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Núcleo de Estudos do Futuro

É preciso pensar, não agir de rompante


Autor(es): Mariana Barbosa
Professor de Transporte Aéreo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Respício do Espírito Santo Junior não
compartilha do entusiasmo do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que estabeleceu o dia 1º de março como marco do
fim da crise no setor aéreo. "Foram sete anos de contingenciamento e investimentos errados. Você não resolve isso
em um ano." Cético com relação a uma solução de curto prazo, Respício critica as autoridades do setor por agir de
forma reativa e emocional. Em entrevista concedida ao Estado, ele observa que não foram apresentados argumentos
técnicos ou econômicos para justificar as limitações ao aeroporto paulistano.

O que o senhor acha das restrições de vôo em Congonhas?

Qualquer interferência precisa ser justificada, com argumentos econômicos e técnicos. Os motivos técnicos de
restringir vôos de mais de mil quilômetros, eu desconheço. Se você não consegue justificar tecnicamente, fica uma
decisão política, o que é péssimo. Por isso, as companhias começam a driblar as regras. Elas investem milhões de
dólares em aeronaves, pensando numa política, e a regra muda da noite para o dia. São medidas que não servem
para nada, não são previamente estudadas. A regulação no setor não é racional, é reativa e emocional.

Mudou alguma coisa com a nomeação do ministro Nelson Jobim?

Já era assim na época dos militares, criticados por não justificar suas medidas. A agência civil, o Ministério da Defesa,
é tudo a mesma coisa. É preciso parar para pensar, não dá para agir de rompante. Restringiu-se em mil quilômetros
com base em quê? Por que mil é bonito? E 950 ou 1.500?

O sr. acha que o governo deveria definir uma vocação para Congonhas, como, por exemplo, vôos a
negócios. Seria uma saída?

Não, privilegiar o passageiro de negócios não é uma justificativa econômica. Todos são iguais perante a lei, o turista e
o empresário. Um exemplo de boa justificativa econômica foi a transferência de vôos fora da ponte aérea do Santos
Dumont para o Galeão. Havia capacidade ociosa no Galeão. Em Guarulhos, não há capacidade ociosa. E para jogar o
tráfego para Campinas há um custo social de deslocamento, sem falar no custo ambiental.

O ministro Jobim provocou polêmica ao exigir das companhias que aumentem o espaço entre as poltronas.
O que o senhor acha disso?

No mundo inteiro a configuração interna do avião é de responsabilidade da companhia. Com emoção não se raciocina.
Daqui a pouco vão exigir a volta das poltronas executivas nos vôos domésticos. Uma coisa é o passageiro reclamar,
outra coisa é a autoridade.

A mudança na Anac e a criação da Secretaria de Aviação Civil vão resolver a falta de comando?

Só uma diretoria técnica e competente na Anac não resolve. Continua faltando planejamento integrado. A Infraero só
olha para os aeroportos, a Anac só cuida de fiscalizar - quando fiscaliza - e a Aeronáutica só olha para o controle. Do
jeito que a secretaria foi estruturada, não muda nada. Estou cético. A secretaria foi pensada para arrumar a casa e
não para pensar no longo prazo.

Mas também era preciso arrumar a casa, não?

Para fazer o que estão fazendo não precisava de secretaria. Tem uma diretoria para olhar a Infraero, outra para a
Anac, outra para o espaço aéreo. Você tem diretorias dentro da secretaria, pois não confia nos outros braços. É
absurdo. Para que serve a Anac se tem uma diretoria que cuida dela? É o órgão para supervisionar o órgão. Se a
estrutura é ineficaz, tem de acabar com a estrutura antiga.

E como fazer isso?

É preciso fazer um estudo sobre as atribuições de cada um e acabar com as sobreposições. Não se sabe quem manda.
A Anac, teoricamente, tem de regular e fiscalizar os aeroportos e a Infraero administrá-los. Ela não pode meter o dedo
no controle do espaço aéreo. Mas aí tem problema em aeroportos com base aérea. Não se sabe quem manda. A
aviação está fragmentada. Agora tem outra fragmentação, na Defesa. Em vez de reduzir o número de caciques,
aumentaram.

A crise vai acabar em março do ano que vem, como prevê Jobim?

No dia 1º de março começa a baixa temporada. Na baixa, tudo melhora. Até a próxima temporada. De novo, o
culpado é o crescimento econômico, como disse lá atrás o ministro Guido Mantega. A culpa é do passageiro que quer
viajar.

Quanto tempo vai levar?

A crise aconteceu porque ao longo de 6, 7 anos o investimento foi contingenciado e muito do que foi investido foi em
cima de decisões erradas. Não vai ser em um ano que vamos resolver o problema.
Fonte: O Estado de São Paulo - 04/11/2007
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20071104/not_imp75204,0.php

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