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Publicada em 1997, a obra sociolingüística de Marcos Bagno, A Língua de Eulália,

procura mostrar que o uso de uma linguagem 'diferente', nem sempre pode ser
considerado um "erro de português". O modo estranho das pessoas falarem pode ser
explicado por algumas ciências como a lingüística, a história, a sociologia e até mesmo
a psicologia.

O livro de Marcos Bagno conta a história de três professoras e estudantes universitárias


que visitam a tia de uma delas, chamada Irene. Esta mora em uma fazenda em Atibaia e
é professora universitária já aposentada, de Língua Portuguesa e Lingüística.

No capítulo "Que língua é essa?", Irene dá aulas de Língua Portuguesa para as


estudantes. Segundo essa personagem, existe o "mito de unidade lingüística do Brasil",
que aprendemos nas escolas, de que no Brasil só se fala o português. Essa idéia é falsa,
sem correspondência na realidade, já que, mesmo sendo a minoria da população,
existem outras línguas que são faladas por nações indígenas espalhadas em diversas
partes do país e por imigrantes estrangeiros que mantém viva a língua de seus
ancestrais.

Não existe nenhuma língua que seja uma só. O que chamamos de "português" não é um
bloco compacto, sólido, e sim um conjunto de coisas chamadas de variedades, diz Irene.
Também compara o modo de falar do português com o modo de falar do brasileiro e
suas diferenças fonéticas, sintáticas, lexicais, semânticas e no uso da língua. Outras
diferenças também existem em grau menor entre o português falado no Norte-Nordeste
e o falado no Centro-Sul. Além das variedades geográficas, existem as variedades de
gênero, socioeconômicas, etárias, de nível de instrução, urbanas, rurais, etc. Se
quisermos ser mais exatos na hora de dar nome a uma língua, teríamos que levar em
conta todas essas variáveis. É como se cada pessoa falasse uma língua.

Afirma Irene, ainda, que toda língua muda e varia. Quer dizer, muda com o tempo
(diacrônica) e varia no espaço (diatópica). Muda com o tempo, porque a língua que
falamos hoje no Brasil não é a mesma do início da colonização e provavelmente
também é diferente da língua que será falada aqui mesmo dentro de trezentos ou
quatrocentos anos. E é por isso que não existe a língua portuguesa: o que existe é a
norma-padrão, que é aquele modelo ideal de língua que deve ser usado pelas
autoridades, pelos órgãos oficiais, pelas pessoas cultas, pelos escritores e jornalistas,
aquela que deve ser ensinada e aprendida na escola. Essa norma, ao longo do tempo, se
torna objeto de um grande investimento. No processo de cristalização da norma-padrão,
a língua é analisada pelos gramáticos; definida pelos dicionários; imposta por decreto-
lei pela Academia de Letras e divulgada pelos autores de livros didáticos. Por isso é que
a norma-padrão parece ser mais rica, mais complexa que as demais variedades. Mas se
esse investimento fosse aplicado a qualquer uma das variedades faladas no país, ela
também enriqueceria e se tornaria o que se costuma chamar de "língua culta".

Irene continua explicando que, no momento que se estabelece uma norma padrão, ela
ganha tanta importância que todas as demais variedades são consideradas "impróprias",
"erradas" e "feias". Os motivos que levam determinada variedade a servir de base para o
padrão não tem nada a ver com as qualidades intrínsecas, internas, lingüísticas dessas
variedades e sim por motivos históricos, econômicos e culturais.
Irene afirma, então, que existe um português padrão (PP) que é usado para a literatura,
nas escolas, etc; e um português não-padrão (PNP) que é falado pela grande maioria de
pobres e pelos analfabetos. Por ser utilizado por pessoas de classes sociais
marginalizadas e oprimidas pelas injustiças sociais que impera no Brasil, o PNP é
vítima dos mesmos preconceitos que pesam sobre essas pessoas. A criança que chega à
escola falando o PNP é considerada uma "deficiente" lingüística, como se sua bagagem
lingüística refletisse conseqüentemente uma inferioridade mental. Isso cria um
sentimento de rejeição, levando o aluno a considerar-se incapaz de aprender qualquer
coisa. O domínio da norma-padrão é uma forma que esse falante de PNP tem de ter
acesso aos bens econômicos, políticos e culturais reservados à elites dominantes.

Como podemos ver, trata-se de um problema amplo e complexo que passa pela
transformação radical do tipo de sociedade em que vivemos. Se conhecêssemos melhor
o português não-padrão, talvez conseguíssemos identificar as diferenças que o
distinguem do português padrão. Irene diz que o PNP deve ser encarado como aquilo
que ele realmente é: uma língua bem organizada, coerente e funcional.

Irene comenta que na tentativa diária da aceitação das diferenças, devemos incluir
também uma língua diferente da nossa, sendo humildes e tentando ver o que os falantes
do PNP têm a nos ensinar sobre nós mesmos.

Ensina ainda que a noção de "erro" deve ser reservada para problemas individuais. Se
alguém, ao invés de dizer cavalo diz cafalo estará cometendo um erro, porque essa
palavra não faz parte do registro de variedade do português do Brasil. Porém, se disser
pranta no lugar de planta não é um erro, esse é um fenômeno chamado de rotacismo,
que acontece em diversas regiões do país e que participou da formação da língua
portuguesa padrão ao longo dos séculos. Para chegar a tal constatação deve-se:
comparar o PNP com outras línguas e mostrar que nelas também ocorreram fenômenos
semelhantes; buscar na história da própria norma-padrão as explicações para determinar
características que aparentemente são exclusivas do PNP. Da mesma maneira que o
latim se transformou lentamente nas diversas línguas românicas hoje existentes, também
cada uma delas continua se transformando.

Irene afirma que a diferença do português-padrão para o português não-padrão é que


este é: natural, transmitido, apreendido, funcional, inovador, tem tradição oral,
estigmatizado, marginal, tem tendências livres e é falado pelas classes dominadas. Já o
português padrão é: arbitrário, adquirido, aprendido, redundante, conservador, tem uma
tradição escrita, é prestigiado, é oficial, tem tendências refreadas e é falado pela classe
dominante.

Segundo Irene, existem muito mais semelhanças do que diferenças entre as variedades,
porém as pessoas escolarizadas não enfatizam as diferenças lingüísticas, mas sim as
diferenças sociais. Daí nasce o preconceito lingüístico.

Finalmente, Irene diz que por mais que sejam refreadas, as forças de mudanças internas
da língua nunca param de agir; e conta que foi do latim vulgar que surgiu, com o passar
do tempo, todas as línguas românicas.

No Brasil, de um modo geral, temos definição nas regiões Sudeste e Sul, que têm um
nível cultural, econômico e político mais elevado e, por essa razão, usam a norma-
padrão. Na região Nordeste, onde encontramos estados econômica e culturalmente
pobres, sua fala é vista como "engraçada", "divertida"e "pitoresca", sendo muitas vezes
desprezada, pelos falantes do Sudeste. Mas, se formos para o interior do estado do Rio
de Janeiro, poderemos observar essa variedade peculiar da população pobre e
marginalizada. Assim como no interior dos estados de São Paulo e Minas Gerais
encontramos os caipiras tão ridicularizados, pelos moradores das grandes cidades. No
interior do Rio Grande do Sul, vamos encontrar a fala do imigrante italiano e alemão, no
Norte do país, a fala do índio, que são variedades significativas da língua portuguesa
falada no Brasil.

CONCLUSÃO

Feita a leitura do capítulo que essas variedades geográficas, culturais, urbanas, etc.
estão intimamente atreladas ao poder socioeconômico. É culto e importante quem sabe a
norma-padrão, sem se levar em conta a bagagem de conhecimento e sabedoria, que
muitas vezes são abafadas pelo preconceito.

Por esses falantes da variedade serem desconsiderados, por não terem seus direitos
lingüísticos reconhecidos e sendo obrigados a assimilar uma variedade que é estranha a
eles, por nossa escola não conhecer uma multiplicidade de variedades do português e
tentar impor a norma-padrão para todos os alunos, sem procurar saber em que medida
ela é na prática uma "língua estrangeira", cabe a todos o professores, já que se servem
da língua como meio de transmissão dos conteúdos, a transformação do modo de olhar
as variedades não-padrão em todos os campos da educação, sendo tarefa de todos e não
apenas dos professores de língua portuguesa.

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