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dade, o bairro. Assim, as pessoas que vi- social que ele julga necessária para o "senti-
vem em um determinado lugar geralmente mento de comunidade", porque seriam aque-
estabelecem relações entre si, devido à pro- les onde existe o "lazer", onde as pessoas
ximidade física, e vivem sob convenções co- encontram-se de modo desinteressado para
muns. O segundo significado refere-se ao se divertirem (lugares de vida pública "in-
grupo social, de qualquer tamanho, que di- formal"nas palavras do autor). Como esses
vide interesses comuns, sejam religiosos, so- lugares estariam desaparecendo da vida mo-
ciais, profissionais, etc. Ou seja, Beamish derna, devido às atribulações do dia a dia, as
já separa o conceito sob dois aspectos: o do pessoas estariam sentindo que o "sentimento
território como elemento principal na consti- de comunidade"estaria em falta. O traba-
tuição do grupo ou do interesse comum (e lho de Oldenburg revelou que na maior parte
neste caso, o território comum não é mais das cidades da América e do Ocidente re-
condição para a existência das relações en- almente havia um declínio desses "terceiros
tre as pessoas) como cerne da constituição lugares". Oldemburg acredita que esse de-
do grupo. saparecimento ocorreria por diversas razões,
Como é observa-se, o termo "comuni- entre elas, a construção padronizada, típica
dade"evoluiu de uma sentido quase "ideal"de do modernismo, constituía subúrbios e hos-
família, comunidade rural, passando a inte- tilizava o espaço com suas estruturas (Olden-
grar um maior conjunto de grupos humanos burg, In Hamman, 1998, online ). Rheingold
com o passar do tempo. Com o advento aponta para esta ausência do "sentimento de
da modernidade e da urbanização, princi- comunidade"como uma das causas do surgi-
palmente, as comunidades rurais passaram mento das comunidades virtuais.
a desaparecer, cedendo espaço para as gran- A decadência do senso de comunidade,
des cidades. Com isso, a idéia de "comu- em nossa sociedade, foi também atribuída
nidade"como a sociologia clássica a conce- ao surgimento e consolidação do individu-
bia, como um tipo rural, ligado por laços alismo, ao culto à personalidade, de acordo
de parentesco em oposição à idéia de socie- com autores como Sennet (1997), citado por
dade, parece desaparecer, não da teoria, mas Fernback e Thompson (1998, online ). Sen-
da prática. Ray Oldenburg, citado por Ham- net acredita que a noção de comunidade
man (1998, online ) e Rheingold (1994:61), desenvolveu-se da Gemeinschaft para a Ges-
afirma, em sua obra "The Great Good Place selschaft , assim como Tönies explicitou,
", que as comunidades estariam desapare- quando as pessoas passaram a associar a
cendo da vida moderna devido à falta dos ação pública à expressão da psique indivi-
lugares que ele chamava "great good places dual de cada um. Com o avanço da industria-
". Segundo ele, haveriam três tipos impor- lização e o surgimento do conceito de ‘socie-
tantes de lugar em nossa vida cotidiana: o dade de massa’, as pessoas tornaram-se ato-
lar, o trabalho e os "terceiros lugares", refe- mizadas e a ordem social foi caracterizada
rentes àqueles onde os laços sociais fomen- por uma "anomia"(anomie). Sennet acredita
tadores das comunidades seriam formados, que a noção de comunidade como um territó-
como a igreja, o bar, a praça e etc. Esses rio limitado foi, neste ponto, substituída pela
lugares seriam mais propícios para a relação noção de comunidade como a de "mentes
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de uma base territorial, até então um dos sus- sas mensagens em uma seqüência têm rela-
tentáculos da idéia de comunidade desenvol- ção entre si e, especialmente, como as men-
vida pela sociologia clássica. Alguns auto- sagens posteriores têm relação com as ante-
res (Weinrech, 1997 In Jones, 1997, online ) riores. É a expressão da extensão de uma sé-
criticam a idéia de comunidade virtual justa- rie de trocas comunicativas; (2) uma varie-
mente por não conseguirem conceber a idéia dade de comunicadores, que é condição as-
de uma comunidade sem um locus especí- sociada à primeira característica da interati-
fico, trazendo à discussão a necessidade de vidade, (3) um espaço público comum onde
um local onde a comunidade se estabeleça, uma porção significativa do grupo de comu-
ponto este que discutiremos, com a ajuda do nicação mediada por computador interativa
conceito de Jones (1997) de virtual settle- de uma comunidade ocorre, onde ele coloca
ment . o espaço público como um fator importante
Jones (1997, online ) vê dois usos mais co- na existência da comunidade virtual, e di-
muns do termo "comunidade virtual". O pri- ferencia o espaço público, onde está a co-
meiro refere-se simplesmente como comuni- munidade, do espaço privado, onde ocorrem
dade virtual das diversas formas de grupos as trocas de mensagem individuais; (4) Um
via CMC, o que ele diz ser uma "comuni- nível mínimo de associação sustentada, ou
dade virtual – lugar no ciberespaço". É o que ainda, uma quantidade de membros relati-
se entende por suporte da comunidade: as vamente constante, necessária para o nível
classes de grupos de CMC, como por exem- razoável da interatividade exposta pela pri-
plo, o IRC, os e-mails , etc. O segundo ex- meira característica.
plica que "comunidades virtuais"são novas As idéias de Jones trazem alguns pontos
formas de comunidade, criadas através do que podem ajudar-nos a esclarecer um pouco
uso desse suporte de CMC. Ele chama a pri- a idéia de "comunidade virtual". Se agre-
meira definição de "virtual settlement "(esta- garmos, como o próprio autor determina,
belecimento virtual) e a segunda como ver- ao conceito de comunidade virtual o de vir-
dadeira "comunidade virtual". Jones tenta tual settlement , veremos que também existe
distinguir a comunidade virtual do lugar que como condição para a comunidade virtual,
ela ocupa no ciberespaço (virtual settlement a existência de um espaço público, onde a
). Em sua teoria, ele afirma que a existência maior parte da interação da comunidade se
de um virtual settlement geralmente está se- desenrole. Este espaço, por si só não cons-
guida da existência de uma comunidade vir- titui a comunidade, mas a completa. A co-
tual associada. Portanto, seria possível iden- munidade precisa, portanto, de uma base no
tificar comunidades virtuais a partir do en- ciberespaço: um lugar público onde a maior
contro de virtual settlements. Ovirtual set- parte da interação se desenrole. A comuni-
tlement é um ciber-lugar, que é simbolica- dade virtual possui, deste modo, uma base
mente delineado por um tópico de interesse, no ciberespaço, um senso de lugar , um locus
e onde uma porção significativa de interativi- virtual. Este espaço pode ser abstrato, mas é
dade ocorre. Eles seriam caracterizados por: "limitado", seja ele um canal de IRC, um tó-
(1) um nível mínimo de interatividade, que, pico de interesse, uma determinada lista de
para Jones, trata-se da extensão em que es-
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para aquelas que são associadas a uma re- nos interessa, e que cremos que é importante,
presentação de um espaço territorial real, o é não somente analisar como se formam es-
sentimento de pertencimento é associado à ses laços online , mas também em que me-
comunidade em primeiro lugar e não ao terri- dida afetam a vida offline das pessoas. A co-
tório ou mesmo à representação do território. munidade virtual pode ser estendida ao es-
Palácios também fala de uma segunda carac- paço concreto, mas continuará tendo seu vir-
terística importante do pertencimento na co- tual settlement no ciberespaço. E continuará
munidade virtual. Segundo ele, existe uma como um espaço social onde as pessoas po-
eletividade do pertencimento, ou seja, é pos- derão reunir-se para formar novos laços soci-
sível escolher a comunidade da qual se de- ais. E prioritariamente, essas relações soci-
seja fazer parte. "(...)o indivíduo só pertence ais foram estabelecidas no ciberespaço, atra-
se, quando e por quanto tempo estiver, efeti- vés da comunicação mediada por computa-
vamente, interessado em fazê-lo." dor, de uma forma completamente diversa do
Wellman, citado por Hamman, afirma que estabelecimento tradicional de relações soci-
a comunidade virtual não seria uma nova ais, sem o contato físico, invertendo o pro-
forma de sociabilização, mas simplesmente cesso de formação do laço social (Palacios,
a comunidade tradicional transposta para um 1998, online ). Não é, deste modo, a mesma
novo suporte para manter seus laços sociais. coisa. Existem diferenças bastante importan-
"[A] CMC é apenas uma das muitas tecno- tes, como procuramos investigar neste traba-
logias utilizadas pelas pessoas através das lho. Essas diferenças estão diretamente rela-
quais as redes de comunidades existentes cionadas ao suporte, mas não se resumem a
comunicam-se "5 . Essa crítica fundamenta- ele.
se no fato de que grande parte das comuni-
dades virtuais que sobrevivem no tempo tra-
3 Conclusão
zem os laços do plano do ciberespaço para o
plano concreto, promovendo encontros entre Existem muitas críticas à idéia de comuni-
seus membros. dades virtuais Alguns explicam seu posici-
Acreditamos, pela nossa experiência no onamento dizendo que as comunidades vir-
estudo do assunto, que muito provavelmente, tuais não são nada mais do que comunida-
grande parte dos laços sociais forjados no ci- des tradicionais mantidas através da CMC
berespaço sejam transpostos para a vida of- (Wellman, citado por Hamman, 1998, on-
fline das pessoas. No entanto, esses laços line). Outros, no entanto, afirmam que a co-
continuam a ser mantidos prioritariamente munidade virtual não possui um território e,
no local onde foram forjados: na comuni- portanto, não seria uma comunidade stricto
dade virtual. E mesmo assim, alguns des- senso (Weinrech, citado por Jones,1997 on-
tes laços podem nunca passar para o plano line ). O que procuramos demonstrar neste
offline , devido à distância geográfica. O que trabalho foi uma discussão teórica a respeito
5
do que viria a ser a comunidade virtual. Ape-
CMC is just one of the many technologies used
by people within existing network communities to sar da polêmica, diversos autores têm apre-
communicate. sentado soluções e argumentos consistentes
para a utilização do conceito no ciberespaço.
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