Este artigo aborda a Gamificação como prática
pedagógica. Iniciamos delineando as características do que hoje em dia é descrito como Cultura Digital e suas implicações para o ambiente escolar; depois analisamos a consequente necessidade de uma mudança nas práticas pedagógicas. Em seguida, como uma alternativa para essa mudança, propomos a Gamificação de conteúdos escolares, estratégia que consiste na inserção de elementos e estética dos jogos eletrônicos em sala de aula para trabalharmos conteúdos de uma forma mais prazerosa. Dado o grande número de pessoas de todas as idades que estão imersas no mundo dos jogos e os resultados expressivos que o campo corporativo já obteve, especialmente o Marketing, com as práticas gamificadas, acreditamos que essa estratégia pode contribuir para uma aprendizagem eficaz dado o seu poder de engajar pessoas através de tarefas prazerosas, desafiadoras e intrigantes, sob o rótulo de missões. O artigo termina com a afirmação de que para implementar a gamificação nas práticas pedagógicas, os professores precisam conhecer e entender a lógica dos jogos eletrônicos e como são seus elementos de trabalho. Só assim eles serão capazes de reproduzir a mecânica desses jogos na sala de aula de forma
analógica.
Título original
A Gamificação de conteúdos escolares:
uma experiência a partir da diversidade cultural brasileira
Este artigo aborda a Gamificação como prática
pedagógica. Iniciamos delineando as características do que hoje em dia é descrito como Cultura Digital e suas implicações para o ambiente escolar; depois analisamos a consequente necessidade de uma mudança nas práticas pedagógicas. Em seguida, como uma alternativa para essa mudança, propomos a Gamificação de conteúdos escolares, estratégia que consiste na inserção de elementos e estética dos jogos eletrônicos em sala de aula para trabalharmos conteúdos de uma forma mais prazerosa. Dado o grande número de pessoas de todas as idades que estão imersas no mundo dos jogos e os resultados expressivos que o campo corporativo já obteve, especialmente o Marketing, com as práticas gamificadas, acreditamos que essa estratégia pode contribuir para uma aprendizagem eficaz dado o seu poder de engajar pessoas através de tarefas prazerosas, desafiadoras e intrigantes, sob o rótulo de missões. O artigo termina com a afirmação de que para implementar a gamificação nas práticas pedagógicas, os professores precisam conhecer e entender a lógica dos jogos eletrônicos e como são seus elementos de trabalho. Só assim eles serão capazes de reproduzir a mecânica desses jogos na sala de aula de forma
analógica.
Este artigo aborda a Gamificação como prática
pedagógica. Iniciamos delineando as características do que hoje em dia é descrito como Cultura Digital e suas implicações para o ambiente escolar; depois analisamos a consequente necessidade de uma mudança nas práticas pedagógicas. Em seguida, como uma alternativa para essa mudança, propomos a Gamificação de conteúdos escolares, estratégia que consiste na inserção de elementos e estética dos jogos eletrônicos em sala de aula para trabalharmos conteúdos de uma forma mais prazerosa. Dado o grande número de pessoas de todas as idades que estão imersas no mundo dos jogos e os resultados expressivos que o campo corporativo já obteve, especialmente o Marketing, com as práticas gamificadas, acreditamos que essa estratégia pode contribuir para uma aprendizagem eficaz dado o seu poder de engajar pessoas através de tarefas prazerosas, desafiadoras e intrigantes, sob o rótulo de missões. O artigo termina com a afirmação de que para implementar a gamificação nas práticas pedagógicas, os professores precisam conhecer e entender a lógica dos jogos eletrônicos e como são seus elementos de trabalho. Só assim eles serão capazes de reproduzir a mecânica desses jogos na sala de aula de forma
analógica.
uma experincia a partir da diversidade cultural brasileira
Tatiane M. de O. Martins Programa de Ps- Graduao em Educao PUC-Rio Rio de Janeiro-RJ, Brasil
Jesse Nery Filho Programa de Ps- Graduao em Gesto e Tecnologia Aplicadas Educao - UNEB Salvador-BA, Brasil
Frank Vieira dos Santos Programa de Ps- Graduao em Educao UNEB Salvador-BA, Brasil
Ewertton Carneiro Pontes Programa de Ps- Graduao Em Difuso do Conhecimento - UFBA Salvador-BA, Brasil
Resumo Este artigo aborda a Gamificao como prtica pedaggica. Iniciamos delineando as caractersticas do que hoje em dia descrito como Cultura Digital e suas implicaes para o ambiente escolar; depois analisamos a consequente necessidade de uma mudana nas prticas pedaggicas. Em seguida, como uma alternativa para essa mudana, propomos a Gamificao de contedos escolares, estratgia que consiste na insero de elementos e esttica dos jogos eletrnicos em sala de aula para trabalharmos contedos de uma forma mais prazerosa. Dado o grande nmero de pessoas de todas as idades que esto imersas no mundo dos jogos e os resultados expressivos que o campo corporativo j obteve, especialmente o Marketing, com as prticas gamificadas, acreditamos que essa estratgia pode contribuir para uma aprendizagem eficaz dado o seu poder de engajar pessoas atravs de tarefas prazerosas, desafiadoras e intrigantes, sob o rtulo de misses. O artigo termina com a afirmao de que para implementar a gamificao nas prticas pedaggicas, os professores precisam conhecer e entender a lgica dos jogos eletrnicos e como so seus elementos de trabalho. S assim eles sero capazes de reproduzir a mecnica desses jogos na sala de aula de forma analgica. Palavras-chave: Gamificao, contedos escolares, aprendizado Contatos: tatianemomartins@gmail.com jessenery@hotmail.com frankvieiradossanto@hotmail.com ewerttonc@gmail.com
1. Introduo Estamos vivendo hoje um novo corte epistemolgico com o surgimento das mdias digitais em nossa sociedade. Um corte mais intenso do que quando se criou, por exemplo, a prensa de Gutemberg. Isso significa que aes e reaes humanas vm mudando a partir da interao com os diversos dispositivos, gadgets 1 , ferramentas e softwares que esto sendo criados nos ltimos anos. Segundo Harvey [1989], estamos vivendo nos ltimos anos uma intensa fase de compreenso do tempo-espao que tem sido um impacto desorientado e disruptivo (...) sobre a vida social e cultural [Harvey 1989, p. 257], isto , vivemos num mundo caracterizado pela acelerao das mudanas, a partir do advento do que podemos chamar de Cultura Digital. O que vemos, na realidade, que, enquanto as empresas de marketing j perceberam as transformaes sociais que estamos vivendo, nessa acentuada movimentao on-line, e esto explorando todo o potencial das mdias digitais a fim de vender e promover seus produtos, a escola ainda hoje se mantm em sua sequencialidade fsica, estrutural e formal, privilegiando, na maioria das vezes, uma leitura recortada, de fragmentos estanques em livros impressos, baseada em aulas sequenciais e fechadas, sob estruturas curriculares lineares [Martins, 2013]. Na verdade, preciso perceber que enquanto o mundo do lado de fora da escola est fervilhando em informaes, barulho e agitao, ainda hoje se espera uma escola com salas de aula paradas, silenciosas, com carteiras enfileiradas, de preferncia sem
1 Gadgets so aparelhos, dispositivos, que tocam mdias diversas, como udio, vdeo, animaes. Os celulares e smartphones so exemplos de gadgets.
que haja comunicao entre os alunos durante as aulas. [Martins, 2013, p. 141] Essa estrutura, porm, vem se tornando insustentvel. Professores no se conformam com o descaso e o despreparo de seus alunos; crianas e jovens no suportam mais passar horas e horas presos em um espao limitado com uma chuva de informaes desconectadas de sua realidade e sem um sentido que lhes agregue valor. Essa escola est, naturalmente contra a sua vontade, criando uma insatisfao nos jovens e nas crianas, que no compreendem mais a sua importncia na formao deles. Nesse sentido, urge no s reavaliar o currculo- base que foi formulado para a escola em sua estrutura industrial cartesiana, mas tambm repensar as prticas metodolgicas de ensino. sobre este ltimo ponto que vamos discorrer neste artigo. 2. Games na escola?! Dos elementos que caracterizam a Cultura Digital, os jogos eletrnicos (games 2 ) exercem profunda influncia na vida de um nmero considervel de pessoas, em especial daqueles que j nasceram nesse mundo tecnolgico digital. Os games podem, em sua grande maioria, ser considerados hoje experincias to imersivas quanto o cinema e a literatura com formatos e histrias cada vez mais complexos. Talvez, por isso, os nmeros impressionem. Segundo a ACI Games 3 (Associao Comercial, Industrial e Cultural de Games), em pesquisa realizada em 2012, os jogos de videogame representam hoje, em todo o mundo, o maior mercado de entretenimento, superando a indstria do cinema e da msica juntos. De acordo com Fardo [2013], nos Estados Unidos, praticamente todas as residncias possuem algum dispositivo capaz de rodar games comerciais, metade das casas possuem um dispositivo dedicado somente aos games (consoles) e a idade mdia dos jogadores de 30 anos. No Brasil, segundo a Pesquisa Game Mobile Brasil-2013 4 , 41% das mulheres e 59% dos
2 As palavras jogo e game sero usadas inmeras vezes nesta pesquisa. Optamos, para diferenciar, por usar Gameem relao aos jogos com base nas tecnologias recentes: computadores, consoles eletrnicos, celulares, tablets etc. So os chamados jogos eletrnicos, jogos digitais, videojogos etc. Utilizaremos o vocbulo jogo quando fizermos referncia a todo tipo de jogo e at mesmo s brincadeiras (como em Huizinga). 3 <http://www.acigames.com.br/programas/dia-do-jogo-justo/> 4 <http://www.marketingegames.com.br/pesquisa-game-mobile- brasil-2013/> homens declaram jogar algum game, em multiplataformas. Diante desta incontestvel realidade mostrada pelos nmeros, no podemos, enquanto educadores, negar a importncia dos games na vida de nossos alunos e consequentemente sua importncia na educao. Tal importncia no se restringe somente ao fato de muitas pessoas jogarem os games, mas principalmente pela contribuio cognitiva que estes conferem aos jogadores. J h diversos estudos que demonstram que os games tm potencial pedaggico. J foi comprovado que os jogadores podem melhorar no raciocnio lgico, na observao, na espacialidade, na resoluo de problemas, na leitura, na tomada de deciso [Prensky, 2011; Gee, 2003, 2010]. Aqui no Brasil, estudos j mostraram os benefcios para, por exemplo, a aprendizagem do ingls [Pescador, 2010]. Segundo Alves [2008a], nos games, a interao que os jogadores estabelecem possibilita aos jovens habilidades fundamentais para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem na medida em que proporcionam habilidades e competncias para que se mantenham vivos na vida e no mundo do trabalho [2008a, p. 230]. James Paul Gee, em seus estudos sobre os games [2003,2010], afirma que os seres humanos que nunca enfrentam desafios e frustraes, que nunca desenvolvem novos estilos de aprendizagem, e que nunca enfrentam situaes de fracasso diretamente podem, no final, tornarem-se pessoas mais pobres, mais limitadas. Alves & Hetkowski [2007, p. 12] j falavam tambm sobre essa questo levantada por Gee. Para as autoras, a cultura digital dos games leva as pessoas a acreditarem que tais ambientes instauram uma lgica diferenciada seja pela via do entretenimento ou como possibilidade de se constituir em espaos de aprendizagem para diferentes saberes (afetivos, cognitivos, sociais, culturais, entre outros). Segundo Salen & Zimmerman [2012], uma das principais caractersticas do game e que deveramos reproduzir no espao escolar o feedback imediato, interativo. Essa caracterstica d ao jogador a possibilidade de entender e avaliar seus erros rapidamente para mudar sua ttica e tentar acertar. Tudo que foi exposto at agora explicita a importncia da utilizao dos games na educao. Contudo, no propomos aqui a transformao da escola em lan houses especializadas em games, nem a dependncia a dispositivos eletrnicos e tecnologia digital, mas antes a insero da mecnica ou esttica dos jogos (gamificao) na sala de aula, com o objetivo de ensinar contedos, desenvolver senso crtico, ajudar
na tomada de decises, desenvolver o senso de cooperao e de colaborao, criatividade, dentre outras habilidades que compem o que, comumente, se entende por aprendizagem significativa. Tendo como um dos pices a forma prazerosa, que favorea o engajamento na busca pelo conhecimento e o desenvolvimento do senso de pertencimento escola. 3. O que Gamificao
A gamificao uma indicao de que as pessoas querem trocar seu cotidiano eficiente por um mais divertido e prazeroso. Jesse Schell 5
H algumas divergncias sobre a origem do termo gamification. Segundo Medina [2013], Nick Pelling, programador de computadores e pesquisador britnico, foi quem cunhou pela primeira vez, em 2002, esse neologismo. No entanto, foi com Jane McGonigal que, em 2010, o termo se tornou popular. Do ingls, gamification, encontramos, em nossa lngua materna, trs variaes: gamificao (a mais usada), gameficao e ludificao. Vamos adotar o termo mais comum com a definio de Fardo [2013], em uma das primeiras pesquisas brasileiras em Educao sobre o tema. Segundo o autor, de forma resumida, gamificao um fenmeno que consiste no uso de elementos, estratgias e pensamentos dos games fora do contexto de um game, com a finalidade de contribuir para a resoluo de algum problema [2013, p. 13]. Essa definio no foge muito s que encontramos de autores da rea de design de jogos ou de empresas. Percebe-se que o desejo maior tentar engajar as pessoas em um mesmo objetivo, atravs de uma competio saudvel que gere mais e mais motivao. Alguns casos j esto se destacando no meio empresarial como o da Volkswagen, que instalou dispositivos sonoros e visuais nos degraus de uma escada de metr em Estocolmo, na Sucia, simulando um piano. As pessoas passaram a subir e a descer se divertindo, o que gerou o apelido popular de teoria da diverso. Essa novidade promoveu uma modificao no modo de pensar e de agir dos transeuntes. As pessoas passaram a se exercitar mais por causa da brincadeira. Elas optavam pela escada musical no lugar
5 <http://apertastart.com.br/2012/07/27/gamificacao-a-nova- tendencia-social-e-corporativa/> da comodidade da escada rolante. Outro exemplo comercial o do Mc Donalds, que, com suas promoes e brindes infantis, fideliza o consumidor, que se prende ao desejo de completar as colees de brinquedos. Existem exemplos tambm das redes sociais que utilizam mapas e GPS para localizar os amigos e registrar os lugares mais badalados. O Foursquare, por exemplo, leva os usurios a acumularem pontos atravs do nmero de checks-in em restaurantes, cinemas, livrarias etc. e cria um ranking entre os amigos comuns, o que promove uma certa competio de quem est mais antenado s novidades, quem sai mais etc. O aplicativo integra diversas tarefas e d feedback a todo instante. Usurios do Foursquare acreditam que a pontuao pode gerar uma competio saudvel, a prpria popularidade (algo to importante hoje em dia nas redes sociais), sensao positiva de estar, em classificao, frente de amigos etc. [ALVES et al., 2012]. Talvez um dos aplicativos mais interessantes para a Educao, at o momento, seja o Duolingo, que pode ser usado em sistema Android ou IOS, para aprendizagem de lnguas estrangeiras. Do Portugus aprende-se o Ingls, mas desta lngua pode-se aprender uma diversidade de outras, como o Espanhol, o Francs, o Alemo, o Italiano etc. Apesar de termos destacado exemplos que se baseiam no uso de dispositivos eletrnicos, a gamificao de uma atividade no pressupe o uso das tecnologias digitais, como j dissemos anteriormente. Ela pode ocorrer, por exemplo, em espaos escolares sem recursos desse tipo disponveis. Basta organizar as atividades segundo os critrios fundamentais de um jogo, dentre eles, as regras, o feedback rpido, o desafio, a competio e a recompensa, visando os objetivos pedaggicos a serem alcanados. 4. Por que gamificar contedos escolares? Em um relatrio publicado em meados de 2012, o Gartner Group apontou que, at 2015, cerca de 50% de todo o processo de inovao global ser gamificado. (...) Em uma abordagem realizada pela mtv norte-americana junto ao pblico da Gerao Y (que engloba os nascidos entre o incio da dcada de 1980 e o ano 2000), 50% dos entrevistados afirmaram reconhecer aspectos dos jogos aplicados a diversos campos da vida cotidiana, sendo que esse grupo atualmente representa 25% da populao economicamente ativa mundial. Isso significa dizer que um quarto da riqueza
do planeta que habitamos gerada por pessoas que cresceram pulando cogumelos, combatendo monstros para salvar princesas, conduzindo blidos por circuitos surrealistas e coletando moedas em troca de vidas extras. Bruno Medina & Samara Tanaka 6
O jogo prazeroso e cativante. Envolve quem est jogando em um crculo mgico [Huizinga, 2010], motiva o jogador a descobrir novos caminhos, novas formas para se manter naquele crculo. Com base em vrios autores, Salen & Zimmerman [2012, p. 95] descrevem o jogo como um sistema em que os jogadores se envolvem em um conflito artificial, com regras, e que gera um resultado quantificvel. Para Fardo [2013], a sala de aula pode ser equiparada a um jogo. Se compararmos a sala de aula definio de Salen & Zimmerman [2012], perceberemos que realmente h um conflito artificial para a construo da aprendizagem, com regras de conduta, produo de contedo etc. e resultado quantificvel (a nota dos testes e provas). O problema que, na maioria das vezes, a criana que est nessa sala de aula no est l por vontade ou interesse prprio, sentindo-se motivada, necessidade bsica para mergulhar, de fato, no "crculo mgico". Johann Huizinga [2010], precursor em suas anlises e um dos maiores pesquisadores sobre jogos no sculo XX, afirma que o jogo anterior cultura e formador dela 7 . Para esse filsofo holands, o jogo uma funo da vida [2010, p. 10]. A partir dessa anlise, e percebendo h anos, em prticas docentes, o quanto as crianas e jovens esto imersos em seu cotidiano em um mundo ldico de redes sociais, vdeos e games e, ainda, descobrindo, pela convivncia informal com diversas crianas, que este ltimo, principalmente, exige e parece promover o desenvolvimento de habilidades consideradas importantes para a sociedade do sculo XXI, acreditamos ser de grande importncia que se revejam as prticas de sala de aula no que diz respeito no s aos objetos de aprendizagem que so utilizados, como tambm s prticas metodolgicas que se constroem. Em outras palavras, precisamos no s levar para a sala de aula games, dispositivos, softwares e aplicativos que esto no dia a dia dos
6 [MEDINA, 2013, p. 11] 7 Huizinga inicia o prefcio dizendo-se convencido de que no jogo e pelo jogo que a civilizao surge e se desenvolve. A tese central do autor a de que o jogo uma realidade primitiva, compartilhada at mesmo com os animais, portanto, com existncia anterior cultura, ou melhor, do jogo, atravs do ritual e do sagrado, que nasce a cultura. jovens para recriar o processo ensino-aprendizagem, como tambm ressignificar nossas prticas a partir de interaes que esto dando certo e, principalmente, esto despertando interesse e promovendo aprendizagens em quem os utiliza. Tomando, ento, a ideia desenvolvida por Roger Caillois, leitor e crtico de Huizinga, no livro O jogo e o homem [1990], de que o jogo aumenta as capacidades do indivduo para ultrapassar os obstculos, as dificuldades, e o introduz na vida; e recuperando a importncia que Huizinga [2010] d ao jogo na sociedade e tambm na vida adulta, que a gamificao surge aos nossos olhos como uma nova estratgia de ensino. Afinal, se desde Huizinga [2010] diversos autores concordam que todo jogo significa alguma coisa, necessrio investigar o que os elementos dos games significam para os jovens da atualidade e fazer uso deles, em prol da Educao. Por isso que partimos do argumento piagetiano [1988] de que a compreenso pressupe a criao 8 , ou seja, a aprendizagem deve sempre partir de uma ao real e material 9 . Segundo essa concepo, o desenvolvimento da criana um processo contnuo, subordinado ao do sujeito e sua interao com os objetos. Da a validade e benefcio de atividades gamificadas. Tomamos conhecimento da experincia do professor de Design, Lee Sheldon [2011], a partir da anlise do livro The multiplayer classroom: designing coursework as a game, feita por Fardo [2013], como parte de sua pesquisa sobre gamificao. Nela, Fardo relata que Sheldon aplicou conceitos de jogos de MMORPG 10 em sua sala de aula, criando personagens, grupos, misses, sistema de pontuaes, formas de feedback e misses solo, para dar a liberdade de o aluno trabalhar em equipe ou individualmente, deixando-o vontade para aprender. Temos de ver, porm, que, muito mais do que mudar os materiais ou os espaos existentes na sala de aula ou na escola, necessrio repensar o modo como estamos lidando com os contedos, os quais, talvez, estejam sendo h muito tempo, valorizados em
8 (...) compreender inventar, ou reconstruir atravs da reinveno, e ser preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, moldar indivduos capazes de produzir ou de criar, e no apenas de repetir. [Piaget, 1988, p. 17] 9 A verdadeira causa dos fracassos da educao formal decorre pois essencialmente do fato de se principiar pela linguagem (...) ao invs de o fazer pela ao real e material. [Piaget, 1988, p. 59] 10 Sigla do ingls para Massively Multiplayer Online Role-Playing Game que significa Jogos Online para Mltiplos Jogadores.
demasia, em detrimento da aprendizagem. E isso recai em um dos pilares da Educao: o professor. Desenvolver prticas gamificadas requer, por parte do docente, o conhecimento da estrutura e mecnica dos jogos, assim como ter uma atitude proativa de criao e recriao de atividades variadas e em nmero suficiente para dar conta da grande interao que o jogo proporciona. Mas h de se ter muito cuidado para no usar a nova estratgia como o principal aspecto da experincia de aprendizagem dos alunos [Massarolo e Mesquita, 2013, p. 41] e recair praticamente no mesmo erro que j vivemos, destacando a estratgia ou o contedo no lugar da aprendizagem. 5. Os elementos bsicos de um game Muitos estudos e pesquisas j foram realizados para identificar quais mecanismos e caractersticas dos jogos digitais cativam os seres humanos, principalmente os jovens. McGonigal [2012, p. 31] ressalta quatro caractersticas: objetivo, regras, sistema de feedback e participao voluntria. Particularmente gostaramos de destacar este ltimo, pois sem o ato de querer, pode haver, no mximo, uma pseudoaprendizagem para realizar uma atividade especfica (avaliao), mas que, em pouco tempo, deixa de existir. E isso o que mais vemos ocorrer na escola. Werbach & Hunter [2012 p. 78] destacam nos jogos a dinmica (restries, emoes, narrativa, progresso e relacionamentos), a mecnica (desafios, chances, competio, cooperao, comentrios, aquisio de recursos, recompensas, negociaes entre jogadores, ciclos ou rodadas do jogo e status de vencedor) e os componentes (conquistas, avatares, insgnias, embate, desbloqueio de contedo, nveis, misses, grficos sociais e equipes). E h uma relao entre eles. Cada mecnica est ligada a uma ou mais dinmicas, e cada componente est ligado a uma ou mais mecnicas ou dinmicas. Para entender um pouco sobre gamificao, deve-se entender sobre os elementos de games, os quais do origem atividade gamificada. A tabela abaixo sintetiza as principais caractersticas dos games:
Tabela 1: Exemplos de elementos de games. Fonte: Fardo, 2013. Elementos Descrio Narrativa Histria que promove a imerso do jogador no jogo. Nveis Diviso do jogo em partes, geralmente com dificuldades incrementais; tambm chamadas de fases. Desafio/Misses Objetivos que o jogador deve alcanar. Regras Restries ou limitaes impostas pelo jogo. Feedback Resposta a uma ao do jogador, que possibilita imediatamente uma confirmao ou reavaliao das escolhas e tticas. Competio Relacionamento entre jogadores ou times, que promove a busca por ser o melhor. Se bem estimulada, pode promover inmeras aprendizagens. Pode-se tambm competir consigo mesmo numa busca por superao. Engajamento (ciclo mgico) O que motiva o jogador a jogar. Recompensa Benefcio adquirido aps alguma ao ou concluso de uma misso. Pontuao /Progresso Forma quantificvel do status do jogo.
6. Para uma proposta de gamificao como estratgia de ensino-aprendizagem A anlise detida de cada um desses elementos fornece valiosas informaes que subsidiaro o trabalho do professor quando do desenvolvimento de uma prtica gamificada. Assim, ao planejar uma atividade dessa natureza, o professor precisa estar atento a todos os elementos que podero favorecer ou inviabilizar a execuo do jogo, sabendo como cada um deles afeta a atividade. Perguntas do tipo como que a combinao de uma determinada estrutura do jogo e um determinado cenrio afeta a jogabilidade? devem sempre nortear as decises do professor no momento de planejar suas atividades. Ainda, questionamentos acerca das consequncias que determinadas regras podero trazer ao jogo so igualmente importantes. Em algumas situaes uma determinada regra poder limitar tanto as aes dos jogadores, que a sua evoluo poder ser seriamente prejudicada; em outras, a no delimitao de uma regra
poder tornar o jogo em uma atividade to livre, que no gerar boa jogabilidade. Dado ao seu carter ldico o jogo precisa conter um contedo ficcional atraente, inteligente e coerente com o objetivo a que se prope. Assim a narrativa adquire uma importncia muito grande numa prtica gamificada. A ela deve estar igualmente coerente o cenrio onde as batalhas ou disputas ocorrero. Por isso, ao planejar uma prtica gamificada, o professor necessita atentar para a narrativa que, em se tratando de uma prtica escolar cujo objetivo a aquisio de determinados conhecimentos, deve contemplar a ludicidade, concepo topolgica do assunto a ser aprendido e tudo isso sem perder de vista o rigor do conhecimento cientfico prprio da disciplina. A narrativa tem o poder de envolver o jogador num esforo de desvelar a histria do heri percorrendo seus caminhos e experimentando com ele seus amores e dissabores, e assim, vivendo a vida de seu heri ou avatar, que o jogador mergulha num universo paralelo assimilando suas peripcias, histrias, amigos e inimigos, enfim, o contedo a ser aprendido em se tratando de uma prtica gamificada pedaggica. Alm dos aspectos levantados acima, h outros elementos que precisam estar igualmente balanceados para garantir a jogabilidade. Um jogo no apresenta sempre uma sequncia linear de dificuldade. Ao contrrio. Para ser intrigante, emocionante e prazeroso o jogo precisa ser escalonado em nveis de desafios partindo do mais simples para o mais complexo, do mais fcil para o mais difcil e assim vai se construindo a progresso do jogador que ora poder estar em nveis bem evoludos, ora, por algum erro estratgico, falta de destreza ou conhecimento no cumprimento de determinada misso, poder regredir ou ser superado pelo seu oponente. Essa mobilidade de nveis garante, junto com os demais elementos, o prazer pelo jogar e vencer desafios. tambm importante destacar que todo jogo precisa respeitar o princpio da lisura e nesse nterim o feedback, o retorno dado a uma ao do jogador, precisa, alm de estar presente, ser claro, no deixando margem para dvidas. Deve ser justo e imediato. Dessa forma, garante-se a transparncia do jogo e o respeito s regras propostas. Numa ao pedaggica gamificada, o professor deve garantir que o sistema de feedback esteja claro para todos os alunos-jogadores. Muito prximo ao feedback no tocante lisura e transparncia, a pontuao do jogador deve estar visvel para todos os demais participantes e deve servir, alm da transparncia, como elemento motivador para alcanar objetivos, seja com o intuito de se manter a frente dos demais oponentes, seja para alcan-los, seja ainda para superar suas prprias limitaes e dificuldades num processo de motivao constante. Por fim a recompensa. Todo jogador joga sempre pelo prazer. Pelo prazer em vencer e ganhar a recompensa, mesmo que seja um simples emblema de que conseguiu passar por mais uma etapa. Ao fim de tudo, o prazer em jogar, competir individualmente ou em grupo, muitas vezes em atitude de cooperao, duelar, rir, se emocionar, se estressar, estar em busca daquilo que representar a vitria, a conquista sobre os oponentes, a recompensa. E por isso ela dever ser explicitada logo no incio. Deve ficar claro para o aluno-jogador o que ele ganhar ao se empenhar numa jornada repleta de misses, desafios, nveis de dificuldades, regras e pontuaes. Em se tratando de uma atividade de sala de aula, o professor deve tambm deixar claro que recompensa o vencedor ou grupo de vencedores ganhar pelo seu esforo. Sem isso a competio e a colaborao entre pares ficam vazias de sentido e a consumao do prazer de jogar pode ser frustrada. Gamificar, ento, uma atividade pedaggica pressupe cumprir alguns requisitos. Alm de conseguir atuar a partir dos elementos bsicos de games, Simes et al [2012] sugerem tambm seguir alguns passos que aqui destacamos: Pensar e projetar a atividade, ou seja, jogar no papel tudo aquilo que possa descrever a estratgia e depois procurar ideias de como usar os elementos do game nela. Trabalhar sempre com a possibilidade de experimentaes. Como no game, em que o jogador aprende muita coisa na relao tentativa-erro, numa atividade gamificada interessante que se tenha essa liberdade. Criar uma forma de dar feedback rpido e eficiente, quebrando a ideia de se ter um retorno nos finais dos bimestres. Isso no s pode ser tarde demais para corrigir os erros, como tambm , muitas vezes, bem desestimulante. Adaptar as tarefas ao nvel de habilidade dos alunos ou de grupos de alunos, por exemplo: subdividindo tarefas difceis em vrias menores ou permitindo diferentes caminhos para atingir o sucesso. Colocar a diverso e o prazer como parte integrada atividade (mas tendo a conscincia de que o interesse e o sentido da atividade para o aluno que promovem a real motivao) para que seja uma coisa mais motivacional para o aprendizado. Pode-se
mexer um pouco no sistema de recompensas para isso. um grande desafio colocar tudo isso em prtica, mas medida que o docente consegue perceber na gamificao uma possibilidade de tornar a educao mais rica e eficaz tanto para o educando quanto para o educador, no haver barreiras para o uso dessa nova estratgia de ensino-aprendizagem. 6.1. Relato de uma experincia Diante da globalizao que estamos vivendo e da massificao miditica que vende uma imagem ideal de beleza em que todos devem ficar muito parecidos basta ver a aparncia dos apresentadores das grandes redes de televiso , o ensino de nossa cultura (a cultura brasileira, com base nas diversidades regionais e influncias diversas para alm do nosso territrio, tambm em obedincia Lei 10.639/03, que torna obrigatrio o ensino de culturas africanas, afro- brasileiras e indgenas nas escolas) se torna cada vez mais importante para no perdermos o elo com nossas origens. Principalmente porque tudo o que vem de fora, at mesmo pela repercusso que ocorre nas redes sociais, tem parecido cada vez mais interessante (por exemplo, o Halloween, perodo em que muitas pessoas mudam sua foto, em redes sociais como o Facebook, para um avatar de bruxa). Em contrapartida, o que temos aqui (por exemplo, do nosso Folclore e da nossa Cultura Popular), acaba sendo relegado ao primeiro segmento do Ensino Fundamental e depois esquecido. Ento, pensando nessas questes referentes cultura brasileira (lendas, festas, personagens, comidas entre outros e suas diversas origens e influncias), vimos na gamificao a possibilidade de no s potencializar o aprendizado desse contedo (objetivo das prticas pedaggicas em sala de aula), como tambm desenvolver nas crianas o gosto e o interesse por essas questes, com o intuito de no ficar como mais um contedo que passa e depois esquecido. Dessa forma, criamos e experienciamos o seguinte: Numa estrutura de competio, no final do ms de outubro, perodo em que muitos estavam comeando a falar de Halloween, dividiu-se a turma em quatro equipes que foram logo apresentadas a uma narrativa que desafiava os participantes a se lembrarem de suas experincias com o Dia do Folclore Brasileiro (22 de agosto). Ento, j entrando na proposta da atividade, inseridos nessa construo narrativa, foi lanada a primeira misso para as equipes: procurar os cdigos (imagens) que estavam espalhados pela sala e por espaos alm da sala de aula (corredores, hall de entrada, banheiro, secretaria etc.) para decifrar um texto que lhes daria um mapa para conquistar o territrio de nossa cultura. Essa primeira misso foi muito interessante porque se previa uma competio entre as equipes, sem que houvesse possibilidade de colaborao entre eles, afinal, quem decifrasse primeiro o texto venceria a primeira etapa, dominando Estados do Brasil, modo que encontramos para trabalhar a pontuao motivando tambm o conhecimento e o interesse por mapas. No entanto, as equipes se utilizaram dos cdigos das outras equipes encontrados por eles para fazer uma espcie de escambo de informaes, isto , se uma equipe tinha conhecimento do cdigo da outra, ela lhe transmitia em troca de seu prprio cdigo. Houve, portanto, uma recriao pelos alunos-jogadores da atividade num processo de colaborao mtua. E todos haviam entrado no crculo mgico do jogo. De posse dos territrios, de acordo com a pontuao obtida por cada equipe (as regras de pontuao foram sendo explicadas), nova misso lhes foi apresentada, dando continuidade narrativa criada. As equipes deveriam pegar novos cdigos dispostos sobre uma mesa para desvend-los, apresentando, atravs de desenho produzido na hora, um avatar que representasse os seres lendrios a que se referiam as descries. Para esclarecer a que seres se referiam tais informaes, eles puderam pesquisar em livros e na internet atravs de seus dispositivos eletrnicos. Se, na primeira misso, o objetivo, alm da aprendizagem do contedo do texto decifrado, era inserir os integrantes das equipes no crculo mgico, ganhando-os assim para a atividade proposta, nesta tnhamos como meta transformar os participantes em autores. A pontuao, nessa etapa, foi dada de acordo com dois critrios: a rapidez com que decifraram os enigmas e entregaram os avatares prontos e a eleio (votos de todos os participantes) do desenho que melhor caracterizava o ser lendrio descrito. Aps ocupar seus novos Estados do Brasil, as equipes foram encaminhadas atravs da continuao da narrativa para nova etapa. Antes, porm, cada equipe teve de escolher um de seus desenhos para nomear o seu grupo e caracterizar o peo do jogo de tabuleiro humano que comearia em seguida. Numa trilha pelos conhecimentos de nossa cultura (dividida em categorias, por exemplo: enigmas, quadras, msicas, culinria, festas, danas, lendas), cada equipe, aps sorteio feito pelos lanamentos dos dados para decidir a ordem dos jogadores, foi levada a avanar seu peo (representado por um integrante de cada grupo com o avatar escolhido Boitat, Boto, Iara, Saci , que passeava sobre um tabuleiro em tamanho proporcional,
aberto no cho da sala), da largada at a linha de chegada. Para se movimentar, os pees jogavam um grande dado ao cho que informava o nmero de casas que deveriam andar caso respondessem corretamente pergunta que aparecia no data-show aleatoriamente. Por exemplo, na primeira rodada, o Boto jogou o dado. O resultado foi 3, e para avanar 3 casas no tabuleiro tiveram que responder pergunta: Em que regio brasileira estes pratos tpicos so comuns: feijoada, jab com jerimum e feijo tropeiro?. Acertaram a resposta, dizendo Sudeste. Ento Iara jogou o dado, tambm conseguindo o nmero 3. Agora, para essa equipe avanar trs casas no tabuleiro os integrantes tiveram que cumprir a tarefa: Cante uma cantiga de roda de sua infncia e que faa parte da nossa cultura popular.. Puderam andar ao cantar Ciranda Cirandinha. Boitat, ento, jogou o dado e conseguiu tirar 5. Para eles, veio o enigma: uma terrvel e horrorosa bruxa que mora em uma caverna escura, gosta de pegar crianas que no obedecem ordem de dormir quando os pais mandam.. Ganharam o direito de andar as cinco casas ao responderem Cuca. Seguiram-se mais seis rodadas. A equipe do Boitat, que terminou essa etapa da atividade gamificada em primeiro lugar, ganhou mais pontos para poder ocupar o territrio brasileiro. A segunda equipe colocada, Boto, a terceira, Iara, e a quarta, Saci, ocuparam os estados de acordo com as suas respectivas pontuaes. Interessante foi tambm observar que a escolha dos Estados Brasileiros no mapa tambm gerou uma expectativa de estratgia de fronteiras, o que seria bastante interessante para a continuao da atividade em outros momentos. A utilizao dessa forma de pontuao nos mostrou que o mais importante ali para eles no era a vitria pela vitria (pontuaes muitas vezes esvaziadas de seu valor concreto), mas a possibilidade de criar estratgias e desenvolver aprendizagens significativas. 6.2. Resultados de uma experimentao Apesar de a atividade ter sido projetada para crianas das primeiras sries do Ensino Fundamental II (6 o . e 7 o . anos), ela foi testada numa turma de ps- graduao em Educao na UNEB. Na verdade, uma atividade que permite passear pelas diversas faixas etrias, precisando, apenas, direcionar as perguntas do jogo de tabuleiro e os enigmas das misses um e dois para um nvel mais difcil (por exemplo no jogo de tabuleiro, sem alternativas como resposta) ou de mdio para fcil (apresentando entre trs, quatro ou cinco alternativas, para se descobrir a resposta). Essa experimentao foi muito proveitosa porque o conjunto de alunos-jogadores, embora adultos e provindos de reas diversas (Histria, Letras, Pedagogia, Psicologia, Informtica, Design etc.), realmente se envolveu na atividade, confirmando o engajamento quando se entra no crculo mgico. Isso ficou claro no depoimento de uma aluna da turma que, ao final da atividade, participou e colaborou com uma anlise crtica da estratgia. Segundo ela, a atividade gamificada foi muito interessante e adequada para o ano a que se destinava, tendo tambm como aspecto positivo a flexibilidade etria. Alm disso, ela acrescentou que o tema era muito relevante eu acho que foi legal, pelo contedo que vale a pena ser resgatado nas unidades escolares e afirmou em seguida: gostei muito da parte que traz o personagem para o jogo e dessa forma o contedo est sendo dado de forma ldica.. A aluna destacou ainda o interesse gerado: o tempo inteiro mobilizou a turma, todo mundo se envolveu e demonstrou tambm os desafios a serem superados: a questo do desenho foi um desafio, porque no nosso grupo no havia ningum com habilidade para desenho mas queramos fazer o melhor. Como o tempo era limitado, a terceira misso (jogo do tabuleiro) foi feita s em parte (havia mais de quarenta perguntas criadas e no chegamos a usar nem a metade). Isso no permitiu que uma das ramificaes desejadas dessa atividade gamificada fosse bem explorada atravs dos desdobramentos da pontuao, que permitiriam discutir em equipe as estratgias para ocupar melhor e com mais poder os estados do territrio brasileiro, atividade que foi logo percebida pelos jogadores e criou muito interesse. O que percebemos, na prtica, durante a criao da atividade e a sua aplicao que uma atividade gamificada na escola pode ser uma estratgia para se trabalhar, de fato, a transdisciplinaridade. Nessa proposta de desenvolvimento de contedo referente cultura brasileira, com base no programa curricular de Lngua Portuguesa, englobam-se as Culturas Africanas, Afro-Brasileiras e Indgenas, a Geografia, com o conhecimento do mapa brasileiro (Estados), podendo explorar tambm as capitais, as grandes cidades e as fronteiras, por exemplo, de acordo com o tempo e os desdobramentos desejados. A Matemtica tambm entra. Na pontuao proposta, cada ponto conquistado representava uma pea para as equipes ocuparem os Estados. Acabando o nmero de Estados, uma equipe poderia comear a dividir um mesmo espao com outra(s), o que resultaria numa relao de frao, contedo matemtico do sexto ano e de reviso do stimo. Ns tambm recebemos outros feedbacks ao final da atividade gamificada realizada. Os jogadores
elogiaram os desafios bem definidos; a clareza na exposio dos objetivos a serem alcanados; a narrativa bem construda, levando os alunos a entrarem na atividade como jogadores (engajamento); o feedback com respostas imediatas para as questes que eles no souberam solucionar; a presena de contedo curricular aprendido a partir do ldico; a transdiciplinaridade do jogo, que abordou aspectos de Geografia, Cultura Popular, Histria, Artes, Matemtica, entre outros; a variedade de habilidades exigidas e tambm desenvolvidas; o dinamismo da atividade, com a possibilidade de ultrapassar o espao restrito da sala de aula; estmulo cooperao entre os jogadores do grupo e colaborao entre os grupos; presena de nveis de dificuldade, com progresso. Como aspectos que precisam ser melhorados, os jogadores destacaram que o sistema de pontuao no ficou claro. Da mesma forma, as recompensas poderiam ser melhor elaboradas. 7. Consideraes Finais Neste artigo vimos que os avanos ocorridos com o advento das tecnologias digitais alteraram profundamente as formas como as pessoas vivem, relacionam-se, e aprendem. Isso gerou uma nova ordem social: a Cultura Digital, que se apresenta como uma nova conformao social na contemporaneidade e que Escola e Educadores no devem ignorar, visto que os seus atores mais expressivos, os jovens, so os mais imersos nela. Ainda hoje ns, educadores, enfrentamos a aparente desigual disputa que travamos pela ateno de nossos alunos, sobretudo adolescentes, face ao apelo irresistvel dos recursos de sons e imagens que os gadgets possibilitam. O desafio atual que nos imposto o de ressignificar a nossa prtica pedaggica no sentido de acompanhar as grandes mudanas que as tecnologias digitais ocasionaram na sociedade hodierna. A escola atual ainda conserva algumas prticas pedaggicas baseadas no modelo educacional utilizado no sculo XVIII com currculos fechados, organizados por disciplinas e contedos especficos. Nessa tica, o uso das tecnologias no mbito escolar ainda mantm a lgica da distribuio da informao sem uma preocupao sistemtica em torn-las significativas. Desse modo, a escola se distancia das transformaes sociais e culturais que esto ocorrendo na sociedade contempornea, criando assim um gap entre o mundo da escola e o mundo da vida. Por isso preciso repensar o modelo comunicacional da sala de aula, para uma sala em que haja coautoria entre professores e alunos, interao entre as partes para a construo das aprendizagens. Mudar as formas de comunicao e de produo do conhecimento fundamental para a educao de crianas e jovens que j esto imersos na comunicao digital e interativa fora do ambiente escolar. diante desse cenrio e destas constataes que advogamos a importncia de prticas gamificadas na prxis pedaggica. O discurso esboado at agora concernente s tecnologias digitais deve-se ao fato de que entre todas elas os games so os que mais seduzem e ocupam espao e tempo na vida de nossos educandos. Similarmente queremos deixar claro que o esforo feito neste texto em caracterizar a importncia dos jogos em ambientes virtuais no tem a pretenso em propor a transformao da escola num game. Mas, antes, pretende-se demonstrar as possibilidades de mudanas que a insero de prticas gamificadas pode representar para a aprendizagem escolar. Para que isso ocorra, porm, professores e educadores precisam entender sua lgica de concepo e funcionamento. E, pelo que se sabe at o momento, a nica maneira possvel para que isso acontea conhecendo a dinmica dos jogos em ambientes virtuais. preciso ter bem claro que uma atividade gamificada no simplesmente uma atividade animada, ldica ou de gincana. A gamificao pressupe a presena dos elementos de game, com uma estrutura narrativa com comeo, meio e fim, para manter o jogador dentro do crculo mgico e motivado a aprender mais e mais. REFERNCIAS ALVES, Lynn R. G. Games e educao a construo de novos significados. Revista Portuguesa de Pedagogia. Ano 42-2, 2008a, pp. 225-236. Disponvel em: <http://iduc.uc.pt/index.php/rppedagogia/article/view/1 245>. Acesso em 04 dez. 2013. _____. Relaes entre os jogos digitais e aprendizagem: delineando percurso. In: Educao, Formao e Tecnologias; vol.1(2); PP. 3-10, 2008b. Disponvel em: <http://www.lynn.pro.br/admin/files/lyn_artigo/6030ab d204.pdf>. ALVES, Lynn & HETKOWSKI, Tnia Maria. Gamers brasileiros: quem so e como jogam? In: Desenvolvimento Sustentvel e Tecnologias da Informao e Comunicao. Salvador: Ed.Salvador, Edufba, 2007, v.1, pp. 161-174. Disponvel em:
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