Você está na página 1de 8

DOSSIÊ

A fidelidade
na Internet
Ao lançar empresas na rede mundial de computadores, muitos
executivos concentram seus esforços em atrair clientes, mas
quase ninguém pensa em como conservá-los. Esse é um grave
erro, porque, nos negócios eletrônicos, o cliente fiel anda mais
importante do que nunca. Por Frederick F. Reichheld e Phil Schefter

provável que lealdade não seja a primeira idéia que passe por sua cabeça quando

É pensa no comércio eletrônico. Afinal, que importância pode ter esse conceito anti-
quado num mundo no qual os clientes estão em condições de abandonar uma em-
presa com o simples clique de um mouse? De que serve a qualidade da “loja de bairro” no
anonimato que caracteriza o mercado global da Internet?
No entanto, executivos-chefes de empresas pioneiras do comércio eletrônico –como
Michael Dell, da Dell Computer; Meg Whitman, da eBay; Jack Brennan, da Vanguard; e
Richard Keyser, da Grainger– preocupam-se seriamente com a retenção de clientes e con-
sideram que esse é um aspecto vital para o sucesso de suas operações on-line.
Eles sabem que a fidelidade é uma necessidade econômica –captar clientes na Internet é
extremamente caro– e também competitiva: em qualquer setor, alguma empresa descobri-
rá como extrair todo o potencial da Internet, a fim de gerar um valor excepcional para os
clientes, e estabelecerá com eles relações muito mais rentáveis, à custa dos concorrentes
menos ágeis.
A lógica da fidelidade na Internet
Há dez anos, junto com Earl Sasser, da Harvard Business School, a Bain & Company
analisou os custos e as receitas obtidas a partir do atendimento de clientes durante todo seu

Sinopse
Nos dois últimos anos, a firma de consultoria Bain consumer, empresas que visam o consumidor final)
& Company fez uma ampla pesquisa sobre fidelidade como na de B2B (business-to-business, empresas
de clientes aos sites da Internet. Foram analisadas as que fazem negócios com outras empresas). Neste
estratégias e práticas de muitas empresas ponto.com, artigo, Frederick Reichheld e Phil Schefter detalham
avaliados o projeto e o funcionamento de seus sites a pesquisa, analisando aspectos como o ciclo de
e entrevistados milhares de compradores. O resultado vida dos clientes virtuais, e afirmam que, já hoje,
foi uma surpresa para muitos. Ao contrário da visão a maioria deles demonstra propensão à fidelidade.
comum, segundo a qual os clientes on-line são infiéis Segundo os autores, se os executivos não se
por natureza e percorrem um site após o outro em preocuparem em conquistar a fidelidade dos
busca da melhor oferta, a Internet é um espaço em usuários da rede, num futuro próximo só atrairão
que as pessoas aderem –ou não– a determinado os compradores mais desinteressantes –aqueles
projeto, tanto na esfera do B2C (business-to- que só buscam preço baixo.

HSM Management 28 setembro-outubro 2001


DOSSIÊ

A eBay, uma ciclo de vida e publicou os resultados no trabalho intitulado “Deserção zero: a qualidade
provém do atendimento”.
das líderes do Na época, demonstramos que, em todos os setores, o custo elevado de aquisição de
novos clientes faz com que muitos deles não sejam rentáveis durante os primeiros anos. Na
comércio verdade, apenas quando cai o custo de atender os clientes fiéis e aumenta o volume do que
eles compram é que as relações geram altos dividendos. Esses números surpreenderam
eletrônico, muitos executivos, que começaram a projetar estratégias de retenção de clientes em suas
respectivas empresas, e boa parte dessas estratégias continua a produzir bons resultados.
teve ótimos Quando aplicamos a mesma metodologia para analisar o ciclo de vida dos clientes em
diversos setores do comércio eletrônico –livros, vestuário, venda no varejo de alimentos e
resultados ao bens de consumo eletrônicos, por exemplo–, descobrimos que as regras clássicas da fidelida-
de continuam válidas. Na verdade, o padrão geral de prejuízos iniciais, seguidos de lucros
incentivar os crescentes, se acentua na Internet.
No início de um relacionamento, os custos de aquisição de um cliente são significativa-
usuários a mente mais altos na Internet do que nos canais varejistas tradicionais. No comércio eletrôni-
co de vestuário, por exemplo, os novos clientes custam entre 20% e 40% mais para as empre-
recomendar sas puramente de Internet do que para os varejistas convencionais, tanto com lojas físicas
como virtuais.
seu site a Nos anos seguintes, contudo, a lucratividade cresce a uma velocidade surpreendente.
Ainda no exemplo do comércio eletrônico de vestuário, descobrimos que os clientes fiéis
familiares e compram o dobro (ou mais) ao fim de 24 ou 30 meses de relação com um varejista eletrô-
nico do que nos primeiros seis meses (veja gráfico acima). Além disso, uma vez que na
conhecidos Internet é relativamente fácil expandir a gama de produtos oferecidos, esses varejistas
conseguem vender cada vez mais produtos para os mesmos clientes. As evidências indi-
cam que o cliente on-line tende a consolidar suas compras em um site, que se converte em
parte de sua rotina diária.
Esse fenômeno é ainda mais notável no setor business-to-business. A W.W. Grainger, o
principal fornecedor de peças para indústrias dos EUA, descobriu que seus clientes com-
pravam muito mais depois de migrar
da rede física da Grainger para a In-
CICLO DE VIDA DO CLIENTE NO COMÉRCIO ELETRÔNICO ternet. Os clientes mais antigos, cujo
volume de gastos se mantinha está-
US$ Rentabilidade por cliente vel nas filiais tradicionais, aumenta-
100
ram suas compras quando começa-
ram a utilizar o site da empresa. Nes-
80
ses casos, as vendas aumentaram a
um índice três vezes maior do que as
60 correspondentes a clientes que só
usavam a rede de distribuição con-
40 vencional da Grainger.
Além de comprar mais, os clientes
20
fiéis costumam recomendar seus for-
necedores a outros clientes potenci-
ais, o que gera uma fonte adicional
0
0 1 ano 2 anos 3 anos de receitas para esses fornecedores. As
referências constituem uma arma de
-20 peso no comércio tradicional e a In-
ternet amplifica os efeitos da publici-
-40 Bens de consumo eletrônicos dade “boca a boca”. Os consumidores
Livros on-line podem, por exemplo, enviar
Alimentos mensagens de correio eletrônico a
-60
Vestuário dezenas de amigos e parentes, reco-
mendando-lhes determinado site ou
-80
produto encontrado na rede. E, como
Fonte: Bain & Company/Mainspring. os clientes captados por meio de re-

HSM Management 28 setembro-outubro 2001


DOSSIÊ

A Amazon.com comendações têm um custo de aquisição menor, começam a gerar lucros em pouco tempo de
seu ciclo de vida.
conseguiu uma A eBay, uma das líderes do comércio eletrônico, está obtendo resultados surpreendentes
ao incentivar os usuários a recomendar seu site a familiares e conhecidos. Por essa via,
posição do obteve mais da metade de seus clientes. “Se alguém fizer as contas a partir dos dados de
nossas demonstrações financeiras trimestrais, verá que estamos gastando menos de
minante no US$ 10 na aquisição de cada novo cliente. E isso se deve ao impulso gerado pela recomen-
dação boca a boca”, conta Meg Whitman, presidente da empresa.
mercado da Além disso, a eBay descobriu que os custos de atender um cliente adquirido por essa via
são consideravelmente menores que atender os clientes captados pela publicidade ou ou-
venda de livros tros esforços de marketing. O motivo? Essas pessoas tendem a pedir ajuda àqueles que lhes
recomendaram o site, antes de recorrer à central de suporte técnico da eBay.
on-line por haver O resultado da combinação de todos esses fatores indica que o valor da fidelidade na
Internet é frequentemente muito maior do que no mundo físico. Para as empresas com
desenvolvido operações na Internet, uma coisa está clara: somente as que alcançarem níveis extraordiná-
rios de fidelização de clientes poderão gerar lucros superiores em longo prazo.
o site mais Uma questão de confiança

confiável do Para ter a lealdade dos clientes, é preciso primeiro conquistar sua confiança. Essa pre-
missa é mais válida do que nunca na Internet, onde os negócios se realizam a distância e
setor tanto os riscos como a incerteza aumentam.
Quando operam on-line, os clientes não conseguem olhar o vendedor nos olhos, exami-
nar as instalações do varejista ou tocar os produtos. Assim, têm de crer em imagens e
promessas; se não confiarem na empresa que lhes apresenta essas imagens e promessas,
comprarão em outro lugar.
Quando perguntamos aos compradores on-line quais eram os atributos mais importantes
de um site de compras, a primeira resposta foi: “Um site que eu conheça e em que confie”.
Outros atributos, como menor preço ou maior variedade, ficaram esquecidos
na pesquisa. Não é o preço que domina a Internet; é a confiança.
Quando os clientes confiam num site de compras, ficam muito mais propensos a com-
partilhar informações pessoais com a empresa que o administra. Essas informações permi-
tem à empresa estabelecer um relacionamento mais íntimo e oferecer produtos e serviços
adequados às preferências individuais de cada comprador, o que, por sua vez, reforça a
confiança e a fidelidade dos clientes. Um círculo virtuoso desse tipo pode transformar-se
numa vantagem duradoura sobre os concorrentes.
A Amazon.com, por exemplo, conseguiu uma posição dominante no mercado da venda
de livros on-line por haver desenvolvido o site mais confiável do setor. Milhões de clientes
não hesitam em permitir que a Amazon arquive seus nomes, endereços e números de car-
tão de crédito em seu sistema. A comodidade resultante –os usuários podem fazer sucessi-
vas compras apenas com um clique– converteu-se em um fator crucial para a competitivi-
dade da empresa.
A Amazon não ignora o valor da confiança. Em 1999, quando um jornal revelou que o
site aceitava “recompensas” das editoras por seus comentários e críticas de livros, suposta-
mente independentes, modificou essa política imediatamente. A empresa percebeu que
estava colocando em risco um de seus ativos mais importantes.
Outra empresa que apela para a confiança como fundamento da fidelidade é o Vanguard
Group. Especializada em fundos mútuos, administrando mais de US$ 500 bilhões em ativos,
a Vanguard investiu perto de US$ 100 milhões no desenvolvimento de seu site. Entretanto,
diferentemente de muitos concorrentes, a Vanguard não o utiliza para fazer publicidade de
seus produtos. Prefere aproveitar sua presença on-line para informar os clientes, inclusive
quando isso significa perder uma compra.
O cliente que navega pelas páginas do site da Vanguard frequentemente é alertado para
não investir em certos fundos. Pode, por exemplo, receber uma mensagem avisando-o de
que determinado fundo está se aproximando da data de distribuição de dividendos e que,
portanto, é preferível adiar o investimento. Pode, também, ver que certos fundos estão

HSM Management 28 setembro-outubro 2001


DOSSIÊ

destacados porque seu desempenho recente foi particularmente alto. Em geral, as descri-
ções desse tipo de fenômenos estão acompanhadas por uma nota de alerta de Jack Bren-
nan, o presidente executivo da empresa, avisando que esses dividendos talvez não sejam
sustentáveis no futuro. Essa política contrasta com a maioria das empresas concorrentes,
que costumam fazer uma divulgação agressiva dos retornos de seus fundos.
O Vanguard Group crê que conquistar a confiança de seus clientes leva a relacionamen-
tos mais duradouros e mais rentáveis, enquanto uma venda rápida pode fazer com que
esses mesmos clientes se sintam enganados.
A Internet oferece novas oportunidades de gerar confiança. Ninguém ignora, por exem-
plo, que a rede é um terreno fértil para o desenvolvimento de comunidades. Mas poucos
sabem de que modo a confiança que se construiu nessas comunidades pode ser transferida
para as empresas que as abrigam.
A eBay traz um excelente exemplo. No passado, o medo da falta de segurança e da possi-
bilidade de fraude impedia que o intercâmbio de mercadoria usada se convertesse em um
grande negócio. Entretanto, a eBay apelou para as capacidades específicas da Internet para
estabelecer e reforçar regras de compromisso. Os compradores e vendedores se avaliam uns
aos outros depois de cada transação, e essas avaliações são publicadas no site.
Ao mesmo tempo, a eBay reduz o risco para o cliente, tendo em conta que garante
automaticamente os primeiros US$ 200 de cada transação, com o que isola os vendedores
dos compradores inescrupulosos. E mantém o dinheiro em depósito
até que o comprador manifeste estar satisfeito com a mercadoria
O ALTO CUSTO DA BAIXA FIDELIDADE recebida.
De alguma forma, a eBay usa a Internet para impor as regras de
Custo típico de aquisição por cliente confiança típicas das “cidadezinhas” no mais desafiador dos merca-
dos: uma rede global de pessoas que não se conhecem. E assim está
56 colhendo os frutos da fidelidade de seus membros.

84 O foco nos clientes apropriados

53 Quando se voltam para a Internet, muitos executivos e empreende-


dores vêem a oportunidade de se livrar de uma das limitações cen-
0 US$ 20 40 60 80 100 trais do mundo tradicional dos negócios: a necessidade de foco. Uma
vez que um site é acessível por qualquer cliente, a qualquer momen-
Anos para atingir o ponto de equilíbrio to e de qualquer lugar, surge a tentação de atrair o maior número
possível de compradores potenciais. Em consequência disso, lan-
4+ ça-se com fúria incontrolável à aquisição indiscriminada de clien-
tes, medindo o sucesso em função de páginas visitadas e fatura-
1,7 mento. Finge ignorar que uma cuidadosa seleção de clientes sempre
1,1 foi a base do êxito de qualquer negócio.
A ausência de foco torna muito mais difícil a conquista da fidelida-
0 Anos 2 4 de. Os clientes querem sites de formato simples, rápidos e fáceis de
usar. Quanto maior é o espectro de consumidores que a empresa tenta
Porcentagem de clientes perdidos antes de
atingir o ponto de equilíbrio alcançar, mais complexo se torna o site. Com o propósito de ser “tudo
para todos” –adaptando-se a todos os níveis de conhecimento técnico,
60+ todas as exigências de serviços, todos os tipos de preços e todos os
graus de preferências de marca–, muitos sites agregam constantemen-
40 te novas funções. Assim, tornam-se muito mais lentos e difíceis de
15 usar. As pessoas que os visitam se confundem e, em geral, não voltam.
Além disso, a abordagem indiscriminada de aquisição de clien-
0% 20 40 60 tes compromete a rentabilidade, o que costuma passar despercebi-
do no comércio eletrônico, uma vez que tanto os executivos como
Bens eletrônicos de consumo os investidores concentram sua atenção nas estatísticas de tráfego.
Alimentos A aritmética simples da lógica da fidelidade indica que, na maioria
Vestuário dos negócios da Internet, os clientes devem permanecer por no
mínimo dois ou três anos para que uma empresa recupere o dinhei-
Fonte: Bain & Company/Mainspring.
ro que investiu para adquiri-los. Entretanto, descobrimos que uma

HSM Management 28 setembro-outubro 2001


DOSSIÊ

Quando se grande porcentagem de novos clientes –mais de 50% em alguns setores– abandona o site
antes do terceiro ano.
voltam para a A experiência do Vanguard Group revela a importância do foco. A empresa se concen-
tra em indivíduos com horizontes de investimento de longo prazo, que apreciam as van-
Internet, muitos tagens do menor custo e da baixa taxa de dispersão de seus fundos. Dessa maneira, suas
atividades de marketing e de aquisição de clientes visam esse segmento de investidores.
executivos e Isso lhe permitiu manter uma vantagem em custos: seus gastos com publicidade, por
exemplo, só representam 10% do que gasta a concorrência.
empreendedores Para identificar que tipo de clientes atrair –e que tipo evitar–, o primeiro passo é avaliar
as diferentes categorias de consumidores on-line. Ao contrário do que se supõe habitual-
vêem a mente, a maioria não está à caça do preço mais baixo. O que quase todos desejam, como
descobrimos em nossa pesquisa, é a comodidade. Em outras palavras, preferem comprar
oportunidade em sites que facilitem sua vida e aceitam pagar mais por essa conveniência. Embora compa-
rem preço, não o fazem de maneira obsessiva e tendem a ser fiéis. Afinal, voltar a um site
de se livrar da conhecido é muito mais simples do que explorar um site novo.
Outro grupo considerável de consumidores dá grande importância às marcas e também
necessidade está em busca de relacionamentos estáveis e duradouros. Se uma empresa supõe que os
clientes que a abandonam só são motivados pelos melhores preços de outra e, portanto,
de foco, mas não faz esforços para reconquistá-los, provavelmente está cometendo um erro.
O projeto de um site tem grande influência no tipo de cliente que ele atrairá. Nossa pesqui-
estão errados sa revela que o mix de segmentos de clientes varia significativamente entre as empresas de
Internet que operam no mesmo mercado. Alguns sites captam uma rica mistura de clientes
fiéis, enquanto outros atraem consumidores itinerantes, que se movem de um lugar para
outro em busca de ofertas. No setor de alimentação, por exemplo, 75% dos novos clientes de
uma das empresas líderes não aspiram a relacionamentos de longo prazo e só estão interessa-
dos nos preços baixos. Ao mesmo tempo, 75% dos novos clientes de um concorrente direto
dessa empresa são fiéis à marca e são motivados pela comodidade.
Os clientes fiéis declaram que chegaram aos sites por meio de recomendações. Por sua
vez, os que sempre buscam ofertas foram atraídos por descontos promocionais ou campa-
nhas publicitárias. Principalmente no segmento de alimentação, os menos fiéis se deixam
tentar por anúncios publicitários indiscriminados. Se uma empresa de Internet está gas-
tando a maior parte de seu orçamento de marketing nessas ações, sem se preocupar em
construir comunidade ou promover recomendações, talvez esteja tendo prejuízo em longo
prazo em sua base de clientes.
O que se deve aprender sobre a fidelidade
Embora a Internet possa parecer um espaço ideal para o anonimato, na realidade é mais
fácil rastrear os clientes on-line, e descobrir seu histórico de compras e suas preferências, do
que os de um negócio tradicional.
Nas lojas do mundo físico, os clientes não deixam pegadas de seu comportamento, a
menos que comprem algo. Mesmo nesse caso, os dados costumam ser confusos. Nos pon-
tos-de-venda virtuais, por sua vez, seus padrões de compra são transparentes. Cada movi-
mento de um cliente pode ser documentado eletronicamente, clique por clique. Se um
visitante abandona um site quando aparece a tela do preço, o mais provável é que
se trate de alguém em busca de ofertas. Se percorre várias páginas sem iniciar uma transa-
ção, talvez esteja frustrado por não poder encontrar o que busca.
Ao fornecer essa informação valiosa, a Internet oferece às empresas enormes oportu-
nidades de conhecer seus clientes a fundo e de adaptar ofertas que se ajustem a suas
preferências. Contudo, muito poucas empresas estão fazendo algo para aproveitar esse
potencial.
Nem mesmo 20% das empresas que operam na Internet acompanham o comporta-
mento dos clientes de forma rigorosa, ainda que seja para saber qual é o padrão que rege
a dispersão de muitos deles. Apenas se empenham em fazer crescer o número de visitan-
tes e as vendas on-line. Dessa forma, não aproveitam a oportunidade de realizar vendas
cruzadas e conseguem uma participação muito menor das compras totais dos clientes. As

HSM Management 28 setembro-outubro 2001


DOSSIÊ

As empresas pesquisas mostram que um site médio atinge menos de 30% de seu potencial de vendas
com cada cliente.
líderes em Uma das exceções é a America Online (AOL). A empresa mede meticulosamente a fide-
lidade de seus clientes e seus padrões de compra e utiliza essas informações para tomar
fidelização decisões sobre estratégia, marketing e projeto do site. Para um observador casual, a estraté-
gia de aquisição de clientes da AOL pode lhe parecer um simples bombardeio de CDs
monitoram o gratuitos. No entanto, ela obedece à análise cuidadosa dos índices de retenção e dos ciclos
de vida econômicos de diferentes segmentos de clientes. A empresa põe à prova, em pe-
custo total que quena escala, programas criativos de aquisição de clientes, porém só investe muito dinhei-
ro nos que têm possibilidade de atrair clientes cuja rentabilidade de longo prazo justifi-
um cliente tem que o custo de aquisição.
A Dell Computer é outra empresa que converteu a medição do comportamento dos
quando adquire clientes na pedra fundamental de sua estratégia de negócios eletrônicos. Estabeleceu um
“Conselho de Experiência do Cliente”, sob a responsabilidade de um vice-presidente, que
um de seus supervisiona as medições e os programas de fidelização. Esse conselho está integrado por
altos executivos de cada uma das linhas de negócios da empresa.
produtos ou Em uma entrevista recente, Paul Bell, vice-presidente sênior e membro do conselho,
explicou que a Dell monitora o comportamento dos clientes com o mesmo rigor que
serviços outras empresas aplicam à medição de seus resultados financeiros. “Todas as empresas
com cotação na Bolsa comunicam a seus acionistas os resultados trimestrais, porém mui-
to poucas possuem, como a Dell, um conjunto de indicadores que avaliam, mês a mês, a
experiência dos clientes”, disse Bell.
Depois de analisar os dados sobre retenção de clientes, o conselho detectou três grandes
impulsionadores da fidelidade: o processo de entrega de pedidos, o desempenho dos produ-
tos e o suporte pós-venda. Em seguida, identificou os indicadores que resumiam melhor
o desempenho da Dell em cada um desses impulsionadores.
Para o processo de entrega de pedidos, optou-se pelo indicador que mede a porcenta-
gem de pedidos de compra entregues no prazo. Para o desempenho dos produtos, foi
escolhido o indicador que mede a frequência de problemas detectados pelos clientes nos
produtos. E para o suporte pós-venda, selecionou-se o indicador que mede
a porcentagem de problemas resolvidos no primeiro contato, no prazo
prometido.
Em seguida, o conselho se incumbiu do desenvolvimento de sistemas e
Saiba mais sobre processos para coletar dados, compará-los com os indicadores, atualizá-los
diariamente e compartilhá-los com todos os funcionários. Além disso, de-
Reichheld e Schefter terminou objetivos de melhoria para cada indicador e vinculou a remune-
ração dos principais executivos ao cumprimento desses objetivos.
Considerado um dos principais
Outro indicador que as empresas líderes em fidelização de clientes acom-
especialistas em fidelização de
panham de perto é o custo total que um cliente tem quando adquire seus
clientes da atualidade, Frederick
produtos ou serviços. A Dell, por exemplo, calcula todos os gastos do
F. Reichheld é sócio da firma de
cliente –desde a compra do produto em si, a instalação, a aquisição de
consultoria e pesquisas Bain &
softwares e licenças até a manutenção e o descarte final–, quer faça os
Company, em Boston, Massachu-
pagamentos à Dell ou a terceiros. A partir dessas informações, a Dell de-
setts, e autor do livro A Estratégia
cide seus investimentos em novos produtos e serviços.
da Lealdade (ed. Campus). Já teve
Com isso, a empresa dá prioridade aos desenvolvimentos que gerem
entrevista exclusiva publicada em
novas fontes de receitas e, ao mesmo tempo, reduzam os custos totais de
HSM Management número 21
aquisição e operação de seus produtos, o que contribui para aumentar a
(página 6). Phil Schefter é vice-
retenção e a fidelidade dos clientes. Um exemplo é o site Dell Auction,
presidente da mesma firma de
onde os clientes podem vender seus equipamentos obsoletos. Os leilões
consultoria e chefe da divisão res-
beneficiam os clientes e também a empresa, já que dessa forma consegue
ponsável pelos clientes de comér-
receitas adicionais.
cio eletrônico. Juntos, lançaram
O acompanhamento dos indicadores de fidelidade permite às em-
recentemente o e-book intitulado
presas identificar os verdadeiros impulsionadores do sucesso de seus
E-Loyalty: Your Secret Weapon on the
negócios. Ao estudar os padrões de repetição de compra nos principais
Web, disponível apenas em inglês.
sites de comércio eletrônico, descobrimos que os cinco fatores determi-

HSM Management 28 setembro-outubro 2001


DOSSIÊ

As regras básicas nantes da fidelidade não têm a ver com inovações tecnológicas, mas, sim, com as regras
clássicas de atendimento ao cliente: atenção e suporte de alta qualidade; entrega pontu-
da fidelização al; custos de remessa a preços razoáveis; e políticas claras e confiáveis da privacidade da
informação.
de clientes não Visão global
mudam na Muitas empresas se viram tentadas a separar seus negócios de Internet do resto de suas
operações, na esperança de aproveitar o entusiasmo dos investidores nas empresas
Internet. ponto.com, ou a fim de captar o talento exigido para realizar as atividades na rede. De
imediato, essa estratégia pode ser benéfica. Mas é possível que, em longo prazo, mine a
O que muda fidelidade do cliente.
Quando alguém se relaciona com uma empresa, não distingue uma transação na Inter-
é a velocidade net de uma realizada num ponto-de-venda físico –ambas fazem parte da mesma experiên-
cia com essa empresa. Líderes como Vanguard, Dell e Grainger sabem que a fidelidade é
com que determinada pelo espectro total de suas interações com os clientes, razão pela qual inte-
gram suas operações para produzir uma experiência de alta qualidade e sem fissuras.
empresas devem Por isso, segundo Jack Brennan, da Vanguard, a Internet “não é uma estratégia, mas, sim,
uma ferramenta”. Seus extraordinários recursos podem ser aplicados, entre outras coisas,
melhorar para para melhorar a comunicação com os clientes, favorecer o aprendizado organizacional sobre
as necessidades dos compradores, satisfazer suas demandas e reduzir os custos de transação,
agradar-lhes todos vitais para estabelecer relacionamentos fortes e duradouros.
Entretanto, essas capacidades da Internet não serão aproveitadas de forma isolada.
Necessitam ser integradas aos demais recursos disponíveis na organização. Quando um
funcionário de uma empresa cliente da Dell precisar adquirir um computador novo, por
exemplo, provavelmente algum dos mais de 2 mil vendedores da Dell já terá trabalhado
com o departamento de compras dessa empresa, tanto para chegar a acordos de preços
como para determinar as configurações de hardware e software. Então, esse funcionário
pode solicitar o computador diretamente à Dell, pela Internet, por telefone ou por fax, e
economizar tempo e esforço do departamento de compras.
A Grainger também se diferencia por integrar seu canal de Internet com a estrutura de
negócios tradicionais. Investiu cerca de US$ 75 milhões em sua bem-sucedida operação na
Internet, que registra mais vendas que muitos outros sites business-to-business. Seus clientes
gostam da disponibilidade do site 24 horas por dia; na verdade, quase 25% dos pedidos são
feitos fora do horário comercial. Contudo, a Grainger está longe de considerar a Internet
como um canal que contribui para reduzir o custo de sua equipe de vendas. Ao contrário,
paga-lhe as comissões combinadas, não importa qual seja o canal utilizado.
Dessa forma, os vendedores sempre encorajarão os clientes a usar o canal mais conve-
niente, que para muitos é a Internet. A meta da Grainger? Ganhar uma participação
cada vez maior na carteira de compras de seus clientes, e isso ela está conseguindo, prin-
cipalmente porque não perde de vista a experiência total do cliente com a empresa. O
volume de vendas da Grainger na Internet cresce a uma taxa que é o dobro da do setor.
A verdade, somente a verdade
Investir em tecnologia não basta para garantir a lealdade. O segredo está em fornecer,
sistematicamente, uma experiência superior aos clientes. A Internet é uma ferramenta
poderosa para reforçar os relacionamentos, porém as regras básicas da fidelização não
mudaram. Ao estimular a repetição de compra entre o grupo de clientes mais rentáveis, as
empresas podem iniciar uma espiral de vantagens econômicas. Esse “efeito fidelidade”
lhes permite recompensar mais generosamente seus funcionários, gerar melhores fluxos
de caixa para os acionistas e reinvestir de maneira mais agressiva a fim de proporcionar
mais valor para os clientes.
O que mudou é o ritmo com que essas regras se “manifestam”, a velocidade com a qual
as empresas devem melhorar seus produtos e serviços para conquistar a fidelidade dos
clientes, que possuem uma tolerância cada vez menor em relação à mediocridade. No pas-
sado, a falta de informações fazia com que os clientes fossem fiéis por necessidade, não por

HSM Management 28 setembro-outubro 2001


DOSSIÊ

escolha. Agora, graças à Internet, podem comparar as ofertas dos fornecedores de bens e
serviços em tempo real. Devido a isso, conquistar sua fidelidade não é apenas uma maneira
de aumentar a rentabilidade, mas, sim, uma estratégia fundamental para garantir a sobre-
vivência das empresas.

© Bain & Company

HSM Management 28 setembro-outubro 2001

Você também pode gostar