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1.

INTRODUÇÃO

Após quase 160 anos de sua implementação, a assistência psiquiátrica no Brasil pouco
se modificou, sendo sempre restrita à função segregadora. Contudo, devido aos grandes
movimentos sociais e a mobilização dos profissionais da área, o Estado vem tentando dar
mais atenção a essa realidade tão cruel que foi instaurada nos Hospitais de Custódia.
Os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico são verdadeiros depósitos de
pessoas, onde os considerados inimputáveis são esquecidos, marginalizados e dificilmente
têm acesso ao tratamento que realmente precisam. A Lei Penal, nesse caso, é omissa, não
estipulando uma duração exata para o tratamento. Fala-se, apenas, em “cessação da
periculosidade”.
Este trabalho visa esclarecer e retratar a realidade dos Hospitais de Custódia de forma
objetiva, propondo uma discussão sobre suas principais questões, assim como a atenção ao
“louco infrator”.

2. O SISTEMA PRISIONAL

A origem da pena remonta aos mais antigos grupamentos de homens. Prevalecia a lei
do mais forte, a vingança privada. Na antiguidade desconheceu-se inteiramente a privação de
liberdade como reprimenda penal. As prisões durante vários séculos serviram apenas como
lugar de tortura e de custódia. Utilizavam-se calabouços, castelos velhos, aposentos em ruínas
ou insalubres, torres, conventos abandonados e outros edifícios.
Na Idade Média as sanções estavam submetidas ao arbítrio dos governantes e a pena
variava de acordo com o status social ao qual pertencia o réu. Na modernidade iniciou-se um
movimento de grande amplidão que desenvolveu a idéia de prisões organizadas para a
correção dos apenados. Mas somente no século XVIII com os estudos de Beccaria e Howard,
foi que a prisão tomou uma idéia sustentável em relação a outras formas de punição

2.1 O Sistema Prisional de Salvador

O Sistema Prisional em Salvador é constituído por:


O Hospital de Custódia e Tratamento (HCT), inaugurado em 20 de agosto de 1973,
localizado na Baixa do Fiscal, na Rua Luís Gama, chamado Pavilhão Madeireira de Pinho,
dividido em cinco alas, uma destinada às mulheres. O HCT recebe pessoas sob regime de
internação e por determinação judicial para perícia, custódia e tratamento. Os loucos ao
cometer crimes são enclausurados sendo submetidos a tratamentos “médicos” e a “medida de
segurança”.
Colônia Lafayete Coutinho, antiga Pedra Preta, situada em Castelo Branco, na região
Metropolitana. Essa unidade, segundo, Mirabete (2000), destina-se ao cumprimento de pena
privativa de liberdade em regime semi-aberto, como também os presos em transição do
regime fechado convencional para o regime aberto, ou para liberdade condicional, sendo
dessa forma, uma transição para o regime aberto, no processo de reinserção do condenado.
A Penitenciária Lemos Brito é a maior penitenciaria da Bahia, subordinada à Secretária do
Interior e Justiça. A PLB destina-se à custódia de presos definitivos – condenados por
sentença transitada em julgado – em regime fechado, sendo estes a pena superior a oito anos e
o condenado reincidente, qualquer que seja reclusão aplicada, segundo dispostos nos
parágrafos do artigo 33 do Código Penal. Assim também os autores de crimes hediondos, por
dispositivos na Lei n° 8072/90, alterada pela Lei n° 8.930/95. Os segregados nessa unidade
exigem maior vigilância, destinando-se aqueles que possuem periculosidade extrema, por
reincidência.
Penitenciária Feminina (PF), inaugurada em 1990, situada no Complexo Penitenciário em
Mata Escura, tem como finalidade a custódia de presas provisórias e condenadas, dando
cumprimento às penas privativas de liberdade, além do acolhimento em regime fechado, essa
unidade acolhe também ao regime semi-aberto e aberto. Adota-se ala para gestantes e
parturientes, além de creche para assistência do menor desamparado cuja responsável seja a
presa.
A PF foi criada pela Lei Delegada nº 45, dando à população prisional feminina condições
mais dignas, já que as mesmas inicialmente cumpriam penas na PLB e posteriormente na
Casa de Detenção. Apesar da PF ser considerada como modelo, pouca atenção tem sido dado
às presas, que vivem em celas misturadas, sem observarem as suas categorias de penas e as
infrações cometidas, portanto, expõe as menos periculosas a sofrimento, insegurança, risco e
medo.
Presídio Salvador, conhecido como Casa de Detenção, situado no Complexo Penitenciário
em Mata Escura, tem como objetivo custodiar presos provisórios da região metropolitana,
Encontram-se neste Presídio pessoas em cárcere há mais de cinco anos, sem julgamento,
contribuindo para a superlotação carcerária.
Casa do Albergado e Egressos, situada no Complexo Penitenciário em Mata Escura,
abriga condenados no cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto e da
pena de liberação de fim semana. Neste espaço prisional, a segregação é noturna e sem
obstáculos materiais que implicam a fuga, por se pautar no sucesso de responsabilidade do
condenado, estando o preso autorizado a sair para trabalhar, freqüentar cursos ou outras
atividades, porém a realidade é outra, muitos saem para cometer pequenos furtos ou outras
atividades ilícitas.
Centro de Observação Penal (COP), inaugurado em 1991, situado no Complexo
Penitenciário da Mata Escura, abriga condenados ao cumprimento de pena privativa de
liberdade em regime fechado, foi criado com o objetivo de proporcionar ao preso a
individualização da pena, já que este Centro realiza estudos e pesquisas sobre incidência
criminológica e suas origens, atendendo ao disposto na Lei de Execução Penal, contudo,
atualmente o COP, tem como única finalidade, segregar, pois os objetivos inerentes a este
sistema ficou somente no papel, burlando mais uma vez a LEP.
Unidade Especial Disciplinar (UED), inaugurada em 2005, no Complexo Penitenciário da
Mata Escura, com a finalidade de abrigar réus provisórios e condenados em regime fechado,
inclusive internos sob Regime Especial Disciplinar. Esta unidade prisional possui a
arquitetura tipo Filadélfia. No Sistema Prisional soteropolitano é constatado uma “elite
carcerária”, formada por assaltantes de banco, seqüestradores e traficantes de drogas que se
mantém no tipo da pirâmide hierárquica intra muros, formando então uma “sociedade
estruturada”, onde tais “xerifes”, mesmo em sua minoria controlam em moldes de crimes
organizados, o submundo carcerário, retrato de todos os sistemas prisionais falidos do Brasil.

3. PROGRAMA DE SAÚDE MENTAL DO BRASIL

No Brasil, pobreza e marginalidade foram, no começo, os princípios inspiradores da


construção de instituições de internação. A criação dos hospícios tinha como objetivo evitar
que os efeitos da desordem se espalhassem para todo o tecido social, preservando assim, a
ordem social.
Os primeiros “habitantes” dos hospícios eram os desvalidos, os brasileiros
considerados portadores dos três “pês”: preto, psicótico e pobre1.
Por volta do século XIX, tanto no Brasil, quanto em países europeus, ocorreram as
internações dos “psicopatas” em espaços específicos chamados manicômios. Os psicóticos
viviam soltos pelas cidades, e começaram a ser recolhidos às prisões por vagabundagem ou
perturbação da ordem pública.
1
NUNES, E.D. A doença como processo social, pp. 217-229. São Paulo: Ciências FAPESP/Hucitec, 2000.
O isolamento, a vigilância, a repressão caracterizavam a intervenção no hospício.
Baseada nos princípios da incuralidade e periculosidade a psiquiatria teve como principal
cenário para desenvolvimento de sua prática, o hospital, que conduziu ao isolamento, à
subtração de direitos humanos e a morte social, muitos sujeitos. Ao contrário de promover
recuperação às pessoas portadoras de transtornos psiquiátricos, o hospital passou a ter um
papel cronificador destes.
Articulado com a reforma psiquiátrica, a lei 10.216, aprovada em 2001, prevê a
extinção de forma progressiva dos manicômios e a sua substituição por novas modalidades de
atendimento com hospitais-dia, centros e núcleos de atenção psicossocial (CAPS e NAPS),
lares protegidos e regulamentação a respeito da internação compulsória.
O CAPS é um serviço que atende pacientes portadores de transtornos mentais graves,
vindos ou não de hospitais psiquiátricos, tendo como objetivo preservação dos laços
familiares e inserção gradual dessas pessoas no contexto da sociedade, desenvolvendo
atividades diárias, sem internação, como oficina terapêutica, aconselhamentos, consultas com
psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e demais profissionais.
Esses centros e núcleos de atenção psicossocial também têm como função incluir
ações de saúde mental na atenção básica, implementar uma política de atenção integral a
usuários de álcool e outras drogas, manter um programa permanente de formação de recursos
humanos para reforma psiquiátrica, promover direitos de usuários e familiares incentivando a
participação no cuidado, garantir tratamento digno e de qualidade ao louco infrator, e avaliar
continuamente todos os hospitais psiquiátricos por meio do programa nacional de avaliação
dos serviços hospitalares.

4. HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico é uma “instituição pública que abriga


pessoas que sofrem de algum tipo de doença mental e que cometeram algum tipo de crime, e,
em função disto, estão sofrendo medida de segurança”2. Desde o primeiro decreto, em 1985,
que instituiu as funções dos Hospital de Custódia, não se vê mudanças significativas para o
aperfeiçoamento tanto no aspecto físico, quanto na questão dos profissionais que ali
trabalham, ou melhor, na falta deles.

2
__________. Aspectos Humanistas e Constitucionais do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
(HCT). Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/545/389. Acesso em:
03/04/2009.
5. O DOENTE MENTAL E A INIMPUTABILIDADE

Segundo a teoria trifásica, crime é fato típico, antijurídico e culpável. Por fato típico
entendemos toda conduta prevista no Código Penal, por antijurídico a conduta que lesa o
direito e culpável a responsabilidade do agente.
Na seara da culpabilidade é que se discute a imputabilidade, a inimputabilidade e os
semi-imputáveis. A imputabilidade pode ser entendida como capacidade de ser culpável. Os
inimputáveis são todos aqueles que “por doença mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardo” não possuem discernimento total das suas ações, assim como os
menores de 18 anos. Aos inimputáveis, em caso de infração, será aplicada a medida de
segurança, diferentemente dos imputáveis, aos quais são aplicadas as penas “comuns”. Os
semi-imputáveis (fronteiriços) são os indivíduos que apresentam problemas psíquicos em
situação atenuada. A eles aplicam-se a medida de segurança ou a pena comum, dependendo
do seu estado – maior ou menor necessidade de tratamento específico.
As medidas de segurança duram por prazo indeterminado, segundo o Código Penal ela
perdurará enquanto não cessar a periculosidade, tendo o doente que ser submetido a perícia
regularmente. Ela será cumprida no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou com
tratamento ambulatorial. Essa atemporalidade da medida de segurança tem gerado diversas
discussões no STF, onde se discute se as medidas de segurança tem se tornado prisões
perpétuas para os internos. No Brasil o tempo máximo para o cumprimento de penas
privativas de liberdade é de 30 anos, contudo, o doente, por estar sujeito ao parecer dos
peritos, pode acabar permanecendo no HCT por mais tempo do que o máximo estipulado no
ordenamento.

6. DIREITO DOS INTERNOS

São assegurados aos internados no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico


todos e quaisquer direitos inerentes à sua condição humana e jurídica. Os internos devem ter
uma boa alimentação, higiene, e o Estado deve prezar pelo bem-estar deles (camas
confortáveis, remédios adequados na hora certa, consultas médicas), além de todos terem
tratamento igual, sem nenhum tipo de discriminação.
O modelo da instituição manicomial e todas as outras instituições anteriores a ela
desconsideram o sujeito portador do transtorno mental como sujeito possuidor de direitos. Ele
era apenas um “pedaço de carne” improdutivo, e que, por isso, deveria ser excluído da
sociedade, para não “subvertê-la”. Era um modelo, portanto, segregacionista, e que não
reafirmava nem assegurava os direitos constitucionais fundamentais, nem os direitos humanos
básicos.
Os “recolhidos” sempre foram vítimas de maus-tratos e tratamento subumanos. E
nunca houve um efetivo comprometimento de cuidado, por parte destas instituições, com a
saúde e com a reinserção social dessas pessoas com transtorno mental.
A instituição do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCT), hoje, tem
preservado a sua natureza de local asilar e segregacionista, e, apesar das mudanças e avanços
teóricos conferidos e sugeridos pela Política Nacional de Saúde Mental, a reestruturação,
reorganização, e reorientação, na prática custodial e assistencial lá desenvolvida, não foram
realmente efetivadas. Isso evidencia de forma segura uma tradição fundada na não apreciação
e quase total desconsideração dos direitos humanos.
As pessoas com transtorno mental que cometeram algum tipo de delito não puderam
observar ainda a materialização das mais recentes conquistas que se deram a partir da
Reforma Psiquiátrica, isto porque, o avanço normativo não equivale à prática, à
concretização, do conteúdo daquelas normas.
Para garantir que os direitos humanos sejam respeitados dentro da instituição, é preciso
que haja sempre uma fiscalização intensa por parte de toda a sociedade, denunciando maus
tratos e condições precárias existentes.

7. O HCT DA BAHIA

O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico da Bahia recebe, sob regime de


internação e por determinação judicial para perícia, custódia e tratamento, indiciados,
processados e sentenciados, suspeitos ou comprovadamente portadores de doença mental ou
de desenvolvimento mental incompleto ou retardo, em regime fechado e com segurança
máxima.
Os líderes do movimento antimanicomial chamam os hospitais psiquiátricos de
sucursais do inferno e podemos igualar os Hospitais de Custódia a esse mesmo termo.
O lixo faz parte do cenário, paredes impregnadas de fezes, apenas um buraco no chão
fazendo o papel de sanitário. Os internos usam pedaços de espumas que são retirados dos
colchões, pois não tem papel. Doenças são visíveis pela falta de sabão para o banho.
Remédios não há e para suprir a falta de medicamentos, os médicos usam de
artimanhas, consequentemente, a crônica falta de medicamentos desencadeia a agressividade
entre os internos. No pátio há uma sucata de móveis velhos que acabam se transformando em
armas. Faltam camas e muitos dos internos dormem no chão dos corredores por onde
transitam ratos e baratas.
O número de funcionários é pouco e os que lá trabalham sofrem discriminação. Há
uma, no máximo duas auxiliares de enfermagem para cada grupo de cem pacientes e apenas
três assistentes sociais para todos.
Muitos dos internos são “esquecidos” pelas famílias, outros pela própria justiça que
simplesmente abandona os processos sobre os crimes pelos quais são acusados. Autores de
homicídios e pequenos delitos vivem misturados, há até mesmo os que de nada são acusados e
os que nem se sabe se são mesmo doentes mentais, apenas aguardam o laudo que os hospitais
deveriam emitir, pararam lá para realizar simples exames de sanidade mental e acabaram por
lá ficando.
Como é que um hospital desses pode recuperar alguém? Não é apenas uma sucursal do
inferno, é o próprio inferno.
O Hospital já contabilizou várias mortes. Acontecem em episódios violentos entre os
internos ou até mesmo morrem de velhice, pelo extenso tempo que por lá permanecem.
No dia 14 de outubro de 2004, com o objetivo de regular as internações e as condições
de segurança das pessoas portadoras de insanidade mental, foi assinado um Termo de
Ajustamento de Conduta entre o MP baiano e a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Esse
termo foi o resultado de um inquérito civil que apurou as condições de internamento de
pacientes no HCT da Bahia.
Hoje o quadro permanece o mesmo e não há perspectiva de mudança. A única coisa
que lá mudou: hoje a imprensa não entra.

8. PROGRAMA DE DESINTERNAÇÃO PROGRESSIVA E PROGRAMA DE


ATENÇÃO INTEGRAL AO PORTADOR DE SOFRIMENTO MENTAL

Diante da realidade vil dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, é que


muitos movimentos sociais fazem campanhas em prol de mudanças nesses estabelecimentos e
a favor de uma melhora na atenção aos portadores de sofrimento mental. O Programa de
Desinternação Progressiva é um grande avanço no modo de tratar os indivíduos condenados à
medida de segurança. O tratamento através desse programa consiste em facilitar a volta do
cidadão segregado ao seu meio familiar e social reinserindo-o, gradualmente, na comunidade.
Outro sistema muito valioso neste campo é o Programa de Atenção Integral ao
Portador de Sofrimento Mental que “tem a finalidade de oferecer à autoridade judicial
subsídios para decisão nos incidentes de insanidade mental e promover o tratamento em saúde
mental na rede pública de saúde, através do acompanhamento da aplicação das medidas de
segurança ao agente infrator. De forma multidisciplinar, sugere a aplicação a cada caso de
uma medida singular, tensionada pelos princípios normativos universais”3.

9. A LUTA ANTIMANICOMIAL

O Movimento Nacional da Luta Antimanicomial é uma organização que promove a


Reforma Psiquiátrica, ou seja, uma alteração na legislação do nosso país que possibilite aos
pacientes de enfermidades mentais um tratamento o mais longe possível do manicômio.
Surgiu no Brasil em meados da década de 70, tendo um grande crescimento e diversos marcos
importantes, como o dia 18 de maio, dia nacional da Luta Antimanicomial e a promulgação da
Lei 10.216 de 2001, Lei Paulo Delgado, que vem mudar o papel do Estado frente ao enfermo
mental.
A bandeira do movimento é o questionamento sobre qual seria a real função do
manicômio. Isso porque, enquanto para a sociedade o “hospício” configura-se como grande
muro capaz de afastar aqueles diferentes da preocupação do cidadão comum, para os
pacientes, familiares e profissionais o manicômio acaba-se tornando um lugar de violência
física e mental, e pior, incapaz de tratar adequadamente àqueles que necessitam. Aquele
manicômio onde reina a opressão, tratamentos severos e a internação é vitalícia, está muito
distante de cumprir o seu verdadeiro papel, o encaminhamento para a ressocialização na
medida do possível. Assim, a bandeira do movimento é o tratamento adequado dos portadores
de transtornos mentais em lugares salubres, tranqüilos e sociáveis, como suas casas, com o
auxílio de profissionais capacitados.
A grande reivindicação do movimento é que, ao invés de manicômios, os pacientes
sejam encaminhados ao CAPS- Centro de Atenção Psicossocial, um serviço comunitário cuja

3
BARROS, Fernanda Otoni de. Um programa de atenção ao louco infrator. Disponível em:
http://carceraria.tempsite.ws/fotos/fotos/admin/formacoes/4e8330439b0d639375735e5aef645e6c.doc.
Acesso em: 16/04/2009.
missão é cuidar de enfermos mentais. Instituído juntamente com os NAPS- Núcleo de
Assistência Psicossocial, o CAPS deve promover ações dirigidas aos familiares e
comprometer-se com a construção dos projetos de inserção social. Integrado ao SUS, os
Centros proporcionam atendimento diário aos portadores de transtornos mentais sem que o
paciente precise ficar internado. Além de cuidados clínicos, como atendimento individual,
medicamentoso e psicoterápico, as pessoas assistidas no CAPS têm acesso a trabalho, lazer e
retirada de documentos.
Com isso, o desejo do movimento é erradicar, na medida do possível, o impacto
negativo que a instituição manicômio traz no enfermo mental, focalizando o papel do Estado
não na reclusão, e sim na reinserção. Procurando sempre focalizar no bem-estar do
necessitado.
É isso que a Lei Paulo Delgado vem trazer. Esta Lei consagra direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental,
assegurando o atendimento das necessidades desses cidadãos quanto à qualidade de vida,
tratamento específico e reintegração social, atendendo, assim, diversos princípios da Reforma
Psiquiátrica.
De logo se observa a importância desse novo dispositivo legal. Agora, está expresso no
nosso ordenamento que a internação como tratamento só ocorrerá quando todas as demais
vias forem esgotadas, ou seja, o tratamento manicomial passa a ser exceção, e não regra. E,
nos casos que ocorrer, o paciente não mais viverá naquelas condições deploráveis de
antigamente, tendo resguardados vários direitos capazes de assegurar o mínimo de dignidade
possível para si. Além disso, o papel do médico como autoridade absoluta vai diminuindo
gradualmente, só lhe sendo permitido agir quando a lei garantir, ou seja, em algumas
situações a vontade do internado tem mais valor que a opinião médica. Fica clara a intenção
do legislador de encerrar o costume do manicômio como instituição de tortura mental,
voltando-o para o tratamento.
Apesar da Lei nº 10.216/2001 não se referir diretamente aos pacientes internados nos
Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, dispondo apenas sobre a proteção dos
direitos dos enfermos mentais, entende-se que, se os que estão internados naqueles Hospitais
são portadores de transtornos psíquicos, devem eles, também, ter direito às previsões da
referida legislação.
Deve-se entender que a realidade é muito distante daquilo expresso na supracitada Lei.
Ainda falta muito para que se tenha na realidade todas as garantias previstas na reforma
psiquiátrica. Os manicômios são superlotados, há carência de profissionais especializados,
centros de atenção psicossociais, enfim, assim como o sistema de saúde convencional, o
sistema psiquiátrico tem muito a desejar. Pior, algumas vezes a estrutura é até razoável, porém
não há conhecimento nem fiscalização pelas autoridades. Contudo, não podemos ignorar o
importante avanço que o Movimento Antimanicomial já conquistou e o seu impacto na vida
daqueles que necessitam, e ressaltar o grande progresso conseguido em tão pouco tempo.

10. CONCLUSÃO

Pode-se concluir, diante do exposto, que a realidade dos Hospitais de Custódia está muito
aquém da desejada pelo legislador e pela sociedade. É preciso que se efetive, de fato, a
legislação já existente, assim como medidas públicas para que os internados, e também os
egressos, desses hospitais, tenham uma oportunidade de vida digna dentro e fora desta
instituição. Há de se lembrar também que os portadores de doença mental ainda são vítimas
de preconceito e marginalização perante a sociedade, a qual é responsável por esta situação,
pois não dá ouvidos à loucura.
Políticas como o PAI/PJ, NAPS, CAPS e o Programa de Desinternação Progressiva
são exemplos de grandes mudanças que ocorreram no âmbito da saúde mental brasileira, mas
a caminhada a favor de mudanças mais enérgicas ainda deve persistir. Com o apoio de
familiares, de profissionais da área, de movimentos e campanhas sociais conseguiremos
alcançar, num futuro próximo, é o que esperamos, uma realidade mais digna para os
portadores de sofrimento mental.
A dignidade humana é fundamental e não podemos nos calar quando vemos que está
sendo ameaçada. É um compromisso de cada cidadão, que compõe o seio social, revoltar-se e
buscar tanto no campo político, social e no da aplicação da lei, a desconstrução do estigma do
“louco infrator” e alterações do sistema que ainda permanece com a sua função embrionária: a
de segregar.

11. BIBLIOGRAFIA
BARROS, Fernanda Otoni de. Um programa de atenção ao louco infrator. Disponível em:
http://carceraria.tempsite.ws/fotos/fotos/admin/formacoes/4e8330439b0d639375735e5aef
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__________. Aspectos Humanistas e Constitucionais do Hospital de Custódia e
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