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S174 ARTIGO ARTICLE

Coesão social e integração regional: a agenda


social do MERCOSUL e os grandes desafios das
políticas sociais integradas

Social cohesion and regional integration: the


MERCOSUR social agenda and the integrationist
social policy major challenges

Sônia Miriam Draibe 1

Abstract Introdução

1 Núcleo de Estudos
In the consolidation of the Southern Cone Com- É trivial e recorrente a observação de que as polí-
de Políticas Públicas,
Universidade Estadual de mon Market (MERCOSUR), social policies are ticas sociais se encontram em estágio embrioná-
Campinas, Campinas, Brasil. still in the embryonic stage. However, since the rio nos processos constitutivos do MERCOSUL e
latter half of the 1990s there has been a speedup isto é verdade, embora desde a metade dos anos
Correspondência
S. M. Draibe in the creation of institutions dedicated to such 1990 tenham sido criadas, multiplicadas e for-
Núcleo de Estudos de policies with the Common Market’s framework. talecidas no interior do sistema as instituições
Políticas Públicas,
This article focuses on health policy and the a elas dedicadas. Ora, é sabido que pelo menos
Universidade Estadual de
Campinas. broader social policy system in order to iden- as políticas de saúde e de educação integram o
Rua São Vicente de Paula tify the reasons for the imbalance, through three núcleo estratégico dos vários processos de inte-
526, apto. 91, São Paulo, SP
movements: reconstitution of the history of the gração regional, desde os primeiros momentos
01229-010, Brasil.
smdraibe@uol.com.br institutional construction of social policies in de mera unificação aduaneira, dadas as suas es-
MERCOSUR; identification and comparison of peciais relações com as questões de circulação
the successive strategies for the formulation and de mão-de-obra e de produtos.
implementation of the social integration agenda; Como entender então, no caso do MERCOSUL,
and reflection on the current dilemmas and chal- o referido atraso e, ao mesmo tempo, o reconhe-
lenges faced by the process. According to the study, cido avanço institucional registrado na agenda
MERCOSUR operates with strategies that are dif- social da integração nos últimos anos? Atraso ou
ficult to mutually reconcile. On the institutional avanço estaria sendo medido em relação a quais
level, it follows a minimalist strategy, while on metas ou objetivos? No plano do senso comum,
the conceptual/ discursive level it adopts a maxi- plano aliás no qual mais freqüentemente são fei-
malist strategy for supranational unification of tas essas referências, trata-se de uma compara-
social policies. The fact is that it operates a mini- ção com outras áreas e campos de políticas, as
malist social policy strategy, since it fails to bring quais registram progresso bem mais acentuado,
to the field of social integration the debate and como são os casos das políticas comerciais, adu-
proposals on economic and social development aneiras, industriais, agrícolas etc. Nesse plano, o
models that could sustain the effective construc- atraso na construção das instituições da política
tion of regional social citizenship. social de integração é verdadeiro, ainda quando
os avanços recentes são levados em conta.
Health Policy; Public Policy; Economic Develop- Outro sentido, mais forte e substantivo, diz
ment respeito ao processo mesmo de construção insti-

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tucional de políticas sociais unificadas no âmbito É com preocupações dessa natureza que, nes-
do Mercado Comum. Atraso e progresso, aqui, te trabalho, examinamos a dimensão social do
estariam referidos ao quanto já se teria caminha- MERCOSUL. Na Seção O MERCOSUL Social: O
do na institucionalidade de um sistema comum Estado Atual da Questão, procedemos a um breve
de proteção social, de programas e políticas so- registro do estado-das-artes ou da situação atual
ciais integradas. da agenda social da integração, para em seguida,
Unificação das políticas sociais e, de modo na Seção O MERCOSUL Social: Observações sobre
mais ambicioso, a criação de uma cidadania so- as Incoerentes Estratégias Maximalistas e Mini-
cial comunitária, apoiada em direitos e sistemas malistas da Integração, refletir sobre as estraté-
comuns de proteção social, têm sido crescen- gias e os limites da integração social almejada,
temente propostos como horizonte e metas do segundo alguns temas selecionados.
MERCOSUL social por parte dos atores-chave
que militam no processo de sua fundação, sejam
representantes de governos dos países membros, O MERCOSUL social: o estado
sejam as organizações da sociedade civil. Nin- atual da questão
guém duvida de que, ante tais objetivos, nos en-
contramos ainda a enormes distâncias. Ao longo dos anos 90, a questão social da integra-
Mas até que ponto a suposição de tal hori- ção ampliou-se e ganhou centralidade na agenda
zonte e daquelas metas constitui o melhor ou o do MERCOSUL sob distintas perspectivas, por
mais adequado tratamento da questão social no meio de um processo de indubitável aprofunda-
âmbito da integração regional? Integrar e unificar mento do tema, ao qual não faltaram expressões
políticas e programas sociais de nenhum modo intelectuais e institucionais.
é processo simples, menos ainda fácil, que de- Tal movimento se desenvolveu através de
pendesse tão somente das vontades políticas dos dois eixos principais. De um lado, ocorreu um
governantes. Em relação a eles, é de se esperar processo de densificação institucional na esfera
que tanto agora quanto certamente no futuro social do MERCOSUL por meio da criação de no-
longínquo, atrasos e déficits se verificarão siste- vas e diversificadas instituições especificamente
maticamente, como bem mostra a experiência dedicadas à dimensão social. De outro, o amadu-
tão mais antiga da União Européia. recimento e a ampliação conceitual caracteriza-
Além de questionar a possibilidade e a facti- ram o percurso intelectual e estratégico com que
bilidade de tais objetivos, cabe perguntar se tal os temas sociais da integração vêm desde então
modo de tratamento da questão social constitui sendo tratados. Vejamos com algum detalhe o
uma boa estratégia político-institucional para desenvolvimento desses dois eixos.
alcançar os objetivos maiores de compensar os
efeitos sociais negativos da integração e, sobre- O desenvolvimento institucional
tudo, de maximizar seus benefícios no tocante da dimensão social do mercado comum
às condições sociais de vida e de trabalho dos
cidadãos dos países membros. A questão social não contou com qualquer ins-
Afinal, as posições débeis e a baixa eficácia titucionalidade própria na primeira etapa de
das políticas sociais também caracterizam inter- constituição do MERCOSUL. Com efeito, apenas
namente os países membros. Menos por déficit em 1991, por pressão das entidades sindicais e
de institucionalidade dos sistemas nacionais outras organizações da sociedade civil, agregou-
de políticas sociais, sempre presentes, como se se aos dez primeiros 10 subgrupos de trabalho
sabe, ou porque a política social ocupa, via de instituídos pelo Tratado de Assunção, o subgru-
regra, um lugar marginal ou dependente da po- po Relações Laborais, Emprego e Previdência
lítica econômica, antes por carecer ela de uma Social, referido como Subcomissão 11, protago-
maior integração com a própria política econô- nista praticamente exclusiva da dimensão social
mica. Mais que independência e autonomia, seu da integração até 1995, quando se transformou
fortalecimento parece depender do aprofunda- no Subgrupo 10 – Relações Laborais, Emprego
mento dos seus vínculos com a política econô- e Seguridade Social, abrindo espaço para a cria-
mica, em um modelo de crescimento econômico ção, em 1996, do Subgrupo de Trabalho 11 Saúde
no qual e a partir do seu próprio centro, a política (SGT 11). O tema do meio ambiente foi objeto
social opere como sistema de proteção social e de Reuniões Especializadas (REMA), entre 1993
simultaneamente como fator produtivo, isto é, e 1995, posteriormente transformadas, por de-
como alavanca do próprio crescimento. Ora, essa mandas de técnicos governamentais e de ONGs,
é uma estratégia pertinente não somente à políti- no SGT 6 2.
ca econômica, mas também e quem sabe princi- Já no período subseqüente, foram firmados
palmente, à política social. importantes marcos legais e criadas novas insti-

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tuições, especificamente voltados para os temas epidemiológica e controle sanitário com a fina-
da integração social. As principais medidas, se- lidade de promover e proteger a saúde e a vida
gundo cronología correspondente, estão citadas das pessoas e eliminar os obstáculos ao comércio
na Tabela 1 2,3,4. regional, contribuindo dessa maneira ao processo
O avanço é notório, traduzido na diversifica- de integração” 8.
ção de objetivos e funções da nova instituciona- Para o cumprimento de tais tarefas, o SGT
lidade em que se apoia hoje a dimensão social 11 Saúde foi estruturado nas seguintes comissões
do MERCOSUL, como bem mostra o competente e subcomissões: Comissão de Produtos para a
resumo da história institucional do MERCOSUL Saúde; Comissão de Vigilância Epidemiológica e
Social elaborado por Di Pietro Paolo 2. Mais ain- Controle Sanitário (de portos, aeroportos, termi-
da, vale lembrar que tal progresso e amadure- nais e pontos de fronteira); Comissão de Serviços
cimento institucional foi estimulado e acompa- de Atenção à Saúde; Subcomissão de Serviços de
nhado pela mobilização e paulatina integração Saúde; Subcomissão de Desenvolvimento e Exer-
de organizações da sociedade civil nos seus foros cício Profissional; e Subcomissão de Avaliação e
privilegiados, ampliando-se assim a participa- Uso de Tecnologia em Saúde.
ção social no espaço do mercado comum. O caso Por sua vez, a Reunião de Ministros de Saú-
setorial da política de saúde exemplifica bem tal de do MERCOSUL e Estados Associados – fórum
processo, como se vê brevemente a seguir. para discussão das macropolíticas e estratégias
para o setor saúde – define pautas negociadoras
A política de saúde no MERCOSUL baseadas em estrutura de projetos e planos co-
muns consubstanciada em diversas comissões
Também em relação à política de saúde, os avan- intergovernamentais conjuntas nos temas de:
ços institucionais foram importantes 5,6,7. Criado Políticas de Medicamentos; Programa de Vigilân-
em 1996, o SGT 11 Saúde tem por objetivo: “har- cia e Controle de Doenças Transmissíveis, Saram-
monizar as legislações dos Estados Partes referen- po, Cólera, Dengue e Febre Amarela; Controle da
tes aos bens, serviços, matérias-primas e produtos Dengue; HIV/AIDS; Saúde Sexual e Reprodutiva;
da área da saúde, os critérios para a vigilância Controle do Tabaco; Saúde e Desenvolvimento;

Tabela 1

Principais marcos legais e instituições relacionadas à integração social no MERCOSUL.

Ano Marcos legais e instituições

1995 Fórum Consultivo Econômico e Social (FCES)


1995 Rede MERCOCIDADES
1996 Sistema de Informação em Educação no MERCOSUL
1996 Criação do SGT 11 Saúde (Resolução GMC no. 151/1996)
1997 Tratado Multilateral de Seguridade Social
1997 Observatório do Mercado de Trabalho
1998 Declaração Sócio-Laboral do MERCOSUL (SGT 10)
1999 Comissão Sócio-Laboral (órgão auxiliar do Grupo MERCOSUL – GMC)
2000 Carta Social do MERCOSUL
2000 Institucionalização da reunião de ministros e autoridades de desenvolvimento social
2000 Institucionalização da reunião especializada de municípios e intendências
2000 Proposição da elaboração da agenda social da integração (Declaração de Rosário)
2001 Sistema Estatístico de Indicadores Sociais (SEIS)
2002 Grupo ad hoc de Integração Fronteiriça
2003 Proposição da elaboração do Programa de Fortalecimento do MERCOSUL Social
2003 Recomendações práticas sobre formação profissional
2004 Primeira Conferência Regional de Emprego
2004 Recomendação sobre uma Estratégia MERCOSUL para a criação de emprego
2004 Grupo de alto nível para a elaboração de uma estratégia MERCOSUL sobre crescimento do emprego
2005 Fundo Social Especial

Fonte: Elaborada com base em Di Pietro Paolo 2, Podestá 3 e Draibe 4.

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Gestão de Riscos e Redução de Vulnerabilidades; anos, o equacionamento da questão social da in-


Saúde Ambiental e do Trabalhador; Implemen- tegração, por entender que aí residem alguns dos
tação do Regulamento Sanitário Internacional; fatores que têm contribuído para o contraditório
Doação e Transplantes; Sistema de Informação processo de formação e implementação da agen-
e Comunicação em Saúde; e Banco de Preços de da social da integração.
Medicamentos do MERCOSUL.
No caso da saúde, como se vê, foram tam- Conceitos e entendimentos da dimensão
bém importantes os avanços institucionais. Os social da integração: desenvolvimentos
analistas chamam mesmo a atenção para pro- recentes
gressos na pauta negociadora, relativos ao cam-
po dos sistemas de informações e comunicação; Do ponto de vista substantivo, é inegável o ca-
da vigilância e controle de infestação por Aedes ráter mais abrangente com que se define ou se
aegypti e da transmissão do vírus do dengue; na conceitua, atualmente, a dimensão social.
luta contra a epidemia de HIV/AIDS; na gestão de Como já registramos em outro trabalho 4, o
riscos e redução de vulnerabilidades e em temas MERCOSUL não nasceu com uma agenda social
de saúde e desenvolvimento. E ainda no tocante dotada de autonomia, embora certas dimensões
às políticas integradas de saúde sexual e repro- sociais da integração tenham estado obviamente
dutiva; controle do tabaco; saúde ambiental e presentes em suas preocupações originais. Com
saúde do trabalhador; medicamentos (inclusive efeito, os temas sociais praticamente estiveram
o banco de preços); vigilância e controle de do- reduzidos, até há poucos anos, aos direitos la-
enças transmissíveis (sarampo, cólera, dengue e borais e, mais recentemente ainda, a alguns as-
febre amarela) e implementação do regulamento pectos previdenciários e de saúde, debatidos e
sanitário internacional 5,9. entendidos quase sempre, entretanto, enquanto
Mas as dificuldades são muitas e o processo componentes da agenda multilateral de comér-
de integração tem sido gradual e lento, circuns- cio, considerados na verdade como elos dos acor-
crito principalmente às questões relacionadas dos comerciais e dos processos facilitadores da
à circulação de produtos e às ações de saúde circulação dos trabalhadores. E mesmo no seu
pública de alta externalidade, tais como as de desenvolvimento posterior, foi sob o signo da
vigilância sanitária e epidemiológica 10. De certa “cláusula social” que problemas como os da proi-
maneira, permanecem abertos e em vigências, bição do trabalho infantil, do trabalho escravo ou
no campo da saúde no MERCOSUL, os mesmo o da liberdade sindical foram prioritariamente
problemas já apontados desde 1999 em docu- tratados.
mento do Ministério da Saúde: “(a) falta o livre Impulso importante ao alargamento in-
comércio de serviços – ‘Prestação de Serviços de telectual e valorativo da agenda social real do
Saúde’ e de Produtos para Saúde; (b) a área de MERCOSUL foi dado, da metade dos noventa em
livre circulação de pessoas é incipiente, aqui en- diante, pela incorporação de alguns dos temas
tra toda a questão do ‘Exercício Profissional’; (c) centrais da agenda internacional: o compromis-
a questão da Vigilância Epidemiológica e Sani- so, ou a referência da integração aos valores do
tária para prevenir e evitar a disseminação de Estado de Direito e, mais amplamente, da demo-
doenças; (d) já houve avanço no livre comércio cracia, e também a perspectiva dos direitos hu-
de bens, mas falta muito para a livre circulação manos, no quadro mais amplo de um modelo de
de bens (aqui entra as assimetrias dos sistemas de desenvolvimento econômico regional, pautado
regulamentação técnica e as medidas sanitárias pela justiça e pela eqüidade. Em outros termos,
e fitossanitárias entre os países), apesar do mui- verificou-se um processo intelectual de atualiza-
to que já foi feito numa quantidade grande de ção, ampliação e complexização do marco geral
setores, entre os quais Alimentos e Medicamen- no qual se definem hoje os objetivos da integra-
tos” 11 (p. 22). ção social.
Ou seja, de algum modo, também a política A agenda social, especificamente, registra
de saúde revela a contradição inicialmente apon- alargamento da mesma natureza. Em primeiro
tada entre o relativo avanço do processo da cons- lugar, porque o tema do emprego pareceria extra-
trução institucional e o atraso significativo em polar os limites da sua mera proteção contra os
matérias substantivas da integração. efeitos negativos da integração, avançando para
É possível examinar as raízes de tal descom- um tratamento mais amplo e sintonizado com as
passo nas idiossincrasias tanto dos Países Mem- realidades atuais dos mercados nacionais de tra-
bros quanto das próprias áreas de políticas en- balho, tão fortemente afetados pelo desemprego,
volvidas. Preferimos, neste trabalho, examinar a a baixa qualificação e as pressões da competitivi-
questão pelo ângulo mais geral dos conceitos e dade e da integração. Em segundo lugar, chama a
entendimentos que têm norteado, nos últimos atenção a força com que os temas da pobreza e da

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inclusão social comparecem no discurso oficial Ora, o que significam políticas sociais unifi-
do Mercado Comum, em matéria social. cadas, no espaço da integração regional? É ver-
Um exemplo disso pode-se tomar da Declara- dade que propostas como essas restringem-se ao
ção do Conselho do Mercado Comum (reunião de plano do discurso, com poucas ou quase nulas
junho de 2003), quando registra “... a necessida- referências a seus substratos e conteúdos. De to-
de de priorizar a dimensão social do MERCOSUL do modo, é possível supor ou identificar dois sen-
para incentivar o desenvolvimento com eqüidade tidos nesta proposição. O primeiro, menos forte,
dos Estados Partes e da região em seu conjunto, estaria referido às medidas de harmonização, en-
com ênfase naquelas medidas tendentes a pro- tre os países, de suas políticas sociais, caminho já
piciar a inclusão social e econômica dos grupos parcialmente seguido ou em curso, por exemplo
mais vulneráveis da população. Na área laboral por meio de tratados bilaterais de complementa-
(...) a necessidade de adotar medidas para erradi- ção mútua de políticas sociais, como o celebrado
car o trabalho infantil, facilitar a livre circulação entre Brasil e Argentina dois ou três anos atrás. O
de trabalhadores e incluir o tema do emprego co- exemplo mais claro é o da educação, respeito às
mo objetivo na agenda da integração” 12. medidas visando à compatibilização dos crédi-
Passo importante se dá enfim com a explici- tos, diplomas e níveis de escolaridade.
tação, no discurso de representantes de alguns O segundo sentido é mais forte, uma vez que
dos países membros, da meta de construção de supõe ou leva a supor a unificação stricto senso
uma cidadania social, do mesmo modo que a as- das políticas sociais, ou seja, uma efetiva conver-
piração de se adotar uma estratégia institucional gência das mesmas, um processo de igualação de
da integração social por meio de políticas sociais seus programas, em conteúdo, forma e mesmo
unificadas. instituições. Em certo sentido, uma verdadeira
A referência a uma cidadania supranacional, cidadania social supranacional, fundada em di-
comunitária, não é nova, e tem operado sobre- reitos sociais mínimos comuns, exigiria, para se
tudo como marco referencial da meta da livre efetivar, um tal processo unificador ou igualador
circulação das pessoas e de seus direitos. Tam- de políticas sociais.
pouco é novidade, no discurso do MERCOSUL, o A proposição se revela tão mais ambiciosa
conceito de cidadania laboral, referido ao espaço quando confrontada com o modesto avanço do
social da integração e aos mecanismos limitado- MERCOSUL social. Como já nos referimos, além
res do risco do dumping social. Entretanto, não se de acordos sobre seguridade social e direitos do
efetivou, até agora, a correspondente construção trabalho, pouco se tem caminhado, até mesmo
institucional, nem mesmo nos planos jurídico e no tocante às definições e conteúdos da agenda
legal da definição de uma normativa laboral in- social da integração.
ternacional mínima comum 13. Com efeito, reconhecendo tais insatisfató-
De maior abrangência pareceria ser o con- rios resultados, desde meados de 2002 tanto o
ceito de cidadania social e o objetivo de se pro- grupo técnico da reunião de ministros e autori-
cessar a integração social no plano de políticas dades responsáveis pelo desenvolvimento social
sociais unificadas. O conceito de cidadania so- do MERCOSUL, Bolívia e Chile quanto os chan-
cial é tributário, em alguma medida, das ban- celeres do MERCOSUL (reunidos em Montevi-
deiras mobilizadoras dos movimentos sociais e déu em fevereiro de 2003) passaram a conferir
das ONGs atuantes no plano global e orientadas alta prioridade ao desenvolvimento social, ao
por posições críticas aos processos da globaliza- combate à fome e à pobreza. E reafirmaram a
ção. Enquanto eixos de mobilização, sem dúvida necessidade de se dar corpo ao Programa de For-
guardam pertinência com o processo integrador talecimento do MERCOSUL Social, por meio de
do MERCOSUL, em especial no que diz respeito à políticas econômicas e sociais inclusivas, volta-
defesa de direitos, à redução dos impactos nega- das para a redução da pobreza e da desigualdade
tivos da integração e à ampliação da participação na região.
social por meio da incorporação das organiza- Para sua viabilização institucional, conce-
ções da sociedade civil naquele processo. bida como condição prévia da ainda indefinida
Mas seu significado pareceria extravasar esse Agenda Social, propôs-se a elaboração de uma
nível de entendimento, especialmente quando Agenda Institucional do MERCOSUL, visando aos
se vincula o conceito de cidadania social à es- seguintes objetivos: (i) explicitar a visão e os ob-
tratégia de unificação dos sistemas de políticas jetivos gerais e específicos do MERCOSUL Social,
sociais, como se verifica em alguns discursos e no contexto do processo de integração regional;
proposições. A cidadania social, neste sentido (ii) estabelecer o marco no qual se desenvolverá o
mais forte, pareceria estar referida a direitos so- Programa de Fortalecimento do MERCOSUL So-
ciais mínimos e comuns, apoiados e garantidos cial. Afirmava-se ao mesmo tempo a necessida-
por políticas sociais integradas ou unificadas. de de criação de um Fundo MERCOSUL Social,

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formado por contribuições dos países membros A leitura do processo examinado na seção an-
e associados. terior permite afirmar que o MERCOSUL trata de
Mais recentemente, outro reconhecimento e conciliar ou harmonizar duas estratégias de es-
tentativa de correção das debilidades do proces- copo ou ambição distintas. No plano das institui-
so foi o estabelecimento das comunidades fron- ções da política social da integração, opera com
teiriças como prioridade a se observar na estra- uma estratégia minimalista, de baixa efetividade,
tégia incremental de implementação da Agenda enquanto que no plano dos conceitos e objetivos
Social. Junto a esse primeiro público-alvo, bus- da integração, opera com uma estratégia maxi-
car-se-ia facilitar a documentação e a circulação malista, apontando para um nível supranacional
das pessoas e dos trabalhadores, assim como de unificação das políticas da proteção social. Ou
assegurar os direitos à assistência, à saúde e à seja, propõe o máximo em termos de conteúdo (a
seguridade social. cidadania social sob políticas sociais unificadas)
Mesmo reconhecendo nos fatos algum avan- e o mínimo de instituições (ou nenhuma, na prá-
ço, não se pode perder de vista que os resultados tica), que viabilizariam tal conteúdo.
são notoriamente modestos em matéria de inte- Por outro lado, no plano estratégico, o
gração social. MERCOSUL opera com uma estratégia maxima-
A integração social, na perspectiva das políti- lista da dimensão social, referida aos objetivos
cas e programas sociais, é sabidamente um difí- da integração, mas ao mesmo tempo, com uma
cil processo e, a este respeito, o MERCOSUL não estratégia minimalista de políticas sociais, uma
é único, como provam as dificuldades da União vez que abdica de trazer para o campo da inte-
Européia. gração social o debate e a proposição de mo-
Por isso mesmo, chama a atenção, no caso delos de desenvolvimento econômico e social
do MERCOSUL, menos o “atraso” da integração que pudessem sustentar, mais adequadamen-
social, antes o forte contraste entre uma evolu- te, um efetivo processo de constituição de uma
ção conceitual e institucional bastante favorável, cidadania social nova e coesa. Alguns dilemas
audaciosa e até mesmo relativamente exitosa, e impasses da implementação de uma efetiva
como tratamos de enfatizar, e os modestíssimos Agenda social regional repousam, a nosso ver,
resultados já alcançados na concretização da in- nas contradições dessas desencontradas estra-
tegração social. tégias e definições. É o que comentamos nas se-
Quais as principais dificuldades ou obstácu- ções seguintes.
los que estariam impedindo tal processo? Para
além dos conhecidos fatores que costumam inci- Ambiciosos objetivos assentados em frágil
dir sobre os processos de integração – os conflitos institucionalidade: dilemas institucionais
políticos e de interesses, as idiossincrasias nacio- do MERCOSUL social
nais, a força de inércia que em geral caracteriza
os câmbios institucionais – gostaríamos de tecer A estratégia minimalista, em termos institu-
algumas considerações especificamente sobre cionais, parece ser até agora uma das opções
as estratégias propostas para o avanço do movi- preferenciais do processo de integração do
mento de integração social, perguntando-nos até MERCOSUL, tanto mais visível quando com-
que ponto aí também podem ser identificados parada a outros processos, especialmente o da
obstáculos ou limites à aceleração do processo. construção da União Europa (EU). Em que me-
dida o processo se enfrenta efetivamente com
problemas de déficit institucional e até quando
O MERCOSUL social: observações sobre prevalecerá a regra dos consensos intergoverna-
as incoerentes estratégias maximalistas mentais – e não a de instituições supranacionais
e minimalistas da integração –, estes são temas que, como se sabe, dividem as
opiniões dos países, e a lógica de seu encami-
Uma agenda complexa e sobrecarregada de in- nhamento é quase que exclusivamente política.
tegração social, como pareceria ser o caso da Mas a questão guarda especial importância para
Agenda Social do MERCOSUL, exige instituições a dimensão social da integração, merecendo por
internacionais novas e suficientemente fortes isso algumas observações.
tanto para lograr seus patamares mínimos – o Do mesmo modo que em outros domí-
reconhecimento dos direitos, títulos e créditos nios da integração, o núcleo da construção do
sociais das pessoas que se movem no espaço -, MERCOSUL social gira em torno do binômio
quanto e mais ambiciosamente para criar e ga- igualdade versus distinção: as instituições da
rantir os novos direitos sociais, correspondentes integração social, constituídas no plano supra-
à nova cidadania social que se quer instituir na nacional, pautar-se-iam pela igualdade, ou seja,
região. obedeceriam à regra de não se constituírem nem

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serem percebidas como qualquer ameaça à so- pressões fiscais. Dificuldades presentes mesmo
berania dos Países Membros. quando a integração obedece a um programa
Essa é, ademais, a regra de ouro da estratégia lento e incremental de convergência das normas,
de construção institucional, apoiada no reco- prestações e benefícios.
nhecimento de que: (i) os Estados cooperantes Tal como se pode verificar na experiência da
são pressionados a todo momento por seus gru- UE, na verdade essas duas formas de ajustamen-
pos internos de interesses, que buscam ocupar to correspondem a duas estratégias diferentes de
posições vantajosas (ou protegidas) vis-à-vis redução das diferenças entre os países coope-
os grupos simétricos dos outros países; (ii) em rantes. De um lado, a estratégia da “convergên-
conseqüência, o processo de integração é ne- cia por baixo” consistiria em possibilitar que as
cessariamente conflitivo e tenso, que deve in- diferenças dos custos de mão-de-obra joguem a
sistentemente buscar estratégias convergentes favor dos países menos desenvolvidos (do sul da
de integração, e não a distinção, sob a forma da Europa, por exemplo), de forma que enriquecen-
hegemonia de uma estratégia nacional sobre as do a uma velocidade mais rápida que os outros,
outras 14. reduzam o gap de seus sistemas de proteção so-
Nesse particular, o desafio institucional é cial em relação ao dos países mais desenvolvidos
enorme. Isso porque, pelo menos em teoria, uma (do norte da Europa), a convergência se estabe-
tal estratégia de convergência supõe instituições lecendo aqui em níveis médios. De outro lado,
supranacionais fortes e ao mesmo tempo “cons- a estratégia de “convergência pelo alto” busca a
trutivas”, isto é, capazes de manejar os conflitos redução das diferenças através de mecanismos
e de garantir aos Estados cooperantes as van- redistributivos, do tipo dos fundos estruturantes
tagens da integração, evitando a configuração de desenvolvimento, promotores de uma maior
de “grupos de perdedores” que, no momento homogeneidade social 15. Seria possível pensar
seguinte, possam vetar o avanço do processo na planejada e harmônica convivência dessas
de integração 14. No caso da integração social, duas estratégias, no caso dos países do Merca-
estamos falando de instituições capazes de en- do Comum? Que tipo de instituições poderiam
frentar adequadamente pelo menos as seguin- viabilizá-las? O recém-aprovado Fundo Social
tes questões: (i) para quais níveis de proteção Especial (2005), voltado ao combate à pobreza,
devem convergir as regras, e a quais estratégias poderá cumprir as funções homogeneizadoras
de desenvolvimento sócio-econômico corres- de um fundo estruturante?
ponderiam?; (ii) com que graus de centralismo e O segundo problema, relativo à natureza polí-
de “supranacionalidade” devem e podem ser do- tico-institucional das instituições internacionais
tadas as novas instituições, e a quais estratégias da política social, tem como preocupação central
de articulação institucional corresponderiam?; a compatibilização da integração e das diversida-
(iii) em quais atores estratégicos haveriam de se des nacionais em termos dos sistemas de prote-
apoiar, de modo a reforçar sua representativida- ção social, capazes de presidir estratégias conver-
de e legitimidade internacionais e nacionais? gentes de longo prazo. O debate mais sugestivo,
A primeira questão está diretamente relacio- a esse respeito, insiste nas boas potencialidades
nada à ambição do MERCOSUL social, a de criar do arranjo federativo para viabilizar compatibili-
uma cidadania social, uma proteção social bá- zação requerida, caminho aliás seguido pela UE
sica a todos os cidadãos da região. Entretanto, por meio de um Estado que intervém essencial-
em que níveis se estabeleceria uma tal proteção mente por meio de normas globais (diretivas)
social? No nível dos sistemas de proteção social às quais se ajustam os Estados membros, pre-
menos desenvolvidos, ou ao contrário, daqueles servando suas iniciativas em relação ao “como
mais completos e abragentes, entre os países da fazer”, mas submetendo-se à ação supervisora e
região? reguladora das agências comunitárias 15,16. Ha-
Ora, sabe-se que a força da competição entre veria para o MERCOSUL um futuro institucional
os estados nacionais parece impulsionar a con- dessa natureza? As instituições supranacionais
vergência das regras e benefícios para um nível até agora criadas – o Fórum Econômico e Social
mínimo (próximo aos níveis dos países mais e outras – ao que parece carecem de formato ou
atrasados, em matéria de políticas sociais), o que capacidade para operações dessa natureza.
configuraria uma sorte de “ajustamento para Finalmente, o terceiro problema refere-se aos
baixo”, quase sempre implicando o dumping so- atores estratégicos que atuam tanto nos proces-
cial. Por outro lado, a alternativa de “ajustamento sos de construção institucional como nos espa-
para cima”, segundo o nível de proteção social ços de representação que, uma vez criados, se
dos países mais desenvolvidos, tende a enfrentar abrem à sua atuação. O que distingue instituições
dificuldades enormes, principalmente quando fracas de instituições fortes é o capital social ali
os países se encontram, como agora, sob fortes acumulado: as redes de compromisso, os valores,

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as bases de confiança e de legitimidade, as boas para tratar dos problemas centrais e não buro-
e competentes regras de ação. Dimensões que cráticos da integração.
são sobretudo resultado da mobilização social Mas pode-se pensar que os insatisfatórios
que sustentou e que poderá sustentar no futuro resultados poderiam ser superados por meio de
a mudança institucional e, mais amplamente, a melhores e mais capazes instituições? Sim e não.
construção de novas institucionalidades. Quem Obviamente é necessário e possível avançar na
são, entretanto, os atores estratégicos que podem engenharia institucional que facilitará a circu-
ser mobilizados no processo de construção das lação das pessoas na esfera regional. Mas difi-
instituições inovadoras da integração social? cilmente se logrará, por esse meio, uma efetiva
Podestá 3 já havia chamado a atenção pa- unificação de políticas sociais, no sentido forte
ra a diversidade de atores sociales envolvidos sugerido na nova gramática da integração. Nesse
na temática da integração social no âmbito do caso, mais que um atraso do MERCOSUL, quiçá
MERCOSUL: empresários e trabalhadores sindi- se trate aqui de uma inadequada ou até mesmo
calizados, desde logo, mas também segmentos equivocada estratégia. A lição internacional, a
de trabalhadores conectados com o setor infor- respeito, é ainda instigante.
mal; os colégios profissionais; as organizações Com efeito, o processo de construção da UE
de mulheres; as associações de defesa do meio mostra, com abundantes evidências, que con-
ambiente; as ONGs envolvidas com as distintas vergência ou unificação constituem processos
dimensões e áreas das políticas sociais etc. Ora, bastante factíveis e viáveis em arenas tais como
são conhecidas as dificuldades de representação as das políticas econômicas e financeiras, a polí-
dessa gama variada e fragmentada de interesses, tica aduaneira, a política comercial, o campo das
tanto no plano interno dos países como em espa- regulamentações jurídicas etc., mas se revelaram
ços como o Fórum. Afinal, quem são os represen- e ainda se revelam praticamente impossíveis no
tantes e a quem representam? Através de quais campo das políticas sociais – como registrou, ali-
mecanismos são identificados e selecionados? ás, o fracassado intento de Maastrich. Na área
Com que amplitude de temática (temas, objeti- social, onde mais se avançou – na política de se-
vos, dimensões) vão se enfrentar? guridade social – o progresso somente se mos-
Colocando o tema com cores mais fortes, trou possível quando foi também abandonada a
poder-se-ia afirmar que, ou bem o processo de estratégia de convergência forte, de modelo uni-
construção institucional conta com a mobiliza- ficado de proteção, a ênfase se deslocando para
ção social desses atores, ou as instituições criadas o campo do reconhecimento dos direitos, das
burocraticamente seguirão proliferando sob o equivalências e das transferências.
signo da fragilidade, senão da ilegitimidade. Con- E em políticas como educação e saúde, os
dições decididamente negativas para o processo limites parecem quase infranqueáveis, quase
de integração com a eqüidade que se pretende tabus, que na prática obrigam os comunitários
fazer avançar no espaço social do MERCOSUL. europeus a retirar de seus discursos ou proposi-
ções qualquer referência a convergências, mais
O centro da agenda: políticas sociais ainda a projetos de unificação. A harmonização
unificadas X modelo de desenvolvimento de políticas pareceria, então, se constituir no ob-
econômico-social jetivo-limite nas áreas de políticas dotadas de
forte institucionalidade, de amplas burocracias,
É possível unificar sistemas de políticas sociais de enraizadas tradições e culturas institucionais,
em processos de integração regional? O que ensi- enfim, de história e de características nacionais.
na a experiência internacional a respeito? É verdade que a integração social européia pro-
Tal como já nos referimos anteriormente, o grediu, mas os avanços e atrasos registrados não
reconhecido atraso do processo de integração podem ser medidos pelo metro de objetivos uni-
social do MERCOSUL está, implícita ou explici- ficadores impossíveis, e sim pelo patamar de co-
tamente, referido à distância que o separa dos erência, harmonização e intercomunicabilidade
objetivos declarados da integração – a constitui- das políticas.
ção de uma cidadania social e a unificação das Há razões mais profundas que apontam
políticas sociais. ou sugerem erros estratégicos, no caso do
É verdade que o processo de construção ins- MERCOSUL, quando localiza no centro de sua
titucional do MERCOSUL social caminhou com agenda social (real) o objetivo (inalcançável) da
relativa agilidade nos últimos cinco ou sete anos, unificação de políticas como condição da cria-
mas é verdade que não somente os resultados ção da nova cidadania social. Alcançar graus sig-
concretos da integração se mostram modestos nificativos e sustentados de coesão e bem-estar
e limitados, também suas instituições não pare- social na região – base da almejada cidadania
cem adequadamente desenhadas e capacitadas social – não se logra automaticamente pela mera

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integração burocrática de sistemas de políticas o tecido econômico, opere como uma alavanca
sociais, mesmo que isto fosse viável. Importa e tanto para o crescimento da economia quanto
muito a qualidade, o modelo de políticas sociais, e ao mesmo tempo para a promoção da maior
desde logo, e já nos referimos às variações de igualdade entre os cidadãos. Dito de outro modo,
abrangência e generosidade de sistemas de pro- tratar-se-ia de colocar no centro da Agenda So-
teção social mais ou menos desenvolvidos, entre cial do MERCOSUL um novo e virtuoso modo de
os países da região. Mas para alcançar aqueles articulação entre a política econômica e a políti-
objetivos de bem-estar social integrado, pare- ca social, em uma estratégia comum que viabili-
ce importar e mais ainda, o próprio modelo de zasse a concretização tanto de um novo modelo
desenvolvimento econômico e social dos países de desenvolvimento social quanto a própria e al-
membros, um modelo que, diferentemente do mejada integração social regional. Ao não fazê-lo
cenário atual, inclua e privilegie o progresso so- e, ao contrário, ao eleger projetos de unificação
cial nas suas próprias metas econômicas. das políticas como objetivo central, a estratégia
Além de razões de eqüidade, de igualdade, de aparentemente maximalista da Agenda Social do
coesão e inclusão social, há razões econômicas MERCOSUL revela sua verdadeira face minima-
que justificam uma tal proposição, apontando lista e institucionalmente débil, dada sua invia-
para argumentos que sublinham a importância, bilidade.
nos tempos atuais, de se criarem alternativas ou São bem conhecidas as imensas dificuldades,
modelos de desenvolvimento econômico que especialmente para nossos países, de se avançar
sejam ao mesmo tempo economicamente dinâ- na direção de um modelo de crescimento como
micos, politicamente democráticos e socialmen- o acima referido, quando as forças ainda hege-
te inclusivos 17. Em outros termos, mais que a mônicas da economia internacional globalizada
política social em si, e sua unificação, são suas impulsionam na direção contrária. Mas por isso
vinculações com a política econômica as que mesmo, além de objetivos propriamente sociais,
mais decisivamente deveriam constituir o centro há objetivos estratégicos e políticos que justifi-
nevrálgico da Agenda Social do MERCOSUL. cam buscar cada vez mais nas comunidades, nos
Do ponto de vista das políticas sociais, tra- pactos e nos acordos regionais o apoio para a
ta-se de buscar um sistema de proteção social construção de modelos alternativos e progressis-
no sentido amplo que, nas suas interações com tas de desenvolvimento econômico e social.

Resumo

As políticas sociais se encontram em estágio ainda em- opera com estratégias de difícil conciliação. No plano
brionário nos processos constitutivos do MERCOSUL. institucional, orienta-se por uma estratégia minima-
Entretanto, desde a segunda metade dos anos 1990, lista, enquanto que no plano conceitual/discursivo,
acelerou-se o processo de construção das instituições a maneja a estratégia maximalista da unificação su-
elas dedicadas no interior do sistema institucional do pranacional das políticas sociais. O fato é que opera
mercado comum. Tendo por foco a política de saúde e uma estratégia minimalista de políticas sociais, uma
mais amplamente o sistema de políticas sociais, o ar- vez que abdica de trazer para o campo da integração
tigo rastreia as razões do desequilíbrio através de três social o debate e a proposição de modelos de desen-
movimentos: a reconstituição da trajetória de constru- volvimento econômico e social que possam sustentar
ção institucional do MERCOSUL social; a identifica- o processo efetivo de constituição da cidadania social
ção e confronto das sucessivas estratégias de formula- regional.
ção e implantação da agenda social da integração; e
a reflexão sobre os dilemas e desafios que hoje cercam Política de Saúde; Política Social; Desenvolvimento
o tema. O estudo permite afirmar que o MERCOSUL Econômico

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Aprovado em 06/Jun/2007

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