administrando o dinheiro. Mas
com relação à torcida, o povo
baiano é um povo muito feliz,
acho que vai ser uma grande
festa. Essa preocupação eu não
tenho.
Por que investir mais na Copa
gastando 230 milhões para se
construir um estádio, ao invés
de destinar esse dinheiro para
educação e saúde?
É meio óbvio. Acho que já estou
dizendo tudo (o jogador faz sinal
com os dedos indicador e polegar
indicando dinheiro).
Entendeu né? (risos) Tudo é
lucro. É uma área que vende
bastante e traz respostas a quem
investe e aposta nela. É um
mercado, um comércio.
Como seria o perfil de um
torcedor baiano?
Eu acho que é como todo
torcedor. Exigente, alegre...
Muitos vem para xingar (risos). É
complicado, a gente dá muita
risada sobre isso. Tem torcedores
parece que só vem no campo pra
reclamar (risos), não sei se briga
com a mulher ou algo desse tipo.
Mas a gente leva por esse lado
irônico, eles pagam, tem direito
de falar mal, só não partir para
agressão. Pode xingar a mãe, o
pai, só não agredir. Mas é bacana
a maneira como tudo é feito.
Onde mais torcedores de times
rivais convivem tão bem quanto
os tricolores e rubro negros
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daqui? – “Só se vê na Bahia”
(risos)
O futebol virou um negócio?
Ah, claro. Já virou um comércio e
os jogadores são como
mercadorias, os objetos. Às
vezes a gente se sente um pouco
assim, quando tem negociação
de um time com outro. Mas a
gente quer crescer, e os times
têm que vender jogadores para
não quebrarem. Hoje não existe
aquela fidelidade ao clube como
na época de Pelé. Os garotos da
seleção jogam em outros times
sendo do Brasil ou da Europa e
isso já virou uma coisa comum.
Hoje, meninos com 17 e 18 anos
assinam contratos milionários (as
vezes mal sabendo o que é
acertado), tem carrões, moram no
exterior, no meu tempo era
bicicletinha (risos). E é tudo muito
novo pra eles; o dinheiro, a fama,
tudo sobe à cabeça e aí é o que a
gente vê na televisão: jogador
envolvido em escândalos
sexuais, em crise, sumindo,
quebrando contratos,
abandonando carros na ruas. É
um problema!
O senhor acha que a mídia faz
muitas especulações sobre o
futebol? De que forma isso
ajuda a denegrir a imagem do
esporte?
A mídia é tudo. A gente diz que
sem mídia não teria futebol e vice
versa. Mas ao mesmo tempo em
que ela levanta, ela destrói. Tanto
o jogador, quanto o time. Se você
dá um "A" pra ela, o alfabeto todo
fica completo. Ela "planta"
notícias, às vezes o jornalista liga
pra sua casa pra saber o que está
acontecendo, se você brigou com
o jogador no campo porque não
gosta dele, então eles inventam
situações para achar um culpado
e vender. Se uma seleção de um
país pouco reconhecida, por
exemplo, dá uma goleada na
seleção do Brasil, a mídia não vai
“A copa não
coloca dinheiro
no bolso da
população então
é a melhora que
vai acontecer na
cidade que vai
ser importante”
exaltar a competência dos
jogadores daquele time menor e
sim tentar achar os erros da
seleção brasileira, tentar achar um
culpado e denegrir a imagem do
time, falar mal do técnico, etc.
Porque a seleção do Brasil vende,
tem torcida, tem nome. Ainda tem o
fato, de que aqui a mídia pesa mais
porque só são dois grandes times,
então a cobrança acaba sendo
bem maior.
O que o senhor acha do Dunga?
O Dunga é um excelente técnico.
Sargento, bom treinador. Ai entra a
mídia, que massacra sem dó.
Vários treinadores passaram pela
Copa sem muito alarde, mas tem
gente que torce contra a seleção
porque o Dunga não aceita as
especulações da mídia e se
revolta, briga, pega pesado e fala
na cara.
Por que brasileiro gosta tanto de
futebol?
Isso está no sangue. O futebol se
consagrou com Pelé, com os
jogadores da seleção e isso
sempre foi muito forte no país.
Quando nasce um menininho, os
pais dão uma bola pra ele, e como
eu não tinha dinheiro, na minha
infância a gente fazia a bola com
meia, então é uma coisa que é do
brasileiro. E nós somos mais que
todos os outros torcedores do
mundo. Cada um tem sua maneira
de torcer. O japonês, por exemplo,
é bastante contido. Se você ganha
ou perde, ele te aplaude. O
brasileiro expõe, briga e vibra ao
mesmo tempo.
E quando acabar a Copa, a
Fonte Nova fica pra quem?
Boa pergunta. Acho que não vai
ser patrimônio de ninguém, o
estádio vai ser feito para que os
dois times possam jogar. O
Barradão vai ser reformado, é um
estádio particular do Vitória, mas
segundo declarações do diretor,
acredito que o Vitória não vá
aceitar isso assim tão fácil. Se for
uma coisa séria, organizada e
justa, acho que podemos sim,
estabelecer acordos. A rivalidade
é muito grande, você sabe.
Tanto na Copa quanto em
campeonatos, o time tem que
ter uma boa interação, além de
um bom relacionamento com os
diretores do clube. O senhor
acha sua classe unida?
Não, não somos unidos. Trabalhei
em muitos clubes e poucos se
incomodavam com os problemas
do companheiro. Isso teria que
mudar, mas é difícil. Em São
Paulo, temos um sindicato para
nos dar apoio. Somos um grupo,
um time, tem que haver uma
interação. Se não ganhamos, às
vezes é pela falta de conexão
entre os colegas que querem fazer
jogadas individuais ou prejudicar o
outro. Mas graças a deus, no
Vitória não temos esse problema.
Todos são muito calmos e fazem
seu papel. Brigas sempre rolam,
mas não é nada que fuja do
controle. Temos um técnico que
tem pulso firme, sabe chamar na
hora certa, dá bronca, elogia e
acalma os ânimos do pessoal, e
isso sempre será essencial.
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