"Relâmpago" outubro de 2008, número 10. "A
ekphrasis (...) é algo que apela
a uma qualidade humana, demasiadamente humana, e, porventura, sem mistério.
Este sem mistério é, porém, uma ironia, porque a ekphrasis resulta de uma inquietaçao,
uma reiteração de um «mistério» muito particular."
Título original
Luis Quintais - A ekphrasis como meta-representação
"Relâmpago" outubro de 2008, número 10. "A
ekphrasis (...) é algo que apela
a uma qualidade humana, demasiadamente humana, e, porventura, sem mistério.
Este sem mistério é, porém, uma ironia, porque a ekphrasis resulta de uma inquietaçao,
uma reiteração de um «mistério» muito particular."
"Relâmpago" outubro de 2008, número 10. "A
ekphrasis (...) é algo que apela
a uma qualidade humana, demasiadamente humana, e, porventura, sem mistério.
Este sem mistério é, porém, uma ironia, porque a ekphrasis resulta de uma inquietaçao,
uma reiteração de um «mistério» muito particular."
S 'gllndo pcrb r, tal fa uldade permite duvidar, ou seja, representar uma
Il'pl' 'S .nta c mo improvvel ou falsa. Uma faculdade exclusivamente humana, I 11111() sabem s. Acresce ainda que tal faculdade nos permite a ns - humanos - I"(),'S' r informao que no entendida integralmente. Atravs de tal faculdade nu-tu-rcpr entacional, possumos uma disposio para aumentar o nosso conheci- 1I1('nt e repertrio perceptual. ' , nvrn aqui fazer uma distino. Refiro-me quela que faz opor represen- 1.1' cs serni-proposicionais (incompletas) de representaes proposicionais (com- pl 'I' ) (ver, v.g., Sperber, 1992 [1982]). As primeiras sero parte constitutiva do processo de entendimento por etapas que poder conduzir s segundas. Ou seja, as Icpresentaes serni-proposicionais podero (ou no) conduzir s representaes proposicionais. As representaes incompletas esto um pouco por todo lado e so, , . iundo Sperber, uma das marcas distintivas daquilo a que se chama de criatividade. lima das suas propriedades ou qualidades mais extravagantes a de se instalarem na 111.nte sob a forma de mistrios conceptuais (Sperber, 1996: 72). Num sentido cognitivo forte, poder-se- dizer que a arte , por excelncia, o domnio - ou melhor, a dramatizao - do irracional. Lidando com ideias s par- .ialmente entendidas ou representaes serni-proposicionais, os constrangimentos rn ionais no so a pedra-de-toque. Poder dizer-se, alis, que a sua flagrante inconsistncia que torna tais representaes memorveis (tudo o que cultural- 111 nte eficaz ou cannico pode ser pensado atravs disto). A nica forma de atribuir .onsistncia a tais representaes tom-Ias, justamente, como misteriosas. Enquanto mistrios, tais representaes adquirem relevncia (uma palavra que decisiva para compreender o projecto de Sperber [ver, v.g., Sperber eWilson, 2001]). A atingirem relevncia, tais mistrios ocupam a ateno de uma populao e dis- tribuem-se eficazmente, definindo padres ecolgicos de fenmenos psicolgicos. O que importa aqui reter ser to-s o seguinte: a ekphrasis uma representao de outra representao, logo ela radica numa faculdade meta-representacional que se .ncontra largamente distribuda entre os humanos. No , pois, exclusivo da arte. Ela , seguramente uma propriedade que podemos detectar emtudo aquilo aque chamamos de criaes humanas. Sendo uma representao verbal de uma representao visual, dir- -I) -ia que a ekphrasis trabalha esse hiato entre formas de representao diferenciadas. , lebra a impossibilidade de transporte, mas ironicamente procura uma consistncia, afirrnando, afinal, o mistrio ou ainquietao ou o desassossego dessa impossibilidade. O tema da poesia a poesia. Como se a poesia no pudesse fugir a ela prpria, ou, '!TI ltima anlise, orno se a poesia no pudesse fugir do cerco da linguagem e do . 'r de Lima Ih/f!.ua. A I ia convive e responde em contnuo mirfica qualidade qu c S isas - t't'I'W Iipo I' oi as (as representaes) - tm de nos escaparem per- A EKPHRASIS COMO META-REPRESENTAO Presumimos uma relao entre dois objectos: uma representao (um poema) e outra representao (uma pintura, uma escultura, uma fotografia, etc.). Que relao esta? A meu ver, trata-se do exerccio de uma faculdade meta-representacional. A ekphrasis n~o um procedimento excepcional. Em grande medida, algo que apela a uma qualidade humana, demasiadamente humana, e, porventura, sem mistrio. Est: sem mistrio , porm, uma ironia, porque a ekphrasis resulta de uma inquie- taao, uma reiterao de um mistrio muito particular. Vejamos porqu. A min~a leitura ,deste problema procede de Dan Sperber (1996), um antroplo- go e ciennsta cogrunvo que tem trabalhado incessantemente sobre o problema da representao. Sperber defende (de forma persuasiva) que as representaes que podemos ter dependem das faculdades cognitivas que filtram tais representaes. A co~stncia econsistncia das representaes (a sua racionalidade) depende de tais filtros. DIferentes tipos de representaes acedem constncia e consistncia de maneiras diversas. Segundo Sperber, o conhecimento emprico quotidiano uma mo~alidade de conhecimento que radica em srios constrangimentos conceptuais, perceptuais, e lgicos. Porm, e isto tem implicaes profundas quan- do se trata de pensar o que a arte (e, em particular, que tipo de relaes que se estabelece entre domnios de representao diferentes, como sejam a poesia, a pin- tura, a escultura, a fotografia, etc.), a rigidez deste tipo de conhecimento cons- trangido n~o ~passve,l de ser transportada para outras formas de representao, ~nde a flexibilidade se Impe como regra (aregra de no haver regra, se quisermos). E .neste contexto que outras faculdades cognitivas se impem. Avulta a aquela que cna representaes a partir de outras representaes (numa exploso massiva de representaes sobre representaes). A faculdade meta-representacional, pois. Qual a sua importncia? II1 11'1 1111" \" 11")1 1(11)(1/111 11,1 1111' '1\11 li" I 101 0011 Ii Rationalists, wearing square hats, Think, in square rooms, Looking at the floor, Looking at the ceiling. They confine themselves To right-angled triangles. lf they tried rhomboids, Cone, waving lines, ellipses - A s for example, the ellipse of the half moon - Rationalists would wear sombreros. manentemente, deslocando-se, sem cessar, para um lugar que tendemos a qualificar dl' misterioso (qualificao que a nica resposta consistente que podemos encontrar). Uma representao instala-se assim sobre outra numa espcie de progresso infinita, sempre inacabada, que, a sermos rigorosos, dispensa tambm o qualificativo de rnis trio, pois no vacila perante a sua irracionalidade, correndo, antes, para ela. S uma grande paixo pela razo nos conduzir de novo arte e aos seus avatar '~. Eis um dos contnuos entre arte ecincia, mas tambm uma das suas diferenas. A cin cia, ao contrrio da arte, procede como sefosse possvel simplificar econtrolar o grand . carnaval das representaes em que se desdobra a criatividade ou aquilo que nos u- gerido por este nome. Ironicamente, tambm, esse sonho de consistncia e simetria . uma das paixes mais furiosas que conhecemos e uma das mais perturbadoras formas de irracionalidade (desabrida declinao pela simplicidade, consistncia, e controlo). Um sonho que dilacerou os modernos e que nos conduziu distopia. No sobre outra coisa (uma meta-representao, pois) uma das Six significanl landscapes de Wallace Stevens (1990 [1955]: 75), a sexta precisamente: REFERNCIAS Sperber, Dan (1992 [1982]), As Crenas Aparentemente Irracionais", in O Saber dos Antroplogos, Lisboa, Edies 70, pp. 59-96. Sperber, Dan (1996), Explaining Culture. A Naturalistic Approach, Oxford, Blackwell Publishing. Sperber, Dan e Wilson, Deirdre (2001 [1986, 1995]), Relevncia. Comunicao e Cognio, Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian. Stevens, Wallace (1990 [1955]), Collected Poems, Londres eNova lorque, Faber.