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As reações hiperbólicas da violência da linguagem

patriarcal e o corpo feminino.

Marie-France Dépêche

Resumo:

A língua, como afirmava de Saussure, é um sistema


arbitrário, mas nem por isso acidental: ela é uma máquina
que funciona conforme a conjuntura. Ela não pode ser uma
pura e simples representação do mundo, pois ela também é
intervenção em meio a esse mundo. O letal “senso comum”
usa e abusa dessa língua que ele chama de “língua
materna” e que, na nossa visão feminista, chamaremos de
“língua paterna”. Convém, então, analisá-la, como o
sugere J-J. Lecercle “em termos de posições, avanço,
recuo, determinações territoriais e ‘de-territorialização’”.

Trabalharemos, principalmente com metáforas sexistas,


provérbios, ditados e expressões denegrindo o feminino
que vemos sendo reiterados, quase que ritualisticamente,
para assegurar os “valores” patriarcais tradicionais. O
conceito de linguagem, portanto, não se restringe a um
sistema de signos: a linguagem é uma instituição, um lugar
de exercício do poder, potencialmente violenta. O poder
simbólico da linguagem serve de ponta de lança na
submissão das mulheres imposta a elas pela ideologia do
sistema patriarcal, autorizando a dupla violência do ato
lingüístico e do ato físico.

Palavras-chave: língua, provérvios, senso comum,


mulheres

Com freqüência, tem-se repetido a asserção quase


centenária de Ferdinand de Saussure (seu Cours de
Linguistique générale data de 1906, mas foi publicado em
1916) que na língua existe uma arbitrariedade na relação
entre as duas faces do signo lingüístico, sendo essa uma
relação não-necessária, sem motivo aparente entre o
significante e o significado. (Ex: “cadeira, chaise, chair”
tanto que “chair” em francês quer dizer “carne”). No século
XIX, entretanto, a busca pela neutralidade e objetividade
da ciência fizeram que se acreditasse em uma
correspondência exata entre as palavras e as coisas. O
linguistic turn, porém, no século XX, revelou a importância
das palavras na própria construção das coisas, já que um
sistema de mediação, interpretativo, institui o real de
acordo com os sentidos que lhe são
impressos.

A língua é arbitrária, mas, sobretudo ela é material. E sua


materialidade se desenvolve no social, constituindo corpos
políticos, modelados pela linguagem. É assim que o
humano se transforma em “homem”, o universal que dilui e
esconde o feminino; é assim também que o humano é
cindido e naturalizado de forma binária, fundado em
características biológicas, elegendo os genitais para definir
e representar no social o feminino e o masculino.

A nomeação, como sublinha Foucault,( 1976: 59-60) cria


realidades, como no caso da “ espécie” homossexual, que
se destaca no domínio caótico das perversões no século
XIX. Nomeados, os corpos humanos tornam-se corpos
sexuados, perversos ou “normais”,corpos instituídos em
sexo e sexualidade, corpos naturalizados em mulheres e
homens, de forma hierárquica.

É assim que, a linguagem em ação, o discurso social, como


indica Bakhtin (1992), cria uma partilha política ao criar
seres sexuados, estabelece instâncias de poder e de
atuação restritos e excludentes. Instâncias de fala, que
acompanham o controle do sexo e de sua delimitação em
corpos, numa economia do discurso; como sublinha
Foucault, quanto a sexualidade,

“[...]definiu-se de maneira estrita onde e quando não era


possível dela falar; em que situação, entre quais locutores
e no interior de que relações sociais” (1976:26)

Foucault aponta igualmente o procedimento de incitação ao


discurso, que compreende não só o policiamento dos
enunciados e controle das enunciações, mas a produção
discursiva da sexualidade e dos corpos que a exercem. Diz
ele:

“Existiu então, e isto é quase certo, toda uma economia


restritiva. Ela se integra à economia da língua e da palavra-
espontânea por um lado, controlada, por outro – que
acompanhou as redistribuições sociais da idade clássica.”
(1976:26)

Situando a assimetria humana a partir de valores


instituídos socialmente, o discurso social instaura um
corolário de atributos – estilos de corpos, como formula
Judith Butler (1990), cujas funções e lugar de fala são
delimitados pela materialidade genital.

Se ao nascer já somos nomeados meninas ou meninos,


somos inseridos em um universo de signos e valores,
compreende-se que a imotivação da língua não pode mais
ser defendida pois ao expressar um conceito, um
pensamento, uma idéia, um valor, está também
significando uma interpretação do mundo. A linguagem
utiliza uma língua natural, sim, mas ela é uma máquina
simbólico-ideológica que funciona conforme as condições de
produção / imaginação social. O conceito de linguagem,
portanto, não se restringe a um sistema de signos: como
apontou J.J. Lecercle (1996), a linguagem é uma instituição
instável, um lugar de exercício do poder, de confronto
entre forças adversas e, portanto, potencialmente violenta,
principalmente quando define, a partir dos corpos, os
lugares de fala e de inserção sócio-política.

A linguagem, então, reflete o meio social, húmus onde ela


nasce, mas também, cria sentidos que modelam os corpos
segundo uma diferença instituída politicamente: o
referente, masculino, sede de poder e o diferente,
feminino, cuja especificidade se ancora no corpo e suas
funções procriadoras.

Conseqüentemente, numa sociedade regida pelo sistema


patriarcal eminentemente polarizado masculino/feminino, a
linguagem se coloca a serviço da ideologia ambiente,
fazendo a apologia da força para impor o poder de um
sobre o outro. “Um” representa a categoria-homem e “o
outro” as mulheres que, por ironia da linguagem, levam o
singular masculino. As frases do senso comum refletem
esta construção, como por exemplo: “Qualquer um pode
chegar, um dia, a ser uma prostituta”.

O impacto dessa instituição social chamada linguagem,


poderia ser analisado através de algumas categorias: a
violência físico-verbal, a simbólico-escrita e a violência por
omissão, elisão do mundo e a do deslizamento da
linguagem para a violência material.

A violência físico-verbal

Ela corresponde a séculos de oralidade. Muitas vezes


esquecemos que a transmissão oral tem a idade da
humanidade. E só estamos falando do Ocidente onde a
maioria da população pôde ler e escrever há pouco mais de
100 anos. Ora, dizer é fazer, ou melhor, num círculo
vicioso, o dizer reforça e autoriza o fazer. E J.J.
Lecercle (1996: 56) acrescenta: “dizer não é só fazer; as
palavras em si são coisas.” Ou seja, a manifestação verbal
não pode se diluir nem no ar nem no tempo, ela é
profundamente material e agride fisicamente.

Quando, aos meus 18 anos, no meu primeiro emprego


estival, ouvi um colega afirmar “no fundo, toda mulher
quer ser estuprada um dia”, fiquei assustada e revoltada,
mas ri amarelo, junto com as outras mulheres no local de
trabalho. Não era mesmo uma simples brincadeira? Nesse
caso, trata-se de um ensaio, um teste, encobrindo a
violência dirigida e atentatória contra as mulheres,
com o intuito de semear a dúvida, e também o medo.
Tais frases compõem as pedagogias do gênero, na
medida em que naturalizam comportamentos e assim
sua aceitação.

“Küche, Kirche, Kindern”, dispensa uma frase, uma


explicação qualquer, nem precisa de contexto pois a
mulher sabe qual seu lugar:é na “cozinha, na igreja e
cuidando dos filhos”. Adotando este mote, o regime nazista
marcou os lugares políticos e criou mulheres assujeitadas a
uma ordem “natural” das coisas. Longe de se restringir a
um momento específico como o nazismo, os grilhões que
modelam as mulheres ao âmbito do doméstico e da
reprodução são oriundos de seus próprios corpos,
corpos feitos em sexo – para o prazer masculino-, e
em útero, para a reprodução da ordem do discurso,
da ordem do Pai.

Muitas vezes não se negligencia o peso da rede trans-


cultural: “mesmo se você não sabe por que bate na sua
mulher, ela sabe” seria um ditado árabe... (e brasileiro,
alias, internacional) e justifica qualquer ato violento de
um homem em qualquer mulher no mundo.

A legitimação vem da afirmação de uma natureza, de uma


hierarquia que teria surgido com a própria espécie
humana: é um “adágio velho como o mundo!” e cada um
se desincumbe de qualquer responsabilidade já que
“sempre foi assim”. As tradições,assim, carreadas pela
linguagem e seus valores, recriam incessantemente no
social as imagens de um humano assimétrico, cujos corpos,
em um esquema binário, traduzem em sexo e sexualidade
sua importância no mundo.

A exclamação “filho da puta” é somente uma expressão?


Para amenizar sua força pejorativa existe até o eufemismo
“filho da mãe”. Mas ninguém pode jurar que a mãe não é a
puta referida antes! É só uma expressão...benigna...tão
benigna que martelada nos ouvidos de qualquer mulher ou
homem, de qualquer idade, ela cava seu caminho até
suas mentes, autorizando sua repetição ad eternum,
e banalizando seu impacto real para conservação do
desprezo e do ódio masculino em relação ao
feminino. “O eterno feminino”: mais uma pérola da
linguagem mortal do mundo patriarcal. Parece positivo,
mas não é: mais uma vez o “eterno” subentende que seja
uma manifestação sagrada pelo tempo e sobretudo
ancorada na materialidade dos corpos femininos!
Mas, será que reiterar asserções negativas faz delas
enunciados positivos? Quantas vezes ouvimos o argumento
apaziguador “é só uma expressão”. Porque uma expressão
feita, um chavão seria mais inofensivo do que uma
asserção qualquer? É justamente o contrário, pois as
reiterações de uma mesma imagem naturalizam-na na
mente do-a receptor-a. Deixam uma impressão que alivia
seu impacto pelo fato de ser familiar. Quase ninguém mais
se insurge ao ouvir “É só colocar um saco na cabeça, que
mulher é toda igual” A força do hábito...A familiarização de
fato convoca o hábito, o costume para ratificar afirmações
de desigualdade, de hierarquia, trazendo um
assujeitamento feminino, cujo aprendizado se faz através
das tecnologias de produção dos corpos e dos gêneros.

A esse poder físico das repetições sonoras da


linguagem, podemos acrescentar a força insinuante
do impresso.

A violência simbólico-escrita

Se o impacto da oralidade é físico, o do texto escrito é


imagético, o que não deixa de ser, também, físico. O
simbólico da linguagem grava-se nas mentes graças às
imagens que se formam na hora da leitura.

Quando o “grande” poeta Baudelaire descreve a mulher


como uma “privada”, ou para Nietzsche “uma cloaca”, ou
Kant “uma taça prateada onde depositamos nossas frutas
de ouro” -ver a relação dessas pérolas machistas em
Benoîte Groult (1993) - e muitos outros que usaram
praticamente a mesma imagem para mostrar seu “apreço”
às mulheres, a visão é nítida.

Entre representação e intervenção, a linguagem se


encaixa nos sistemas de opressão, mas de maneira
sutil, a ponto de não ser tomada a sério, como se
fosse branda em relação às agressões físicas. Mas a
linguagem é física; falar ou escrever representa um
ato concreto de responsabilidade e escolha. Da mesma
maneira que certas pessoas se escondem atrás de uma
tradição secular para repetir insanidades contra as
mulheres, existe uma condescendência, talvez até uma
exaltação no caso da literatura “realista” ou “naturalista”
(no século XIX Balzac e sobretudo Zola ilustram bem este
lado escuro “da” mulher). No mínimo ela é complacente.
Sob o pretexto de “mostrar” como a vida é realmente, os
“grandes” romancistas se deleitam na escolha de descrever
o lado escuro, escabroso da vida sofrida das mulheres, das
prostitutas, por exemplo. E esta reiteração, sob a égide
do “romance”, ressemantiza a naturalização de
lugares construídos em poderes e hierarquias. A
prostituição, violência maior contra as mulheres,
violência física e simbólica, torna-se trabalho,
atividade “normal”, “escolha” constituindo
“mulheres” como espécie a ser consumido,
apropriada pelo conjunto dos homens.

Nas ciências, a antropologia é exemplo da violência de uma


apropriação simbólica: Levi-Strauss (1973) ao estudar as
estruturas familiais e sociais enumera as trocas feitas pelos
homens nessa seqüência : troca de palavras, de mulheres e
de mercadorias. Como se não bastasse a humilhação de
serem “trocadas”, as mulheres estão jogadas em meio a
outras “mercadorias”. Trocadas, portanto, e a posse das
mulheres, naturalizada como fator de eclosão da cultura é
o pressuposto da sua troca, como analisa Gayle Rubin.
(1975).

À exclamação “É só uma expressão!” corresponde “Mas é


só uma metáfora!” Justamente, pelo fato de manipular
imagens, a linguagem metafórica representa um
perigo maior de violência. Para Gilbert Durand (1984) o
sentido próprio seria unicamente um aspecto particular do
sentido figurado, por este ser antecedente na formação
simbólica da linguagem; Deleuze e Guattari (1972) fazem,
por sua parte, uma longa demonstração, afirmando que a
intuição precede a compreensão, o que sugere que o
sentido metafórico antecede o sentido literal, a ponto de
desconstruir esta oposição precária.

Mas, pelo fato do senso comum apreender a metáfora


como uma expressão elegante e/ou poética,
podemos ouvir e/ou ler as maiores barbaridades
machistas sobre os corpos femininos na forma
metafórica.

As numerosas metáforas da tradução, compiladas por Lori


Chamberlain (in Lawrence Venuti, 1992: 57-74) ilustram
como os autores, todos grandes teóricos na matéria,
escolhem deliberadamente as imagens de atos
sexuais de poder e violência masculina que rebaixam
e machucam o feminino. Do ponto de vista do
tradutor o texto-mulher deve ceder, ser penetrado e
naturalizado, literalmente “incorporado” para fazer
parte da língua do tradutor, como aponta Chamberlain
( idem), citando George Steiner (1975: 296-298). Da
mesma forma, para Serge Gravonsky (1977: 53-55), indica
a autora acima, o original-mulher precisa ser
capturado e estuprado a fim de realizar o incesto
necessário à boa tradução. E assim por diante...

A violência do silêncio:

No caso das duas primeiras instâncias, a linguagem oral e a


escrita, o feminino é, sem cessar, em representação
negativa. A terceira é caracterizada pela sua ausência.
Como já escreveu Tania Navarro Swain (2000: 13) “O que
a História não diz não existiu...”. A História dos homens
ignora tantas histórias de mulheres: a irmã de Mozart que
compunha e interpretava, ou a esposa de Einstein que fazia
todos os cálculos para ele. Os homens não têm palavras
para essas mulheres. É uma violência por falta de
linguagem.

Talvez seja a maior violência quando a linguagem


dos homens apaga a presença do feminino na
sociedade. Eles costumam se dirigir somente uns aos
outros, “curto-circuitando” as mulheres da confraria
masculina. Os programas de TV, as publicidades fornecem
inumeráveis exemplos de uma comunicação conjugado no
masculino, numa cena discursiva em que o debate é entre
pares – e para ser um par, basta fazer parte do referente
do humano: o masculino. Faustão representa um bom
exemplo; “oh!garoto, oh! meu, sua mulher, sua sogra”
etc...

Mas certamente o genérico masculino representa o


apagamento definitivo do feminino na linguagem
quotidiana. Tenho 14 éguas e 1 cavalo (castrado, mas no
caso não importa) e na boca dos empregados viram “os
cavalos”. Alias, na verdade, se eu falar “as éguas
costumam fazer isso ou aquilo”, todo mundo entende que
só acontece com éguas e não com cavalos. Teria que dizer
“é comum em todos os cavalos” e isso iria incluir as éguas!
Na espécie humana é exatamente igual: cem mulheres e
um menino de qualquer idade resultam em “eles”.

Mas, tendo em vista as pedagogias sociais que dobram a


linguagem expressar-se no masculino genérico não é o
apanágio dos homens: as mulheres entram no circuito
excludente e se auto-apagam da sociedade com muita
freqüência. São as mulheres “patriarcais” como as chama
Nicole Brossard (1985), essas que não querem “perturbar”
o mundo do pai com suas “particularidades”! Essas que não
ensinam a língua “materna” para seus filhos, e sim a língua
“paterna” para a conservação do status quo. Alias, notamos
aqui que “filhos” podem muito bem esconder umas
filhas!...nbsp;

Aceitar ou pior, reforçar a linguagem violenta de


desprezo e/ou de exclusão do feminino, acentua o
círculo vicioso das repetições e construções
hierárquicas dos corpos sexuados em seres
assimétricos e “diferentes”. Por que as mulheres
contam “piadas” machistas, por exemplo? Como o
mito que tira sua força e conservação das
reiterações/ atualizações, a violência da linguagem é
tomada numa espiral onde o uso e abuso das
afirmações de desprezo e ódio se tornam
justificadoras do ato lingüístico, mas também do ato
físico.

Da violência da linguagem à violência física:


Compartimentar, como fizemos acima, a linguagem oral e
escrita, ou mesmo a ausência de linguagem, não passa de
uma abordagem “didática.” Já vimos que a linguagem e a
violência que engendra ao separar, construir, instituir
códigos, diferenças, normas e comportamentos impregna
todo o tecido social, criando sistemas de interpretação
social e assujeitamentos naturalizados em torno do
biológico, cujos efeitos resultam em corpos sexuados,
definidores de seus locais de fala e de atuação no político.

Na verdade, o corpo sexuado na linguagem patriarcal


parece se materializar na definição do feminino
inferior e apropriável, um feminino em negativo, que
põe em relevo a força e o poder de seu referente, o
masculino. A violência da linguagem que inferioriza o
corpo feminino, marcando-o de especificidade, de
fraqueza, de dependência, de impossibilidades
diversas cria uma espiral onde as formas de violência
se autorizem entre si, sem poder nunca apontar qual
a origem ou a conseqüência.

O ataque é tão “lingüístico” quanto “corporal”.

O quotidiano permite sentir de perto as agressões


“benignas” da linguagem, que resvalam para a agressão
física: em uma loja, um menino de 6-7 anos vem correndo
em direção à mãe, aos brados de “eu sou macho, sou
mesmo macho!” sob o olhar complacente de sua avó e do
vendedor. Ao alcançar sua mãe, agrediu-a com socos e
pontapés. Macho, sinônimo valente, corajoso, como no
dicionário, ou simplesmente o “oposto” do ser feminino? O
círculo vicioso do desprezo e do ódio do feminino continua
passando da linguagem para o físico, ambos sendo uma
agressão corporal.

Butler (1997: 102) advertiu para o fato de que da


linguagem à ação, o caminho é curto, pois da linguagem
violenta, passa-se aos atos violentos pois “ [...]a cadeia da
fala de ódio não pode ser combatida com eficácia por meio
da censura. A característica da fala de ódio é a repetição, e
ela continuará se repetindo enquanto estiver carregada de
ódio”.

O ódio pelo feminino que exala da linguagem


patriarcal se auto-alimenta de suas próprias
reiterações ritualísticas. Presa em círculos viciosos
hiperbólicos, a linguagem é violenta ao criar materialidades
hierarquizadas por engendrar assujeitamentos em suas
pedagogias sociais e no próprio aprendizado da língua,
violento instrumento de separação, oposição, exclusão,
criando uma sociedade violenta que, por sua vez, cria uma
linguagem violenta e autoriza a violência física.

Para Barthes (1978: 14): “[...]falar não é comunicar e sim


submeter[...]” mas lá onde há submissão há igualmente a
pluralidade de sentidos presente na linguagem e a
subversão é parte destes. Ao dobrar o humano em formas
opostas, em condições diferentes, de acordo com um
biológico centrado no sexo, a linguagem violenta os corpos
“construídos-em-mulher”, mas é igualmente
instrumento de transformação, de uma subversão já
anunciada e em movimento nas teorias e práticas
feministas.

* Este texto foi apresentado no Seminário FAZENDO


GÊNERO 7, Florianópolis, em agosto de 2006

références
bibliographiques

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