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ARTIGO ARTICLE 1429

Avaliação da assistência farmacêutica


às pessoas vivendo com HIV/AIDS no
Município do Rio de Janeiro

Evaluating pharmaceutical services for people


Maria Auxiliadora Oliveira 1
living with HIV/AIDS in the city of Rio de Janeiro
Ângela Fernandes Soares do Couto Esher 1

Elizabeth Moreira dos Santos 2


Marly Aparecida Elias Cosendey 1
Vera Lucia Luiza 1,3
Jorge A. Z. Bermudez 1

1 Núcleo de Assistência Abstract This study evaluates access by people living with HIV/AIDS to pharmaceutical care
Farmacêutica, Departamento
provided by public health care facilities in the city of Rio de Janeiro, Brazil, focusing on avail-
de Ciências Biológicas, Escola
Nacional de Saúde Pública, ability, accessibility, and accommodation. The evaluation was conducted using the implementa-
Fundação Oswaldo Cruz. tion analysis approach, assessing the process of producing intervention outcomes, considering
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
its relationship to the organizational context. A case study was performed in 11 public health fa-
Rio de Janeiro, RJ
210421-210, Brasil. cilities selected according to: different health program areas; diverse levels of complexity; and
dora@ensp.fiocruz.br more than 100 HIV/AIDS patients registered. The degree of implementation (89%) was consid-
aesher@ensp.fiocruz.br
ered acceptable. Problems with human resources skills and lack of a quality program were iden-
vera@ensp.fiocruz.br
bermudez@ensp.fiocruz.br tified. Some limitations of the indicators are discussed. Finally, the study highlights the impor-
2 Departamento de Endemias
tance of this kind of evaluation as a methodology for continuous monitoring of quality in phar-
Samuel Pessoa, Escola
Nacional de Saúde Pública,
maceutical care.
Fundação Oswaldo Cruz. Key words HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Sexually Transmitted Diseases
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
Rio de Janeiro, RJ
21041-210, Brasil.
Resumo Este estudo tem como objetivo avaliar o acesso à assistência farmacêutica, prestada
bmoreira@ensp.fiocruz.br aos portadores do HIV/AIDS, em serviços da rede pública de saúde no Município do Rio de Janei-
3 Centro de Pesquisa
ro, Brasil, focalizando aspectos relacionados às dimensões: disponibilidade, oportunidade e ade-
Hospital Evandro Chagas,
Fundação Oswaldo Cruz. quação dos recursos. A estratégia utilizada foi a análise de implantação, que permite avaliar os
Av. Brasil 4365, processos envolvidos na produção dos efeitos esperados para uma intervenção, e sua relação com
Rio de Janeiro, RJ
o contexto organizacional. Foi realizado um estudo de caso em onze serviços públicos de saúde,
21045-900, Brasil.
selecionados segundo: representação das diferentes áreas programáticas, nível de complexidade
e atenção a mais de cem portadores de HIV/AIDS. O grau de implantação do programa (89%) foi
considerado aceitável. Contudo, foram identificadas deficiências, que podem ser contornadas
com treinamento do pessoal envolvido no processo, e com a adoção de um programa da qualida-
de. São também discutidas algumas limitações dos indicadores utilizados. Concluindo, ressalta-
se a importância desse tipo de avaliação, como metodologia que permite o monitoramento para
a melhoria contínua da qualidade da assistência farmacêutica.
Palavras-chave HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Doenças Sexualmente Trans-
missíveis

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Introdução No país, cerca de 90 mil pessoas vivendo


com HIV e AIDS recebem os medicamentos
O acesso das pessoas vivendo com HIV e AIDS ARV na rede pública de saúde. Com gastos cres-
a uma assistência farmacêutica de qualidade centes devido ao incremento do número de pa-
representa um dos maiores desafios para os cientes em tratamento, ao aumento da propor-
sistemas de saúde, principalmente nos países ção de pessoas utilizando terapias mais com-
subdesenvolvidos. O ritmo acelerado da ex- plexas e à atualização das recomendações pa-
pansão da epidemia nos países pobres tem ra a terapia, o Governo Federal despendeu na
acarretado uma crescente demanda por cuida- compra de medicamentos ARV e outros desti-
dos médicos, incluindo o uso de medicamentos nados às principais doenças oportunísticas
anti-retrovirais (ARV ), o que impõe aos gover- cerca de US$ 34 milhões em 1996, US$ 224 mi-
nantes a necessidade premente de buscar solu- lhões em 1997, US$ 305 milhões em 1998, US$
ções economicamente viáveis para a questão. 335 milhões em 1999 e US$ 303 milhões em
A escassez de recursos financeiros, o alto 2000. Em relação ao orçamento do MS, a aqui-
custo dos medicamentos, os reduzidos investi- sição dos medicamentos para a AIDS corres-
mentos em P&D das indústrias nacionais, o pondeu a 0,24% em 1996, 1,18% em 1997, 1,82%
impacto da proteção de patentes de medica- em 1998, 3,18% em 1999 e estava estimada em
mentos, estabelecida no acordo Trade Related 3% no ano 2000 (MS, 2000, 2001). O acesso uni-
Aspects of Intellectual Rights (TRIPS), da Orga- versal à terapia ARV, associado ao uso mais di-
nização Mundial do Comércio, a necessidade fundido de quimioprofilaxia para infecções
de profissionais de saúde treinados são fatores oportunísticas e a oferta de outros tipos de as-
que, na maioria das vezes, inviabilizam ou difi- sistência, têm possibilitado a redução das in-
cultam o acesso a medicamentos essenciais ternações hospitalares e dos óbitos por AIDS
(Bermudez et al., 2000). no Brasil (MS, 2000). Fonseca & Barreira (2001)
No Brasil, país que possui um programa na- evidenciaram uma diminuição importante na
cional de controle da infecção pelo HIV/AIDS taxa média de crescimento anual da mortalida-
considerado como um modelo para o mundo, de por AIDS no Brasil, no período de 1995-1999
muitas questões estão na ordem do dia, incluin- (-12,54%), em ambos os sexos, mesmo em re-
do a qualidade da assistência farmacêutica. giões onde a epidemia apresentou crescimento
Em 1991, o Ministério da Saúde (MS) imple- significativo nos coeficientes de incidência, co-
mentou uma política de distribuição de medi- mo é caso do Nordeste, onde a queda da taxa
camentos ARV e para infecções oportunísticas. média de mortalidade foi de 7,09%.
Até o ano de 1996, havia irregularidade cons- No Estado do Rio de Janeiro, no mesmo pe-
tante no fornecimento desses medicamentos, ríodo houve uma redução de 48% no número
o que prejudicava a rotina do tratamento da de óbitos por AIDS (MS, 2000). Segundo Lauria
maioria das pessoas vivendo com AIDS. A in- et al. (2000) pode-se observar queda tanto no
suficiência e instabilidade na oferta dos pou- número absoluto de óbitos quanto na letalida-
cos anti-retrovirais disponíveis no mercado, e de por AIDS. Adicionalmente, a partir de 1996,
dos demais medicamentos para o tratamento ano em que foi iniciada a distribuição dos ini-
das infecções oportunísticas, foram os pontos bidores de protease em toda a rede municipal
marcantes de uma assistência farmacêutica de saúde, observa-se um aumento da sobrevi-
desprovida de logística eficiente, que onerava da dos portadores do HIV e AIDS.
estados e municípios (MS, 1999a, 1999b). Segundo a Portaria 176/GM de 8 de março
Em 13 de novembro de 1996, foi sanciona- de 1999 (Brasil, 1999), fica sob responsabilida-
da a Lei 9.313, que garante aos portadores do de do MS a aquisição e distribuição dos medi-
vírus HIV e AIDS o direito de receber gratuita- camentos relativos aos Programas Nacionais de
mente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), to- AIDS (ARV ), Tisiologia, Hanseníase, Sangue e
dos os medicamentos necessários ao seu trata- Hemoderivados (Fator VIII, Fator IX, Complexo
mento (Brasil, 1996). Essa lei, além de servir co- Protrombínico e DDAVP), Diabetes (Insulina) e
mo um instrumento legal para reivindicação Controle de Endemias. A oferta dos medicamen-
de direitos, marca o início de grandes mudan- tos para o tratamento de doenças oportunísticas
ças no âmbito da política de assistência far- em decorrência da infecção pelo HIV fica a cargo
macêutica aos portadores de HIV/AIDS. Nesse das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
sentido, foi necessário formular e implementar Com a particularidade de ser o único muni-
um sistema logístico de medicamentos envol- cípio do país a receber diretamente do MS os
vendo as três esferas de governo, que inclui se- ARV, o Município do Rio de Janeiro estabeleceu
leção, programação, aquisição, distribuição e uma logística própria para a dispensação de
uso racional. medicamentos a 14.746 pessoas acompanha-

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ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ÀS PESSOAS COM HIV/AIDS 1431

das nos ambulatórios de 53 unidades, vincula- de fluxo ascendente. O processo de distribui-


das a diferentes níveis de gestão: municipal ção é parcialmente descentralizado, podendo
(30), federal (6), estadual (5), universitário (4), dar-se entre almoxarifados públicos ou direta-
filantrópico (4) e militar (4) (SMS, 2000). mente do produtor aos almoxarifados estaduais
Com vistas a fornecer subsídios para o apri- e municipal (MS, 2000).
moramento contínuo e, se necessário, a reo- Ressalta-se que a Coordenação Nacional
rientação dos esforços empreendidos pelo Pro- de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS
grama, este trabalho tem como objetivo avaliar (CN-DST/AIDS), está desenvolvendo um siste-
o acesso à assistência farmacêutica prestada às ma informatizado, o SICLOM (Sistema Logísti-
pessoas vivendo com HIV/AIDS em serviços da co de Controle de Medicamentos) que permite
rede pública de saúde no município do Rio de o controle do fluxo de dados e do estoque, for-
Janeiro, focalizando aspectos relacionados às necendo ainda uma série de informações ad-
dimensões de disponibilidade, oportunidade e ministrativas e outras relacionadas ao perfil
adequação dos recursos (Penchansky & Tho- clínico e demográfico da clientela atendida. No
mas, 1981). A estratégia utilizada foi a análise entanto, no momento da avaliação, tal sistema
de implantação, que permite avaliar os proces- ainda não se encontrava em funcionamento
sos envolvidos na produção dos efeitos espera- em nenhuma das unidades visitadas.
dos para uma intervenção, neste caso, a assis-
tência farmacêutica, em sua relação com o con- Avaliação
texto organizacional.
Dentre as definições existentes para avaliação,
neste trabalho, optou-se por aquela proposta
Abordagens conceituais por Contandriopoulos et al. (1997:31): “um jul-
gamento de valor a respeito de uma intervenção
Assistência farmacêutica ou sobre qualquer um de seus componentes,
com o objetivo de ajudar na tomada de decisões”.
O conceito de assistência farmacêutica adota- Nesta abordagem, a avaliação pretende forne-
do neste trabalho é aquele definido pela Políti- cer informações úteis tanto para responder a
ca Nacional de Medicamentos como: “O grupo problemas enfrentados por gestores, como tam-
de atividades relacionadas com o medicamento bém para a subsidiar os processos de formula-
destinadas a apoiar as ações de saúde deman- ção, implementação e reorientação de políticas.
dadas por uma comunidade. Envolve o abaste- Uma avaliação deve ser sensível aos con-
cimento de medicamentos em todas e em cada textos político e organizacional, e não pode ne-
uma de suas etapas constitutivas, a conservação gligenciar o que foi planejado e executado (os
e o controle de qualidade, a segurança e a eficá- efeitos planejados e os não intencionais). Além
cia terapêutica dos medicamentos, o acompa- disso, ela deve explicitar a orientação teórica
nhamento e a avaliação da utilização, a obten- que a sustenta. A ausência de uma orientação
ção e a difusão de informação sobre medica- teórica em um modelo de avaliação, pode re-
mentos e a educação permanente dos profissio- sultar em avaliações do tipo “caixa preta”, as
nais de saúde, do paciente e da comunidade pa- quais são utilizadas geralmente para analisar
ra assegurar o uso racional de medicamentos” os efeitos produzidos por uma determinada in-
(MS, 1999c:34). tervenção (Chen, 1990). As avaliações do tipo
Nessa perspectiva, o estabelecimento de “caixa preta”, caracterizam-se por um foco
uma política nacional de tratamento para pes- principal na relação global entre os recursos
soas vivendo com HIV/AIDS, deve contemplar investidos e os resultados obtidos, sem se preo-
todo o conjunto de aspectos compreendidos cupar com as transformações ocorridas no de-
no conceito de assistência farmacêutica. correr da intervenção. A mera análise dos efei-
Segundo o documento Política de Medica- tos geralmente estreita os objetivos de um pro-
mentos de AIDS do Ministério da Saúde/Brasil, grama, desconsiderando a reflexão sobre a pers-
a seleção dos medicamentos, a definição de es- pectiva dos vários executores e dos diversos
quemas terapêuticos, assim como dos critérios meios e contexto de implantação.
clínicos e laboratoriais norteadores do trata- A concepção de intervenção é aqui enten-
mento são estabelecidos pelo MS, por meio de dida como “um conjunto dos meios (físicos, hu-
comitês assessores, constituídos por especia- manos, financeiros, simbólicos) organizados em
listas. No Sistema Logístico de Medicamentos um contexto específico, em um dado momento,
Anti-retrovirais, tanto a programação quanto a para produzir bens ou serviços com o objetivo
aquisição de medicamentos são realizadas pe- de modificar uma situação problemática” (Con-
lo MS, com base em um sistema de informação tandriopoulos et al., 1997:31).

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Contandriopoulos et al. (1997) destacam • oportunidade (accessibility), refere-se à exis-


dois tipos de avaliação para uma intervenção: tência dos serviços no lugar e no momento em
avaliação normativa e pesquisa avaliativa. Na que é requerido pelos clientes;
avaliação normativa julga-se cada componen- • adequação (accomodation), é a maneira co-
te da intervenção em relação a normas e crité- mo os recursos são organizados para seu for-
rios existentes. Na pesquisa avaliativa é feito necimento e a habilidade dos clientes para se
um julgamento ex-post, utilizando procedimen- adaptar;
to científico para avaliar as relações estabeleci- • poder aquisitivo (affordability), relaciona-
das entre os diferentes componentes da inter- se ao aspecto do custo, os preços dos serviços e
venção. A pesquisa avaliativa pode ser com- à capacidade de pagamento dos clientes;
posta por seis tipos de análise: (a) análise es- • aceitabilidade (acceptability), refere-se às
tratégica, (b) análise da intervenção, (c) análise atitudes tanto de provedores quanto dos clien-
da produtividade, (d) análise dos efeitos, (e) tes a respeito de suas caraterísticas e práticas.
análise do rendimento e (f ) análise da implan- Adotamos como definição de acesso a medi-
tação (Contandriopoulos et al., 1997). camentos essenciais, aquela proposta por Ber-
A análise da implantação é importante para mudez et al. (1999:13), que, baseado nas conside-
avaliar intervenções complexas e compostas rações anteriores, a propõe como uma “relação
por elementos seqüenciais, sobre os quais o entre a necessidade de medicamentos e a oferta
contexto pode interagir de diferentes modos. dos mesmos, na qual essa necessidade é satisfei-
Essa análise especifica o conjunto de fatores ta no momento e no lugar requerido pelo pacien-
que influenciam os resultados obtidos após a te (consumidor), com a garantia de qualidade e
implementação de uma dada intervenção. Des- a informação suficiente para o uso adequado”.
sa forma, a análise da implantação relaciona- O acesso aos medicamentos ARV é entendi-
se diretamente à capacidade de utilizar os re- do como efeito esperado da assistência farma-
sultados das pesquisas avaliativas para tomar cêutica aos portadores do HIV/AIDS, embora,
decisões sobre generalização de uma interven- neste trabalho, as suas dimensões de disponibi-
ção em outros meios. lidade, oportunidade e adequação tenham sido
utilizadas apenas para orientar a escolha e ava-
Acesso a medicamentos liação dos componentes do programa de medi-
camentos no nível local, isto é, nas unidades pú-
O acesso eqüitativo aos serviços e produtos de blicas de saúde do Município do Rio de Janeiro.
saúde, tem sido colocado como um dos princi-
pais objetivos da política de saúde nos diferen-
tes países, tendo como estratégias fundamen- Material e métodos
tais, por um lado, o aumento da capacidade
aquisitiva – sendo um exemplo a política de ge- O estudo foi realizado em duas fases. Inicial-
néricos – e o conhecimento técnico do consu- mente, realizou-se uma pesquisa documental
midor; por outro, o aumento da disponibilida- e bibliográfica para a construção do modelo
de, aliado à melhor organização dos recursos teórico de avaliação, baseado na proposição de
médicos e dos serviços existentes. Cosendey (2000) (Figura 1). Para isso, foi elabo-
A despeito do conceito de acesso geralmen- rada uma descrição detalhada da assistência
te ser entendido como sinônimo de disponibi- farmacêutica aos portadores do HIV no muni-
lidade de serviços e recursos de saúde, deve-se cípio do Rio de Janeiro, objetivando a compre-
considerar também, a importância de que es- ensão de cada um dos componentes do pro-
tes estejam disponíveis no momento e lugar grama nos níveis central, regional e local. Essas
que o paciente necessita, e que a forma de in- informações foram reorganizadas, tendo como
gresso no sistema seja clara (Aday & Andersen, referências o sistema logístico proposto pela
1974). Esses autores são categóricos ao defen- CN-DST/AIDS (MS, 2000), os conceitos de es-
der que a prova do acesso consiste na utilização trutura e processo (Donabedian, 1986) e os cri-
de um serviço e não, simplesmente, na existên- térios de avaliação relativos às dimensões de
cia do mesmo. acesso selecionadas – disponibilidade, oportu-
Penchansky & Thomas (1981:128) definem nidade e adequação (Penchansky & Thomas,
acesso como o “grau de ajuste entre os clientes e 1981). Esse modelo orientou a escolha dos in-
o sistema” que estaria representado nas se- dicadores (Tabela 1) e a elaboração dos instru-
guintes dimensões: mentos de coleta de dados.
• disponibilidade (availability), relaciona-se Na segunda etapa, foi realizado um estudo
com o volume e o tipo de recursos e serviços de caso no Município do Rio de Janeiro. As uni-
oferecidos, e com as necessidades dos clientes; dades de observação selecionadas foram onze

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ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ÀS PESSOAS COM HIV/AIDS 1433

Figura 1

Modelo teórico de avaliação da assistência farmacêutica. Estrutura e processo.

Nível desencadea-
Nível central Nível regional Nível local
dor do processo

Disponibilidade
Critérios de
Oportunidade
avaliação
Adequação

Controle da
Componentes Seleção Programação Aquisição* Distribuição* Estocagem*
v

utilização*

Definir a relação
de medicamentos
Distribuir os Assegurar a qua- Assegurar a pres-
anti-retrovirais Definir quantida-
medicamentos lidade dos medi- crição e dispen-
bem como as nor- de e especifica- Adquirir os
Objetivos de segundo progra- camentos através sação adequadas
mas de utilização, ções técnicas dos medicamentos
implementação mação, em con- de condições junto aos prescri-
com base nas re- medicamentos a anti-retrovirais
dições de trans- adequadas de tores, dispensado-
comendações do serem adquiridos
porte adequadas estocagem res e à população
Comitê Assessor
(CONSENSO).

v v v v v
Controle de
Regularidade Prescrição e
Relação de Programação estoque que
v v

na entrega de dispensação
Produto medicamentos semestral de subsidie a pro-
medicamentos adequadas dos
anti-retrovirais medicamentos gramação de
de qualidade medicamentos
forma eficaz

v v v v v v
Adequação ao Adesão às boas
conhecimento Liberação de re- práticas de esto- Utilização compa-
Indicadores Disponibilidade oportuna de medica-
científico e aos cursos financeiros cagem, eficácia tível com critérios
de resultado mentos de qualidade no nível local
critérios clínicos para aquisição do controle de de racionalidade
e epidemiológicos estoque

v v v v v
Permitir o acesso dos portadores de HIV/AIDS aos anti-retrovirais, a continuidade do tratamento
Impacto
e a melhoria na qualidade de vida (menos infecções oportunistas, menos interações e menos óbitos)

* Componentes do programa avaliados no nível local.

serviços públicos de saúde. Nessa seleção, pro- tificar os processos envolvidos na produção
curou-se contemplar áreas programáticas que dos efeitos de uma intervenção, ou seja, espe-
apresentassem diferentes extratos sócio-eco- cifica o conjunto de fatores que influenciam os
nômicos e unidades de saúde de complexidade resultados obtidos após a introdução da mes-
diferenciada (um Hospital Geral, nove Centros ma, relacionando componentes internos com
de Saúde, um Hospital Universitário), localiza- o contexto onde é implantada. Assim, mede a
dos nas áreas programáticas 1, 2, 3, 4 e 5. Além influência da variação do grau de implantação
disso, adotou-se como critério de inclusão no es- da intervenção nos efeitos observados (Denis
tudo, o fato da Unidade de Saúde possuir mais & Champagne, 1997).
de cem pacientes inscritos no programa de dis- Os instrumentos construídos para a coleta
tribuição de ARV. de dados do projeto foram: (1) questionário es-
A metodologia de avaliação privilegiada foi truturado com perguntas fechadas e abertas,
a análise de implantação, que se propõe a iden- (2) formulário para contagem física de medica-

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Tabela 1

Indicadores utilizados.

Componente Denominação Definição Método de cálculo Padrão


do programa

Estocagem
B Estrutura

B1 Porcentagem de critérios de Adequação do local de armazenagem Número de itens de BPE observados 100%
BPE observadas em relação à destinado à guarda dos medicamentos dividido pelo número total de itens
área de armazenagem. ARV nas unidades dispensadoras. de BPE analisados (x 100).
Para o cálculo deste indicador foram
estabelecidos critérios de BPE e, a
partir daí, calculada a porcentagem
de BPE observadas.

Aquisição/
Distribuição
C Processo

C1 Porcentagem média de Um medicamento é considerado 1) Dividir o número de medicamentos 95%


medicamentos disponíveis em disponível se, ao menos uma unidade em estoque pelo número total de
estoque. do produto, dentro do prazo de medicamentos ARV programados para
validade, encontra-se em estoque. a unidade (x 100);
Para o cálculo deste indicador foram 2) Somar as porcentagens obtidas para
contabilizados os medicamentos ARV cada unidade de saúde e dividir pelo
encontrados no almoxarifado e na número total de unidades de saúde
farmácia. Esse número foi comparado examinadas.
com a quantidade mensal de ARV
fornecida à unidade de cuidado. Essa
quantidade mensal foi considerada
expressão da necessidade da unidade
de saúde no período.

Estocagem
C2 Porcentagem de medicamentos Porcentagem de medicamentos com Número de princípios ativos com prazo 0%
com prazo de validade vencido. prazo de validade vencido, em relação de validade vencido sobre o número total
ao total de medicamentos estocados. de princípios ativos estocados (x 100).

C3 Porcentagem média ponderada Porcentagem média ponderada de 1) Somar o número total de unidades 5%
de variação no inventário para variação no inventário é a diferença da para cada produto como demonstrado
os medicamentos estocados. porcentagem média ponderada entre no registro;
os níveis de estoque registrados e a 2) Somar o número total de unidades
contagem física real. verificada por contagem física;
3) Subtrair a contagem física da
quantidade registrada, retirando o sinal
negativo, criando um valor absoluto;
4) Dividir o resultado obtido
anteriormente, pela contagem física
e multiplicar este quociente por 100.

C4 Porcentagem média do registro Porcentagem média dos medicamentos Dividir contagem física pelo número 100% ± 5
do estoque que corresponde em estoque, cuja contagem física total de registros examinados e,
à contagem física para os insere-se em uma faixa de variação multiplicar este resultado por 100.
medicamentos ARV em estoque. entre 95 e 105%, em relação aos
registros no inventário.

(continua)

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ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ÀS PESSOAS COM HIV/AIDS 1435

Tabela 1 (continuação)

Componente Denominação Definição Método de cálculo Padrão


do programa

Dispensação
D1 Porcentagem de adequação Porcentagem de critérios de BPD Número de itens de BPD observados 100%
às BPD. observados. Adequação aos padrões dividido pelo número total de itens de
estabelecidos pela gerência de DST/AIDS BPD analisados (x 100).
do Município do Rio de Janeiro, para a
dispensação dos medicamentos ARV.

D2 Porcentagem de prescrições Porcentagem de prescrições classificadas Número de prescrições de acordo com 100%
adequadas às RTARV-AA de como aceitáveis segundo as RTARV-AA a categoria “aceitáveis” dividido pelo
1999/MS. de 1999/MS. Nestes documentos número total de prescrições analizadas
as combinações de tratamento são (x 100)
classificadas como aceitáveis, não
aceitáveis e de resgate. Neste trabalho,
foram consideradas adequadas as
combinações classificadas como
aceitáveis, a partir da análise da
combinação ARV escrita nas prescrições
médicas, não considerando, portanto,
na análise, dados clínicos ou laboratoriais
dos pacientes.

Fonte: MSH/WHO (1997); RPM (1995); WHO (1993).


Legenda: BPE = Boas práticas de estocagem; ARV = Anti-retrovirais; BPD = Boas práticas de Dispensação;
RTARV-AA = Recomendações para terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV – 1999.

mentos anti-retrovirais em estoque, (3) lista de Utilizou-se para a classificação do grau de


verificação para orientar a observação de as- implantação os seguintes pontos de corte (Co-
pectos importantes da dispensação e (4) for- sendey, 2000; Hartz et al., 1997; Ojeda, 1992;
mulário para transcrição das receitas ambula- OPAS/OMS, 1987):
toriais. Os dados referentes às receitas médicas • aceitável: para o grau de implantação maior
serão analisados em outro trabalho. ou igual a 80%;
Foi elaborado um banco de dados que pos- • insatisfatório: para o grau de implantação
sibilitou o cálculo dos indicadores estabeleci- entre 40 e 79%;
dos (Tabela 1) e do grau de implantação do Pro- • crítico: para o grau de implantação menor
grama. ou igual a 39%.
Os componentes estocagem e controle de uti-
lização (Tabela 1), foram representados por in-
dicadores específicos. Porém, as dimensões de Resultados e discussão
aquisição e distribuição foram avaliadas utili-
zando-se o critério de disponibilidade dos me- Indicadores de processo:
dicamentos no nível local. Dessa forma, um úni- aquisição e distribuição, estocagem
co critério estava representando duas dimen- e controle de utilização
sões, motivo pelo qual optou-se por atribuir
ponderação diferenciada aos diferentes com- O indicador de processo, utilizado para análise
ponentes do Programa, como descrito a seguir: do componente de aquisição e distribuição foi
• estocagem: peso 1; a porcentagem média de medicamentos dispo-
• dispensação: peso 1; níveis em estoque (C1), que em nove das dez
• aquisição/distribuição: peso 2. unidades visitadas (uma não tinha registro de
Para a determinação do grau de implanta- estoque), foi de 95%. Esse indicador apresen-
ção do Programa, foi utilizado o modelo cons- tou uma limitação na sua interpretação. No
truído e validado por Cosendey (2000), em um momento da visita, todos os frascos de deter-
estudo recente que avaliou a implantação do minadas formulações farmacêuticas já pode-
Programa de Farmácia Básica. Esse modelo riam ter sido dispensados, fazendo com que
permitiu contemplar as dimensões propostas eles não estivessem disponíveis no almoxarifa-
no presente projeto, para avaliar o acesso à as- do ou na farmácia. O controle desse compo-
sistência farmacêutica de pessoas vivendo com nente, que poderia ter sido realizado padroni-
HIV e AIDS. zando-se o momento da coleta em relação ao

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1436 OLIVEIRA, M. A. et al.

momento de abastecimento da unidade, não para avaliação da quantidade de medicamen-


ocorreu. Esse é um aspecto interessante a ser tos anti-retrovirais necessária por mês, (2) Fre-
considerado em estudos posteriores que utili- qüência de preenchimento do formulário, (3)
zem esse indicador, e incluam dimensões refe- Período de envio do formulário, (4) Formas de
rentes à qualidade do programa. utilização do formulário, (5) Fluxo correto de
Os resultados referentes aos indicadores de envio do formulário, (6) Disponibilidade de
processo, utilizados para avaliação do compo- medicamentos para aqueles que necessitam
nente estocagem são apresentados e discuti- iniciar o tratamento imediatamente e (7) Dis-
dos a seguir. ponibilidade de medicamentos para aqueles
a) A porcentagem de medicamentos com prazo que necessitam trocar o esquema terapêutico
de validade vencido (C2) foi de 2,9%. Informa- imediatamente. A porcentagem obtida a partir
ções obtidas nas entrevistas, demonstraram dos dados coletados em entrevistas com os res-
que esse porcentual revela muito pouco da di- ponsáveis por esta atividade, foi de 77,3%. A
nâmica das relações entre a unidade local e o observação local revelou um quadro ainda me-
almoxarifado de apoio logístico (S/Cincal). Es- nos favorável, pois algumas respostas afirmati-
se setor só aceitava devolução de medicamen- vas não foram confirmadas, como por exem-
tos, cujo prazo de validade fosse superior a seis plo, a orientação ao paciente no momento da
meses. No entanto, o mesmo, eventualmente, dispensação, que não foi constatada em nenhu-
distribuía medicamentos com prazo de valida- ma das unidades visitadas. O argumento mais
de menor que seis meses para as unidades de freqüente para a pouca ou nenhuma orienta-
saúde, ficando estas impedidas de realizar o es- ção ao paciente no momento da dispensação
torno pela regra anterior. A outra alternativa foi a possível exposição do indivíduo, que po-
para evitar que o prazo de validade dos medi- deria vir a ser identificado na fila como porta-
camentos expirasse, seria o remanejamento pa- dor do HIV. A orientação ao paciente fica, se-
ra uma unidade próxima o que, em geral não gundo esses profissionais, sob responsabilida-
ocorreu, pois na maioria das vezes, as diferen- de exclusiva dos médicos durante as consultas.
tes unidades dispunham do mesmo lote do me- Em muitos serviços, foram encontrados fun-
dicamento. cionários administrativos, desviados de função
Em algumas unidades não se teve acesso à e sem qualquer formação específica, dispen-
totalidade dos medicamentos vencidos, pois os sando medicamentos para os clientes do Pro-
mesmos estavam estocados em salas não aces- grama de AIDS.
síveis. Uma unidade relatou ter meios para Considerando a importância da orientação
destruir seus medicamentos vencidos, em inci- ao paciente no ato da dispensação, deve-se bus-
neradores; outra ainda relatou que “picota seus car alternativas que permitam viabilizá-la pre-
comprimidos vencidos” e “despeja as soluções servando a privacidade do paciente, pois se por
na pia”. Esse procedimento expõe o operador e um lado, esse momento é extremamente im-
o ambiente a riscos de contaminação, sendo portante para complementar as informações
um método inadequado. fornecidas pelo médico, por outro, é visível o
b) A porcentagem média ponderada de varia- constrangimento daqueles que estão na fila
ção no inventário para os medicamentos esto- para receber os medicamentos anti-retrovirais.
cados (C3), foi de 12,4%, mostrando uma defi- Os vários frascos, grandes ou pequenos, são re-
ciência no sistema de registro dos medicamen- cebidos pelos usuários em sacos plásticos com
tos em estoque. Observou-se ainda, que uma cores (não-transparentes), fornecidos por eles
das unidades não possuía registro de estoque. próprios ou pela farmácia, sendo ilustrativo
c) A porcentagem média do registro do estoque dessa situação.
que corresponde à contagem física para os me- O atendimento às receitas de origem da re-
dicamentos anti-retrovirais em estoque (C4),de- de privada é um procedimento que se dá de
monstrou que todas as unidades visitadas en- forma diferenciada entre as unidades. Foram
contravam-se fora da variação recomendada, encontradas unidades que não atendem essas
sendo que seis delas se situavam na faixa de 0 a receitas, outras que obrigam o cliente a passar
30%, ou seja, valores considerados muito bai- pelo médico da unidade para que este trans-
xos, sugerindo um controle de estoque ineficaz. creva a receita, outras atendem receitas de mé-
Em relação à avaliação do componente de dicos cadastrados na unidade. Entretanto, to-
controle da utilização, um dos indicadores de das exigem o cadastramento do cliente no pro-
processo utilizados foi a porcentagem de ade- grama de AIDS da unidade, conforme o preco-
quação às boas práticas de dispensação (D1), nizado.
que envolveu sete descritores: (1) Presença de É importante ressaltar que, os anti-retrovi-
formulário da Secretaria Municipal de Saúde rais não foram objeto de controle especial na

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1429-1439, set-out, 2002


ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA ÀS PESSOAS COM HIV/AIDS 1437

maioria das unidades, mesmo fazendo parte do rapia Anti-retroviral em Adultos e Adolescentes
elenco de medicamentos sujeitos a controle es- infectados pelo HIV (RTARV-AA) de 1999/MS
pecial, conforme a Portaria no 344 (Brasil, 1998). (D2), que foi de 91%.
Muitos dos problemas encontrados nas far-
mácias das unidades, foram justificados pelas Indicador de estrutura: estocagem
constantes mudanças de coordenadores ou ge-
rentes. Profissionais treinados são transferidos O indicador de estrutura utilizado para análise
ou desviados de suas funções e não repassam do componente estocagem foi a porcentagem
as informações para seus sucessores, dificul- de critérios de boas práticas de estocagem obser-
tando o processo de implantação do programa. vados (B1), que revelou quatro unidades utili-
Nas unidades onde não havia funcionários zando, simultaneamente, os espaços do almo-
envolvidos prioritariamente ou exclusivamen- xarifado e da farmácia para estocagem dos me-
te no programa de AIDS, os responsáveis afir- dicamentos anti-retrovirais. As demais – na
maram que todos estavam habilitados a dis- maioria das vezes, Centros Municipais de Saú-
pensar os medicamentos anti-retrovirais. de – estocavam em apenas um dos espaços ou
Não existia previsão de uma cota adicional não os tinham bem definidos. Em média, as
de medicamentos para inclusão de novos pa- unidades visitadas cumpriam apenas cerca de
cientes nem para a mudança de regime tera- 51% dos critérios recomendados. Almoxarifa-
pêutico. Essa situação era parcialmente con- dos sujos, caixas de medicamentos em contato
tornada pelo uso de medicamentos de pacien- com piso e paredes, deficiência no número de
tes faltosos ou doados por usuários que trocam geladeiras para estocagem do medicamento
de esquema terapêutico, abandonam o trata- Ritonavir e falta de termômetros e de registros
mento ou falecem. Em todas as unidades ha- de temperatura (de geladeira e ambiente), fo-
via muitos medicamentos doados, cujos fras- ram os aspectos mais freqüentemente obser-
cos na maioria das vezes estavam abertos, o vados na avaliação.
que claramente compromete a qualidade dos O consolidado dos indicadores trabalhados
mesmos. pode ser observado na Figura 2.
O outro indicador utilizado para avaliar o No cômputo geral dos indicadores, o cálcu-
componente de controle da utilização, foi a lo do grau de implantação do programa foi de
porcentagem de prescrições classificadas como 89%, sendo considerado aceitável, relacionan-
aceitáveis, segundo as Recomendações para Te- do-se de forma coerente à redução de mortali-

Figura 2

Resultados observados para os indicadores utilizados, em valores percentuais médios e padrões de referência.
Rio de Janeiro, Brasil, dezembro de 1999 a abril de 2000.

100
Resultado
90

80 Padrão

70

60

50

40

30

20

10

% 0
B1 C1 C2* C3* C4 D1 D2 Indicadores

* Nestes indicadores o valor desejado é igual ou menor ao padrão; nos demais o valor desejado
é igual ou maior ao padrão.

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1438 OLIVEIRA, M. A. et al.

dade observada e discutida na introdução des- se encontram com o prazo de validade próxi-
te trabalho. mo ao vencimento. A esse respeito existem ain-
da orientações contraditórias por parte do Pro-
grama de DST/AIDS do município e do S/Cincal.
Considerações finais Em relação à capacitação de recursos hu-
manos, seria recomendável a inclusão mais sis-
Os indicadores de estrutura e processo, utiliza- temática de todos os profissionais envolvidos
dos para avaliar os componentes da estocagem com o atendimento a esses pacientes, inclusive
e do controle da utilização, possibilitaram a ve- os de nível médio. Ainda mais, se considerado
rificação do ambiente e das práticas de estoca- que os resultados do estudo demonstraram a
gem dos medicamentos, além dos procedi- existência de problemas em áreas onde o co-
mentos seguidos na dispensação e na prescri- nhecimento técnico é bem estabelecido e do-
ção de medicamentos anti-retrovirais. cumentado na literatura clássica, como é o ca-
O valor bastante favorável de 94,7% para o so das boas práticas de estocagem ou da exis-
indicador de disponibilidade, é certamente o tência de medicamentos vencidos no estoque
mais expressivo para mostrar o sucesso do pro- disponível para a dispensação. Uma outra me-
grama, sendo um dos fatores que contribuem dida que traria bons resultados, seria a implan-
para os efeitos observados na redução das ta- tação de programas de qualidade nas farmácias
xas de internação, da mortalidade específica e da rede, com foco no planejamento de ações e
da incidência de infecções oportunísticas. A no desenvolvimento de programas de avalia-
despeito do grau de implantação aceitável, al- ção permanente, interna e externa.
guns indicadores apontam para a necessidade Ressalta-se ainda, a importância da implan-
de implementar medidas de intervenção, no tação do SICLOM que, uma vez funcionando
sentido de aumentar a efetividade e eficiência conforme o planejado, certamente permitirá
do programa. uma agilização e melhor controle de todo o
É, por exemplo, preocupante o fato de algu- processo logístico dos medicamentos, reduzin-
mas unidades não apresentarem registros atua- do a carga burocrática e promovendo a racio-
lizados da movimentação de estoque, procedi- nalização do trabalho.
mento este que possibilita o acompanhamento Essas medidas certamente trarão benefí-
contínuo do fluxo de medicamentos movimen- cios, não somente aos clientes do programa de
tados pela farmácia. O alto custo dos anti-re- AIDS, mas ao conjunto dos pacientes atendi-
trovirais e a necessidade de utilização regular dos nessas unidades, na medida em que, a me-
dos medicamentos, torna essa prática ainda lhoria da qualidade do programa de AIDS cer-
mais importante. tamente terá reflexos nas demais atividades da
Um outro aspecto importante que deve ser assistência farmacêutica.
ressaltado é a existência de medicamentos ven- Concluindo, ressalta-se ainda a importância
cidos dentro e fora do estoque. Um dos fatores desse tipo de estratégia de avaliação, enquanto
que contribuem para essa situação é a relatada metodologia testada e validada, que permite o
obrigatoriedade imposta pelo S/Cincal, do re- monitoramento para a melhoria contínua da
cebimento de um pacote fechado de medica- qualidade da assistência farmacêutica.
mentos, dentre os quais, alguns eventualmente

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro recebido da


Fundação Oswaldo Cruz – Programa de Apoio à Pes-
quisa Estratégica em Saúde (PAPES II) e Convênio
FIOCRUZ/FAPERJ para Pesquisador Visitante –, e lo-
gístico propiciado pela Secretaria Municipal de Saú-
de do Rio de Janeiro, particularmente pela Gerência
de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, cujos
técnicos Dra. Betina Durovni, Dra. Valéria Saraceni e
Dr. Sérgio Aquino, viabilizaram o acesso aos serviços
de saúde selecionados.

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