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CANCIONEIRO hy pr + 342 PORTUGUEZ DA VATICANA EDIGAO CRITICA RESTITUIDA SOBRE 0 TEXTO DIPLOMATICO DE HALLE, ACOMPANHADA DE UM GLOSSARIO . E DE UMA INTRODUCGAO SOBRE OS TROVADORES E CANCIONEIROS. PORTUGUEZES PoR THEOPHILO BRAGA Profeffor de Litteraturas modernas e efpecialmente de Litteratura portugueza, no Curfo fuperior de Lettras LISBOA IMPRENSA NACIONAL MDCCCLXXVIIL wPrevengiio—Seguimos na reproduogto do terto d’este Cancioneiro o respeito que sn deve ler pula intogridade do qualquer monumento tistorico, nfo eroputando aquelas phrases que repugnam aos costumes modernos, por isto que ese Livro ¢ para estudo e nfo para recrelo; como 0 servigo que prestamos 4 litteratura e bistoria péde ser mals uma ver deturpado por Snidias de uma moral capeiosa, declaramos que n‘esta reproducro seguimos o exemplo do histariador Hereulano na sua edicdo ria dos Nobidiarios. No meado do seculo xv falla o marquez de Santillana da existencia d'este Cancioneiro ‘em Hespanha, ¢ desde o seculo xvr se sabe do seu apparecimento em Roma; mas no secu- Jo xvitD. Jodo rv preoccupava-se exclusivamente em mandar copiar musicas dos principaes compositores, e no seculo xvitt D. Jodo v pagava perdularlamente as copias de miseraveis documentos ecclesiasticos do Vaticano. 0 Cancioneiro portugues ficou sempre ignorado, e por isso a tradipao litteraria esquecida fez com que esses dois sectlos fossem mesquinhos e sem intuito ¢ vitalidade na litteratura. Os excerptos extrahidos por Lopes de Moura, por Grilz- macher, por Wolf, por Dier, por Varnhagen por Monaci, nunca conseguiram despertar 0 minimo interesee na Academia das Sciencias de Lisboa, cuja dotagio annual de mais de doze contos de réis era diependida em commissdes litterarias fclicias, porque o trabalho effectivo resumia-se na reproduceio typographica de alguns documentos com poucas linhas de pro- ogo historico. Referimo-nos especialmente & collec¢io Portugalie Monwmenta historica, da qual desde 1856 até 1877 aponas apresenta quatorze fasciculos, os quaes custaram até a0 anno de 1876, pagando a um director 4805000 réis annuaes, a um paleographo 270$000 réis, e a um revisor 2406000 réis (sem incluir a impressdo e o papel), a quantia de réis 19:8006000! O trabalho litterario d'estes fasciculos consiste em copias paleographicas mais nada; mas no nosso paiz entende-se o dever d’este modo. N’esla collecgao dos Portugalie Monumenta historica resolvéra 0 seu fundador e director incluir na Secgl0 dos Scriptores 0 Cancioneiro da Ajuda e 0 Cancioneiro da Vaticana ; como estas repro- acces no consistiam em simples copias, mas em restituigdes de texto e interpreta ses historicas, encobriu-se a impossibilidade com a reproducgdo de um desgragado texto do Codigo wisigothico, ¢ assim se flcou servindo a algibeira sem servir a sciencia, Pela parle do governo nenhum ministro teve a educagdo litteraria sulliciente para d’esses subsidios que se dio para assislir a paradas militares no estrangeiro tirar uma pequena quantia para mandar a Roma quem copiasse 0 monumento portuguez da Bibliotheca do Vaticano. Porém as veres péde mais a boa vontade do que todos os poderes do mundo. Sobre os pequenos subsidios para a historia da litieratura provengal portugueza, minis- trados pelo embaixador ingles Lord Stuart, pelos brazileiros Lopes de Moura e Varnhagen, pelos allemdes Wolf, Grilzmacher e Diez, lentamos uma pequena synthese da epocha dos nossos trovadores no livro Trovadores galecio-portuguezes, Porto, 1871. 0 livro era defei- tuoso por incompleto, porque incompletos eram os documentos sobre que se fundava; ter- minava com uma imprecago acerba sobre o desicixo da Academia e do governo por deixa- Tem no esquecimento o grande Cancioneiro portugues da Vaticana. De 1871 a 1877 a ‘Academia continuou.consummindo em silencio a sua dotagdo, e o governo continuou a preoc- cupar-se de si; mas 0 livro dos Trovadores galecio-portugueses chegou a Italia, e um illustre romanista o joven professor dr. Ernesto Monaci, movido por aquellas palavras de interesse emprebendeu restiluir 4 nago portugueza o livro da sua tradigdo literaria '. As difliculda- des que elle leve a vencer iro contadas adiante ao biographarmos este cininente philologo ; 6 certo porém que 0 Cancioneiro portugues da Bibliotheca do Vaticano estava publicado em * Bm carta de 14 de abril de 1873, escrevia-nos o fllustre philologo: « Nel preparare questo lavoro pol non mi 2 di poca compiacensa Il pensare ai materiali richissimi che easo preseatera per nuove opere all illusire storico della leteratura portoghese.» Vv _ _ INDIFFERENGA DO PUBLICO PELO PASSADO NACIONAL 1875 por uma casa editora de Halle, que teve o patriotismo que faltow ao nosso governo, @ a intelligencia scientifica que faltou nossa Academia. Monaci fez uma edigo diplomatica do Cancioneiro portugues da Vaticana ; as difficulda- des insuperaveis do texto obrigaram-no a uma reproducgao quasi fac-simile, entregando & aptidao dos homens de sciencia de Portugal a restituigZo pura da linguagem archaica ali de- turpada pelo primeiro copista do seculo xv1. ‘So commoventes as palavras com que Monaci termina a sua audaciosa empreza: «Questa non 6 che una prima pietra, e voglia il cielo che tornato il livro in Portogallo, diventi presto oggetto di studi novelli. B solo nelle fonte delle tradizione patrie che lo spirito di una nazio- ne si ringagliardisce.» 0 livro chegou a Portugal em dezembro de 1875, encarregando-me © auctor e editor de offerecer em seu nome um exemplar & Academia das Sciencias. Para evitar a nossa vergonha tive de solicitar 0 agradecimento, e a nomeagao de socio correspon- dente, titulo que tem descido entre nds até 4 inflma plebe das letras, para o homem que no estrangeiro maior servigo prestou a litteratura @ historia de Portugal. Para que o juizo sobre 0 Cancioneiro nio ficasse no olvido, como a maior parte das obras dades 4 censura academica, tive que redigil-o. Mas apesar de tudo o trabalho de Monaci néo foi comprehen- dido, porque um academico chegou a propor em sesso, que sendo illegivel a edigdo de Monaci, seria conveniente que a Academia das Sciencias de Lisboa mandasse tirar uma nova copia para fazer uma edigao sua! Que paleographo na Europa seria capaz de tirar uma co- pia com mais fdelidade e intelligencia do que a de Monaci? com todos os elementos criticos para uma restituigao integral? Ninguem. 0 que @ edigdo diplomatica do Cancioneiro da Vaticana reclamava era estudo. Langd- ‘mo-nos a esse trabalho de restituig&o, como quem cumpria um dever de honra nacional; néo tinhamos esperanga de aleangar os meios de publicidade para 0 nosso texto, mas fomos pro- seguindo sempre. Nas livrarias, dos exemplares do Cancioneiro apenas se venderam uns quinze! Silencio da parte dos escriptores, porque nenhum jornal deu noticia da publicagdo de Monaci, desprezo da parte do publico, tudo pesava sobre nds como uma grande vergo- nha. Da Allemanha pediam-nos um juizo critico sobre o Cancioneiro para a Zeitschrift fiir romanische Philologie' de Breslau, e em Portugal todos os livreiros se recusavam a tomar a empreza da edicao crilica d’este esplendido monumento nacional! . Depois de restituido completamente o Cancioneiro, tentamos publical-o por fasciculos, associando-nos com um proprietario de typographia. Fizemos correr 0 seguinte prospecto: «

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