Monogr af ia
S alvador
2003
UNI VER S I DADE CAT ÓL I CA DO S AL VADOR
I NS T I T UT O DE CI ÊNCI AS B I OL ÓGI CAS
DEPAR T AMENT O DE F UNDAMENT OS E MÉT ODOS
S alvador
2003
C268
Agr adeço em especial a amiga e pr of essor a T at iane Coelho, que me “int r oduziu”
no mundo pat izeir o e me f ez r ef let ir sobr e a impor t ância de ser comunit ár io. A
minha quer ida or ient ador a Myr t T hânia, que me deu t ot al liber dade par a a
pr odução dest e t r abalho.
Não poder ia esquecer dos amigos do Gr upo Moviment o pelas const ant es e
pr azer osas r ef lexões f ilosóf icas e ações ecosociais, em especial B r uno
Mar chena,. E a amiga e companheir a da et noecologia, L eidiane Vieir a, pelos
debat es e r ef lexões t eór icas. Agr adeço t ambém a Maj br it t Meincke pelo apoio
bibliogr áf ico.
1. I NT RODUÇÃO 10
3. MET ODOLOGI A 22
5. O VALE DO PAT I 53
5.1. A História 53
5.2. A Cultura 56
5.3. Sentidos e Configurações da Paisagem 60
5.4. Conexões Bioculturais: Manejo dos Ecossistemas Naturais no Vale do Pati 65
5.4.1. I nterações com a Floresta 65
5.4.2. I nteração com a Fauna 78
5.5.Sistema de Acesso a T erra e aos Recursos Naturais 85
8. CONCLUSÕES 98
O Vale do Pati fica no coração do Parque Nacional da Chapada Diamantina, entre as Serras
do Rio Preto e a Serra de Andaraí, na chamada Chapada Diamantina Meridional. O Vale do
Pati é revestido pela Floresta Estacional Sempre Verde, possui uma rica fauna e abundância
em recursos hídricos. Este trabalho apresenta uma descrição das práticas de manejo dos
ecossistemas, pelos moradores do Pati, num contexto de interação biocultural e conflito
social, propondo estratégias etnoconservacionistas. A metodologia, advinda da
etnoecologia, busca um equilíbrio entre a abordagem ética e êmica na descrição do modo
de vida tradicional, numa tentativa de atingir a interação entre o corpus, a práxis e o
cosmos. Utilizamos a técnica do aprendizado vivencial, intercalada com entrevistas semi-
estruturadas, análise bibliográfica e de escritos da escola local, para posterior análise
qualitativa. T anto o modo de vida, quanto os sistemas culturais, simbólicos e as formas de
sociabilidade dos moradores do Pati são singulares. Estas pessoas se adaptaram e
recriaram sua cultura, criando um modo de vida com uma miscigenação da cultura africana,
dos grupos populacionais que adentraram o sertão da Chapada Diamantina e com grupos
de europeus de cultura portuguesa, já mesclados da forte presença indígena. T al
flexibilidade cultural influenciou nas práticas de manejo dos ecossistemas locais. A
paisagem no Pati é descontínua, marcado por áreas florestais, capoeiras e roçados, onde o
espaço e o acesso aos recursos naturais são em parte familiares e comunais. A paisagem
construída pelo dinamismo natural e pela interação mutualistica entre a cultura e a
natureza pode ser descrita como uma verdadeira paisagem em mosaico. A população
combina atividades de policultura (Agricultura itinerante e pomares), extrativismo vegetal e
caça. Estas atividades visam o uso familiar, a troca, a venda e também suprir os festejos
locais. Hoje o ecoturismo aparece como uma atividade econômica importante para os
moradores, apesar dos impactos culturais e ambientais decorrentes. Esta combinação de
práticas e usos dos recursos naturais é uma forma de utilização do ecossistema segundo
suas características e de acordo com os “ciclos naturais”. Existe no local uma extensa
taxonomia Folk. Ao profissional da conservação cabe reforçar a cultura local, através da
valorização dos conhecimentos e práticas tradicionais e do apoio a automobilização dos
moradores, neste sentido a educação libertadora possui um papel relevante. A criação do
Parque Nacional da Chapada Diamantina criou um conflito entre o espaço publico e o
espaço comunitário segundo perspectivas e visões opostas de uso da terra. De um lado o
Estado, representando uma elite urbana, reivindicando o espaço para preservação dos
recursos naturais e das belezas cênicas e, de outro, a população do Pati, que teria que
sacrificar seu modo de vida abandonando compulsoriamente seu território.
L I S T A DE F I GUR AS
L I S T A DE T AB EL AS
L I S T A DE F OT OGR AF I AS
Fot ogr af ia 1 - Mata Ciliar 19
Fot ogr af ia 2 - Vale do Pati pela Ladeira do I mpério 19
Fot ogr af ia 3 - Morador do Pati de Baixo na ladeira do I mpério 19
Fot ogr af ia 4 - Pati de Cima 20
Fot ogr af ia 5 - Ruinha no Pati de Cima 20
Fot ogr af ia 6 - Gerais do Vieira 20
Fot ogr af ia 7 - Morro do Castelo 21
Fot ogr af ia 8 - Cachoeira do Calixto 21
Fot ogr af ia 9 - Cachoeirão 21
Fot ogr af ia 10 - Dona Lica, moradora do Cachoeirão 58
Fot ogr af ia 11 - Sr. Eduardo, morador do Cachoeirão 58
Fot ogr af ia 12 - Dona Elenice. Moradora do Cachoeirão 59
Fot ogr af ia 13 - Sr Massur, morador do Pati de Baixo 59
Fot ogr af ia 14 - Área de roçado 64
Fot ogr af ia 15 - Área florestada 64
Fot ogr af ia 16 - Victor e Coquinho num processo de Extração de I mbira 68
Fot ogr af ia 17 - Victor e Coquinho num processo de Extração de I mbira 68
Fot ogr af ia 18 - Victor e Coquinho num processo de Extração de I mbira 68
Fot ogr af ia 19 - Pomar existente na moradia do Sr. Bezo 71
Fot ogr af ia 20 - Pomar existente na casa do Sr. Massur 71
Fot ogr af ia 21 - Dona Lica retirando amostras de ervas 72
Fot ogr af ia 22 - Dona Lica retirando amostras de ervas 72
Fot ogr af ia 23 - Processo de limpeza do terreno 76
Fot ogr af ia 24 - Roça de mandioca 76
Fot ogr af ia 25 - Processo de fabricação da farinha 77
Fot ogr af ia 26 - Processo de fabricação da farinha 77
Fot ogr af ia 27 - Processo de fabricação da farinha 77
Fot ogr af ia 28 - Processo de fabricação da farinha 77
Fot ogr af ia 29 - Processo de fabricação da farinha 77
Fot ogr af ia 30 - Cobra Rabo de Fogo 84
Fot ogr af ia 31 - Sr. Eduardo alimentando as galinhas 84
Fot ogr af ia 32 - Reunião da ASCOPA 97
Fot ogr af ia 33 - Escola Comunitária do Cachoeirão 97
1. I NT R ODUÇÃO
A diversidade biológica dos trópicos pode ser perdida de forma irreversível devido à
extinção em massa (WI LSON, 1986). I sto se torna preocupante devido a inteira dependência
que os seres humanos possuem da biodiversidade1 para manter diversos processos vitais,
econômicos e médicos, além da contribuição desta para a manutenção da complexidade
ecológica de nosso planeta (MYERS, 1986).
Segundo SHI VA (2001), as principais causas da deterioração em grande escala da
biodiversidade são: a Destruição dos habitats, devido a projetos financiados
internacionalmente (barragens, rodovias, indústria química, madeireiras, pastagens, minas e
aqüiculturas) e pressão tecnológica e econômica para substituir diversidade por
homogeneidade na silvicultura, na agricultura, na piscicultura e na criação de animais.
A devastação da biodiversidade dá ínicio a uma reação em cadeia. O
desaparecimento de uma espécie ocasiona a extinção de inúmeras outras, ligadas pelas
interações ecológicas (SHI VA, op.cit). Para a autora, a biodiversidade sempre foi um recurso
local comunitário, porém apropriado pela iniciativa privada e Estados. E um recurso é
propriedade comunitária quando existem sistemas sociais que o utilizam segundo princípios
de justiça e sustentabilidade.
A crise da biodiversidade, assim como a destruição da natureza em escala global
apontam para uma possível ruptura de parte da sociedade com o meio. A sociedade
industrial capitalista, ao contrário de muitas outras sociedades não estatais e de muitas
populações tradicionais, está destruindo as bases de sustentação das comunidades humanas
e naturais justamente por impor a força, um modo de produção crescente, não adaptado às
condições ecológicas (FERREI RA, s/d).
A sociedade capitalista é caracterizada principalmente pela hierarquização das
relações sociais, pela propriedade privada e pela competitividade. Esta tríade oferece todas
as condições para uma ruptura com a natureza. O domínio do homem pelo homem e, na
mesma lógica, o domínio da natureza, proporcionado pela hierarquização, abre as portas
para a instituição da propriedade privada, para a exploração e a implantação de um regime
baseado no crescimento econômico competitivo (BOOKCHI N, 1993; GONÇALVES, 1998).
Esta abordagem, que aponta a origem da crise ambiental, como fruto de
sociedades hierarquizadas (como a sociedade capitalista), rompe com a noção genérica de
1
O termo biodiversidade ou diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de
todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas
aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro de
espécies, entre espécies e de ecossistemas (PROBI O, 2001).
10
“homem destruidor”, presente no discurso de muitos preservacionistas, que culpabilizam a
humanidade pela crise ecológica e da biodiversidade, justamente pelo seu intrínseco
crescimento populacional e pelo uso de tecnologias nocivas.
Uma das estratégias propostas pelos preservacionistas, voltadas para reativar a
natureza contra as ações humanas, seria a criação de áreas naturais protegidas onde estes
não poderiam morar. A natureza selvagem (Wilderness) significaria “dar a vida” ao mundo
natural para que este se expanda sem intervenção humana. Esta noção de áreas protegidas
não teria bons resultados na prática, pois pressupõe uma separação entre a natureza e o
homem e a noção de natureza intocada (COLCHEST ER, 1997; ARRUDA, 1998; DI EGUES,
2001).
A concepção de áreas selvagens é uma proposição das elites urbanas, já
estressadas pela vida degradante das cidades, que advogavam áreas livres das atividades
humanas, com belezas cênicas que pudessem ser visitadas e desfrutadas... um retorno ao
natural, mesmo num círculo de destruição!.
No Brasil, e em grande parte dos países dos trópicos, a implantação de áreas
naturais protegidas foi conflitante, pois a importação deste modelo norte-americano não
levou em conta o contexto sociocultural existente. As florestas tropicais são manejadas de
forma sustentável por populações tradicionais há séculos. E a implantação destes modelos
de área protegida foi de encontro com esta realidade através da expulsão dos nativos ou
restringindo o uso dos bens naturais (DI EGUES, 2001).
A criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina, motivada pelas belezas
cênicas e para incentivar a industria do turismo (FUNCH, 1997), foi feita sem a mínima
consideração com as populações tradicionais que vivem em seu interior (SEABRA, 1998).
Soma-se isto a insuficiente quantidade de estudos relevantes, que darão base à criação da
área protegida na Chapada Diamantina, principalmente no Vale do Pati.
Os moradores do Vale do Pati constituem uma cultura singular, com elementos
indígenas (agricultura de pousio, alimentação, etc), dos negros (religião, alimentação, etc) e
da cultura portuguesa já marcada fortemente pela presença indígena . Poderiam ser
descritos como sertanejos, segundo a classificação antropológica vigente, mas esta
miscigenação e as práticas utilizadas no Vale do Pati, não condizem com a realidade cultural
desta população.
Os patizeiros estão integrados à natureza e manejam o território através de
técnicas adaptadas à ecologia local. A interação com a floresta é feita através de práticas
extrativistas, da roça de derrubada-queima e plantio e dos pomares agroflorestais. A
interação com a fauna se faz através de elementos mitológicos, da caça e da domestificação.
11
A população do Pati possui um vasto conhecimento sobre os ecossistemas locais, adquirido
pela experiência prática passada de geração em geração oralmente.
O sistema de propriedade comunal2 começa a entrar em conflito com a concepção
de Parque Nacional livre da presença humana. O território passa a ser reivindicado à força
das leis pelo Estado, com base num saber cientifico preservacionista que não leva em conta
o saber tradicional.
As populações tradicionais vivem integradas a natureza, porém podem passar a ter
práticas destrutivas. I sto se dá quando ocorre expropriação territorial ou inserção destas no
mercado capitalista (DI EGUES, 2001). Mas mesmo esta situação não justificaria a expulsão e
a manutenção do mito da natureza intocada. A ecologia têm de ser trabalhada não só na
relação direta entre as sociedades e a natureza, mas fundamentalmente nas relações sociais,
indicando a necessidade de estratégia baseadas na Ecologia Social e na Etnoconservação
(BOOKCHI N, 1998; SARKAR, 1998; DI EGUES, 2000)
O “saber” e o “saber fazer” tradicionais devem ser levados em consideração nas
estratégias de conservação. Estas populações podem ser aliadas no processo penoso de
defesa e restauração da biodiversidade contra as ações do mundo capitalista.
Este trabalho objetiva realizar um estudo geral do modo de vida do patizeiro, os
saberes e suas práticas de interação com o ambiente, propondo uma estratégia de
etnoconservação local. I sto exigiria uma contextualização do conflito entre a comunidade do
Vale do Pati e o Parque Nacional da Chapada Diamantina.
Especificamente objetiva-se: compreender as condições básicas da relação
sociedade/natureza; discutir criticamente sobre as Unidades de Conservação de Uso restrito;
apresentar algumas definições sobre populações tradicionais; descrever de forma geral a
cultura patizeira, as interações com a floresta e a fauna local, o sistemas de acesso a terra e
aos bens naturais e o “saber fazer” sobre a paisagem no Vale do Pati; gerar dados que
fundamentem proposta de etnoconservação no Pati.
2
Na Propriedade comunitária ou comunal, todos os (as) proprietários (as) possuem o mesmo direito
para usar os recursos naturais, direito que não se perde se não se usa (pois continuam sendo membros da
comunidade), e os não proprietários estão excluídos do uso (ALI ER, 1995).
12
2. L OCAL I Z AÇÃO E DES CR I ÇÃO DA ÁR EA
13
O Vale do Pati possui uma mata ciliar (Foto 1) em bom estado de conservação. As
matas variam em largura, e sua extensão dependerá das condições edáficas, da topografia
local e da frequência de enchentes. São árvores que variam, em média, de 10 a 20m de
altura. Há muitas lianas, samambaias, epífitas e liquens.
No vale, encontram-se algumas porções rochosas, principalmente no topo das
serras, que compõem o chamado Campo Rupestre, caracterizado por uma vegetação baixa,
de plantas lenhosas, palmas, orquídeas, trepadeiras, ervas pequenas e bromeliáceas.
Os Rios que penetram e atravessam o Vale do Pati possuem água rica em ferro, o
que da uma cor vermelha a sua composição. As frias águas do vale são pobres em
vertebrados aquáticos.
O Vale do Pati, segundo os patizeiros, divide-se em algumas áreas, que são de uso,
morada e passagem. Pode-se chegar ao Pati de Baixo, andando ou montado, por Andaraí
(cerca de 22 Km de trilhas), pelo Vale do Capão (cerca de 40 KM) ou pelo Guiné (cerca de
25 km horas pela Serra do Rio Preto). Os patizeiros dividem o território usando os critérios
topográficos, de uso e morada e pela presença de Rios, da seguinte forma (Figuras 2 e 3):
3
O Rio Cachoeirão nasce em cimas das serras e forma a exuberante cachoeira, com o mesmo nome,
que possui cerca de 280 metros de altura.
4
Em 2003 iniciou-se o processo de criação da Associação de Pais e Amigos da Escola Comunitária do
Cachoeirão, com gestão local. A associação visava manter a estrutura física e pedagógica da escola em
funcionamento, mesmo após o abandono desta pela Prefeitura de Andaraí. Até a revisão deste trabalho a
Associação estava em processo de fechamento, por falta de recursos e apoios, levando à finalização das
atividades escolares.
5
Nome dado ao Morro que situa-se na divisória entre o Pati de Cima e o Pati de Baixo, este nome
deve-se a característica do Morro, que parece um castelo. É um dos principais pontos turísticos, para alguns
aventureiros pode-se dormir numa gruta que situa-se em sua base.
14
igreja. Encontra-se uma escola, neste local, mantida pela prefeitura de Guiné.
Neste espaço vivem cerca de 50 pessoas;
3. O Vale da Lapinha, com um rio do mesmo nome, inicia-se com a Cachoeira do
Calixto (Ponto turístico). Esta área do Vale do Pati possui muitas casas
abandonadas, já tomadas pela floresta. Não há, atualmente, moradores neste
vale, mas ainda constitui rota de passagem para o Vale do Capão e para pasto dos
burros;
4. Os gerais do Vieira (Foto 6) e do Rio Preto são rotas para o Guiné, Mucugê e
Capão. Por estes campos passam os patizeiros montados em seus animais e
também os parentes que aparecem para um festejo tradicional e/ou religioso. Nos
gerais também são deixados os burros para pastarem;
5. As serras são zonas de passagem e de caça do mocó (Kerondon rupestris ) . E
neste local que vivem os macacos Barbados (Alouatta sp) e as onças-pintada
(Pantera onca), presentes no imaginário e nas histórias dos patizeiros. É nas
serras de Andaraí e I gatu que antigamente alguns jovens patizeiros, como o Sr.
Mansur (hoje com 80 anos) do Pati de Baixo, já viveram sonhos... de ter em mãos
um diamante das Lavras Diamantinas;
6. As cachoeiras também fazem parte da vida patizeira. Muitas pessoas,
principalmente os mais jovens, trabalham como guias levando os turistas para
conhecerem pontos como o Cachoeirão, Cachoeira dos Funis e do Calixto (Fotos 8
e 9). As cachoeiras são percebidas como um ponto de referencia em termos de
localização dentro do vale, não sendo um símbolo de apreciação estética.
15
Figur a 1 – Localização do Vale do Pati no interior do Parque Nacional da Chapada Diamantina.
Adaptado de BANDEI RA (1998)
16
MAPA DO VALE DO PATI
17
Figur a 3 – Desenho dos Rios do Vale do Pati, produzido pelos estudantes da Escola Comunitária do
Cachoeirão, Vale do Pati, Chapada Diamantina, Bahia.
18
F ot o 1 – Mata Ciliar
19
F ot o 4 – Pati de Cima
F ot o 6 - Gerais do Vieira
20
F ot o 7 – Morro do Castelo F ot o 8 – Cachoeira do Calixto
F ot o 9 – Cachoeirão
21
3. MET ODOL OGI A
A presente pesquisa monográfica busca a realização de uma ciência com
consciência (MORI N, 2000), ou seja, a produção de um conhecimento científico que
contenha em seu interior e durante todo seu processo de produção, a consciência da
complexidade do real e de que a noção da busca pela verdade passa por elementos
subjetivos intrínsecos ao cientista ou por uma abordagem conxetualizada e sistêmica.
A ciência aqui proposta contém elementos subjetivos, da interpretação do autor e
da auto-interpretação contida nas imagens, mesclada a objetivações da pesquisa
bibliográfica e das discussões teóricas. Neste sentido a objetividade, tão cara aos cientistas
naturais e sociais, perde terreno para uma análise que assume que a perspectiva das
interpretações subjetivas estará sempre presente, e que fazer ciência, não consiste apenas
em se “endurecer” mas sim, pelo contrário, produzir uma arte: a ciência é uma arte (MORI N,
op.cit).
A busca de se “esconder” no manto da neutralidade foge às minhas concepções
iniciais de um cientista/artista iniciante. A partir do momento que busco descrever, num
aprendizado vivencial, formas de manejo dos recursos naturais de uma cultura, me obrigo a
tomar partido em relação aos fenômenos estudados cujo valor seria a de uma ética
ambiental (T OLEDO, 1992), em vistas à sustentabilidade. I sto pressupõe uma transformação
das realidades sociais, econômicas, políticas e ecológicas vigentes até o presente momento.
Neste sentido pretendo ir além da “separação entre fato e valor” (T OLEDO, op.cit), típica da
ciência contemporânea, propondo/agindo na adoção de uma ética e de ações
ecologicamente apropriadas. A neutralidade se apresenta apenas no momento de coleta e
análise dos dados.
A ciência contemporânea está intimamente relacionada e interdependente da
sociedade, das corporações, do estado, da política e, por conseguinte, da ideologia (MORI N,
2000). Neste sentido esta ciência é co-responsável pelo domínio da natureza e do homem
pelo homem, bem com pelas atrocidades do mundo moderno e sua insustentabilidade
ecológica. Busco romper com este paradigma atuando/pesquisando junto às populações
tradicionais, rumo a emancipação, a autonomia e a produção e confluência de pensamentos
livres e de um conhecimento que sirva verdadeiramente às coletividades e supra as
individualidades com o saber.
Outro elemento importante nesta pesquisa é a tentativa de rompimento com a
noção prevalecente que de um lado “biologiza-se” o homem e de outro “sociologiza-o”,
rompendo com o mundo natural. Sobre isto penso que o homem complexificou sua
22
existência sem romper com a natureza, pelo contrário...por natureza o homem produz a
cultura complexa.
O fato de se estar trabalhando de forma “separada” os conceitos de sociedade e
natureza, o que levaria a uma contradição deste trabalho, não aponta, necessariamente,
para uma afirmação real desta falsa dicotomia. Viso apenas indicar que existe uma
sociedade na natureza e fazer uma separação que facilite a interpretação.
A pesquisa possui limitações evidentes num trabalho deste porte, onde buscamos
uma iniciação à ciência. Muitas vezes falta-nos o rigor, necessário, pelo próprio caráter
experimental, e, muitas vezes pela própria carência estrutural, como tempo e recurso para
execução do trabalho. Concluo que o maior desafio deste trabalho foi justamente aliar a falta
de recurso (basicamente suprido pelo “paitrocínio” e pela acolhida logística fundamental da
comunidade), com o tempo curtíssimo e a longa distância do campo (para chegar no Vale do
Pati tinha que viajar 9 horas de ônibus, com mais 6 horas de caminhada pela recortada Serra
de Andaraí). A pesquisa foi realizada com todos os moradores do Pati de Baixo ou
Cachoeirão.
Motivado inicialmente pelo conflito instalado entre os patizeiros e o estado, fui
gradativamente sendo cativado em conhecer/aprender/vivenciar durante os 20 dias de
trabalho de campo intenso, entre os meses de janeiro a junho, com as pessoas do Vale do
Pati. Outra motivação, não menos relevante, foi a ausência de bibliografias e de pesquisas
mais abrangentes realizadas no Vale do Pati. O que aponta para a urgência de projetos
sérios na região.
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica buscando responder algumas questões
conceituais sobre a relação entre as sociedades e a natureza, realizar uma teorização critica
sobre os Parques Nacionais (no Mundo, no Brasil e na Chapada Diamantina), apresentar as
principais definições de populações tradicionais e o histórico socioambiental da Chapada
Diamantina e do Vale do Pati, bem como para sugerir uma estratégia etnoconservacionista
no local.
T odas estas questões se interligam num contexto de posse do território entre duas
instituições conflitantes, o estado e a população (não homogênea) do Vale do Pati. Numa
configuração de hierarquia de saberes e de poder.
Nos capítulos que abordam o Vale do Pati, foi realizada, além da pesquisa
bibliográfica, uma descrição geral do modo de vida do patizeiro optando por uma abordagem
etnoecológica onde equilibram-se os dados êmicos e éticos (MARQUES, 2001), dando
primazia aos dados éticos, não devido a “má vontade” de ir a fundo... mas sim devido ao
23
curto espaço de tempo para coleta e análise dos dados. A etnoecologia é descrita por
MARQUES (op.cit.) como...
“(...) o estudo das interações entre a humanidade e o resto da ecosfera, através da busca
da compreensão dos sentimentos, comportamentos, conhecimentos e crença a respeito da natureza,
característicos de uma espécie biológica (Homo sapiens) altamente polimorfica, fenótipicamente
plástica e ontogenéticamente dinâmica, cujas novas propriedades emergentes geram-lhe múltiplas
descontinuidades com o resto da própria natureza. Sua ênfase deve-se então a sua diversidade
biocultural e o seu objetivo principal, a integração entre o conhecimento ecológico tradicional e o
conhecimento ecológico científico”.
24
4. ES T ADO DA AR T E
25
homem. Estes argumentos muitas vezes sugerem a expulsão de muitas sociedades de
seu meio natural (como na criação de Unidades de Conservação e no desenvolvimento
econômico), chegando as vezes a considerar, num pensamento etnocentrista, as
sociedades tradicionais como sendo inferiores, portanto selvagens e desprovidas de
história, sem conhecimento e saberes, sujeitos à ignorância, a exploração e expulsão
de suas terras (DI EGUES, 2001).
A unidade biológica Homo sapiens produziu e produz sua diversidade cultural
historicamente e isto se deve à especificidade de seu processo de socialização. Além
disto, muitas sociedades evoluíram endogenamente e de forma conflitiva para uma
maior hierarquia social.
O filósofo BOOKCHI N (1998), expoente da ecologia social libertária aprofunda
a questão colocando a ecologia num patamar social e interativo/complexo. No texto
“Sociedade e Ecologia”, o autor, argumenta que a evolução da sociedade humana a
níveis complexos deve-se a um processo de socialização, que possui um inicial
(desenvolvimento de caracteres como bipedismo, aumento da caixa craniana, etc) e a
constantes fatores de ordem biológica e psicológica (como na relação mãe e filho,
onde a mãe neste caso seria a figura materna do cuidado, podendo neste caso ser os
cuidados da comunidade ou de outra família). Nos seres humanos, este processo
adquire um caráter diferenciado, permitindo o alongamento do processo de
socialização e complexificação da linguagem, sempre de forma interativa com a
natureza. O homem emerge de uma primeira natureza (biológica) para uma segunda
natureza, que é a cultura complexa6, a auto-consciência, a criatividade e a liberdade,
sem perder a primeira. O homem possui as dimensões culturais e biológicas em
estreita interação.
Durante o processo multidimensional de transformação do homem, do
entrelaçamento dos fatores biológicos, psicológicos, afetivos e culturais, a linguagem
provavelmente foi a possibilitadora do alcance de uma cultura complexa ou a segunda
natureza. O Homo nem por isto escapa à animalidade durante essa transformação. O
ser humano seria um superprimata, um supermamífero, um vertebrado médio... um
sobrevivente, fruto dos desdobramentos biológicos que juntamente com a cultura
complexa lhe dá uma identidade terrena (MORI N, 2001).
6
Conjunto de regras, conhecimentos, técnicas, saberes, mitos, que permite e assegura a alta
complexidade do indivíduo e da sociedade humana, e que, não sendo inato, tem necessidade de ser
transmitido e ensinado a cada indivíduo no seu período de aprendizagem para poder autoperpetuar-se e
perpetuar a alta complexidade antropo-social (MORI N, 2001).
26
Longe da renuncia a qualquer animalidade do ser humano, mas ao contrário,
afirma-se que este ser possui um duplo estatuto. Por um lado apresenta totalmente
sua natureza biológica, física e cósmica; por outro, a totalidade de sua cultura, ou seja
do universo da palavra, do mito, da idéia, da razão e da consciência (MORI N, op.cit.).
Esta abordagem une as sociedades na natureza e advoga uma ecologia
social, a necessidade da construção de organizações sociais que apontam para formas
de socialização que não haja supressões, coações ou opressões de nenhuma ordem,
onde o domínio do homem pelo homem e da natureza sucumba à solidariedade, ao
apoio mútuo e a liberdade, permitindo o pleno desenvolvimento da natureza humana.
Esta interatividade complexa entre as sociedades e o ambiente, possibilitou a
construção e criação de diversas formas organizativas nas variadas instituições sócio-
culturais-geográficas. E mais especificamente, possibilitou a critica ao argumento
generalista de homem destruidor.
e mais
“...toda cultura é uma criação dos homens ; é instituída num processo cheio de
tensões entre diversos possíveis históricos” e “...simplesmente colocamos em outras bases a
especifidade do homem. A cultura humana não sai da natureza, ao contrário, é uma das suas
qualidades. O homem, por natureza, produz cultura...”(I BI D, 1998)
27
...deixa de lado exatamente o essencial, isto é, o modo de organização social e cultural que
institui uma determinada dinâmica de crescimento” (GONÇALVES op cit.)
28
Como afirma BOFF (1998) “Ecologia e Capitalismo se negam frontalmente.
Não há acordo possível. Se, apesar disso, o capital assume o discurso ecológico, ou é
para fazer ganhos com ele ou é para espiritualizá-lo. Ou simplesmente para
impossibilitá-lo e portanto destruí-lo” ,e mais, “queremos mostrar como o capitalismo,
como modo de cultura e produção, inviabiliza a ecologia tanto ambiental, quanto
social”.
Muitas sociedades tradicionais tiveram seus processos de ecodesenvolvimento
em co-evolução com o entorno geográfico, interrompidos durante as conquistas,
colonizações e integração ao mercado mundial (Figura 4). A natureza deixou de ser
fonte de simbolização e significação da vida, suporte e potencial da riqueza material e
espiritual dos povos, para se converter em fonte de matérias primas sem valor de uso,
que alimentaram a acumulação do capital em escala global (LEFF, 2000).
C o n flito
U rb an o/In du strial
C ap italista
P esca d or
A rtesa nal
C aiçaras
U n id ad e
B io ló g ica (H o m o sa pien s ) In dígenas
D iv ersid ad e C u ltu ral
D a rcy R ib eiro (1 977 ), M a n uel D ieg ues J r (19 60 )
E A lceu M ay n ard d e A ra ú jo (1 973 ), citad os em
A rru da & D iegu es. S ab eres T rad icio n ais e
S itia n tes B iod iv ersid ade n o B rasil.
Va rjeiro s
Q uilom b olas
29
invés da busca do lucro pelo domínio de outrem, muitas vezes subsistem numa outra
lógica, a da solidariedade e da interação com a natureza. Podemos também aprofundar
as criticas as sociedades tradicionais, que possuem ou passam a ter práticas, não
compatíveis ao meio ambiente.
Analisando a sociedade em todo seu contexto, com os conflitos latentes,
cooperações e divisões podemos alcançar a origem da crise ecológica e as reais
possibilidades de superação. Contradizendo os modelos propostos que eliminam a
participação, excluem conhecimentos e práticas culturais diferenciadas e marginalizam
as populações tradicionais em função de uma concepção homogeinizadora das
sociedades humanas.
30
“Paisagens agrícolas são muitas vezes admiradas por sua beleza intrínseca, como
obras primas vivas, criadas pelas mãos humanas a partir do selvagem. Constituem a
confirmação de uma crença subjecente: a superioridade tecnológica humana sobre forças
primitivas. Confirmam a fé em nossa habilidade de manejar o meio ambiente, um legado da
revolução industrial enraizado no conceito de progresso e na noção bíblica do domínio humano
sobre a natureza. Em Gênese (1:28), Deus diz a Adão e Eva: Frutificai e multiplicai-vos enchei a
terra e subjulgue-a”
7
Movimento filosófico predominante até os dias atuais, que objetiva preservar a natureza de
qualquer ação humana, muitos se baseiam na Ecologia Profunda e na Biologia da Conservação mais
ortodoxa. Por outro lado os conservacionistas buscam proteger a natureza, através do uso sustentável e
da preservação, para a atual geração e as gerações futuras.
31
Reforça-se então a falsa dicotomia Homem x Natureza e a noção generalista
de que todo homem é destrutivo e deve portanto ser retirado das áreas selvagens. T al
proposição foi posta em pratica já no primeiro parque nacional. Em Yellowstone, os
residentes shoshones, os “demônios vermelhos rastejantes”, foram expulsos em
violentos conflitos com as autoridades do parque, onde cerca de trezentos índios foram
mortos em 1877 (KEMF, 1993 apud COLCHEST ER, 1997). I nicia-se o biocentrismo
autoritário, baseado num mito da natureza intocada, que para DI EGUES (2001),
32
outras áreas, dedicadas a proteção dos recursos naturais (AMEND & AMEND, 1992).
No mesmo ano de criação da Comissão foi lançado o RED DAT A BOOK, com uma
listagem de 135 espécies de animais ameaçados de extinção.
Com o passar do tempo, o conceito de conservação da biodiversidade passa a
ser incorporado nos objetivos dos sistemas naturais de áreas protegidas fazendo com
que fossem ampliados os seus limites territoriais, para que os ecossistemas, seus
processos biológicos fossem contemplados e mantidos (BRI T O, 2000). Os Parques
Nacionais passam a ser temas de diversas conferências e tidos como modelo prioritário
de áreas protegidas (AMEND & AMEND, 1992; BRI T O, 2000; DI EGUES, 2001).
A consolidação do modelo de Áreas de Preservação de uso restrito, no século
XX, deve-se muito à sua base científica, com perspectivas de conservação da natureza.
Foram então realizados alguns importantes eventos visando debater conceitos e
práticas, bem como a expansão do modelo de Parques Nacionais (AMEND & AMEND,
1992; BRI T O, 2000; DI EGUES, 2001). Na 10ª Assembléia Geral da UI CN em Nova
Delhi (Í ndia, 1969), tentou-se uma definição unitária de parque nacional que fosse
aplicado mundialmente. Segundo a UI CN,1990 apud AMEND & AMEND (op.cit.), um
parque deveria ser uma área extensa, onde:
33
países do terceiro-mundo. Além disso, a disponibilidade de fundos internacionais para
a conservação e a possibilidade de geração de renda pelo turismo nas áreas naturais
protegidas também são fatores explicativos deste aumento.
Foi a partir de 1950, e principalmente nos anos 70, que tivemos um aumento
expressivo de áreas protegidas. Cerca de 1.300 novos parques nacionais foram criados
(BRI T O, 2000). E temos cerca de 4.502 áreas totalmente protegidas (I ncluindo
Reservas Naturais, os Parques Nacionais e Monumentos), correspondendo a
499.446.000 Hectares (WRI , 1998 apud PRI MACK & RODRI GUES, 2001). Acredita-se
que a criação de sistemas nacionais de áreas protegidas seja uma estratégia que deva
ser estabelecida de forma a melhor representar a biodiversidade dos países e a
responder as demandas para sua conservação (BRI T O, 2000).
Este conceito e estratégia, que exclui o homem, foram reforçados por
filosofias biocêntricas advindas dos EUA nos anos 60, como a Ecologia Profunda, termo
cunhado em 1972 pelo filósofo norueguês Arne Ness, que, além de adotar postulados
da ecologia cientifica, tinha intenções éticas, sobretudo com relação à tomada de uma
consciência ecológica profunda (DI EGUES, 2000).
A ecologia profunda possui os seguintes princípios: a vida humana e não
humana têm valores intrínsecos independentes do utilitarismo; os humanos não têm o
direito de reduzir a biodiversidade, exceto para satisfazer suas necessidades vitais; os
florescimentos da vida humanos e das culturas são compatíveis com um decréscimo
substancial da população humana; o florescimento da vida humana requer tal
decréscimo; a intervenção humana na natureza é demasiada; as políticas devem ser
mudadas afetando estruturas econômicas, tecnológicas e ideológicas (DI EGUES, 2001).
Este enfoque tem grande influência espiritualista aproximando-se a uma
adoração do mundo natural. E com relação às áreas naturais protegidas, considera que
a natureza deve ser preservada por ela própria, independente da contribuição que as
áreas naturais protegidas possam fazer ao bem estar humano (DI EGUES, op.cit.).
A ecologia profunda sofre inúmeras criticas principalmente de ecologistas
sociais, como GUHA (1989). Para este autor, ao se desviar a problemática ambiental
para um suposto antropocentrismo, se estaria mascarando as verdadeiras causas da
crise atual, que é a sobre-exploração da natureza pelo mundo industrializado e a
militarização (inclusive nuclear). Outro argumento refere-se a noção de natureza
selvagem (wilderness), que noção ao ser levada aos países do chamado terceiro
mundo, onde vivem muitas populações tradicionais, integrados com a natureza,
34
promoveu a transferência de recursos dos pobres para os ricos. Além disto aponta o
caráter imperialista na perspectiva de muitos ecologistas profundos
A Ecologia Profunda influenciou grande parte do movimento preservacionista
e a criação de parques nacionais e reservas naturais. Além disto influenciou muitos
biólogos da conservação nos Estados Unidos 8, uma importante disciplina cientifica
atualmente preponderante em todo mundo quanto à conservação da biodiversidade
(DI EGUES, 2000).
De fato, as áreas naturais protegidas livres da presença humana, sofreram
muitas criticas quanto a sua eficácia e principalmente quanto à expansão destas aos
países tropicais que possuem populações indígenas e “tradicionais” que habitam tais
áreas.
Alguns autores como KEMF (apud DI EGUES, 2001), criticam a expansão do
modelo de parque nacional americano para outras regiões ecológica e culturalmente
distintas. Segundo a autora, foram criadas muitas áreas preservadas, destinadas a
recreação pública, sem moradores e sem uso dos recursos naturais, transferindo
moradores, freqüentemente de maneira forçada, de áreas em que tinham vivido por
séculos. Criticando tal modelo, ela afirma que poderia ter conseqüências terríveis.
O fato conflitante é que o transplante do modelo norte-americano de
preservação da natureza para outros paises com cultura e ecologia distintos, gerou
graves conflitos. T al concepção mitológica (Mito Moderno ou Neomito) de áreas
desabitadas, selvagens, não condiziam com o contexto, por exemplo, dos países
tropicais (DI EGUES, 2001; COLCHEST ER, 1997; GUHA, 1997; ARRUDA, 1997). E de
forma paradoxal, mesmo com o advento da conservação científica o pensamento
técnico-racional, ainda hoje se vê parasitado pelo pensamento mítico e simbólico
(MORI N, 1986 apud DI EGUES, 2001)
8
A Biologia da Conservação foi criada no final dos anos 60 com o objetivo de associar ciência e
gestão ambiental (Diegues, 2000). A Biologia da Conservação enfatiza a proteção de ecossistemas
inteiros, em que, os processos ecológicos possam ser mantidos. Estuda o tamanho necessário a uma
reserva para que ela possa salvaguardar a Biodiversidade e determina o número de membros de espécies
raras ou ameaçadas de extinção e sua distribuição para que possa perdurar ao longo das gerações.
Oferece diretrizes para a formação de corredores ecológicos e define as condições necessárias para
projetos de restauração (CALLENBACH, 2001). Os Biólogos da Conservação também atuam influenciando
políticas públicas e realizando Educação Ambiental com público alvo definido. A Biologia da Conservação
dos Estados Unidos foi muito criticada ao tentar implantar seus modelos em países dos trópicos, pois não
levaram em conta o fator sociocultural e econômico destas regiões, sendo consideradas práticas
cientificistas, autoritárias e até mesmo imperialistas (GUHA, 1989; DI EGUES, 2000; SARKAR, 1998). Porém
muitas instituições e conservacionistas adeptos da Biologia da Conservação iniciaram uma abordagem
mais integrativa, levando em conta os contextos sociais e culturais das populações humanas (PRI MACK &
RODRI GUES, 2001).
35
“Esse neomito foi transposto dos Estados Unidos para países do T erceiro Mundo,
como o Brasil, onde a situação ecológica, cultural e social é totalmente distinta. Nesses países,
mesmo nas florestas tropicais aparentemente vazias, vivem populações indígenas, ribeirinhas,
extrativistas, de pescadores artesanais, portadores de uma outra cultura (tradicional), de seus
mitos próprios e de relações com o mundo natural distintas das existentes nas sociedades
urbano-industriais”.
36
dentro dos parques são rigorosamente protegidos, enquanto as de fora podem
livremente ser exploradas, degradadas e, por conseguinte contribui com a diminuição
da diversidade dentro dos próprios Parques (PRI MACK & RODRI GUES, 2001). Fato
que fica evidente na maioria dos casos, onde o esforço de conservação esbarra num
modelo de sociedade capitalista intrinsecamente depredador dos ecossistemas.
É interessante observar a absorção, por parte do Estado, do conceito de
Parques Nacionais que excluem os Homens, mais particularmente os povos tradicionais
do terceiro mundo. O discurso dos preservacionistas e o conseqüente poder deste
saber, aliou-se ao poder coercitivo do Estado para obter o domínio de um território
para fins de conservação, exploração econômica (turismo para a elite e bioprospecção)
e possivelmente até biopirataria (SHI VA, 1996).
As comunidades indígenas, rurais e tradicionais já sofridas por uma história de
domínio e exploração econômica capitalista, muitas vezes isolados pelo
desenvolvimento econômico e pela expulsão de suas terras nativas, vêem-se agora
diante de uma nova pratica autoritária, o imperialismo ecológico travestido de
conservação e toda sua concepção de áreas protegidas desabitadas (GUHA, 1997).
Reforçando o argumento que considera as sociedades humanas de pequena
escala como colaboradoras nos processos conservação, a Comissão de Meio Ambiente,
Economia e Políticas Sociais da UI CN – União I nternacional para Conservação da
Natureza adverte que,
37
tivessem valor científico e estético. O primeiro parque nacional criado foi o de I tatiaia
em 1937, objetivando a conservação da paisagem ali existente, incentivar a pesquisa
científica e a recreação (DI EGUES, 2001; BRI T O, 2000). A atração e o uso destas áreas
são sempre para as populações externas e não havia preocupação com as populações
indígenas, de pescadores, ribeirinhas e de camponeses que nela moravam (DI EGUES,
2001).
T ransfere-se para terra brasilis o mito da wilderness, da natureza intocada,
que serviria para a elite urbana descansar do estresse da vida nas cidades. A criação
de áreas naturais em parte deve-se à contrariedade do avanço da sociedade urbano-
industrial, porém grande parte das áreas, ditas intocadas, apresentam em seu interior
comunidades humanas que nada têm de modernas ou tecnológicas (DI EGUES, 2001)
Em 1965, com a aprovação do Código Florestal, os Parques Nacionais passam
a ter a “finalidade de resguardar atributos ex cepcionais da natureza, conciliando a
proteção da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para objetivos
educacionais, recreativas e científicos. Nessa área é proibida qualquer forma de
exploração dos recursos naturais” (BRI T O,2000).
Até os anos 60 a expansão do número de Parques Nacionais no Brasil foi
lenta,com poucos parques criados principalmente na região sul e sudeste, as regiões
mais urbanizadas e industrializadas do país. A partir daí, com a expansão das fronteiras
agrícolas e a devastação das florestas, os parques foram se expandindo para outras
regiões (DI EGUES, op.cit.).
Nos anos 60 a criação dos Parques Nacionais no Brasil era justificada apenas
com base na proteção de belezas cênicas (PÁDUA et al, 1984 apud BRI T O, op.cit.). Em
1967 foi criado o I nstituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (I BDF), que tinha
como atribuições orientar, coordenar e executar medidas necessárias à utilização
racional, à proteção e conservação dos recursos naturais renováveis e ao
desenvolvimento florestal do país.
A partir dos anos 70, com o avanço das informações sobre a perda da
diversidade biológica, bem como a noção clara de perda ininterrupta dos recursos
naturais, fez com que a criação dos Parques Nacionais fossem incentivada por grupos e
personalidades preservacionistas mais ortodoxas. Como ilustra ALMEI DA & ROCHA
(1977),
38
como no caso da poluição extrema... Somente através de áreas naturais (Parques Nacionais,
Reservas Biológicas, reservas Florestais, Monumentos Nacionais) é que se tornará possível no
futuro a manutenção de numerosas espécies da flora e fauna indígena, raras ou ameaçadas de
extinção...T ais áreas de preservação deveriam ser relativamente grandes, com um mínimo de
2.500Km² cada(...) que deveriam ser mantidos e protegidos pelo poder público”.
Fica registrado que não se menciona que alguns grupos detentores de poder
político e econômico são os principais causadores da crise ecológica no Brasil, mas sim
o ser humano como um todo, incluindo neste argumento toda população tradicional.
“Apenas com ca. 100.000 anos de existência a subespécie atual de Homo sapiens é,
dentre todas as formas predadoras, a única que realmente tem sido prejudicial ‘as suas presas.
Caracterizada pela tendência inata de esbanjar e desperdiçar, também é a única espécie
zoológica que , de modo deliberado, destrói o habitat onde vive. A destruição ou degradação do
patrimônio natural do Planeta tem sido , portanto, apanágio de Homo s. sapiens” (COI MBRA
FI LHO, 1977).
39
ecológica. Afirmando que “não existe compatibilidade entre a presença de
comunidades indígenas e a proteção da biota”.
O fato é que neste período (1970 – 1986) o discurso preservacionista teve
bastante ressonância, tanto no meio científico quanto na burocracia ditatorial,
chegando a ser o período onde houve um maior crescimento do número de unidades
de conservação de proteção integral no Brasil (Figura 5). Segundo DI EGUES (op.cit.), a
criação destas unidades era feita de cima para baixo, sem consultar as populações
afetadas em seu modo de vida pelas restrições impostas. Este autoritarismo, que ainda
perdura, fica evidente quando se considera o povo ignorante e sem consciência
conservacionista e que para se conservar a fauna e flora nacionais deva-se atuar no
legislativo, na administração, educação tradicional e principalmente repressão
(COI MBRA FI LHO, 1977).
Uma característica desta fase é a presença de um discurso dito científico
(Neomito da natureza intocada) que justifica a conservação destas áreas naturais
(DI EGUES, 2001). Como demonstra PI RES (1977),
PÁDUA (1977) afirma que os atuais Parques Nacionais não devem ser criados
de forma ad hoc, sob a paixão conservacionista ou por pressão política, mas sim deve
ter um caráter cientifico, o da conservação da natureza. E também deve-se reforçar a
importância dos Parques para o turismo e educação para os visitantes (PI RES, 1977)
40
Figur a 5 – Unidades de Conservação de Proteção I ntegral no Brasil Font e:
I B AMA
41
I I I - contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de
ecossistemas
naturais;
I V - promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;
V - promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da
natureza no
processo de desenvolvimento;
VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
VI I - proteger as características relevantes de natureza geológica,
geomorfológica,
espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;
VI I I - proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
I X - recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
X - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica,
estudos
e monitoramento ambiental;
XI - valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
XI I - favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a
recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;
XI I I - proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações
tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e
promovendo-as social e economicamente.
42
ao direito de posse das populações tradicionais, que geraram e irão gerar conflitos
vindouros.
Conforme BRI T O (2000), houve um avanço com relação à conservação da
biodiversidade no Brasil, porém os problemas estratégicos das Unidades de
Conservação continuam os mesmos dos primórdios da utilização destes modelos. Os
fatores que limitam a ação das unidades de conservação seriam, o contexto histórico
da criação das unidades e conseqüente representatividade dos biomas, a falta de
recursos financeiros, humanos e administrativos e, por último, os conflitos com as
populações tradicionais.
Segundo DI EGUES (2001), estas situações problemas são características do
modelo de áreas protegidas de uso restrito, que são caras, de difícil controle e não
levam em conta os fatores humanos e muitas vezes ecológicos. Devemos levar em
conta que na América Latina 85, 9% dos Parques Nacionais são habitados e 50% dos
Parques apresentam populações de camponeses e agricultores de subsistência
(AMEND & AMEND, 1992).
A expansão da sociedade capitalista, além de afetar o lado que esta de fora
das áreas protegidas, aprofundou os problemas das populações tradicionais, como o
da utilização e posse dos recursos naturais pela especulação imobiliária, industrias e
fazendas, a poluição das áreas naturais de uso das populações locais e pressão do
mercado sobre a cultura e o modo de vida local (DI EGUES, 2001). Alia-se aos
problemas já existentes, a criação das áreas protegidas integralmente, que tiveram
como política a expulsão destes povos de seus territórios ancestrais.
Neste sentido, como anteriormente exposto, surgiram inúmeros movimentos
ecológicos e sociais das populações tradicionais que lutavam pelo direito de uso dos
territórios, dos recursos naturais e contra projetos ecologicamente degradantes. Além
disto algumas populações entraram em conflito com as Unidades de Conservação e se
auto-organizaram para defesa e reinvidicação do território. Como exemplo, podemos
citar o Movimento Nacional dos Pescadores Artesanais, Movimentos I ndígenas, dos
Seringueiros, O da luta dos caiçaras do Vale do Ribeira contra as Unidades de
Conservação restritivas e a reinvidicação dos quilombolas (DI EGUES, 2000).
Os movimento de conflito, gerados com a criação dos Parques Nacionais,
acarretaram alguns resultados positivos como: a auto-organização política destas
populações, uma maior visualização da problemática por parte de outros setores da
sociedades, a realização de maiores estudos sobre o conhecimento tradicional e sua
valorização, a discussão sobre a legitimidade e a viabilidade de criação das áreas
43
protegidas de uso restrito nos países tropicais e a inserção de novas propostas de
Unidades de Conservação de Uso Sustentável, como as Reservas Extrativistas e de
Desenvolvimento Sustentável9.
Para ARRUDA (1997), as populações tradicionais no Brasil são postas diante
de um dilema cada vez mais insolúvel perante a sociedade envolvente e a concepção
de preservação ambiental...
“Ou continuam “tradicionais” tendo cada vez menos condições objetivas de manter os
padrões usuais de reprodução sócio-cultural ou são assimiladas pela sociedade dominante,
dissolvendo-se como comunidades e abrindo espaço para a disseminação do modelo
hegemônico de exploração e uso dos recursos naturais. O modelo oficial de preservação
ambiental calcado na criação de unidades de conservação de uso restrito tende a fortalecer a
segunda opção, somando-se ‘as pressões para que as populações tradicionais deixem de sê-lo e
adotem as mesmas práticas destrutivas que caracterizam a sociedade envolvente.”
9
O SNUC assim considera, Art. 18. A Reserva extrativista - RESEX é “uma área utilizada por
populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente,
na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e têm como objetivos básicos
proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade”. A reserva extrativista é de domínio público, com uso concedido às populações
extrativistas tradicionais. Prevê desapropriação de áreas particulares e será gerida por um conselho
deliberativo. Art.20. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS é “uma área que abriga
populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos
naturais , desenvolvidos ao longo das gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que
desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manunteção da diversidade
biológica”. T êm como objetivo “preservar a natureza e , ao mesmo tempo, assegurar as condições e os
meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos
recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o
conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas populações”. A RDS é de
domínio público, sendo que as áreas particulares devem ser, quando necessário, desapropriadas. Será
gerida por um conselho deliberativo. Em ambos os casos a presidência do Conselho será constituída por
um representante do órgão responsável pela administração da reserva.
44
Em 1985, através do decreto nº 91.655, foi criado o Parque Nacional da
Chapada Diamantina. E no seu primeiro artigo, lê-se:
“Essa área guarda uma memória histórica do ciclo diamantífero em seus garimpos
abandonados, nas casas de pedra dos garimpeiros, nas centenas de quilômetros de caminhos
nas serras e nos aquedutos antigos. Ao mesmo tempo, a área apresenta um aspecto selvagem,
com suas serras quase inacessíveis, que até hoje abrigam uma enorme variedade de animais
cujas espécies estão ameaçadas de extinção no Brasil. Aí encontram-se também milhares de
45
espécies de plantas raras, incluindo-se grande variedade de orquídeas, plantas medicinais e
comestíveis.
Além disto não se pode esquecer que essa é uma área de grande beleza natural, com
seus rios cristalinos, picos verdejantes, cachoeiras, paredões de pedra e vales escondidos.”
(FUNCH, 1982)
“Nos leitos dos Rios Paraguaçu e Santo Antônio procede-se atualmente a uma
exploração mecânica em larga escala, com grandes chances de sucesso. Mas somente nos rios
e serras baixas, e não na serra, poderão ser encontradas grandes jazidas. Assim, preservando-
se as serras, não se estará entravando qualquer possível atividade mineradora...Os grandes
plantios existentes nos “gerais”, ao sul de Mucugê, estão fora da área sugerida neste relatório
como digna de proteção, até porque têm pequeno valor cênico ou inexpressíveis recursos
naturais para merecer tratamento especial pelo I BDF” (FUNCH, 1982)
46
“Hoje a Chapada Diamantina representa um dos maiores potenciais turísticos do
Brasil devido a sua extraordinária beleza e diversidade de atrativos naturais (...)”
47
sustentável e criando restrições ao uso dos recursos naturais na região (SEABRA,
1998).
O fato é que desde a criação do Parque até os dias de hoje não cesaram-se
os incêndios, a degradação pela agricultura moderna e pecuária ainda é grande e o tão
propalado “ecoturismo”, fator motivador da criação do Parque, se mostra, hoje, como
uma das principais causas dos impactos ambientais, como na poluição dos rios em
Lençóis, Vale do Capão e Andaraí. Além disto, aumentou substancialmente o lixo na
região, inclusive dentro do Parque, e o turismo pode ser uma das principais causas da
modificação da cultura local. Com o turismo aumentou a prostituição de menores, a
violência e tráfico de drogas nas cidades de Lençóis, Andaraí e Vila do Capão. É
evidente também o aprofundamento das desigualdades sociais (SEABRA, 1998).
Por outro lado, no Pati, as florestas estão em pleno desenvolvimento,
incêndios são raros ou inexistentes e o ecoturismo ainda possui bases locais, apesar
dos atuais problemas de superpopulação de “ecoturistas” sazonais.
Como fica evidente, a critica deste trabalho recai sobre a criação de uma
Unidade de Conservação que, implantada sem a devida contextualização e estudos
adequados, e principalmente sem o respeito aos direitos das populações tradicionais,
aprofundou uma crise social já existente na Chapada Diamantina (SEABRA, 1998). A
conservação da natureza, bem como a luta ecológica na Chapada Diamantina como
um todo, é de extrema importância, não há dúvidas, porém a ecologia deve ser vista
sob uma perspectiva das relações sociais e não apenas das ciências naturais.
Deve-se separar o “joio do trigo” , como afirma BOOKCHI N (1998), quando
formos apontar os verdadeiros grupos humanos que se utilizam indevidamente da
natureza e os grupos resilientes que possuem um potencial real de uso sustentável dos
recursos naturais. Além disto, a abordagem da Ecologia Social aponta para uma visão
sistêmica em relação à conservação, nesta abordagem, não só a Serra do Sincorá seria
de grande importância, mas também seu entorno.
Ao criar o Parque Nacional da Chapada Diamantina, o Estado ignorou os
elementos humanos da paisagem, as comunidades tradicionais de base familiar,
lembranças vivas da história e cultura da Chapada Diamantina (SEABRA,1998).
A pressão do Parque sobre as comunidades do Pati, aliada à pressão dos
mercados e do poder local pode influenciar decisivamente para lançar na
marginalidade esta população. Perde a diversidade cultural e biológica: perde a
Humanidade!
48
4.3. P OPU L AÇÕES T R ADI CI ONAI S E B I ODI VER S I DADE
“ (...) a tradição só joga em parte sobre as aparências de estabilidade ... a tradição ...
está dissociada da mera conformidade, da simples continuidade por invariância ou reprodução
estrita das formas sociais e culturais, a tradição só age enquanto portadora de um dinamismo
que lhe permite a adaptação, dando-lhe a capacidade de tratar os acontecimentos e de explorar
algumas das potencialidades alternativas”
“(...) grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem
historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação
social e relações próprias com a natureza... refere-se tanto a povos indígenas quanto a
segmentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência,
adaptados a nichos ecológicos específicos”.
49
Segundo os mesmos autores, os sistemas de manejo dos recursos naturais
representam importantes fatores de definição, haja visto que muitas culturas
tradicionais possuem um manejo marcado pelo respeito aos ciclos da natureza e pela
sua exploração, observando-se a capacidade de recuperação das espécies de animais e
plantas utilizadas. Revelando um conjunto complexo de conhecimentos adquiridos pela
tradição herdada dos mais velhos, e pelas inter-relações e recriações com as culturas
envolventes.
A economia das sociedades tradicionais é baseada em uma produção de
pequena escala voltada para satisfação das necessidades materiais da família nuclear e
da comunidade e venda dos excedentes nos mercados das cidades e vilarejos vizinhos
(DI EGUES, 2001). Esta economia de “subsistência” 10 têm como formas de manejo dos
ecossistemas a integração entre diversas atividades como a agricultura, pesca, coleta,
extração e artesanato. Utilizam-se de técnicas de produção endógenas ou adaptadas
de outras culturas, caracterizada pelo baixo impacto e utilização de instrumentos
adaptados ao ecossistema local, sendo ambientalmente apropriadas (COLCHEST ER,
1997).
As sociedades de pequena escala desenvolveram muitas práticas adaptadas a
ecologia local que podem contribuir, na maioria dos casos, para a produção e
manutenção da biodiversidade (SMI T H & WI SHNI E, 2000)
Um elemento fundamental na relação entre populações tradicionais e a
natureza é a noção de território, que não depende somente do meio físico explotado,
mas também das relações sociais existentes. Para as sociedades tradicionais
camponesas o território teria dimensões mais definidas, apesar da agricultura
10
Pierre Clastres escreveu em sua obra fundamental, A Sociedade Contra o Estado (1978), que
a definição de sociedades arcaicas sob o critério da Economia de Subsistência possuí um julgamento de
valor, um preconceito, que “destrói a objetividade que ela pretende fixar-se”. Nesta abordagem, para ele
etnocêntrica, “as sociedades arcaicas não vivem, mas sobrevivem, e a sua existência é um combate
interminável contra a fome, pois elas são incapazes de produzir excedentes, por carência tecnológica e,
além disto, cultural”. E afirma “nada de mais tenaz que esta visão de sociedade primitiva, e ao mesmo
tempo nada de mais falso”. O principal argumento de Clastres é de que uma grande quantidade destas
sociedades, na América do Sul como exemplo, produziam uma quantidade de excedente alimentar muitas
vezes equivalente à massa necessária ao consumo anual da comunidade: produção portanto capaz de
suprir duplamente as necessidades ou suportar um aumento populacional. O que explicaria os inúmeros
momentos de descanso, festejos e rituais praticados pelas sociedades indígenas, por exemplo, em
comparação às horas trabalhadas. T alvez possamos afirmar, com este conceito, que o trabalhador
brasileiro iletrado e subalimentado, que se deveria qualificar de arcaico e a economia capitalista como a de
subsistência, ainda mais porque trabalham para tentar suprir as necessidades diárias e muitas vezes não o
consegue. O autor conclui sobre o assunto que a idéia de economia de subsistência advém da ideologia do
Ocidente moderno, e de alguma forma do “arsenal conceptual de alguma ciência”. E esta noção
etnocêntrica contribui para orientar as estratégias das nações industriais com relação ao “mundo
subdesenvolvido”.
50
itinerante de pousio, demarcar amplas áreas de uso, sem limites bem definidos
(DI EGUES, 2001).
Outro importante aspecto sobre a questão territorial, refere-se a
descontinuidade deste, diferentemente das sociedade urbano-industriais, ou seja, a
existência de um território marcado por vazios aparentes (terras em pousio, áreas de
estuário usadas estacionalmente, áreas de coleta, caça, etc), o que têm levado os
órgão governamentais à transformá-lo em Unidades de Conservação, pois são
“selvagens”, gerando conflitos sociais (DI EGUES & ARRUDA, 2001).
O território é também o locus das representações e do imaginário mitológico
dessas sociedades (DI EGUES, op.cit) e está profundamente relacionado aos saberes
locais. Muitas vezes, a íntima relação do homem com o meio em maior dependência e
interação faz com que os ciclos naturais sejam associados a explicações míticas ou
religiosas. O território das sociedades tradicionais, neste sentido, seria o espaço de uso
e representações simbólicas, influenciado pelos saberes.
Segundo CAST RO (1997), no campo dos saberes tradicionais as ações
práticas respondem a um entendimento formulado na experiência das relações com a
natureza, sendo acumulados por gerações. A existência das tradições nos meios
ecológicos de alta complexidade deve-se aos saberes acumulados sobre o território.
É de fundamental importância a noção de que o território é um espaço
definido por e a partir de relações de poder (SOUZA, 1995). Esta definição coloca em
questão não apenas as aspectos naturais e físico do espaço ou as ligações efetivas e
de identidade entre um grupo social e seus espaço, mas “quem domina ou influencia e
como domina ou influencia esse espaço”.
Estas questões são essenciais para a compreensão do controle territorial e da
autonomia dentro das sociedades tradicionais (com propriedade geralmente familiar
e/ou comunal e organização social igualitária) e do conflito destas com a sociedade
envolvente, no nosso caso o conflito com as Unidades de Conservação. Neste ponto,
emerge a importância do saber como poder e do uso da força pelos estados nacionais.
O conhecimento tradicional pode ser definido como o saber e o saber fazer, a
respeito do mundo natural e as cosmologias gerados no âmbito das sociedades
tradicionais e são transmitidos oralmente de geração em geração. Para muitas destas
sociedades existe uma interligação entre o conhecimento da natureza, o manejo dos
ecossistemas e os elementos sobrenaturais (DI EGUES, 2000).
Argumenta-se que as sociedades indígenas e populações tradicionais
possuem um complexo conhecimento Folk, apresentando um vasto repertório de
51
conhecimentos etnobiológicos, etnopedológicos, etnotaxionômicos, etnoecológicos,
etnocosmológicos, agroecologia, etc (POSEY, 1987a; T OLEDO, 1992; DI EGUES &
ARRUDA, 2001). A natureza apresenta-se ao conhecimento destes grupos como um
locus de permanente observação, pesquisa, ação e reprodução de saberes. A
capacidade de classificação segundo categorias taxonômicas, a biologia local importa
numa construção de significados para o processo de comunicação e reprodução do
próprio conhecimento (CAST RO, 1997)
As populações tradicionais vivem em estreita relação com a natureza, esta
relação gera um saber local sobre a ecologia e a biologia, que reverte-se em ação
prática (Práxis) modificando e intervindo nos ciclos naturais. O conhecimento
etnoecológico permite às populações intervirem nos ecossistemas de forma a não
modificarem os ciclos e relações ecológicas de forma que afete a sustentabilidade local
e por conseguinte seu próprio meio de vida (T OLEDO, 1992). É importante analisarmos
o sistema de representações, símbolos e mitos que estas populações constroem,
geralmente associados aos ciclos da natureza, pois é com ele que agem sobre o meio
(DI EGUES & ARRUDA, 2001)
A interação necessária e inseparável entre as bases cognitivas, a prática
tradicional de manejo dos ecossistemas e os elementos cosmológicos e sobrenaturais
dão forma a uma potencial resiliência11 à cultura tradicional e aos ecossistemas
manejados (BERKES & FOLKE, 1998; BEGGOSSI , s/d; T OLEDO, 2001).
A validação dos conhecimentos e inovações das populações tradicionais
demonstra que eles têm um valor não redutível ao econômico. A existência dos
elementos biológicos está estreitamente vinculada a um sistema ancestral de co-
existência, muitas vezes sustentável, entre o homem e o ambiente (CAST RO, 1997).
A propriedade nas comunidades tradicionais geralmente é comunal ou
comunitária, e muitas vezes mistura-se com a propriedade familiar (DI EGUES, 2001).
Nesta forma de propriedade comunal todos os proprietários possuem os mesmos
direitos de uso dos recursos naturais, que se estabelece através de regras internas
(ALI ER, 1995) e os não proprietários podem ficar excluídos do uso.
Os recursos são manejados por uma comunidade identificável de usuários em
interdependência. Esses usuários excluem a ação de indivíduos externos, ao mesmo
11
HOLLI NG (1992) apud LEFF (2000) definiu a resiliência dos ecossistemas como a capacidade
para manter-se em estado similar as condições de equilibro, as quais dependem das interações dentro do
sistema. O equilíbrio é fruto de um constante ciclo de exploração, conservação, liberação ecológica e
organização. Neste caso a resiliência é determinada por uma seqüência de liberação e re-organização,
sendo considerada como a magnitude de perturbações que podem ser absorvidas antes que mudanças
ocorram (BEGOSSI , s/d).
52
tempo em que regulam o uso por membros da comunidade local. I nternamente, os
direitos aos recursos freqüentemente são igualitários em relação ao acesso e ao uso e
existem evidências da habilidade de grupos sociais em elaborar, utilizar e adotar
mecanismos muitas vezes nativos de alocação dos direitos de uso entre seus membros
(FEENY et al., 1990).
Contrariando as teses de Hardin (T ragédia dos Comuns), muitos estudos
apontam que as populações não são incapazes de controlar o uso dos recursos, pelo
contrário, podem organizar e monitorar o uso de recursos pelos seus membros, alocar
direitos de uso e ajustar níveis de utilização para manter a sustentabilidade dos
recursos num contexto comunal (FEENY et al., op.cit). Quase sempre sendo mais
sustentáveis que as propriedades privadas, estatais e o livre acesso (I BI D, 1990;ALI ER,
1998). Muitos estudos apontam também que as formas comunitárias de acesso aos
espaços e aos recursos naturais tem assegurado um uso adequado e sustentável da
natureza, conservando os ecossistemas e gerando modos de vida socialmente mais
equitativos (DI EGUES, 2001b)
Apesar destes sistemas comunais de acesso aos recursos e de propriedade
terem persistido até o presente através do conhecimento dos elementos naturais e por
normas culturais desenvolvidas historicamente, observa-se uma tragédia dos
comunitários, juntamente com a tragédia ambiental. As comunidades ao mesmo tempo
que são inseridas numa lógica comercial a custa de uma lógica dos valores de uso ou
são inseridas numa pressão exportadora, vêem a superexploração da natureza em sua
antiga propriedade comunal. Os comuns também estão em ameaça com a criação das
Unidades de Conservação de uso restrito.
E com relação à Biodiversidade conclui-se que esta pertence tanto ao domínio
do natural como do cultural, mas é a cultura, como conhecimento, que permite às
populações tradicionais entendê-la, representá-la mentalmente, manuseá-la, retirar
suas espécies e colocar outras, enriquecendo-a com freqüência. Podendo-se falar
numa etnobiodiversidade (DI EGUES & ARRUDA, 2001).
O que resta da biodiversidade global vem sendo conservada devido à
presença das populações tradicionais nestas áreas. Este princípio, da simbiose entre a
diversidade cultural e biológica, denominado por T OLEDO (2001) de “axioma
biocultural”, é suportado por inúmeras evidencias. Uma delas pode ser evidenciada
com a sobreposição de mapas de riqueza biológica com a da diversidade lingüística e
entre territórios tradicionais com regiões de alto valor biológico (Atuais Áreas
Protegidas) (T OLEDO, op.cit).
53
É inegável, atualmente, a importância da diversidade cultural e do
conhecimento tradicional e indígena para a conservação da natureza. Como também
podemos afirmar que, saindo da noção de nobre selvagem (ALCORN, 1994), as
culturas tradicionais estão sendo expulsas de seu território ancestral pela pressão
exercida pelo desenvolvimento econômico da sociedade capitalista e pela criação de
Áreas Protegidas que não permitem moradores, sendo postos à marginalidade e
muitas vezes, contigênciados ou explorados, passam a realizar atividades predatórias
sob as lei do mercado (Figura 5).
As populações ao conceberem a terra como bem comum, obedeceriam a
regras definidas nos cânones do direito consuetudinário, historicamente fundador de
sua territorialidade. Os valores dos territórios comunais e a responsabilidade perante o
horizonte geracional são mais amplos, nestas sociedades, em detrimento dos valores
da propriedade privada e da lógica a curto prazo (CAST RO, op.cit).
Este direito referido ao território e ao modo de vida tradicional está incluso na
Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992).
Após uma abordagem geral sobre algumas definições e contextos, as
populações tradicionais são classificadas, segundo DI EGUES (2001) pelas seguintes
características:
a) Dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos
naturais renováveis a partir do qual se constrói o modo de vida;
b) Conhecimento aprofundado na natureza e de seus ciclos que se reflete na
elaboração de estratégias de uso e manejo dos recursos naturais;
c) Noção de território ou espaço social e econômico;
d) Moradia e Ocupação territorial por várias gerações;
e) Atividades de Subsistência (pouca relação com o mercado);
f) Reduzida acumulação de capital;
g)I mportância das relações familiares, domésticas ou comunais e as relações de
parentesco e compadrio para as atividades econômicas, sociais e culturais;
h) I mportância das simbologias, mitos e rituais associados à produção;
i) T ecnologia simples e ecológica, com reduzida divisão técnica e social do trabalho,
sobressaindo o artesanal;
j) Fraco poder político;
l) Auto-identificação/ I dentidade cultural.
54
A necessidade de classificação científica dos fatos naturais e das culturas
humanas esbarra-se muitas vezes com uma realidade complexa e dinâmica que muitas
vezes ultrapassa as classificações vigentes ou deixam estas sem fundamento nos fatos
reais. I sto é mais real quando existem inter-relações entre culturas, onde não se
observa a linha divisória entre uma ou outra, ou quando existe um processo de
transculturação. Neste sentido a questão da identidade passa a ser um critério
fundamental para reconhecimento e definição de uma cultura. O reconhecer-se e a
auto-identificação permite um fortalecimento social e político das comunidades
(DI EGUES, op.cit.).
55
5. O VAL E DO PAT I
5.1. A HI S T ÓR I A
57
A Chapada Diamantina também é uma das regiões mais pobres da Bahia, com altos
índices de miserabilidade (SEABRA, 1998). Populações inteiras de camponeses são expulsas
de suas terras ou saem em busca de melhores condições no Sudeste do País, muitos se
organizam em movimentos sociais como o Movimento dos T rabalhadores Sem T erra, que
possui muitos assentamentos na região.
O turismo foi incentivado com a criação do Parque e hoje constitui uma grande
“mina de ouro” para os empresários, que buscam mão de obra barata e todas as condições
para prosperar neste novo ciclo econômico que se cria.
A História do Vale do Pati é permeada por inúmeros mistérios e dúvidas quanto a
origem dos primeiro habitantes e da constituição histórica do local.
A hipótese mais provável sobre a ocupação e apropriação do Vale do Pati é que suas
terras tenham sido indígenas, provavelmente ocupadas pelos índios Maracás expulsos pelo
processo colonizador, que foi sendo ocupado gradativamente juntamente com a expansão
do Garimpo nas serras adjacentes. Segundo afirmação de alguns moradores, o primeiro a
chegar e se instalar nas terras férteis do Vale foi o Sr. Manuel Pati que veio do Mucugê,
antigo arraial de Santa I sabel, para fazer roça, dele se originou o nome do Vale e todas as
terras que posteriormente foram sendo adquiridas pelos antepassados e atuais patizeiros.
T udo isto ocorreu em meados do século XI X, e pode ser parcialmente ilustrado pela
dissertação sobre a história da família Oliveira (Sr.Eduardo e Dona Lica) escrita por sua neta
(16 anos), uma estudante da escola comunitária do Cachoeirão:
12
Na época do café formou-se uma pequena rua no Pati de Cima, com algumas casas, vendas e uma
igreja. Atualmente, o local têm apenas uma igrejinha que foi derrubada para reformas através dos mutirões
comunitários. A local também é parada de dormida dos turistas.
58
ter favorecido o isolamento relativo dos patizeiros entre as serras em busca de terra fértil e
livre para o roçado. E mesmo sob influencia constante da economia capitalista e de seus
declínios a cultura patizeira permaneceu nos vales.
O cultivo do café, implantado principalmente nos vales íngremes, foi um dos ciclos
econômicos que se somou às atividades tradicionais na Chapada Diamantina, principalmente
a partir do declínio nas lavras de diamante em 1870 (SEABRA, 1998). A introdução do café
no Vale do Pati se deu tipicamente como em toda atividade monocultora em comunidades
tradicionais, com a sedução do lavrador para iniciar uma prática econômica, com a promessa
de maiores ganhos e facilidade de produção, inserindo-se desta forma mais fortemente ao
mercado capitalista.
Nas décadas de 60 e 70 a população do Pati diminuiu devido a crise da produção
cafeeira. Os solos dão sinais de cansaço e o governo federal, através do Programa Nacional
de Erradicação do Café, inicia um processo de financiamento para o produtor deixar as
plantações de café substituindo-as por outras variedades (FUNCH, 1997). A inserção do Pati
na economia de mercado gerou degradação ecológica e empobrecimento de boa parte dos
pequenos produtores.
Nos anos 80 e 90, até os dias de hoje, o Pati passa a ser rota do chamado
“ecoturismo”, que, no ínicio, era realizado por aventureiros que começaram a descobrir as
belezas cênicas e naturais do Vale. Por estes motivos, o Vale do Pati passa a fazer parte da
proposta de criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina, em 1985. Posteriormente a
criação do Parque Nacional, a população do Pati passa a entrar na lógica do turismo,
controlando parte do território acessado pelos “ecoturistas” e fazendo de suas casas um
meio de hospedagem.
O “ecoturismo”, apesar de contribuir, muitas vezes negativamente, para uma
modificação da cultura local, não substituiu as práticas tradicionais já existentes. Pelo
contrário, a nova atividade econômica reforçou estas práticas, chegando em alguns casos a
aumentar o esforço produtivo dentro do Vale, devido a demanda pelo consumo de
alimentos.
5.2. A CUL T U R A
59
discurso do rigor e da objetividade e podem ter como parâmetros interativos ou em
separação, os fatores ambientais /geográficos ou a própria linguagem. Os recortes
realizados, necessários para facilitar os programas de pesquisas, muitas vezes impedem uma
análise mais complexa dos fenômenos de uma cultura.
A necessidade científica de classificação e categorizarão das populações tradicionais
gera um complicador quando nos referimos a Comunidade moradora do Pati de Baixo. Se
seguirmos a definição de Darci Ribeiro (1995), Manuel Diegues Jr (1980) e mais
recentemente de Diegues & Arruda (2001), consideraríamos a população do Pati como
sertanejos típicos. Porém, esta classificação talvez não seja procedente para o caso.
A formação cultural e os diversos elementos que compõe a cultura patizeira abrem
perspectivas interessantes, repletas de junções. Vemos elementos sertanejos nos trajes de
couro, no uso do burro, nas construções de adobe13, na música (Forró) e no falar camponês.
Por outro lado, a agricultura e o manejo dos ecossistemas (Agricultura de coivara, na
produção de farinha, na comida e pomares agroflorestais) é típica dos povos das florestas
tropicais das Américas, originada dos povos indígenas que habitavam o litoral e interior do
Brasil (POSEY, 1986; MART I NS, 2001; ADAMS, 2000; AMOROZO, 2000). Outro elemento
importante da cultura patizeira está representado pelas influências dos povos negros, não só
visto nas feições, mas nos Jarês 14 do Centro de Umbanda e nos festejos locais.
Na época do Garimpo, o trabalho “livre” se mesclava ao trabalho escravo dos
negros na garimpagem, que em inúmeras ocasiões fugiam dando origem a quilombos na
Chapada Diamantina (BANDEI RA, 1998). A influência negra abre um interessante caminho
para algumas indagações referentes ás origens da cultura patizeira e possibilidades de novos
estudos. Existem dúvidas quanto à formação e existência de um quilombo na área o que
pode dar maior relevância à cultura local.
T anto o modo de vida, quanto os sistemas culturais, simbólicos e as formas de
sociabilidade das pessoas que vivem no Vale do Pati são singulares. Moradores dos vales
íngremes, úmidos e florestados no interior do Parque Nacional da Chapada Diamantina,
cercados pelos cerradões e caatingas do semi-árido baiano, a oeste, se adaptaram e
recriaram sua cultura, criando um modo de vida ímpar na região com fortes influências
entrecruzadas de diversas culturas. Observa-se uma miscigenação de elementos da cultura
13
Construção típica do nordestino para morada ou casas de produção (farinha, rapadura, etc). Utiliza-
se basicamente uma mistura de terra com água para levantar as edificações.
14
Religião presente no Vale do Pati. Constitui uma variação do Candomblé, que na Chapada
Diamantina denomina-se Jarê. No Vale do Pati o Jarê possui uma singularidade em relação ao restante da
Chapada e é realizada no Centro de Umbanda do Pai Baiano.
60
africana dos grupos populacionais que adentraram o sertão da Chapada Diamantina, com
grupos de europeus de cultura portuguesa já mesclados à forte presença indígena.
Os habitantes do Pati de Baixo (Fotos 10, 11, 12 e 13) possuem relações
interpessoais cooperativas com raízes na vida dura do Garimpo e da Policultura familiar, já
fizeram e viram a monocultura do café brotar em suas terras e hoje acrescentam o chamado
Ecoturismo em seu sonho de viver o e no Pati. Estas pessoas, juntamente com os moradores
do Pati de Cima vivem hoje a inquietude da perda, motivada pelo constante risco de
expulsão de seu território pela força e poder do mito e das leis, dos Parques Nacionais.
61
F ot o 10 – Dona Lica, moradora do Cachoeirão
62
F ot o 12 – Dona Elenice. Moradora do Cachoeirão
63
5.3. S ENT I DOS E CONF I GUR AÇÕES DA PAI S AGEM
15
Lassere (1997) apud Diegues (2000), considera paisagem como “... no sentido ecológico do termo -
é uma estrutura espacial que resulta da interação entre os processos naturais e atividades humanas. Sobre o
fundo estável de uma arquitetura do conjunto (montanhas, pântanos, etc) a transformação dos modos de
ocupação do solo e dos sistemas de produção modifica a disposição dos habitats, a repartição dos
agroecosisstemas, a fisionomia da floresta. As sociedades humanas modelam seu território...mas a vegetação
também tem uma dinâmica própria...”
64
A concepção de natureza como interação direta pode ser bem vista nestes trechos
de depoimentos dos estudantes:
“A natureza têm muito material que o homem precisa, como as árvores que
podemos utilizar para construção. Com a água podemos fazer nossa alimentação, como
um chá, como a água para beber e cuidar de nossa higiene e de nossa saúde.
Podemos utilizar a terra para fazer hortas e plantações, criar nosso animal,
construir a nossa casa e ter um espaço para brincar.
Com as sementes fazemos artesanato como a lágrima de nossa senhora, e
usamos bambu para fazer quiosque e colar... T odos os remédios que o homem precisa
usar da natureza. Na natureza tem animais que o homem precisa usar na alimentação,
como a paca que o homem mata pra comer.” (Estudante da Escola do Cachoeirão: 15
anos)
“A natureza têm muitas coisas que são muito importantes para os seres
humanos. Só que os seres humanos tem que saber trabalhar com a natureza...”
(Estudante da Escola do Cachoeirão: 18 anos)
16
Defini-se uma paisagem em mosaico como ecossistemas que sofreram perturbações intermediárias
por fatores antrópicos ou naturais, ocasionando a distribuição sucessional diferenciada, no tempo e no espaço,
numa superfície relativamente pequena. A variação de estágios de desenvolvimento em cada mancha florestal
contribui para manter a considerável diversidade de ecossistemas (GLI ESSMAN, 2001). Entende-se por sucessão
natural, o processo de desenvolvimento de uma comunidade (ecossistemas) em função das modificações das
composições no ambiente considerado (ALMEI DA, 2000).
Os estudos ecológicos distinguem dois tipos básicos de sucessão dos ecossistemas naturais: A
sucessão primária é o desenvolvimento de ecossistemas em locais que não foram ocupados anteriormente por
organismos vivos ou não sofreram modificações geradas pelos fatores bióticos com vistas ao aproveitamento dos
componentes abióticos. A sucessão secundária é o desenvolvimento de ecossistemas em locais previamente
ocupados por organismos vivos, mas que foram perturbados por fatores como enchente, incêndio, vento severo e
antropização. A sucessão secundária pode ser dividida em estágios iniciais de regeneração (capoeiras),
intermediários (avançado) e de maturidade (Ver GLI ESSMAN, 2001; ALMEI DA, 2000).
O estágio de maturidade de um ecossistema constitui fonte de muitas controvérsias. Alguns ecólogos
como ALMEI DA (2000) consideram a maturidade como clímax, ou seja um estágio final, onde o ecossistema
chega a seu equilíbrio. Já muito ecólogos, principalmente ecólogos da paisagem, trabalham com o conceito de
ecologia do não equilíbrio ou de equilíbrio dinâmico, onde todos ambientes estão em constante modificação e
evoluindo para novas variedades devido a ocorrência de perturbações em grande e pequena escalas
(GLI ESSMAN, 2001).
65
Figur a 6 – Desenho da Paisagem no Pati de Baixo. Adaptado do site www.infochapada.com
17
Ver mapa da paisagem local
66
fundo dos vales. No Vale que vai até a cachoeira do Rio Cachoeirão a floresta apresenta um
estágio avançado na sucessão das espécies. Segundo os moradores encontra-se muitas
árvores no Vale (T abela 1), muitas de grande porte (Foto 15).
A condição diferencial dos estágios sucessionais na paisagem local, favorecido pela
interação Cultura-Natureza, cria um ambiente de grande complexidade, podendo favorecer a
biodiversidade local e a conservação (DI EGUES, 2000; ALT I ERI & NI CHOLLS, 2000).
Um estudo da história eco/social no Pati poderia oferecer evidências interessantes
sobre a manutenção e criação da biodiversidade, principalmente após o término do ciclo do
café. Pelas informações repassadas por todos os moradores de que “existiam roças de café
por toda parte” e pelo estágio sucessional observado, com vastas áreas florestadas
margeando roças e capoeiras, pode-se afirmar que mesmo com os moradores vivendo no
Pati vemos uma recuperação do meio natural. Porém deve-se ressaltar a necessidade da
realização de estudos mais aprofundados e extensos sobre a ecologia da paisagem e
florestal, fitogeografia, a etnobotânica, história agroecológica que subsidiem conclusões e
permitam o fortalecimento de ações etnoconservacionista com bases locais.
ÉS P ÉCI ES E S P ÉCI ES
Araçazinho (Psidium sp.) Mangueira (Mangifera indica)
Aricuzinho (Cocos sp.) Mucugê (Couma rígida)
Candeia (Pipthocarpha sp.) Murici (Byrsonima sp)
Candeia (Vanillosmopsis erythropappa) Negramina (T rigonia crotonoides)
Canjerana (Cabralea sp.) Palmito (Euterpe sp.)
Canjoão (?) Paraíba (Simaruha versicolor)
Cedro (Cedrela sp) Pau d´ arco (T abebuia sp)
Córea (?) Pau de Ameixa (?)
Embaúba (Cecropia sp) Pau Pombo (T apira tapirira)
Goiabeira (Psidium sp) Pau de Azeitona (?)
I mbira (Daphnopsis sp.) Pau de Loro (?)
I ngazeiro (I ngá sp) Pau de Rego (?)
Jacarandá (Família Papilionácea) Quina (Família Rubiácea)
Jambo (Eugenia sp) T aipoca (T ecoma papyrophloes)
Jaqueira (Artocarpus integrifolia) T ambori (Enterolobium timbauva)
Jaboticabeira (Plinia trunciflora)
* Plantas identificadas êmica e eticamente (Pistas taxonômicas)
67
F ot o 14 – Área de roçado
F ot o 15 – Área florestada.
68
5.4. CONEXÕES B I OCU L T UR AI S : MANEJO DOS ECOS S I S T E MAS NAT UR AI S
NO VAL E DO PAT I
69
Amazônicos (MART I NS, 1997), Caiçaras da Mata Atlântica (ADAMS, 2000) e algumas
comunidades de agricultores tradicionais do Mato Grosso (AMOROZO, 2000). Muitos destes
agroecossistemas constituem repositórios in situ de germnoplasma tanto de plantas
silvestres como de cultivos nativos (ALT I ERI & NI CHOLLS, 2000).
Uma das características da agricultura tradicional, na América Latina, é a
dependência de uma alta biodiversidade. Estes sistemas agrícolas emergiram de séculos de
evolução cultural e biológica e representam experiências acumuladas pelos camponeses e
indígenas em sua interação com o entorno e sem o uso de insumos, capitais ou
conhecimento científicos externos (ALT I ERI & NI CHOLLS, 2000)
70
T AB E L A 2: E XT R AT I VI S MO: ES P ÉCI ES F L OR ES T AI S U T I L I Z ADAS P AR A
CONS T R U ÇÃO, AL I ME NT AÇÃO E E NER GI A
E S P ÉCI ES U T I L I Z AÇÃO
Candeia (Vanillosmopsis erythropappa) Lenha
Candeia (Pipthocarpha sp.) Lenha
Quina (Família Rubiácea) Lenha, Construção, Berimbau
Pau-Pombo (T apira tapirira) Lenha, fruto
Córea (?) Lenha
I mbira (Daphnopsis sp.) Vassoura, Cabo de Enchada, Artesanato
Cipós Artesanato, cordas
T ambori (Enterolobium timbauva) Fogueira, Lenha
Negramina (T rigonia crotonoides) Lenha
Araçazinho (Psidium sp.) Varas
Aricuzinho (Cocos sp.) Lenha
Jambo (Eugenia sp) Frutas
Murici (Byrsonima sp) Frutas
Mucugê (Couma rígida) Frutas
T aipoca (T ecoma papyrophloes) Pilão, Machado e Construção
Canjoao (?) Chá Medicinal (Diarréias)
Palmito (Euterpe sp.) Alimentação
Gameleira (Família das Moráceas) Goma para verrugas
* Plantas identificadas êmica e eticamente (Pistas taxonômicas)
Algumas descrições dos usos podem ser observadas nestes trechos das
dissertações dos estudantes da escola do Cachoeirão:
“A natureza tem muitas riquezas que tiramos quando precisamos ... algumas
são medicinais, artesanato e construção ... boldo serve para dar o chá, do sabugueiro
serve para o sarampo, erva-cidreira o chá serve para dor de barriga ... Para fazer
artesanato usa-se sementes, cipó ... Construção - usamos vara, tronco, óleo, resina ...”
(Estudante da Escola Cachoeirão - 16 anos)
“Precisamos de árvore para fazermos nossas casas, para fazer cercado, para
fazer horta, para fazer cerca. O cipó fazemos o artesanato, a quina podemos fazer o
berimbau, as varas podemos fazer brinquedos, com o barro fazemos casas, telhas,
artesanato ... precisamos muito da natureza, se nós não tivéssemos ela, nos não
estaríamos aqui.” (Estudante da Escola Cachoeirão - 13 anos)
O extrativismo visa apenas o uso local e o impacto desta atividade deve ser objeto
de estudos. E em casos de se ter necessidade de modificação desta prática, o que não
corresponde a realidade atual, deve-se, ao invés da repreensão, apontar meios educativos e
formas participativas de gestão da natureza que gere novas alternativas compatíveis com a
cultura local.
71
F ot os 16,17 e 18 (S eqüência)– Victor e Coquinho num processo de Extração de I mbira
72
b)O Pomar e a Hor t a
Não raro, é possível observar nas trilhas que levam às moradias locais algumas
espécies frutíferas e de extração que foram plantadas pelos moradores e deixadas nos locais
para uso comum, formando verdadeiros espaços agroflorestais. Alguns destes espaços são
antigas roças de bananeiras.
T ambém próximo às moradias, nos quintais, custuma-se plantar, nos canteiros,
flores, ervas medicinais e algumas hortaliças e condimentos para a cozinha (T abela 3) (Fotos
21 e 22). As plantas medicinais são recursos importantes que ligam as pessoas com o
ambiente. O conhecimento nativo em plantas medicinais é, geralmente, pouco difundido
entre as populações ocidentais e a maior parte das populações do mundo se utilizam dos
conhecimentos da medicina tradicional (BEGOSSI , 2001). No vale do Pati encontra-se um
Centro de Umbanda (Jarê), que atua como centro difusor da religião e de forma interligada,
da cura através de ervas e rituais. As ervas coletadas e utilizadas pelos moradores são as
seguintes:
73
T AB E L A 3 : E R VAS E ÁR VOR ES U T I L I Z ADAS , R E T I R ADAS DOS P OMAR ES E
HOR T AS NO P AT I DE B AI XO
E S P ÉCI ES U T I L I Z AÇÃO
F r ut íf er as
Abacaxi (Anana sativus) Alimentação
Laranjeira (Citrus sp.) Gripe/ Alimentação
Limoeiro (Citrus sp.) Gripe
Mangueira (Mangifera indica) Alimentação
Bananeira (Musa paradisíaca) Alimentação/ banana passa
Abacateiro (Persea sp.) Alimentação
Jaqueira (Artocarpus integrifolia) Alimentação/ jaca passa
Jabuticabeira (Plinia trunciflora) Alimentação
Goiabeira (Psidium sp) Alimentação/ T rata diarréia
Mamoeiro (Carica papaya) Alimentação
Cajuzeiro (Anacardium occidentale) Alimentação
Pinha (Anonna sp.) Alimentação
Jambo (Eugenia sp) Alimentação/ doces
Sabugueiro (Sambucus sp) Sarampo / Estômago
E r vas
Pimenta (Pimenta sp) Condimento
Boldo (Pneumus boldus) Dor de barriga/ Fígado
Hortelã (Mentha sp) Verme
Arruda da serra (Família das Rutáceas) Vias respiratórias
Cidreira (Cymbopogon sp.) Calmante
Capim – santo (Andropogon nardus) Gripe
Quitoco (Pluchea sp.) Fígado
Gengibre (Zingiber sp.) Gripe/ I nflamação na garganta
Manjericão (Ocimum sp.) Gripe/ T empero
Arnica (Arnica montana) Cicatrização e Pancada/Dores Musculares
Erva doce (Foeniculum vulgare) Gripe/ Pressão alta/ Diarréia
Mil folhas (Achillea millefolium) Dor no corpo
Couve (Brassica sp) Gastrite
Açafrão (Escobedia curialis) Corante (Junto com sabugueiro - sarampo)
Salsa (Petroselinum sp) T empero
Quebra-pedra (Phyllanthus sp) Rins/ I nfecção
Romã (Punica sp) I nflamação da garganta
Mentras (Família das Labiadas) I nflamação
Out r os
Cebola (Allium sp) Gripe/ T empero
Alho (Allium sativus) Gripe/ tempero
* Plantas identificadas êmica e eticamente (Pistas taxonômicas)
74
F ot o 19 – Pomar existente na moradia do Sr. Bezo
75
F ot os 21 e 22 (S eqüência) – Dona Lica retirando amostras de ervas que utiliza na medicina
caseira e para condimentos
76
c) A r oça
77
A conhecimento da interação entre os ciclos lunares, as fases das plantas silvestres
e cultivares, e a fauna corresponde a um valioso artifício que a comunidade têm para manter
um sistema agrícola resiliente.
O plantio é realizado em antigos roçados em descanso e nas seguintes etapas (Foto
23 e 24):
1 - Escolha de uma área não pedregosa e com solo fértil;
2 - Roçar a vegetação arbustiva e herbácea;
3 - Corte e derrubada de árvores de maior porte em antigas capoeiras;
4 - Amontoa-se os troncos e galhos (Coivara);
5 - Coloca-se fogo de forma controlada por aceros 18. As cinzas proporcionam
condições para um melhor desenvolvimento dos cultivares. Para o patizeiro, “Se não
limpar o mato não nasce nada, parece que têm micróbio, que não deixa crescer, têm
que queimar ... se não queima a mandioca nasce mirrada” (Morador do Cachoeirão)
6 - Fazer a cova para inserção da maniva da mandioca, algumas vezes é introduzida
sementes de feijão em consórcio com a mandioca.
“Quanto mais o mato cria mais a terra é forte e mais descansada... a folha vai
caindo e dando sustança a terra ... a terra afofa toda. Faz uma roça aqui, deixa, e em
alguns anos ele recupera e vira aquele mato ali“ (Morador do Cachoeirão - Apontando
uma floresta em Estágio inicial de sucessão)
18
São faixas limpas de vegetação utilizada para realização de queimadas controladas. São feitos
canais, com profundidade e larguras adequadas, no entorno da área onde será realizado a queima. Evitando-se
desta forma a passagem do fogo para outras áreas e o descontrole (RAMOS & SANT OS, 2001).
78
de espécies (POSEY, 1987; GLI ESSMAN, 2001). Como afirmam, “Não se usa nenhum
remédio! Sabendo plantar os insetos não pegam” (Morador do cachoeirão)
Boa parte da produção de mandioca é processada e torrada artesanalmente nas
casas de farinha, onde posteriormente será usada para consumo próprio ou será vendida
sob encomenda. Existem cerca de quatro casas de farinha no Pati de Baixo, construídas com
adobe e madeira. A produção obedece as seguintes etapas (Fotos 25,26,27,28 e 29):
1. Após colheita, descasca-se a mandioca;
2. Passa a mandioca já descascada no moedor;
3. Leva a massa ensacada para a prensa, deixando virar o dia;
4. Após estes processos leva-se ao forno para torragem com uso constante de um
rodo.
Geralmente utilizam o equivalente a 20 “pés” de mandio ca “grossa” para produção
de um saco com cerca de 60 Kg.
Sabe-se hoje que a agricultura itinerante praticada tradicionalmente é uma forma
sustentável de produção, que resulta em mínima erosão genética e máxima conservação,
podendo continuar indefinidamente nos solos pouco férteis encontrados sob a maioria das
florestas tropicais úmidas, contanto que o suporte da terra não seja excedida (ADAMS,
2000), o que pode ocorrer por diminuição do tempo de descanso, aumento gradativo das
áreas roçadas, incremento tecnológico e uso de insumos externos, caso haja inserção direta
das comunidades na economia capitalista, aumento populacional e restrição do território
tradicional.
79
F ot os 23 – Processo de limpeza do terreno
F ot os 24 – Roça de mandioca
80
F ot os 25, 26, 27, 28 e 29 (seqüência) – Processo de fabricação da farinha, realizado por T onho e Loma
81
5.4.2.I nt er ação com a F auna
Muitos animais do Vale do Pati (Figura 7 e T abela 4) têm ao mesmo tempo uma
conotação misteriosa, amedrontadora e uma função ecológica, alimentar e econômica.
Conversando com o Sr. Eduardo, na trilha Andarai-Pati, sobre a fauna local observei que
alguns animais representam uma ameaça gerando medo e mitos. A onça pintada talvez seja
o maior deles, é “Bicho -fera que sangra os bois”. Questionado se ainda existe onça na
região, “foi visto uma onça preta onti a noite perto da bica” (A bica é uma área onde os
burros param para beber água). E onde elas ficam, “ficam mais nas serras, mas já pegou
uns burros de Sr. Mansur “. Os animais de Sr. Mansur foram atacados e mortos, acredita-se
que por uma onça, em sua morada na parte baixa do Vale, o Sr Mansur foi indenizado pelo
I BAMA para que não matasse o animal. Segundo alguns moradores, a onça vive pelas serras
da Garapa, Andarai, Mucugê, Gavião e nos Gerais do Rio Preto e do Vieira até chegar ao
Morro do Castelo. E podem ser descritas da seguinte forma:
“A onça é um animal de cores preta e amarela, outras pretas que são as panteras.
Ela fica mais na mata, não é fácil encontrar ela porque ela aparece quando está com fome,
ela come carne, como outros animais como burros, mocó, todos esses bichos que fica na
mata, os dentes dela é bem afiados, é capaz de comer até gente, ela é da família do gato,
tem unhas afiadas, ela salta, sobe arvores” (Estudante da Escola Cachoeirão: 13 anos)
82
de extinção, habitam as florestas mais frondosas das fendas e partes mais altas dos vales
mais fechados, são ouvidos e já foram vistos em frente da casa da Família Oliveira, na fenda
que origina o córrego Manuel Nunes, e também no Vale da Lapinha, que origina o rio do
mesmo nome e onde encontra-se a cachoeira do Calixto. Os Barbados “vivem na serra,
quando turram da um ecos que restrondo tudo... quando firma pra chover eles turram” . As
vocalizações, segundo os patizeiros ocorrem quando aproximam-se as nuvens de
precipitação. A percepção dos ciclos naturais, por parte dos moradores, é muito acurada e
está ligada ao comportamento da fauna, floração, ciclos da lua e clima.
Os Barbados foram vistos recentemente, pelos moradores, atravessando, em solo, os
gerais do Vieira, podendo indicar fluxos migratórios de novos bandos para outras áreas.
Estes primatas eram caçados no Vale do Pati para alimentação da população local. A
caça dos Bugios está encerrada, provavelmente devido à diminuição do número de
espécimes e/ou devido a pressão do I BAMA.
A avefauna também é abundante no vale. Vivem na Chapada Diamantina cerca de
354 espécies de aves (PARRI NI et alii, 1999). Algumas são representativas para os
moradores por sua beleza estética e canto a ave “Aracuã companheira do Jacú ...quando faz
festa é que tá pra chover”. As principais aves identificadas pelos moradores estão descritas
na T abela 5. Aves como a Araponga, Maritaca, Saira-sete-cores, Sanhaço, etc, listada pelos
informantes segundo sua presença, proximidade e abundância, também podem ser
importantes indicadores do estágio de desenvolvimento da floresta local (ALMEI DA, 2000).
No Vale do Pati a caça é uma atividade que visa apenas a obtenção de proteína
para consumo próprio, sendo realizada em pequena escala sempre que necessário.
“Aqui nós só caça quando acha caça fácil, só caça pra comer. Se ver no mato e
não for comer deixa” (Morador do Cachoeirão)
“Já trabalhei muito com a caça, hoje não faço mais por causa da idade”
“Não tem mais caçador por aqui... O I BAMBA não deixa caçar, não colocar
fogo, não fazer roça , mas não dão dinheiro para as despesas” (Morador do
Cachoeirão)
Os principais animais caçados são a paca, o tatu e o mocó. São animais que vivem
no vale, próximo aos pomares ou roçados, e nas serras.
83
“O mocó é um poquinho menor que a preá (...) eu caçava o mocó em ci ma da
serra e também no vale (...) carne boa parece galinha ou tatu” (Morador do
Cachoeirão)
Mamíf er os
T atu Peba (Euphractus sexcicntus) Por todo vale, nas roças / Caça
T atu Galinha (Dasypus novencintus) Por todo vale, nas roças / Caça
T atu Rabo de Couro (Cabassois Por todo vale, nas roças / Caça
unicinctus)
Michila, tamanduá mirim (T amandua Principalmente nos gerais do Vieira e do Rio
tetradactyla) Preto / T er cuidado com as unhas afiadas
Barbado (Allouatta sp.) Floresta Secundária, fundo dos vales, fendas /
Vocalizam antes das chuvas
Soin (Saguí) (Callithrix penicilata) Floresta Secundária, próximo a frutíferas
Saruê (Sariguê) (Didephis albiventris) Floresta Secundária, Quintal e Pomares
Cachorro-do-mato (Ducicycon Floresta Secundária, Capoeiras
ventulus)
Coati (Nasua nasua) Floresta Secundária, Roças e Pomares
Meleiro (Eira bárbara) Floresta Secundária
Gato-do-Mato (Felis wiedii) Floresta Secundária
Jaguatirica (Felis pardalis) Floresta Secundária
Raposa (Dusicyon sp.) Floresta Secundária, Capoeiras, Quintal e
Pomares
Onça Pintada (Panthera onça) Principalmente nas serras
Sussuarana (Felis concolor) Principalmente na serra de Andaraí
Porco do Mato (T ayassu pecari) Floresta Secundária e Capoeiras
Luiz caixeiro (Coendou prehensilis) Floresta Secundaria, Capoeiras, Quintal e
Pomares
Paca (Aguti paca) Floresta Secundária, Rochedos, Próximo aos
Rios / Caça
Mocó (Kerondon rupestris) Roças, Serra, em Rochedos / Caça
R épt eis
T eiú (T upinambis merignal) Floresta Secundária, capoeiras
Jibóia (Boa constrictor constrictor) Encontrada em todo vale
Jararaca (Bothrops sp.) Floresta Secundária, Capoeiras, Gerais
Coral (Micrurus sp.) Floresta Secundária, Capoeiras, Gerais
Cabeça de Capanga (Bothrops sp.) Floresta Secundária, Capoeiras, Gerais
Cascavel (Crotalus durissus Capoeiras, Gerais, campos rupestres, rochas e
cascavella) fendas
Cipó (Chironius sp.) Floresta Secundária, Capoeiras, Gerais
Cobra d’água (Helicops sp.) Rios e Pedras
Cobra espada ( ? ) -
Salamanta (Epicrates cenchria assisi) -
Rabo de Fogo ( ? ) -
Cainana (Pseutes sp.) -
Esparradeira (Eaglerophis merrimii) -
* Fauna identificada êmica e eticamente (Pistas taxonômicas)
84
Há muito se discute se a caça de subsistência praticada por camponeses, índios ou
outras populações tradicionais, afeta a resiliência das espécies animais nas florestas
tropicais, na medida em que alguns consideram que esta atividades são reguladas
culturalmente pelas populações e não afetariam a fauna local a longo prazo (ADAMS, 2000).
Sem alguns animais domésticos (Foto 31) os moradores do Vale do Pati não
conseguiriam reproduzir seu modo de vida entre as escarpas rochosas da Chapada. O Burro,
a Galinha e o Cachorro fazem parte da vida no Pati.
A interação entre o “animal” ou burro, como chamam, se faz numa relação de
mútua dependência. Para o patizeiro o burro é um complemento vital para o transporte e
trabalhos de força. O animal torna-se meio material de manutenção da vida econômica
(transporte) e de informações, bem como um companheiro nas constantes e longas viagens
para Andaraí e Guiné. O Burro permite ao patizeiro transportar as cargas com produtos para
venda em Andaraí e o transporte de suprimentos para dentro do Vale, o que seria
humanamente impossível sem a força animal. Além disto, o burro serve como “ambulância”,
para, quando necessário, levar pessoas com ferimentos ou doentes para os hospitais mais
próximos.
E S P ÉCI ES E S P ÉCI ES
Cauã (Herpetatheres cachinnans) Curió (Oryzoborus angolensis)
T iziu (Volatinia jacarina) Jacu (Penélope sp.)
Garrincha (T hryothorus sp.) T ico-T ico (Zonotrichia capensis)
Caga Sebo (Lophotriccus galeatus) Bem-te-vi (Sub-Familia T yranninae)
Xiriba (Pyrrhura sp.) Carcará (Polyborus plancus)
Aracuã (Ortalis sp.) Gavião (Família Accipitridae)
Bigode (Sporophila lineola) Galinha d’água (Gallinula Chloropus)
Garça Branca (Família Ardeidae) Nambu (T inamus sp.)
Juriti (Leptotila verreauxi) Verdadeira (?)
Sanhaço (T raupis sp.) Fogo Pago (Scardaffela squammata)
Sofrê (I cterus icterus) Cardeal Canário (Paroaria sp.)
Azulão (Passerina sp.) pica-pau-cabeça vermelha (Dryocopus lineatus)
Sabiá Preto (Família T urdidae) Sabiá-bico-de-osso (Família T urdidae)
Martim pescador (Chlerocery sp.) Curiango (Família Caprimugidae)
Seriema (Cariama cristata) Mãe de lua (Nyctibius aetereus)
Patativa (Sporophila sp.) Coruja (Família Strigidae)
Vivi Amarelo e Preto (?) Anum (Crotophaga sp.)
Saira-sete-cores (T angara seledon) Maria Preta (Knipolegus sp.)
Araponga (Procnias nudicollis) Cata Capim (Sporophila sp.)
Coletor (?) Figa (Conirostrum speciocolor)
Coqui (Gnorimopsar chopi) Estevão (?)
Alma de Gato (Piaya cayana) Sabiá (Família T urdidae)
* Aves identificada êmica e eticamente (Pistas taxonômicas)
85
O uso da fauna silvestre e doméstica para fins medicinais está descrita em diversos
trabalhos de pesquisa junto às populações tradicionais dos trópicos (BEGOSSI , 2001). Um
estudo de SOUT O et al. (1996) realizados em Andaraí, apresenta uma lista da fauna utilizada
por alguns moradores locais na medicina, o que abre possibilidades de maiores estudos
etnozoológicos na região.
O conhecimento etnozoológico do patizeiro, principalmente a respeito da fauna
ameaçada de extinção, pode fornecer valiosos dados, que darão subsídios à estratégias de
conservação da fauna do Vale do Pati (Figura 7).
86
VALE DO PATI
87
F ot o 30– Cobra Rabo de Fogo
88
5.5. S I S T EMA DE ACE S S O A T ER R A E AOS R ECUR S OS NAT U R AI S
1.Uso e sobrevivência
“O I BAMA que tirar nós daqui, mas daqui não saio, ja morei fora e sei das
miséria do mundo (...) não entendo, com tanta terra, eles querem que nós morre
de fome.” (Morador do Cachoeirão)
2. Ancestralidade
“Faço as roça no terreno de meu pai, pois tenho que cuida do que foi dele”
(Morador do Cachoeirão)
“Meu pai morreu em cima desta terra! T o aqui tomando conta.” (Morador do
Cachoeirão)
89
coletivo. Nas serras também se realiza a caça, porém não conseguimos devido ao tempo de
estudo e falta de referencial teórico sobre a fauna local, saber se existe algum controle
etnoconservacionista sobre esta atividade.
Nos territórios das famílias, o roçado e algumas plantações de maior importância
econômica (banana, mandioca, aipim e milho) são de uso familiar, porém pode-se negociar o
uso destes caso alguma outra família ou pessoas necessitem, ou como ocorre em muitos
casos pode ocorrer uma redistribuição alimentar 19 quando na ocorrência dos festejos locais
e/ou na prática religiosa. O mesmo verifica-se, e de forma muito mais livre, com a utilização
de madeira e de frutos (Jaca, Manga, Laranja, etc) por parte de algumas pessoas em
território de outra família.
19
Refere-se a uma hipótese da existência de mecanismos cooperativos de distribuição alimentar nas
comunidades tradicionais. Gravado do relato oral do Prof. Dr. José Geraldo Marques no Curso de
Etnoconservação da Biodiversidade, realizado nos dias 28/04/2003 a 03/05/2003 em I guape/São Paulo.
90
6. CONF L I T OS NA CONS ER VAÇÃO: UM PONT O DE VI S T A
“O I BAMBA nunca veio aqui falar nada com ninguém ... só os puxa-saco
{ preservacionistas} vieram proibir...nunca veio conversar ... não querem que desmate
mesmo, de jeito nenhum ... porque é parque não pode” (Morador do Cachoeirão)
91
agroecosisstemas. O fogo pode ser um importante mecanismo natural de renovação da vida
e criação da Biodiversidade (GLI ESSMAN, 2001).
Segundo GOMEZ-POMPA & KAUS (1992), as novas descobertas científicas indicam
que todas as partes do globo, desde as florestas boreais até os trópicos, foram habitadas e
modificadas ao longo da história humana e o fogo, tanto natural quanto antropogênico,
contribuiu para a atual composição e a estrutura das chamadas florestas virgens e dos
ecossistemas naturais. Muitas sociedades milenares usaram o fogo como técnicas de manejo
dos agroecosisstemas.
As queimadas antropogências, fruto da agricultura de derrubada e queima realizada
no Pati é parte integral dos ecossistemas das florestas tropicais há milênios e não deve ser
confundida com a queimada destrutiva, realizada por interesses do lucro e do controle da
terra. Além disto, existem fortes evidências que o mosaico florestal forma uma paisagem
ideal para o controle das queimadas nas florestas (GOMEZ-POMPA & KAUS, op.cit.), o que
pode parcialmente explicar o baixo índice de incêndios no Vale do Pati.
As queimadas no Pati são realizadas de forma controlada com a construção de
aceros que impedem que o fogo se alastre. Os agricultores tradicionais geralmente
conhecem o vento, as mudanças climáticas anuais e as histórias das queimadas anteriores e
todo este conhecimento é utilizado no momento critico de se fazer a queimada.
O fogo, neste caso, permite uma renovação do solo e realocação dos nutrientes,
gerando um aumento de biomassa considerável nas primeiras fases de sucessão. A
biodiversidade diminui também nesta fase, na área de plantio, mas com o descanso a área
tende a ser recolonizada (ADAMS, 2000; GLI ESSMAN, 2001). Além disto às perturbações de
baixa intensidade contribui decisivamente para o incremento da biodiversidade (GOMEZ-
POMPA & KAUS, 1992; DI EGUES, 2000; GLI ESSMAN, 2001)
A importância do manejo tradicional reside numa racionalidade ambiental,
permeada por uma cultura, que, em muitos casos conservou e até criou componentes da
biodiversidade (GLEI SSMAN, op.cit.). É de extrema importância o estudo e acompanhamento
desta prática produtiva no Vale do Pati. Os moradores devem receber assessoria para a
realização de um manejo integrado das diversas atividades produtivas existentes e das
possíveis inserções de novas práticas, permeadas pela agroecologia (LEFF, 2000)
A caça é outro problema apontado pelos preservacionistas e com razão, haja visto
que boa parte da fauna da Chapada Diamantina foi dizimada pela perda de hábitats
decorrente da agricultura mercantil/capitalista e da pecuária e encontram-se extinta na
região ou sob ameaça de extinção. Porém necessita-se de estudos mais conclusivos para
determinar o impacto da caça tradicional no interior do Parque Nacional e na Chapada
92
Diamantina. I sto não impede que ações conservacionistas possam ser postas em prática na
área, o que não ocorre atualmente, com a participação real e consciente da população do
Pati.
A idéia de que qualquer população humana tende inevitavelmente ao crescimento
demográfico e a posterior destruição dos recursos naturais é um mito propalado pelos neo-
maltusianos e biocêntricos. Esta abordagem causal não admite as reais divisões hierárquicas
conflitivas existentes no seio da humanidade, entre classes, etnias, questões de gênero,
familiares, etc, onde prevalece o domínio do homem sobre o homem e fundamenta-se a
lógica do domínio sobre a natureza (BOOKCHI N, 1988;1989). A possibilidade das
comunidades humanas recrutarem toda sua inteligência, informação e liberdade para tecer
um arranjo social que permita o pleno esclarecimento, a auto-educação, a constituição de
tecnologias limpas e de uma racionalidade ambiental, até controle populacional, é
simplesmente descartada por uma abordagem ambiental conservadora.
O crescimento populacional não é a raiz dos problemas ecológicos vigentes até
então, mas sim um amplificador que pode contribuir para o aprofundamento da crise, e é
fruto de uma forma de organização social hierárquica, geradora de desinformação, e de uma
economia fundadora das desigualdades (BOOKCHI N, op.cit.).
A agricultura de derrubada e queima pode passar a ser degradante caso haja uma
crescimento populacional (ADAMS, 2000), porém a noção de crescimento deterministica foge
a realidade. Sem dúvida, mantendo-se a condição social vigente, o crescimento populacional
amplificará os impactos no Vale. Neste caso deve-se juntar todos os esforços para,
primeiramente, estancar as causas sociais do crescimento e trabalhar a educação e formas
de manejo ecológico dos ecossistemas do Vale do Pati.
Não tratamos de recriar o mito do nobre selvagem (ALCORN, 1994), mas sim
apontar o potencial do caráter conservacionista, consciente ou não, da população tradicional
do Pati e a importância dos seus conhecimentos. E apontar que as mesmas populações, por
estarem inseridas num contexto onde prevalece o mecanismo hierárquico/ autoritário de
organização social, devem fortalecer-se para não sofrerem mudanças que levem à práticas
de degradação ecológica.
A prevalência de práticas degradadoras no Vale do Pati, não justifica a expulsão da
população, já contigenciada socialmente e economicamente, de seu território. Estas devem
ser aliadas num processo conservacionista.
A utilização dos recursos naturais de forma predatória pelas populações tradicionais
pode ocorrer, quando expulsos de seus territórios, por contingência econômica ou por
pressão do poder estatal (DI EGUES, 2000; COLCHEST ER, 1997).
93
T rata-se, portanto, de colocar a ecologia num quadro social e de resolver as
questões emergentes da conservação dos ecossistemas no Vale do Pati, não apenas na
relação direta entre o homem e natureza, mas fundamentalmente na relação entre as
pessoas, e no potencial etnoconservacionista de suas práticas, mitos e conhecimentos,
gerados por esta relação.
A integração da perspectiva da conservação juntamente com o sonho de continuar
no Pati é emocionalmente expressado nas escritas de uma estudante da Escola do
Cachoeirão (16 anos),
“O meu sonho é que existissem Parque Nacional, que todo mundo tivessem a
consciência sobre a preservação e morassem onde quisessem ... eu quero ser muito
feliz.”
94
As duas vertentes supra citadas compõem uma parte do movimento ambientalista,
que podemos chamar de Ecocapitalistas ou Ecotecnocratas (WALDMAN, 1992).
Uma outra parte do movimento e de grande importância é composta por militantes
e organizações biocêntricas, muitas vezes apoiadas na filosofia da Ecologia Profunda.
Diferentemente dos mais conservadores, estes criticam radicalmente a civilização humana,
apontando o homem como instintivamente destruidor. Propondo um retorno ao mundo
natural (BOOKCHI N, 1993).
T odas estas concepções e práticas tiveram alguns resultados parciais positivos, mas
por não tocarem a fundo na problemática ecológica, foram sucumbidos pela própria
cegueira, e hoje, como nunca antes, a destruição da natureza pode estar levando ao colapso
as sociedades humanas. Além disto, estas concepções, com algumas variações, propõem
modelos de áreas de preservação de uso restrito, implantados sob autoridade central e com
base num mínimo necessário de área para a conservação ou num mito de natureza intocada
x homem destruidor.
Outra vertente da conservação e não menos importante é a Biologia da
Conservação. Este modelo, com grande aceitação mundial, possui formas distintas de
atuação, mas o eixo fundamental é ter uma base conceitual e metodológica fruto de
informações científicas (Ecologia de populações, Biogeografia, História natural, Ecologia da
restauração, etc). A Biologia da Conservação inicialmente tinha caráter científico, de
proteção de espécies ameaçadas e de elaboração de estratégias de conservação baseadas
nas ciências naturais. Desta forma gerariam dados que subsidiariam as ações coercitivas do
Poder Público (Criação de Unidades de Conservação e fiscalização) e a execução de
programas de Educação Ambiental (PRI MACK & RODRI GUES, 2001).
A Biologia da Conservação sofreu inúmeras criticas pelo seu cientificismo
generalista que não adequava-se às realidade dos países tropicais, portadores de culturas
distintas e estreitamente ligadas a natureza. Porém muitos grupos e biólogos da conservação
tentam, muitas vezes com sucesso, realizar um diálogo entre os saberes científicos e
tradicionais. E intentam aprofundar as discussões e ações em busca da conservação da
biodiversidade levando-se em conta a ecologia social.
A Ecologia Social é, em geral, uma concepção que insere o homem na natureza,
sem naturalizá-lo. T rabalha com a noção de complexidade das relações e propõem a ação
direta e a busca por justiça social no avanço dos movimentos para sanar a crise ecológica.
Pode-se separar/integrar a ecologia social em duas linhas mais influentes, a I ndiana e a
Norte-Americana.
95
O termo ecologia social foi cunhado em 1942 por Radhakamal Mukerjee, na índia.
O principio central da Ecologia Social indiana é que as sociedades tradicionais têm uma longa
tradição de interação com os ecossistemas. Estas sociedades desenvolveram práticas
culturais de utilização dos recursos naturais que levaram a um uso sustentável dos bens
naturais (SARKAR, 1998). Apontam que o modo de vida tradicional está cada vez mais
desorganizado pela expropriação pelo desenvolvimento econômico, pelo uso de tecnologias
novas e destrutivas e perda do controle dos ecossistemas. Os responsáveis seriam os
colonizadores desenvolvimentistas e, mais recentemente, os conservacionistas com suas
concepções de áreas protegidas. Sendo assim, a luta política pelos direitos e reconhecimento
dos povos tradicionais é condição necessária para a conservação da diversidade biológica.
No Brasil, este ecologismo popular (ALI ER, 1998) se expressou através de movimentos
sociais como o dos Seringueiros, com Chico Mendes, o Movimento Nacional dos Pescadores
Artesanais e os Movimentos camponeses para manutenção e reapropriação do território.
A teoria e a prática da conservação da biodiversidade que utiliza o conhecimento e
o manejo tradicional é chamada de Etnoconservação (DI EGUES, 1999).
A etnoconservação seria as ações ou práticas projetadas por povos indígenas ou
por integrantes de sociedades de pequena escala para prevenir ou mitigar a depleção de
recursos, a extirpação de populações e/ou a degradação de habitats (SMI T H & WI SHNI E,
2000).
A etnoconservação não é de domínio do estado e de determinados cientistas, mas
de um movimento que reúne cientistas naturais e sociais, as comunidades e as organizações
sócio-ecológicas que objetivam implantar uma conservação real das paisagens, da
biodiversidade e da sociodiversidade (DI EGUES, op.cit.). Os modelos científicos são
geralmente descrições qualitativas das relações homem/ ambiente, baseada nas observações
sistemática das interações.
A Ecologia Social Norte-Americana têm como precursor o filósofo Murray Bookchin.
Esta filosofia militante traz em seu interior uma critica profunda a atual organização social
capitalista e a todas as organizações sociais hierarquizadas. Propõe a ação direta num
processo de autogestão comunalista para gerar uma ruptura social que engendrará uma
sociedade ecológica orgânica de cunho libertária (BOOKCHI N, 1993). A Ecologia Social não é
um ramo da Ecologia Clássica, nem apenas uma disciplina científica, mas sim uma filosofia e
uma ética, que embasa alguns estudos das interações sociedade/ecologia e ações em busca
da transformação radical da atual sociedade à uma sociedade orgânica libertária. Propondo
formas de organização social horizontalizadas, tecnologias leves e limpas, a autogestão
social, etc.
96
Busquei realizar uma breve introdução sobre alguns importantes movimentos
ecológicos contemporâneos para a produção de algumas proposições para subsidiar práticas
da Ecologia Social e da Etnoconservação no Vale do Pati.
97
natureza no Vale do Pati. O reconhecimento de que a população do Vale do Pati possui um
conhecimento definido como “saber” e “saber fazer”, a respeito do mundo natural, bem
como uma interação fundamental com o meio, oferecerá as bases para um manejo integrado
dos ecossistemas locais. O que incluiria o estabelecimento, em conjunto, de novas
tecnologias e informações para o manejo agroflorestal, a agricultura de pousio, as hortas
medicinais, os pomares e a caça.
Neste sentido a imposição autoritária de modelos vai de encontro com a
conservação das diversidades culturais e biológicas, justamente por não se levar em conta o
contexto sociocultural no Vale do Pati . Deve haver um “diálogo dos saberes” que ofereça
dados e empodere a comunidade em seu processo autogestionário20.
c) A Educação
20
Autogestão seria a livre associação entre os homens, em caráter de igualdade, para gerirem sua
vida social e política de forma autônoma. Pressupõe uma interdependência com outros atores sociais
independentes, configurando uma Rede ou uma Federação (GUI LLERM & BOURDET , 1976). A autogestão não
pressupõe um “atomismo”, um “fechar em si mesmo”, mas sim uma intensa pa rticipação e decisão dos
interessados na gestão dos interesses coletivos, de forma livre. Pressupõe, fundamentalmente, a consolidação de
redes juntamente com outras organizações autogeridas, ou instituições afins, em estreita interdependência.
Elimina, desta forma, as desigualdades de poder (poder igualitário) ao eliminar a figura das hierarquias, e
horizontaliza as decisões.
98
criação da Associação dos Pais e Amigos da Escola do Cachoeirão21. A Associação visa
autogerir a escola na busca por recursos e na elaboração do planejamento pedagógico.
Para que um processo etnoconservacionista tenha condições de avançar é
importante o fortalecimento das condições educativas da população, que só ocorrerá com a
manutenção da escola local. Sugere-se neste sentido o apoio irrestrito a escola formal do
Vale, seja apoiando diretamente à associação ou pressionando a prefeitura local. Nesta
deve-se fortalecer o ensino sobre o meio ambiente local e sobre a o contexto social vigente.
21
Até a revisão deste trabalho a Associação de Pais e a Escola Comunitária estavam em processo de
fechamento devido a falta de recursos e apoio para manter as estruturas.
99
turistas na área, aumentando a degradação sem que haja retorno econômico relevante aos
moradores. Alguns moradores questionam se o esforço realizado, juntamente com as
problemáticas socioculturais do turismo, valeria o ganho econômico obtido. Os moradores
devem, mediante informações e recursos, ter o controle do fluxo turístico no Vale do Pati.
Estas propostas só se realizam mediante debate intenso com a comunidade e os
profissionais da conservação. Estes últimos deverão ter ciência de seus papéis como
assessores/multiplicadores neste processo e cabe aos moradores, dentro do processo de
autogestão e com as informações disponíveis, decidirem os caminhos que seguirão. Cada
envolvido têm que assumir suas responsabilidades na conservação dos ecossistemas do Vale
do Pati.
100
F ot o 32– Reunião da ASCOPA
101
CONCL US ÃO NÃO CONCL US I VA
102
recursos naturais é uma forma de utilização do ecossistema segundo suas características e
de acordo com os “ciclos naturais”. Existe no local uma extensa taxonomia Folk.
Ao profissional da conservação cabe reforçar a cultura local, através da valorização
dos conhecimentos e práticas tradicionais e do apoio a automobilização dos moradores,
neste sentido a educação libertadora possui um papel relevante, assim como a consolidação
de redes de solidariedade. Abre-se a perspectiva de, em paralelo ao reconhecimento legal do
território, se consolidar um processo autogestionário na comunidade.
A criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina criou um conflito entre
espaço publico e espaço comunitário segundo perspectivas e visões opostas de uso da terra.
De um lado o Estado, representando uma elite urbana, reivindicando o espaço para
preservação dos recursos naturais e das belezas cênicas e de outro a população do Pati, que
teria que sacrificar seu modo de vida abandonando compulsoriamente seu território.
A conclusão principal deste trabalho diz respeito a necessidade de tratar a ecologia
de forma sistêmica, tanto no âmbito das relações ecológicas como na relação direta do
homem com a natureza e fundamentalmente a relação entre os homens. Hoje marcada pela
hierarquia, pela dominação e pela exploração. A Ecologia Social e a etnoecologia possuem
um papel importante no processo de entendimento destas relações e de posterior
transformação das realidades.
Acredito ter contribuído para iniciar estudos que subsidiem ações para conservar as
riquezas naturais e culturais do Vale do Pati antes que tão belo local possa ficar
desabitado...ou habitado pelos “amantes da natureza” e pelo turismo empresarial.
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