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Carta da Promotora de Justiça Marcia Velasco, sobre o crime em que o segurança de seu filho

matou um rapaz na boate Baronetti - em seguida, leia a resposta do editor do Globo On Line,
Aydano.

Vale a leitura...

Márcia Velasco

'Tenho lido e assistido em silêncio angustiante, nos últimos dias, a incontáveis manifestações de
revolta e indignação pela morte do jovem Daniel Duque. Manifestações justas, principalmente
quando partem da mãe e do padrasto de um menino que teve sua vida roubada pela violência.

No seu lugar, como mãe de um rapaz tão jovem quanto o filho dela, estaria me esforçando para
não gritar de dor. O que pode acontecer de pior a uma mãe do que perder um filho na flor da idade?
Mesmo sofrendo como estou, gostaria de dizer que não estou acostumada a ter momentos de
fraqueza. Não posso me dar ao direito de tê-los. Tenho enfrentado, ao longo dos últimos anos,
desafios que me foram impostos pela minha profissão, em defesa da sociedade, da população. O
exercício da Promotoria de Justiça, nos dias de hoje, de maneira séria e honesta, exige de todos
nós sacrifícios que só realizamos com muita determinação e coragem.

É uma luta constante contra o crime, em suas mais variadas manifestações. Uma luta que, no meu
caso, transformou uma mulher normal, tímida, sonhadora, feliz, um lindo filho pequeno, numa
mulher determinada, implacável, em busca da justiça e da paz que todos nós queremos.

Os caminhos desta luta me levaram a confrontar, como todos já sabem, os mais perigosos e cruéis
bandidos do Rio de Janeiro e o maior criminoso da história do país, Fernandinho Beira-Mar. Os
desafios apareceram, eu os fui enfrentando, um a um, sem jamais recuar e acho que hoje pago o
preço muito alto que esta cruzada me cobrou. Este bandido voltou a me ameaçar. No último dia 19
de junho recebi nova comunicação de que ele, mais uma vez, disse que não descansará enquanto
não me matar. São anos e anos de uma vida sem paz, uma vida de medo, minha e de meu filho,
que cresceu sem poder ser como os garotos de sua idade, brincando, feliz. Sempre cercado de
seguranças, Pedro cresceu e hoje me orgulho, e o pai dele também,
de termos criado um rapaz com valores rígidos, com caráter, decência e honestidade. Mas Pedro
sempre tentou ter uma vida mais próxima da normalidade, com todas as dificuldades que teve por
causa de nossa situação. Fico triste ao ver que tantas pessoas o considerem um privilegiado por
estar sempre protegido por um segurança. Na verdade Pedro é um prisioneiro, pela nossa condição
de marcados para morrer.

Com estas informações, não quero criar justificativas para nada. Quero dizer que o sábado 28 de
junho foi um dos dias mais tristes da minha vida. Eu lamento do fundo do coração a morte do jovem
Daniel Duque. Lamento profundamente a violência que se repete nesta cidade como uma rotina
sufocante. Quero justiça, assim como todos. Quero que o policial que disparou a arma, e que
nunca, em oito anos, havia usado a sua pistola enquanto prestava segurança para nós, sempre
demonstrando autocontrole, seja julgado - e não prejulgado – com o direito de defesa que se deve
dar a todos. Direito que até o homem que quer nos matar, a mim e meu filho, está recebendo.

Lamento pela violência que acaba se impondo e se traduzindo em nosso meio social, como que
incorporadas de forma banal no meio de nossos jovens. É o que costumo chamar da convivência
pacífica com a 'cultura da ilegalidade'.
Eu sei o que é a angústia de perder o sono esperando o filho voltar da rua. Sei disso porque toda a
mãe sabe, como a mãe de Daniel sabia. Mas sei por um motivo a mais: estamos, meu filho e eu,
diretamente ameaçados de morte. Há oito anos dei a minha paz e a do meu filho em defesa de uma
cidade melhor, em que todos nós pudéssemos viver em paz e sem medo. Há oito anos não tenho
vida, rotina, tranqüilidade e paz de espírito. Há oito anos convivo com o medo. Medo de ligar o
carro e vê-lo explodir. Medo de ter minha casa invadida por cúmplices do criminoso que ajudei a
prender. Medo de receber a notícia de que meu filho sofreu um atentado. Filhos não deviam jamais
morrer antes dos pais. A morte de um filho contraria a lei natural na qual queremos sempre
acreditar. Parece subverter o próprio espírito humano. Não há nada que se diga, portanto, que
possa mitigar a dor de Daniela Duque e do seu marido. Espero apenas que, um dia, eles percebam
que toda a história tem mais de um lado. Esta também. E pretendo fazê-la acreditar que, embora
repita, nada que possa dizer neste momento vá atenuar a sua dor de mãe, como Promotora de
Justiça, nos dezesseis anos de minha pública carreira, tanto quanto ela tenho apenas um anseio:
DE JUSTIÇA. Desejo apenas que a verdade dos fatos venha à tona. E certamente ela virá.'

Rio de Janeiro, 01 de julho de 2008.

Márcia Velasco

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Resposta de Aydano

Doutora,

Antes de mais nada, os agradecimentos do blog, pelo trabalho que ajudou a mandar para a cadeia
o perigoso traficante Fernandinho Beira-Mar. A gratidão de todos os cariocas e brasileiros se deve,
aliás, porque aqui, nesta terra morena, obrigação é mérito - afinal, a senhora nada mais fez do que
justificar o salário que recebe do contribuinte, como promotora de Justiça. Confere? Assim, não é
verdade que a senhora deu sua paz e a de seu filho 'em defesa de uma cidade melhor, em que
todos pudéssemos viver em paz e sem medo'. Desculpe, doutora, mas a senhora apenas fez seu
trabalho, que, aliás, escolheu livremente, ao decidir a faculdade que cursaria e o concurso público
que prestaria. Não tem nada de heróico nisso - ainda que, nunca será demais repetir, sejamos
gratos. Mas o assunto desta não é seu trabalho no MP. Infelizmente. O crime que agora lhe envolve
é bem outro - a morte do menino Daniel Duque, assassinado à queima-roupa pelo guarda-costas
que a senhora emprestou a seu filho, para ele atravessar a madrugada naquela catedral da
bandalheira mauricinha chamada Baronetti. E aí, doutora, está tudo errado. A começar pela defesa
que a senhora ensaia, na carta publicada nos jornais de hoje. A senhora preferiu dedicar 18 dos 26
parágrafos do texto à própria rotina de servidora pública e seus parentes ameaçados por
malfeitores. Direito seu. Mas é o caso de se lamentar, profundamente, o uso equivocado de um
segurança que os fatos transformaram em assassino. Sim, o homem que guardava seu pimpolho
na noite de Ipanema é um assassino. O trabalho bem-feito de um advogado como a senhora pode
fazer prevalecer a tese da legítima defesa - por mais que pareça delirante, alguém se defender
atirando contra pessoas desarmadas -, mas quem mata os outros, diria qualquer colega seu de MP,
é assassino, certo? A parte mais delicada - para o blog - e constrangedora - para a senhora – não é
essa, e sim a das opções de lazer do seu rebento. Hoje, a polícia divulgou que sequer é a primeira
vez que ele se mete em arruaças noturnas. Em janeiro do ano passado, Pedro esteve envolvido
numa briga na Cat Walk, na Barra. (Aliás, não tem ameaça de facínora que faça seu menino
desistir de uma boate, né não?) Então, vamos por um momento esquecer a promotora e falar de
angústias de mãe. Não seria o caso de uma boa conversa com esse adolescente - 'Um rapaz com
valores rígidos, com caráter, decência e honestidade', como a senhora avaliza, e o blog tem certeza
do seu esforço para sedimentar tais parâmetros -, para tentar modificar os hábitos noturnos que ele
cultiva? Pode ser impossível, claro.
E aí, o que está errado, doutora, é oferecer um assassino para ir junto, cuidar da integridade física
de seu herdeiro. Por óbvio, o blog sequer se estenderá sobre o equívoco absurdo, de um servidor
público como a senhora servindo de babá para um jovem até cinco da manhã. Ora, que ameaçado
é esse, que se sente seguro para ficar pela rua, num carro de seqüestrável - aquele BMW
apreendido pela perícia custa R$ 145 mil nas boas lojas do ramo - madrugada adentro? Mas, pelo
menos, a senhora tem a esperança de mudar as preferências e administrar os riscos de seu filho,
muito além do que pode garantir a vigilância de um matador. Dê graças, doutora. Porque Daniela
Duque, mãe como a senhora, não pode fazer mais nada. O filho dela foi assassinado à queima-
roupa pelo guarda-costas do seu. Disso, doutora, a senhora tem obrigação de não se esquecer
jamais.

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