Este documento discute o conceito vygotskyano de "mediação" e suas implicações na prática pedagógica. A teoria sócio-histórico-cultural de Vygotsky é apresentada, com foco no papel da interação social e cultural no desenvolvimento humano. A zona de desenvolvimento proximal e a mediação pedagógica são conceitos-chave. Implicações para visões de aluno, professor, escola e ensino-aprendizagem dentro dessa teoria são detalhadas.
Este documento discute o conceito vygotskyano de "mediação" e suas implicações na prática pedagógica. A teoria sócio-histórico-cultural de Vygotsky é apresentada, com foco no papel da interação social e cultural no desenvolvimento humano. A zona de desenvolvimento proximal e a mediação pedagógica são conceitos-chave. Implicações para visões de aluno, professor, escola e ensino-aprendizagem dentro dessa teoria são detalhadas.
Este documento discute o conceito vygotskyano de "mediação" e suas implicações na prática pedagógica. A teoria sócio-histórico-cultural de Vygotsky é apresentada, com foco no papel da interação social e cultural no desenvolvimento humano. A zona de desenvolvimento proximal e a mediação pedagógica são conceitos-chave. Implicações para visões de aluno, professor, escola e ensino-aprendizagem dentro dessa teoria são detalhadas.
RESUMO: Este artigo discute o conceito vygotskyano mediao, bem como as implicaes que tal conceito traz para a rotina do fazer pedaggico. A nfase estar na compreenso de um conceito e ao mesmo tempo de um instrumento metodolgico de interveno. Alm do prprio Vygotsky, outros autores que contribuem para a discusso sob o quadro da teoria scio- histrico-cultural estaro presentes.
ABSTRACT: This article argues the vygotskyan concept mediation, as well as the implications that such concept brings for the pedagogical routine. The emphasis will be on comprehension of one concept and at the same time of a methodological instrument of intervention. Beyond Vygotsky, it will be present other authors who contribute for discuss under the board of social- historical - cultural theory.
1. Introduo
Neste artigo ser discutida uma proposta de organizao da prtica pedaggica dentro do quadro da teoria scio-histrico-cultural, na qual o conceito vygotskyano da mediao ter nfase especial, por ser ele central na teoria de Vygotsky (Daniels, H. 2003: 9 e 24). A partir dele, tratarei de vrios outros conceitos que so fundamentais para a discusso. O desafio aqui propor um caminho terico/prtico que contribua para a ao de educadores no propsito de qualificar uma prtica voltada a uma formao cidad, na qual se considera e se valoriza todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem 2 , isto , uma viso de trabalho educativo que tem na colaborao um meio de ao. Na representao a seguir h uma organizao do que ser tratado, numa interligao seqencial lgica de conceitos que julgo necessrios para a discusso proposta.
1 E-mail para contato: lberni@ig.com.br 2 O termo ensino-aprendizagem a traduo da palavra russa obouchenie, utilizada por Vygotsky no sentido de representar tanto os processos de ensino como os de aprendizagem (Dolz e Schneuwly, 2004: 45). Daniles, H. (2003: 20) tambm faz um esclarecimento a este respeito dizendo: O tradutor de Davydov (1995) diz que ensino ou ensino-aprendizagem mais apropriado como traduo de obuchenie, na medida em que o termo se refere a todas as aes do professor que geram desenvolvimento e crescimento cognitivos. Sutton (1980) tambm lembra que a palavra no admite uma traduo inglesa direta. O autor argumenta que ela significa tanto ensino como aprendizagem e se refere a ambos os lados do processo de duas vias, sendo portanto apropriada uma viso dialtica de um fenmeno composto de opostos que se interpenetram.
2534
TSHC (Teoria Scio-histrico-cultural)
MTODO DA PRXIS
MEDIAO (interveno)
ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal)
CONCEITO ESPONTNEO CONCEITO CIENTFICO
CONTEDOS
BRINCADEIRAS/J OGOS
APROPRIAES GENERALIZAES
APRENDIZAGEM DESENVOLVIMENTO
FPS (Desenvolvimento das Funes Psicolgicas Superiores para a formao cidad)
EXPANSO
DOMNIO SOCIAL DOMNIO HISTRICO-CULTURAL
2535
2. A Teoria Scio-histrico-cultural (TSHC)
Como trs prismas de um mesmo diamante, esta teoria nos desafia a ter uma abordagem sustentada nas seguintes dimenses:
Social: fundamental para marcar a questo das relaes humanas; Histrica: faz-nos pensar em como chegamos at aqui, os diversos momentos e pocas que marcaram a humanidade. Em primeiro plano ficam as influncias do tempo sobre o humano; Cultural: til para vermos e valorizarmos toda a produo humana em diferentes contextos. Aqui olhamos em primeiro plano as influncias humanas na temporalidade. De outra forma, Wertsch (et al., 1995:11, apud Daniels, H. 2003: 105) sintetiza da seguinte forma sobre esta teoria:
O objetivo de uma abordagem sociocultural explicar as relaes entre a ao humana, de um lado, e as situaes culturais, institucionais e histricas em que essa ocorre, de outro.
Wertsch (1998: 3), tambm nos esclarece outro ponto:
The task of sociocultural analysis is to understand how mental functioning is related to cultural, institutional, and historical context. 3
Nesta perspectiva, a teoria em questo deveria ser discutida quando da produo coletiva dos Projetos Polticos Pedaggicos nas unidades escolares, pois detalha posicionamentos que mapeariam um melhor direcionamento das aes, j que dela fazem parte as seguintes vises *:
Aluno: interage a partir de experincias sociais; constri a partir de conexes entre experincias e conhecimento anterior; s se desenvolve porque aprende; observa, experimenta, problematiza, argumenta; aprende a partir do que lhe significativo; deve ser ajudado a buscar diferentes respostas para o mesmo problema. Professor: provocador de conflitos; suporte e apoio no processo; mediador; constri junto com os alunos; preocupa-se com o processo e no apenas com o produto. Escola: visa autonomia intelectual e moral do aprendiz; desafiadora: visa propiciar a superao dos nveis de conscientizao do educando sobre si prprio e sobre a sociedade; propicia espao para participao, respeita opinies e diferentes culturas; no o nico local onde ocorre a aprendizagem. Prticas de sala de aula: provoca desequilbrios, desafia; organizada em grupo priorizando a interao entre os aprendizes; pressupe habilidade intelectual individual no trabalho com o outro; permite a relao entre trabalho e realidade do aluno; permite interao do aluno com ele prprio e com os outros; prev a socializao do conhecimento. Ensino-aprendizagem: tem como central as experincias sociais e a construo do conhecimento; possibilita o desenvolvimento da autonomia do aluno; construo do conhecimento atravs do processamento da informao. Erro: ponto de partida para a reconstruo da prtica; etapa do processo de aquisio do conhecimento; permite ao aluno reformular hipteses; sinalizador, para o professor, da forma como ocorre a aprendizagem de seus alunos. Ser humano que pretendemos formar: capaz de modificar o meio e a si prprio; capaz de atuar em diferentes contextos sociais; capaz da reflexo crtica; capaz de exercer sua autonomia e de ser sujeito de sua prpria histria, de forma consciente e participativa.
3 A tarefa da anlise sociohistrica entender como a funo mental est relacionada com os contextos cultural, institucional e histrico. (Minha traduo).
2536
* Toda a caracterizao das vises apresentadas acima foi elaborada pelas profs. Maria Otlia Guimares Ninin e Mona Mohamad Hawi em apostila oferecida no curso da COGEAE: O Papel do Coordenador nvel bsico, 1 semestre de 2004.
Esclarecer a todos os envolvidos no processo educativo sobre as teorias de aprendizagem que possam estar embasando as aes pedaggicas primordial. Dessa forma podemos levar conscincia de que todas as teorias de aprendizagem que permearam a histria humana, influenciadas por correntes filosficas e psicolgicas, possuem diferentes vises de mundo. Assim h diferentes vises de homem, de escola, de relaes, de aprendizagem, isto porque os objetivos da formao a que se pretende chegar atendem a diferentes interesses de cada poca, que acima de tudo esto atendendo interesses polticos. Autores como Paulo Freire (1970), Angel Prez Gomes (1992), J oe L. Kincheloe (1993), Fernanda C. Liberali (1996) tratam das questes polticas, no se trata aqui de poltica partidria, mas sim dos valores e interesses que acompanham as aes humanas, principalmente dos grupos hegemnicos, ou seja, daqueles que de alguma forma detm o poder. de fundamental importncia a compreenso de que somos frutos do contexto scio-histrico- cultural do qual fazemos parte, por isso, at que aprendamos a pensar criticamente desvelando interesses e valores imersos neste contexto e em nossa formao e constituio como sujeitos, no poderemos ser autnticos. As seguintes citaes enriquecem a questo:
A pedagogia jamais ou foi politicamente indiferente, pois, voluntariamente ou no, por seu trabalho sobre a psique, sempre adotou um padro social particular, uma linha poltica, de acordo com a classe social dominante que guiou seus interesses. (Vygotsky, 1997b: 348, apud Daniels, H. 2003:14)
When trying to understand various viewpoints and their limitations, I think it useful to recognize that the basic assumptions and units of analysis that guide any inquiry in the human sciences are tied to political, cultural, and institutional interests. (Wertsch, J . 1998: 7) 4
O excerto a seguir traz um exemplo significativo 5 :
Por mais que a gente queira sair do tradicional, a memorizao se faz pela repetio.
A questo de voltar a outras teorias parece demonstrar a necessidade de buscar um porto seguro, um campo de ao que possa trazer resultados esperados de acordo com aquilo que j foi vivido e experimentado. H uma notria preocupao da professora em alcanar bons resultados, em ter sucesso no que est fazendo.
A TSHC, neste sentido, constitui-se em grande desafio, pois historicamente nova e desafiar a todos a embrenharem-se em novas buscas de ao e reflexo. Um dos caminhos muito frutferos no trabalho entre coordenadores e professores e na formao de professores em geral a reflexo crtica 6 .
4 Quando tentamos entender os vrios pontos de vista e suas limitaes, eu penso que til reconhecer que as suposies/posies bsicas e unidades de anlise que guiam qualquer questo nas cincias humanas esto atreladas a interesses polticos, culturais e institucionais. (Minha traduo) 5 Fala de uma professora de educao infantil de rede pblica, proveniente da coleta de dados feita por Regiane Ibanhez Gimenes Berni (2006) durante a pesquisa de mestrado. Nesta fala a professora procurou justificar-se, durante uma sesso reflexiva, sobre o questionamento que lhe foi feito sobre o objetivo que tinha e a estratgia que estava utilizando. 6 No objetivo deste artigo abordar tal teoria, que pode ser bem compreendida com as produes de Smith (1992), Liberali (2004), Magalhes (2005).
2537
A TSHC desenhou-se inicialmente pela teoria de Vygotsky por ter sido o primeiro a teorizar uma psicologia a partir do materialismo histrico-dialtico de Marx. Russo, vivenciou uma transio poltica e econmica conturbada que saa do feudalismo para o socialismo no incio do sculo XX. Ele realmente atuou por uma necessidade emergente de reconstruo de um novo estado. De acordo com Newman e Holzman (1993: 23): De modo significativo, Vygotsky foi um metodlogo marxista e entender Marx como um materialista, significa entend-lo como ... gem que toma o mundo material, ou a matria, como bsicos e as idias, ou a mente, como derivadas. Decorrente disto, a preocupao de ambos era considerar como ponto de partida da cincia e da histria (...) a vida-que-se-vive e no as interpretaes ou abstraes extrapoladas da vida (Newman e Holzman, 1993: 24). Assim, contando ainda com a contribuio dos autores acima citados (1993: 17) e de Rego, T. C. (1995: 27) toda produo terica vygotskyana esteve voltada s preocupaes e objetivos que podem ser resumidos da seguinte forma:
- Vygotsky dedicou sua vida ao objetivo de reformular a psicologia de acordo com a metodologia marxista, revolucionria por estar engajada com a transformao de uma sociedade com a reviso de conflitos e contradies intelectuais, polticos, econmicos e culturais do novo Estado Socialista. - Os desafios emergentes para Vygotsky eram o analfabetismo, as diferenas culturais entre as centenas de grupos tnicos que formavam a nova nao e a ausncia de servios para os incapazes de participar plenamente da nova sociedade.
Optar pela TSHC na atualidade ento optar por uma forma de pensarmos, dentro do Projeto Poltico Pedaggico de cada realidade escolar, quais so nossos desafios e objetivos rumo formao que queremos promover e que seja coerente com todo o quadro exposto.
3. Mtodo da prxis
A procura de um mtodo torna-se um dos problemas mais importantes de todo empreendimento para a compreenso das formas caracteristicamente humanas de atividade psicolgica. Neste caso, o mtodo , ao mesmo tempo, pr-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo. (Vygotsky, 1998: 86)
Vygotsky v o conhecimento como uma reorganizao e d uma dimenso revolucionria educao. Contrapondo o behaviorismo, o pragmatismo e mesmo o interacionismo, pois entre outras razes no consideravam as construes scio-histricas dando espao para formaes individualistas e alienadas, trouxe os conceitos de instrumento-e-resultado e instrumento para resultado. Estes conceitos facilitam a compreenso da organizao social, de como a se estabelece o trabalho, a quem ele serve. A partir das contribuies de Newman e Holzman (1993) ao tratarem sobre a prxis, compreender que a atividade humana pode ser organizada como instrumento-e-resultado redimensiona o mtodo educacional, traz a idia de que o prprio mtodo j a produo de um conhecimento, j pode, se organizado para esse fim, reorganizar o conhecimento, promover emancipao, colaborando para a construo da conscincia, entendida esta vygotskyanamente, como aquilo que prprio do ser humano, e que construda pela interao do sujeito com o objeto atravs dos artefatos culturais (instrumentos/ferramentas). J o instrumento para resultado est voltado para a satisfao de necessidades imediatas e individualistas, no comprometidas com a transformao social, com o coletivo. Sendo assim, o mtodo para ser praticado e no aplicado, um instrumento-e-resultado ou o mtodo da prxis. Isto representou um paradoxo para o pragmatismo, por ser esta a
2538
metodologia dominante no sculo XX. Nesta ltima, o mtodo separado do contedo experimental e dos resultados, ele entendido como algo a ser aplicado, um meio funcional para um fim, j que se prev a eficincia, por isso um instrumento para se atingir um resultado. No quadro a seguir h uma visualizao das diferentes caractersticas entre a pragmtica e a prxis O pragmatismo pode ser positivamente desejvel quando usado para reorganizar conhecimentos que possam ser recuperados ou quando se objetiva um automatismo em alguma situao especfica, mas na abordagem proposta, ou seja, a teoria scio-histrico-cultural seria preciso passar primeiro pela compreenso dos processos. O problema que este mtodo sempre foi utilizado a partir de uma viso de mundo e de homem distante da vygotskyana, de forma fragmentada, servindo a uma hegemonia e alienao. Neste ponto, de expressiva importncia pensarmos sobre as caractersticas dos instrumentos pedaggicos que utilizamos. Atravs delas podemos ter sinalizaes do quanto estamos nos aproximando ou distanciando da proposta em questo.
PRAGMTICA
PRXIS
Pragmatismo: metodologa dominante no sculo XX:
Mtodo fundamentalmente separado do contedo experimental e dos resultados;
Algo a ser aplicado, um meio funcional para um fim;
Carter pragmtico ou instrumental;
Fez um ruptura com a dicotoma mente-matria por concentrar as investigaes na conexo entre pensar e fazer;
Os significados da teorias devem ser encontrados em sua capacidade de resolver problemas;
Eficacia um criterio central;
Viso de mundo que criou o principal paradigma da cincia capitalista do final do sculo XX.
Mtodo deve ser praticado, pois : instrumento-e- resultado, ou pr-requisito e produto; Traz a investigao sobre o instrumento:
Instrumentos* da mediao Prticos/tcnicos - Externos; - Causam mudanas nos objetos; - Controlam processos na natureza; - Auxiliam em aes concretas. Psicolgicos/signos - Internos; - Influenciam a mente e o comportamento de si e de outros; - Auxiliam nos processos psicolgicos; - Marca externa que auxilia a memria e ateno; - Interpretvel como representao da realidade.
*H muitas divergncias e conflitos no uso da palavra instrumento, bem como na diviso apresentada entre eles que ainda no se chegou a um consenso. O uso dos instrumentos tem impacto sobre as categoras de cognio; Por meio do uso dos instrumentos o homem muda a si mesmo e a sua cultura; A linguagem, enquanto instrumento comunicativo , acaba por moldar as mentes daqueles que se adaptaram a seu uso.
2539
4. O conceito de mediao e suas implicaes pedaggicas
H um interesse crescente pelo que se tornou conhecido como teoria sociocultural e por seu parente prximo, a teoria da atividade. Ambas as tradies so historicamente vinculadas a L. S. Vygotsky e tentam explicar a aprendizagem e o desenvolvimento como processos mediados. (Daniels, H. 2003:9)
O que mediao?
I
S O
o processo que caracteriza a relao do homem com o mundo e com outros homens. Assim temos I: instrumentos; S: sujeito e O: objeto. A mediao vista como central, pois neste processo que as Funes Psicolgicas Superiores (FPS) - tipicamente humanas - se desenvolvem. As FPS relacionam-se com aes intencionais planejamento, memria voluntria, imaginao, enquanto as FPE (funes psicolgicas elementares) dizem respeito ao que biolgico, nato, extintivo, reflexo. Vygotsky (1998: 73) assim esclarece:
(...) O uso de meios artificiais a transio para a atividade mediada muda, fundamentalmente, todas as operaes psicolgicas, assim como o uso de instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as novas funes psicolgicas podem operar. Nesse contexto, podemos usar o termo funo psicolgica superior, ou comportamento superior com referncia combinao entre o instrumento e o signo na atividade psicolgica.
aqui que est a fundamental responsabilidade dos educadores no ambiente escolar: o desenvolvimento dos alunos atravs da aprendizagem que vai se dar pela mediao. Observando e investigando os conhecimentos que os alunos trazem escola, o professor deve intervir para reorganizar tal conhecimento, os elevando a outro patamar. Faz-se til aqui trazer o conceito de ZPD (zona proximal de desenvolvimento), pois foi criado por Vygotsky (1998: 109-119) como a prpria metodologia de trabalho da mediao. Trata-se do espao de trabalho no qual uma pessoa atua para ampliar os conhecimentos do aprendiz. Para tanto necessrio reconhecer o que o outro pode realizar sem ajuda (ZDR zona de desenvolvimento real) e o que no pode. O objetivo, ento, que a realizao de algo feito na ZPD possa, em breve ser feito na ZDR, buscando a autonomia de atuao dos sujeitos envolvidos. Assim a ZPD considerada um instrumento-e-resultado, pois leva ao desenvolvimento, nela o conhecimento co-construdo, pois a fala de um estratgia para construo/crescimento do outro. Nas relaes interpsicolgicas vai se criando uma base para a construo intrapsicolgica. A este respeito Magalhes (1996: 3-4) afirma:
Em uma abordagem scio-histrica/cultural, a aprendizagem de qualquer conhecimento novo parte do OUTRO, de padres interacionais interpessoais. Assim, a aprendizagem entendida, independentemente da idade, como social e contextualmente situada, como um processo de reconstruo interna
2540
de atividades externas, em que a relao social tem o papel primrio em determinar o funcionamento intrapsicolgico ou intramental (...)
(...) A instruo efetiva, isto , a que resulta em aprendizagem, pressupe que o professor tenha avaliado os dois nveis de desenvolvimento de seus alunos, isto , as atividades em que agem independentemente e as em que necessita da participao do outro para agir e que onde deve situar a instruo.
A partir da compreenso da ZPD, outros conceitos desenvolvidos pelo autor complementam a discusso: conceito cientfico, conceito cotidiano e conceito no vcuo. O conceito cotidiano aquele que construmos em nossa relao com os outros, mas no de forma hierarquizada. J o conceito cientfico deve ser coerente com uma cadeia de outros conceitos dentro de um paradigma. Assim, ao partirmos de um conceito espontneo para um cientfico no trabalho com a ZPD, estamos mediando uma reorganizao, evitando o conceito no vcuo, que pressupe no valorizar a generalizao 7 , o contexto lingstico e a memria lgica. O conceito no vcuo no promove aprendizagem, pois no trabalha com o que significativo. Vygotsky considerado um metodlogo, pois ao conceituar aprendizagem e conscincia, j discute como o processo se d e aponta caminhos para a realizao de uma educao a servio de valores sociais diferentes daqueles dominantes em sua poca e que ainda tanto se fazem presentes ao longo da histria humana. Sua discusso sobre a prxis extremamente atual. Entendida esta como a vivncia da teoria de maneira coerente com a prtica, eis o grande desafio da atualidade. Temos um discurso politicamente correto, mas um prescrito contraditrio ao se objetivar a formao de cidados conscientes, autnomos e envolvidos com as questes sociais numa prtica escolar que ainda pragmtica, quer resultados estanques e supervaloriza o quantitativo. necessrio que fique claro a importncia do contedo nesta proposta. O contedo a prpria expresso da produo cultural humana na scio-histria e tem uma importncia inegvel, mas sempre estar contextualizado, trabalhado de maneira a possibilitar as abstraes e generalizaes necessrias aprendizagem e desenvolvimento a favor do quadro j exposto.. Uma singular estratgia de trabalho com o contedo na proposta aqui discutida encontrada na utilizao de jogos e brincadeiras. A este respeito Vygotsky (1998: 131) afirma:
(...) o brinquedo cria na criana uma nova forma de desejos a um eu fictcio, ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as maiores aquisies de uma criana so conseguidas no brinquedo, aquisies que no futuro tornar-se-o seu nvel bsico de ao real e moralidade.
Pela enorme influncia que o brinquedo, ou seja, jogos, brincadeiras, o ldico como um todo, tem no desenvolvimento das crianas, a est uma enorme possibilidade de trabalho ao professor. A esfera cognitiva particularmente ativada com a utilizao de brinquedos, pois sua manipulao inerentemente motivadora de aes em situaes imaginrias, o que permite criana aprender a dirigir seu comportamento no somente pela percepo imediata dos objetos ou pela situao que a afeta de imediato, mas tambm pelo significado dessa situao.. (Vygotsky, 1998: 127)
7 Generalizao aqui deve ser entendida como um processo de aprimoramento de conceitos. Vygotsky (1993: 71) afirma que um conceito mais do que a soma de certas conexes associativas formadas pela memria, mais do que um simples hbito mental; um ato real e complexo de pensamento que no pode ser ensinado por meio de treinamento, s podendo ser realizado quando o prprio desenvolvimento mental da criana j tiver atingido o nvel necessrio. Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa um ato de generalizao.
2541
Torna-se fundamental entender neste momento que como o pensamento est separado dos objetos no ato do brincar, as aes surgiro das idias e no das coisas.
A ao regida por regras comea a ser determinada pelas idias e no pelos objetos. Isso representa uma tamanha inverso da relao da criana com a situao concreta, real e imediata, que difcil subestimar seu pleno significado. (Vygotsky, 1998: 128)
Como toda esta transformao no ocorre de uma s vez, ser necessrio investir muito no campo ldico para desenharmos um ambiente favorvel ao desenvolvimento, at porque o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criana. No brinquedo, a criana sempre se comporta alm do comportamento habitual de sua idade, alm de seu comportamento dirio; no brinquedo como se ela fosse maior do que na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contm todas as tendncias do desenvolvimento sob a forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento. Sendo assim, trabalhar valorizando o brinquedo compreender que ele cria possibilidades para transcender o mundo imediatamente disponvel. Ao criar uma outra realidade, tambm cria outros contextos para pensar e agir. Cria base de insero criativa no contexto cultural vivido. Ampliar o repertrio de brincadeiras ampliar as possibilidades futuras.
5. Concluso
inegvel a responsabilidade do educador e da escola enquanto agentes de constituio e transformao sociais. Diante do exposto, espera-se que ambos tenham um posicionamento claro da base terica, ou abordagem que acreditam para que possam discutir e serem coerentes com ela. S assim, os objetivos preliminarmente estabelecidos podero ser alcanados. O conceito de mediao e suas implicaes discutidos neste artigo fortalece a crena na construo e transformao de uma sociedade que se pretende mais justa e convergente gesto democrtica e a formao cidad de todos os seus agentes.
6. Referncias bibliogrficas
DANIELS, H. Vygotsky e a Pedagogia. Trad. Milton Camargo Mota. So Paulo: Edies Loyola, 2003.
DOLZ, J . e SCHNEUWLY, B. Gneros e progresso em expresso oral e escrita elementos para reflexes sobre uma experincia sua (francfana). In______: Gneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 40 ed. Rio de J aneiro: Paz e Terra, 2005.
KINCHELOE, J . L. A Formao do Professor como Compromisso Poltico. Porto Alegre: Artmed Editora, 1997.
LIBERALI, F. C. As Linguagens da Reflexo. In: MAGALHES, M. Ceclia. A Formao do Professor como um Profissional Crtico: linguagem e reflexo. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
______. O Desenvolvimento Reflexivo do Professor. The Especialist. So Paulo, v. 17 n1, p. 19-37, 1996.
2542
MAGALHES, M. C. Contribuies da Pesquisa Scio-Histrica para a Compreenso dos Contextos Interacionais da Sala de Aula de Lnguas: foco na formao de professores. The Especialist. V. 17, n. 1, p. 01-18. So Paulo, 1996.
MAGALHES, M. C. & CELANI, M. A. Reflective Sessions: a tool for teacher empowerment. In: Revista Brasileira de Lingstica Aplicada. Belo Horizonte: V. 5, n. 1, p. 135-160, Faculdade de Letras da UFMG, 2005.
NEWMAN, F. & HOLZMAN, L. Lev Vygotsky: cientista revolucionario. So Paulo, 1993.
GMEZ, A. P. O Pensamento Prtico do Professor: a formao do professor como profissional reflexivo. In: NVOA, Antonio. Os Professores e sua Formao. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1992.
REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histrico-cultural da educao. Petrpolis: Vozes, 1995.
SMYTH, J ohn. Teachers Work and the Politics of Reflection. In: American Educational Research Journal. V. 29, n2, 267-300, 1992.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. So Paulo: Martins Fontes Editora, 1993.
_______. A Formao Social da Mente.. 6 edio. Trad. J os Cipolla Neto, Luis S. M. Barreto e Solange C. Afeche. So Paulo: Martins Fontes, 1998.
WERTSCH, J . V. Mind as Action. New York: Oxford University Press, 1998.
Racionalidade e Projeto Político-pedagógico: um olhar a partir do Currículo e do relato das Práticas Docentes de professores do Curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Ceará