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Florianópolis, outubro de 2009 Cultura 11

Rogério Moreira Jr.

Os acadêmicos vêm da África para cursar toda a faculdade na UFSC, por meio de um acordo entre os governos. Depois de formados, eles devem voltar aos seus países e aplicar o que aprenderam durante o intercâmbio, como contrapartida ao convênio

Graduação e cultura no Brasil


Seminário

UFSC discute a

atraem estudantes africanos


África atual
Desde o primeiro semestre de
2009, ocorrem na UFSC reuniões
para a formação do Núcleo de Es-
A UFSC conta hoje com 68 intercambistas do continente. Longe de casa, eles falam tudos Africanos e Afro-Brasileiros. O
objetivo é discutir temas relativos à
sobre as diferenças culturais, a falta de informação e a frieza do povo de Florianópolis África, de acordo com o interesse dos
participantes, através de uma abor-
dagem contemporânea.
Quem sai do restaurante universitário car é mais vagabundagem”, avisa ele, que O núcleo é coordenado por pro-
da Universidade Federal de Santa Catari- foi criado em um lar cristão adventista. fessores e estudantes brasileiros e
na (UFSC) e passa pela banca de revistas, Convênio Já Dinho, que é muçulmano, explica que africanos. São feitas reuniões sema-
ao lado do Centro de Convivência, pode em seu país, as diferenças tribais e as re- nais; as primeiras têm sido apenas
observar um grupo que conversa debaixo ligiosas causam divisões sociais. para a coordenação organizar sua
das árvores. O idioma que falam desperta Em relação às cotas, Dinho reconhece estrutura. A partir de outubro, as
dúvidas se é português com um sotaque Estudantes de que é ruim entrar na faculdade e, por reuniões devem ser abertas a todos
diferente ou outra língua. Os estudantes oito dos 54 países ser estrangeiro, ser o único negro da os interessados. Dois temas para dis-
africanos conversam em crioulo, mistura da África estudam na sala, mas não gosta do sistema. “Elas cussão já estão definidos: História da
de dialetos da África com o português. A UFSC atualmente. geram ainda mais preconceito. Teriam África e Literatura Africana.
maioria ali é de Guiné-Bissau, segundo A forma de ingresso para que dar condições para o negro competir Um dos desafios do núcleo é
país africano com mais alunos cursando esses alunos é o Programa de em igualdade.” conciliar os assuntos abordados, pois
graduação na UFSC, com 24 acadêmicos; Estudantes Convênio de Graduação, o PEC-G. Alguns estudantes dizem que nunca temas que para os brasileiros são no-
o primeiro é Cabo Verde com 28. Eles não O governo brasileiro faz esse tipo de acordo sofreram preconceito. Jacqueline Mo- vidades, para os africanos podem ser
com países em desenvolvimento da África e da elementares.
sabem dizer como começaram esses en- reno, de Cabo Verde, diz que se sofreu
América Latina. A seleção para as vagas avalia o Em agosto, o núcleo organizou o
contros, mas todos sabem que é ali onde discriminação foi muito sutil, pois não
histórico escolar, e se o candidato tem condições seminário “Um outro olhar sobre Áfri-
se reúnem para bater papo e combinar percebeu. Aladje Djaló, da Guiné-Bis-
financeiras para se manter no Brasil. ca: história e perspectivas”. O evento
festas. sau, não conhecia a palavra preconceito contou com palestras e debates de
Os africanos em graduação na UFSC Arte: João Doliveira até chegar ao Brasil, mas é compreen- temas como a história, a cultura e a
já são 68. Vindos de oito países, eles in- sivo: “As pessoas são assim porque não política dos países africanos, e tam-
gressam pelo Programa de Estudantes cursar boas universidades em seus países, foi convidado para almoçar na casa de conhecem”. Dinho conta que já lhe bém a sua influência na cultura afro-
Convênio de Graduação (PEC-G). Como mas vieram para o Brasil conhecer a cul- um colega, enquanto nas comunidades perguntaram se ele andava com leões brasileira.
explica Zulmira da Silva, da Secretaria de tura e ficar longe de casa. Como a língua da Nigéria todos se conhecem pelo nome pelas ruas em sua terra natal. “Eu nem Entre as questões destacadas,
Relações Institucionais e Internacionais, oficial na Nigéria é o inglês, é mais co- e chamam os vizinhos de pai, tamanha a respondi, achei que era brincadeira, só esteve a de que ao se falar da África,
o acordo ocorre entre os governos do Bra- mum os estudantes irem para a Inglater- proximidade entre as pessoas. percebi que a pessoa falava sério quan- muitas vezes apenas aspectos cul-
sil e dos países de origem dos alunos. ra, mas Dinho escolheu o Brasil e chegou Por outro lado, é a influência familiar do insistiu”. turais antigos são destacados, sem
A universidade também recebe estu- um ano antes para estudar português. Ele na vida pessoal que faz Dinho não querer Quando formados, os estudantes de- considerar a complexidade do con-
dantes para intercâmbio nas férias. Em achava que a maioria dos brasileiros era voltar. Em seu país, os familiares decidem vem voltar a seus países para levar o que texto atual ou limitando a abordagem
janeiro, um grupo de 22 alunos de Ango- negra. “Quando cheguei no aeroporto o futuro do jovem e a distinção entre as aprenderam em contrapartida ao convê- da contemporaneidade do continente
la e Cabo Verde esteve na instituição e, em vi muitos brancos mas achei que só ali tribos é muito forte. “Se você casa com nio feito entre os governos. E é o que a a doenças e pobreza.
agosto, a UFSC recebeu seis acadêmicos fosse assim, pois circula gente de outros alguém de outra tribo, está encrencado”. maioria pretende. Jacqueline quer voltar Além disso, há os que visualizam
a África como um lugar homogêneo,
do Moçambique. São jovens que, no final lugares”. Na Nigéria, a única preocupação dos jo- para o Cabo Verde e ser repórter de TV e
sem considerar o fato de que 54 pa-
da graduação, desenvolvem aqui os pré- Stevon define a interação com os vens devem ser os estudos. Eles também Stevon acredita que lá terá mais espaço
íses compõem esse continente com
projetos de conclusão de curso, que serão florianopolitanos como “uma tristeza”: não devem namorar durante a faculdade no mercado de trabalho. “Lá ainda está diversas etnias e diferentes histó-
finalizados em seus países. ele tem muitos amigos brasileiros, mas e quando se formam têm que se casar. em expansão, enquanto aqui está tudo rias.
Estudantes de Arquitetura, Ahmed nenhum é natural da Ilha. Os estudantes Já no Cabo Verde, Stevon explica que as saturado.” Mais informações no e-mail: afri-
Oluwa (Dinho) da Nigéria, e Stevon Pal- são unânimes quanto a frieza do povo. pessoas “curtem”, semelhante ao “ficar”. caperspectivas@gmail.com (J.N.)
ma, do Cabo Verde, contam que poderiam Dinho conta que em quatro anos nunca “Mas curtir é mais próximo que ficar. Fi- Joana Neitsch

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