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A filosofia positiva

A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos naturais, assim
como sociais que provenha de um só princípio. A visão positiva dos fatos abandona a
consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e pesquisa suas leis, vistas
como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis.

Adotando os critérios histórico e sistemático, outras ciências abstratas antes da


Sociologia, segundo Comte, atingiram a positividade: a Matemática, a Astronomia, a
Física, a Química e a Biologia. Assim como nessas ciências, em sua nova ciência
inicialmente chamada de física social e posteriormente Sociologia, Comte usaria a
observação, a experimentação, da comparação e a classificação como métodos -
resumidas na filiação histórica - para a compreensão (isto é, para conhecimento) da
realidade social. Comte afirmou que os fenômenos sociais podem e devem ser
percebidos como os outros fenômenos da natureza, ou seja, como obedecendo a leis
gerais; entrentanto, sempre insistiu e argumentou que isso não equivale a reduzir os
fenômenos sociais a outros fenômenos naturais (isso seria cometer o erro teórico e
espistemológico do materialismo): a fundação da Sociologia implica que os fenômenos
sociais são um tipo específico de realidade teórica e que devem ser explicados em
termos sociais.

Em 1852 Comte instituiu uma sétima ciência, a Moral, cujo âmbito de pesquisa é a
constituição psicológica do indivíduo e suas interações sociais.

Pode-se dizer que o conhecimento positivo busca "ver para prever, a fim de prover" - ou
seja: conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir de nossas ações, para que
o ser humano possa melhorar sua realidade. Dessa forma, a previsão científica
caracteriza o pensamento positivo.

O espírito positivo, segundo Comte, tem a ciência como investigação do real. No social
e no político, o espírito positivo passaria o poder espiritual para o controle dos
"filósofos positivos", cujo poder é, nos termos comtianos, exclusivamente baseado nas
opiniões e no aconselhamento, constituindo a sociedade civil e afastando-se a ação
política prática desse poder espiritual - o que afasta o risco de tecnocracia (chamada,
nos termos comtianos, de "pedantocracia").

O método positivo, em termos gerais, caracteriza-se pela observação. Entretanto, deve-


se perceber que cada ciência, ou melhor, cada tipo de fenômeno tem suas
particularidades, de modo que o método específico de observação para cada fenômeno
será diferente. Além disso, a observação conjuga-se com a imaginação: ambas fazem
parte da compreensão da realidade e são igualmente importantes, mas a relação entre
ambas muda quando se passa da teologia para a positividade. Assim, para Comte, não é
possível fazer ciência (ou arte, ou ações práticas, ou até mesmo amar!) sem a
imaginação, isto é, sem uma ativa participação da subjetividade individual e por assim
dizer coletiva: o importante é que essa subjetividade seja a todo instante confrontada
com a realidade, isto é, com a objetividade.

Dessa forma, para Comte há um método geral para a ciência (observação subordinando
a imaginação), mas não um método único para todas as ciências; além disso, a
compreensão da realidade lida sempre com uma relação contínua entre o abstrato e o
concreto, entre o objetivo e o subjetivo. As conclusões epistemológicas a que Comte
chega, segundo ele, só são possíveis com o estudo da Humanidade como um todo, o que
implica a fundação da Sociologia, que, para ele, é necessariamente histórica.

Além da realidade, outros princípios caracterizam o Positivismo: o relativismo, o


espírito de conjunto (hoje em dia também chamado de "holismo") e a preocupação com
o bem público (coletivo e individual). Na verdade, na obra "Apelo aos conservadores",
Comte apresenta sete definições para o termo "positivo": real, útil, certo, preciso,
relativo, orgânico e simpático.

A lei dos três estados

O alicerce fundamental da obra comtiana é, indiscutivelmente, a "Lei dos Três Estados",


tendo como precursores nessa idéia seminal os pensadores Condorcet e, antes dele,
Turgot.

Segundo o marquês de Condorcet, a humanidade avança de uma época bárbara e mística


para outra civilizada e esclarecida, em melhoramentos contínuos e, em princípio,
infindáveis - sendo essa marcha o que explicaria a marcha da história.

A partir da percepção do progresso humano, Comte formulou a Lei dos Três Estados.
Observando a evolução das concepções intelectuais da humanidade, Comte percebeu
que essa evolução passa por três estados teóricos diferentes: o estado 'teológico' ou
'fictício', o estado 'metafísico' ou 'abstrato' e o estado 'científico' ou 'positivo', em que:

• No primeiro, os fatos observados são explicados pelo sobrenatural, por entidades


cuja vontade arbitrária comanda a realidade. Assim, busca-se o absoluto e as
causas primeiras e finais ("de onde vim? Para onde vou?"). A fase teológica tem
várias subfases: o fetichismo, o politeísmo, o monoteísmo.
• No segundo, já se passa a pesquisar diretamente a realidade, mas ainda há a
presença do sobrenatural, de modo que a metafísica é uma transição entre a
teologia e a positividade. O que a caracteriza são as abstrações personificadas,
de caráter ainda absoluto: "a Natureza", "o éter", "o Povo", "o Capital".
• No terceiro, ocorre o apogeu do que os dois anteriores prepararam
progressivamente. Neste, os fatos são explicados segundo leis gerais abstratas,
de ordem inteiramente positiva, em que se deixa de lado o absoluto (que é
inacessível) e busca-se o relativo. A par disso, atividade pacífica e industrial
torna-se preponderante, com as diversas nações colaborando entre si.

É importante notar que cada um desses estágios representa fases necessárias da


evolução humana, em que a forma de compreender a realidade conjuga-se com a
estrutura social de cada sociedade e contribuindo para o desenvolvimento do ser
humano e de cada sociedade.

Dessa forma, cada uma dessas fases tem suas abstrações, suas observações e sua
imaginação; o que muda é a forma como cada um desses elementos conjuga-se com os
demais. Da mesma forma, como cada um dos estágios é uma forma totalizante de
compreender o ser humano e a realidade, cada uma delas consiste em uma forma de
filosofar, isto é, todas elas engendram filosofias.
Como é possível perceber, há uma profunda discussão ao mesmo tempo sociológica,
filosófica e epistemológica subjacente à lei dos três estados - discussão que não é
possível resumir no curto espaço deste artigo.

A Religião da Humanidade

Os anseios de reforma intelectual e social de Comte desenvolveram-se por meio de sua


Religião da Humanidade. Para Comte, "religião" e "teologia" não são termos sinônimos:
a religião refere-se ao estado de unidade humana (psicológica, espiritual e social),
enquanto a teologia refere-se à crença em entidades sobrenaturais. Considerando o
caráter histórico e a necessidade de unidade do ser humano, a Religião da Humanidade
incorpora nela a teologia e a metafísica - respeitando, reconhecendo e celebrando o
papel histórico desempenhado por esses estágios provisórios, absorvendo o que eles têm
de positivo (isto é, de real e de útil).

A Religião da Humanidade encontrou em Pierre Laffitte seu principal dirigente na


França após a morte de Comte, especialmente na III República francesa. No Brasil, o
Positivismo religioso encontrou grande aceitação no século XIX; embora com menor
intensidade no século XX, o Positivismo religioso brasileiro teve grande importância:
por exemplo, durante a campanha "O petróleo é nosso!", cujo vice-Presidente era o
positivista Alfredo de Moraes Filho, e durante o processo de impeachment do ex-
Presidente Fernando Collor de Mello, em que o Centro Positivista do Paraná também
solicitou, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil e Associação Brasileira de
Imprensa, o afastamento do Presidente da República.

A Igreja Positivista do Brasil, fundada por Miguel Lemos e Teixeira Mendes em 1881,
em cujos quadros estiveram Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o Marechal
Rondon e o diplomata Paulo Carneiro, continua ativa no Rio de Janeiro.

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