Você está na página 1de 11

40 anos de sua morte

A importância de Che Guevara e da Revolução Cubana

Leia no caderno especial desta edição o artigo


“Ernesto ‘Che’ Guevara: revolucionário e
internacionalista” e a análise da Revolução Cubana, o
papel do “Che” e seus principais desdobramentos

8 de outubro de 2007
Em 1997, quando o assassinato do
famoso guerrilheiro argentino e
cubano completava 30 anos, um
grupo de pesquisadores desses
países confirmou a descoberta da
ossada do líder guerrilheiro Ernesto
“Che” Guevara, enterrada em uma
vala comum na cidade boliviana de
Vallegrande junto aos restos mortais
de outros seis combatentes da
guerrilha, próximo ao local onde
foram capturados e mortos pela CIA
e pelas forças de repressão da
ditadura de Renê Barrientos[1] na
Bolívia.

Ernesto “Che” Guevara foi, em vida, a principal bête noire dos órgãos de repressão
do imperialismo mundial, o homem que queria, com o seu exemplo moral e político,
incendiar toda a América Latina e o mundo, impulsionando a juventude a romper
com a paz de cemitérios dos partidos comunistas stalinistas e passar à ação, que
segundo ele entendia era a ação militar direta contra o imperialismo e seus
governos títeres nos países atrasados. Hoje, a figura do guerrilheiro assassinado
vem sendo canonizada, inclusive pela imprensa e meios publicitários capitalistas.

Chama a atenção, embora não surpreenda, a insistência dos meios de comunicação


em destacar a grande popularidade de “Che” entre a juventude de todo o mundo,
não em geral, mas particularmente o caráter mais despolitizado desta
popularidade. A acreditar na imprensa, o “Che” Guevara teria se transformado em
mais um logotipo, sem qualquer significado, para o consumo transitório de uma
juventude ávida de novidades. Não há qualquer dúvida de que o esforço dos meios
de propaganda do imperialismo se dirija no sentido da realização deste objetivo,
mas o próprio objetivo de despolitizar mostra que a influência da imagem do Che
nos meios da juventude é política, ainda que com limites evidentes.

O papel de Guevara na história merece ser analisado, apesar dos inúmeros poréns.
O líder guerrilheiro é apresentado como marxista, como gênio da tática de luta,
como grande pensador e, inclusive, como o “ser humano mais completo” em função
de ser um intelectual, homem prático e grande caráter moral. Nada disso, porém,
se sustenta. O dirigente da Revolução Cubana não era efetivamente marxista,
embora tomasse muitas das suas idéias do marxismo. Não conseguiu superar em
seus escritos a idéia do socialismo nacional ou assimilar a idéia do partido como
instrumento indispensável da revolução proletária, particularmente do partido
mundial da classe operária.
Perto dos grandes nomes do socialismo mundial, como Marx, Engels, Lênin ou
Trótski o Che evidentemente não é capaz de sustentar uma comparação. Além de
gigantescos teóricos do socialismo, Marx e Engels são os fundadores do movimento
operário político moderno, de cujo trabalho teórico e prático surgiu a tradição que
via da I à IV Internacional. Lênin e Trotski são os dirigentes da Revolução Russa de
1917, criadores da III Internacional, a maior organização política da classe operária
que jamais existiu. Todos foram teóricos, escritores e homens de ação geniais.
Comparar a Revolução Cubana e obra de Che Guevara com tais mestres é não só
exagerado como injusto para os últimos.

O Che tem um enorme valor revolucionário e este valor para ser corretamente
apreciado, deve ser visto em uma perspectiva histórica e na devida escala.

O Che foi sem dúvida um grande revolucionário e merece ser estudado por toda a
juventude e pela classe operária pela denúncia que representa o seu sacrifício na
luta contra o imperialismo, o seu combate até certo ponto pela expansão
internacional da revolução e o seu idealismo e desprendimento dos privilégios e das
benesses materiais tão característicos das burocracias cubana, soviética e dos
demais estados do leste europeu, posições estas tão contrastantes com as de uma
expressiva parcela da esquerda latino-americana e dos países atrasados, que cada
vez mais transforma-se em pilar de sustentação do imperialismo em seus países
(PT no Brasil, FSLN na Nicarágua etc.).

Assim como Blanqui, que pela sua história própria, nunca pôde compreender o
verdadeiro programa revolucionário e isto não o impediu de ser um grande
revolucionário, o mesmo podemos dizer do Che Guevara.

O papel político do líder guerrilheiro não pode ser corretamente avaliado sem um
olhar crítico frente aos seus grandes erros políticos, que contribuíram para
desencaminhar toda uma geração de militantes latino-americanos que ingressaram
no caminho desastroso da guerrilha nas décadas de 60 e 70. No entanto, os erros
teóricos e práticos realizados por uma pessoa que deu a sua vida pelo que
acreditava não podem ser visto menos que como uma contribuição para a luta da
classe operária mundial, assim como a Comuna de Paris, repleta de erros políticos,
nunca deixou de ser um aspecto decisivo da história revolucionária moderna com
enorme influência sobre a revolução e a evolução do marxismo. A luta verdadeira e
honesta não pode deixar de dar resultados revolucionários porque a classe operária
tem como característica fundamental a sua enorme capacidade de aprender dos
erros.

Argentina, Bolívia, Guatemala, México e Cuba

Ernesto Guevara de La Serna, o “Che”, nasceu no dia 14 de junho de 1928 em


Rosário, Argentina, em uma família de classe média. Seus pais, Ernesto Guevara
Lynch e Célia de La Serna, tiveram alguma participação política em acontecimentos
importantes, como a guerra civil espanhola nos anos 30, a segunda guerra mundial
e a oposição ao governo de Juan Perón na Argentina, sempre em torno de posições
políticas tradicionais da pequena burguesia de esquerda e nacionalista argentina.

Em 1944, a família muda-se de Córdoba para Buenos Aires, quando Ernesto, então
com 16 anos, já havia se decidido a estudar medicina. Já com 21 anos, Guevara
não tinha ainda nenhum tipo de compromisso político, preferindo a vida de viagens
e aventuras de um jovem despreocupado com a vida. É com esse espírito que, em
1949, resolve fazer uma longa viagem de moto em companhia de um amigo para
conhecer vários países da América Latina. Passa pelo Chile, Peru, Colômbia e
Venezuela, onde conhece a miséria dos camponeses e da população pobre desses
países, todos com a mesma característica de Cuba, o país que mais tarde viria a
revolucionar: o controle despótico de países imperialistas que lhes impunham um
bárbaro atraso econômico e cultural.

Voltando a Buenos Aires, depois de uma rápida passagem por Miami, Guevara
retoma o curso universitário e em 1953 forma-se em medicina. Então com 25 anos,
“Che” prefere não exercer imediatamente a profissão, decidindo viajar novamente
com outro amigo, desta vez para a Bolívia. Em julho do mesmo ano, momento em
que seu futuro companheiro, Fidel Castro, atacava sem sucesso, mas com decisiva
repercussão política o Quartel de Moncada em Cuba, seu batismo de fogo na luta
armada contra Batista.

Na capital boliviana de La Paz, “Che” Guevara encontra a revolução proletária de


1952, onde as massas operárias haviam destruído as Forças Armadas e criado as
milícias operárias e camponesas, estatizando as minas e proposto o controle
operário da principal indústria do país que a burguesia nacionalista[2] no governo
transformou, em uma manobra desesperada, na cogestão da principal indústria do
país altiplano. Estes acontecimentos decisivos da revolução latino-americana,
porém, não causam uma profunda impressão no futuro líder guerrilheiro. Durante a
estada na Bolívia, fez amizade com o advogado exilado argentino Roberto Rojo, que
o convence a desistir dos seus planos de ir à Venezuela para acompanhá-lo até a
Guatemala. Neste pequeno país da América Central, o governo estava nas mãos do
coronel Jacobo Arbenz Guzmán[3] desde 1950, um governo nacionalista com o qual
a classe dominante local e os norte-americanos não estavam dispostos a conviver
em função do receio de ter seus interesses econômicos prejudicados.

No caminho, “Che” passa pela Costa Rica, onde encontra-se com exilados cubanos,
vários do quais remanescentes do ataque a Moncada, que lhe garantem voltar a
Cuba para derrubar Fulgêncio Batista[4]. Segundo Rojos, que escreveria uma
pequena biografia do “Che”, nenhum dos dois os levaram à sério.

Já na Guatemala, Guevara conhece a peruana Hilda Gadea Costa, com quem se


casaria mais tarde, e Nico Lopez, um dos líderes da revolta de 1953 em Cuba, que
no futuro o apresentaria a Raúl Castro, irmão de Fidel.

O país vivia um período de grande efervescência política. A poderosa United Fruit,


por exemplo, empresa norte-americana que explorava o plantio e a exportação de
frutas tropicais em diversos países da América Central, já havia perdido 91 mil
hectares de terra. O governo norte-americano conspirava abertamente contra o
governo guatemalteco.

Sob as ordens do presidente Dwight Eisenhower[5], a CIA - o serviço secreto dos


Estados Unidos - armou um pequeno exército de mercenários e "exilados" que no
dia 18 de junho de 1954 invadiu a Guatemala. Guevara, que vinha simpatizando
com as reformas sociais do governo, decidiu aderir à resistência ao golpe. No
entanto, uma semana depois Arbenz capitulara à investida e estava deposto e
substituído por uma ditadura militar.

A facilidade com que os norte-americanos derrubaram o governo impressionou


muito “Che”. “A última democracia revolucionária da América caiu como resultado
da fria e premeditada agressão conduzida pelos EUA (...) Isto foi visivelmente
encabeçado pelo secretário de Estado Dulles[6], um homem que, não por
coincidência, é também acionista e advogado da United Fruit Company”, escreveu.
Segundo sua esposa, “foi a Guatemala que o convenceu da necessidade da luta
armada, de tomar iniciativa contra o imperialismo”.
Por sua participação na resistência ao golpe, “Che” estava correndo sérios riscos
ficando na Guatemala. Decidiu então ir para o México, onde se aglomeraram os
simpatizantes do governo deposto, e, após um período trabalhando como fotógrafo
de rua, conseguiu emprego no Hospital geral da Cidade do México e como professor
na Universidade Autônoma do México.

Certo dia, no hospital, encontra com Ñico Lopez, que havia conhecido na Guatemala
e que o apresenta Raúl Castro, irmão de Fidel. Guevara e Raúl tornam-se amigos e
este último, em julho de 1955, o leva a conhecer o irmão, Fidel Castro.

O primeiro programa de Fidel

A contra-revolução organizada pelos Estados Unidos e conduzida por Fulgêncio


Batista após 1935 vai propiciar um período de maior estabilidade política, mas não
por muito tempo. Os governos dos sucessores de Batista (1940), Grau San Martín
(1944) e Prío Socarrás (1948), ambos do Partido Autêntico, representavam a
incorporação da oposição burguesa ao regime e a continuidade da corrupção e da
submissão cubana aos interesses norte-americanos.

O ambiente universitário na Cuba da segunda metade dos anos 40 era marcado por
uma grande radicalização política, onde dominavam grupos como o Movimento
Revolucionário Socialista e a União Insurrecional Revolucionária. Fidel ingressou na
Universidade de Havana em 1945 e à partir daí ingressou na política alinhando-se
posteriormente com os setores da burguesia democrática cubana.

Forma-se advogado em 1950 e filia-se ao Partido Ortodoxo, fundado em 1947 à


partir de uma cisão do partido Autêntico de Grau e Socarrás.
Pouco tempo depois Fidel vai desiludir-se com os ortodoxos e fundar o Movimento
26 de Julho. Desde o golpe de Batista em 52 Fidel promovia ações para tentar
derrubar o ditador cubano, recorrendo aos tribunais de justiça e realizando
manifestações estudantis. Com o crescimento dos protestos e a radicalização
política, decide adotar o caminho da luta armada.

Diário da Sierra Maestra

No ano de 1956, enquanto Fidel organiza, sob o treinamento militar do coronel


Alberto Bayo, veterano da guerra civil espanhola, a força expedicionária que no
final do ano partiria para invadir a ilha, Cuba vive momentos de intensa agitação
política, que estão assinalando o esgotamento do regime de Batista.

Em dezembro de 1955 já havia ocorrido uma greve dos trabalhadores açucareiros e


várias manifestações estudantis. Em abril de 56 há uma tentativa de tomar de
assalto o quartel de Goicuría na província de Matanzas e as forças de repressão do
governo ocupam a Universidade de Havana.

Não obstante ter sofrido uma batida policial que resulta na prisão de vários
combatentes e no confisco de várias armas, o Movimento 26 de Julho continua o
treinamento no México e Fidel segue com os planos iniciais.
A idéia era fazer coincidir, no dia 30 de novembro, a invasão de Cuba pela Província
do Oriente dirigida por Fidel com um levante popular conduzido pelo líder estudantil
Frank País na cidade de Santiago de Cuba.

No dia 27, um telegrama em código ordena o início dos preparativos na cidade e a


partida do grupo de Fidel, que havia levantado fundos e comprado um iate velho, o
Granma, para conduzir seus 81 homens, entre eles “Che”, até o local combinado
para o desembarque, onde o esperariam na praia armas, munições e suprimentos.
Conforme combinado, no dia 30 começa o levante popular dirigido por Frank País
em Santiago de Cuba. Membros do Movimento 26 de Julho da cidade lutam contra
o exército e a polícia.

No entanto, a travessia do Granma atrasa quase quatro dias. Péssimas condições


de navegação e erros de rota fizeram com que a força expedicionária de Fidel não
apenas atrasasse, mas desembarcasse no local errado, não na praia, mas num
mangue a 16 quilômetros ao sul. Na cidade, os combatentes liderados por País
eram esmagados pelas tropas de Batista. Vários morrem e muitos são presos.

Após sete dias no mar passando enjôo, fome, frio e sede -, Fidel e seus
combatentes enfrentavam agora a passagem pelo extenso mangue, no qual foram
obrigados a deixar, pouco a pouco, o que restava de armas e suprimentos, para
somente três dias depois pisar em terra firme, onde uma nova surpresa, bem mais
desagradável, os aguardava.

Após o fiasco da viagem e do desembarque do Granma, Castro e seus homens


dividiram-se em dois grupos e foram “caminhando” pelo mangue em busca de terra
firme. Segundo “Che”, eles estavam “desorientados e andando em círculos, um
exército de sombras, de fantasmas caminhando como se estivessem sendo
impelidos por algum mecanismo psíquico”. Os dois grupos encontram-se dois dias
depois e marcharam para um lugarejo chamado Alegría del Pío, onde fizeram uma
pausa para descansar em meio a um canavial.

Mal sabiam eles que o Exército de Batista já sabia de sua presença, através de duas
fontes: uma patrulha da guarda-costeira que os havia visto desembarcar e o
próprio guia que contrataram para levá-los à Sierra.

À tarde o exército atacou. Apanhados de surpresa, os rebeldes quase foram


aniquilados. Dos 82 homens desembarcados muitos foram mortos e outros presos e
executados, restando cerca de 15, que se reencontraram somente no dia 21 de
dezembro de 1956, após vagarem dispersos pela Sierra e serem posteriormente
ajudados pela rede de camponeses do 26 de Julho, organizada pela dirigente do
Movimento na cidade, Célia Sanchez.

O começo caótico da operação guerrilheira, no entanto, é superado pela tendência


revolucionária latente existente no páis. Os guerrilheiros vão, com relativa rapidez,
encontrar importantes pontos de apoio entre os camponeses e saber tirar proveito
da crise do governo e do próprio exército de Fulgência Batista, sem falar em que
contam já com amplo apoio da pequena burguesia, da classe operária e até mesmo
de setores da burguesia cubana, apoio que vai aumentar à medida em que os
guerrilheiros transformam-se em uma ameaça efetiva à ditadura de Batista.

Greve Geral

O 26 de Julho começa a fazer


propaganda de uma greve geral,
mas esta vai ocorrer como resultado
de um fato imprevisto: o assassinato
de Frank País aos 23 anos de idade
em 30 de julho. País tinha sido preso
e quando foi libertado passou vários
dias escondendo-se da polícia. Mas
seu esconderijo foi encontrado e, em plena luz do dia, ele e um companheiro foram
sumariamente executados na rua.

O assassinato desencadeou enormes manifestações antigovernistas, com greves


que se espalharam por toda a ilha. A situação revolucionária amadurecia em todo o
país.

A erupção produzida pela greve geral traduz-se em um rápido fortalecimento da


guerrilha urbana e rural, demonstrando que era a ação insurgente das massas o
verdadeiro motor da revolução e não as ações armadas, ensaiadas primeiro em
Moncada, nem as ações fulgurantes como o desembarque do Granma. Estas última
– e aí devemos incluir não apenas a guerrilha rural, mas os atentados na cidade –
de fazer passar a luta para o estágio da insurreição armada do povo contra o
regime em decomposição. A confusão entre o papel revolucionário que cabe apenas
às amplas massas populares e o papel político específico da guerrilha nesta
evolução revolucionária, primeiro, e como organização da fase insurrecional da
revolução é uma das características de todas as análise feitas até o momento sobre
a Revolução Cubana.

A revolução surgiu do agravamento das contradições econômicas e sociais da


sociedade cubana, colocada sob a pressão do imperialismo. Foi preparada através
de um intenso trabalho de agitação, lutas políticas e organização popular do qual
emergiu o movimento criado por Fidel Castro que evoluiu sobre a base destas lutas.
A guerrilha cumpriu o importante papel de acelerar a crise revolucionária e
organizar a insurreição contra o regime burguês.

Em meados de 57 o grupo de Fidel enfrenta com êxito a primeira grande batalha


com o exército na guarnição militar de El Uvero, conquistando uma grande
quantidade de armas.

Os rebeldes vão pouco a pouco conquistando a confiança dos camponeses, ao


mesmo tempo em que, na cidade, o 26 de Julho ampliava sua base de
recrutamento entre a juventude e conquistava a simpatia de setores da pequena
burguesia democrática, de onde o Movimento arrecadava importantes somas de
dinheiro através da criação de um ramo, a Resistência Cívica. Também vinculou-se
a grupos da oficialidade militar e participou do fracassado motim naval na cidade de
Cienfuegos.

“Che”: de médico a Comandante

A esta altura “Che” Guevara já havia se tornado um respeitado dirigente da


guerrilha na Sierra. Sua nomeação como Comandante ocorreu de forma totalmente
inesperada para ele. Num determinado momento, todos os oficiais do Exército
Rebelde foram chamados a assinar uma carta que Fidel enviaria para Frank País
expressando suas condolências pela morte do irmão. Quando chegou a vez de
“Che”, Fidel lhe disse que colocasse “comandante” como seu posto, o mais alto do
exército, que até então somente Fidel detinha.

Desde o México “Che” vinha demonstrando uma extraordinária dedicação à causa


revolucionária. Superando sua debilidade física, a asma que tanto o atormentava,
tornou-se um dos melhores combatentes e o que mais prezava e assegurava a
disciplina, superando inclusive Fidel no rigor com que a defendia.

A conduta de “Che” cumpriu um papel fundamental na formação do exército


rebelde. O compromisso ideológico dos novos recrutas, incorporados entre os
guajiros da Sierra ou jovens estudantes enviados da cidade, para com a revolução
e seus objetivos era frágil ou mesmo inexistente. As deserções e traições eram
constantes e “Che” as punia com todo o rigor, executando e ordenando execuções
sumárias. Estes recrutas incorporavam-se à guerrilha motivados por sua miséria ou
pelo apego superficial à causa democrática ou socialista. Esta situação era o
resultado inevitável da ausência de militantes com maior firmeza política e
ideológica, ou seja, pela ausência de um verdadeiro partido revolucionário. Na
revolução, a ação radicalizada das massas vai superar muito temporariamente esta
debilidade fundamental, mas após a tomada do poder este será o principal limitador
do desenvolvimento da economia cubana e da própria revolução latino-americana.

Com relação às divergências das facções do 26 de Julho, “Che” assumia claramente


uma posição de esquerda, fustigando constantemente a ala direita do Movimento e
exercendo uma pressão sobre Fidel, embora não tivesse um programa político
alternativo. Em certa ocasião, Fidel aliara-se a dois líderes do Partido Ortodoxo,
representante da oposição burguesa, Raúl Chibás e Felipe Pazos, para publicar o
“Manifiesto de la Sierra Maestra”, cujo objetivo era repudiar a manobra governista
de convocação de eleições presidenciais para 1º de junho de 1958. Comentando o
pacto, “Che” disse que “não estávamos satisfeitos com o acordo, mas ele era
necessário. Na ocasião, foi progressista. Ele não poderia durar além do momento
em que representasse um freio para o desenvolvimento da revolução”.

Sobre os próprios líderes do Movimento 26 de Julho na cidade, “Che” dizia em


fevereiro de 57, por ocasião de uma reunião da Direção Nacional na Sierra que
“Através de conversas isoladas, descobri as evidentes inclinações anticomunistas da
maioria deles, sobretudo de Hart.”

As massas dominam a cena política

o regime do ditador Fulgêncio Batista decompunha-se a toda velocidade e gerava,


como conseqüência, o crescimento da guerrilha na Sierra e na cidade. Um sinal
agudo desta decomposição eram as diversas conspirações militares: os norte-
americanos, percebendo a incapacidade de Batista em debelar a crise e
restabelecer a estabilidade do Estado, o pressionavam para que aceitasse a
incorporação da oposição burguesa, os partidos Autêntico de Prío Socarrás,
Ortodoxo de Felipe Pazos e Raúl Chibás e “um Movimento 26 de Julho controlado”,
ao regime. Era a repetição da manobra que havia sido realizada após o período
revolucionário inaugurado no início da década de 30, com a diferença de que,
agora, ao invés de estar apoiada em uma etapa de refluxo e esmagamento da
revolução, dava-se no seu momento de ascenso.

Nas cidades, continuavam as campanhas de sabotagem e de lançamento de


bombas em prédios públicos. Batista havia imposto a censura da imprensa, ao
mesmo tempo em que procurava difundir a idéia de que as tropas de Castro eram
reduzidas a “bandidos insignificantes”, mas cada vez mais esta versão dos fatos
parecia fantasiosa para o conjunto da população.
A desmoralização do governo crescia a tal ponto que alguns cartunistas de Havana
furavam o cerco e encontravam formas de satirizar o regime. Uma ilustração
famosa mostrava uma longa fila de pessoas, esperando para embarcar em um
ônibus com o número 30. Os leitores perceberam que o ônibus dirigia-se a uma
localidade próxima chamada La Sierra, para se juntar ao 26 de Julho.

Para ter informações sem censura sobre as últimas batalhas, os habitantes da


cidade simplesmente viravam o botão de seus rádios para sintonizar a Rádio
Rebelde e os guajiros da Sierra ainda tinham a opção do jornal El Cubano Livre,
ambas criações de “Che”.
Nas batalhas, conforme o Exército Rebelde ia derrotando as tropas desmoralizadas
de Batista, diversos oficiais passavam-se para o lado da revolução, que cada vez
mais acumulava um grande número de homens e armas.

A Junta de Miami

Porém, esta situação também forçava a oposição burguesa a articular uma


alternativa não apenas a Fidel Castro, mas principalmente à revolução em marcha.

Em 1º de novembro, em Miami, foi constituída a “Junta Cubana de Liberação”, com


as assinaturas de representantes da maioria dos grupos de oposição. No encontro,
através de uma manobra concertada com os membros direitistas do 26 de Julho. O
líder dos ortodoxos, Felipe Pazos, negociou representando o Movimento.

O acordo fora realizado com a visível intenção de estabelecer uma frente comum
com Washington e envolver o movimento revolucionário em uma operação de
frente popular. Não havia uma única declaração se opondo à intervenção
estrangeira no país e nem mesmo à idéia de que uma junta militar sucedesse
Batista. Propunha ainda a incorporação “pós-vitória” das tropas de Fidel às forças
armadas, assegurando assim a futura dissolução do exército rebelde e o
restabelecimento do Estado burguês demolido pela revolução. Não continha, por
outro lado, nenhuma proposta concreta em relação à situação econômica da
população cubana, apenas promessas de criação de mais empregos e elevação do
padrão de vida. O acordo era, sobretudo, uma tentativa de suplantar a iniciativa de
Fidel, para então negociar uma saída política de conciliação com o ditador e o
governo dos EUA.

“Che” Guevara passa a exercer uma forte pressão sobre Fidel para que ele emitisse
uma declaração condenando o pacto. Em 9 de dezembro, lhe envia uma carta
acusando o Diretório nacional do 26 de Julho de sabotá-lo intencionalmente,
opinando que este deveria exigir permissão para adotar severas providências a fim
de corrigir a situação, caso contrário deveria renunciar.

Quatro dias depois, Fidel responde. O conteúdo da carta de resposta nunca foi
divulgado, mas a reação de “Che” dá a medida do seu conteúdo: “Neste exato
momento, chegou um mensageiro com sua nota de treze. Confesso que (...) ela me
encheu de paz e felicidade. Não por qualquer razão pessoal, mas sim pelo que esse
passo representa para a revolução. Você bem sabe que eu não confiava de forma
alguma no pessoal do Diretório Nacional - nem como líderes nem como
revolucionários. Mas não pensava que chegariam ao extremo de traí-lo de forma
tão aberta (...).”

“Che” continuava insistindo para que Fidel rompesse o silêncio e condenasse o


pacto. Disse que ele próprio faria 10 mil cópias da declaração e as distribuiria por
toda a província Oriente e em Havana - a ilha toda se pudesse. Dizia ainda que,
“depois, se ficar mais complicado, com a ajuda de Célia, podemos demitir todo o
Diretório Nacional.”

Confrontado com o desafio da oposição burguesa e da sua própria ala direita, Fidel
conservou-se em um terreno de independência do regime político. No mesmo dia,
emitiu uma declaração contra o Pacto de Miami: “A liderança da luta contra a
tirania está e continuará a estar em Cuba e nas mãos dos combatentes
revolucionários (...) O Movimento 26 de Julho reivindica para si o papel de manter
a ordem pública e reorganizar as forças armadas da república”. Contra a tentativa
de Felipe Pazos de tentar assegurar para si próprio a presidência de um futuro
governo de transição, Fidel designava o seu próprio candidato, o idoso jurista de
Santiago, Manuel Urrutia, declarando ainda: “Estas são as nossas condições (...) Se
forem rejeitadas, então continuaremos a luta por nossa própria conta (...) Para
morrer com dignidade, não se precisa de companhia”[7].

Batista tenta então uma desesperada contra-ofensiva, mobilizando 10 mil soldados


divididos em 17 batalhões e apoiados por tanques e carros blindados em direção à
Sierra. Mas a decomposição moral das tropas, as emboscadas guerrilheiras e
particularmente a hostilidade dos camponeses transformam o ataque em uma
debandada. A afluência de trabalhadores, camponeses e soldados das tropas de
Batista para a guerrilha ia se convertendo em um fenômeno massivo. O
amadurecimento da situação revolucionária transformava o exército de Fidel em um
irresistível movimento de massas.

O Pacto de Caracas e a queda de Batista

A comoção revolucionária que sacudia a ilha


havia transformado a Junta de Miami em um
fantasma. Era o sintoma agudo não apenas do
completo esvaziamento do regime de Batista,
como do completo esvaziamento do próprio
regime político burguês pelo profundo
deslocamento das massas para posições
revolucionárias. As massas ocupavam as
cidades e os campos e só reconheciam a
autoridade política do 26 de Julho, o qual se
transformava, assim, em um instrumento da dualidade de poderes.

Privados de qualquer sustentação social, os partidos da oposição burguesa e ala


direita do Movimento abrem negociação com Fidel e articulam um novo acordo, o
Pacto de Caracas, no qual os signatários obrigavam-se a adotar uma estratégia
comum para derrotar Batista por meio da insurreição armada e a formar um
governo provisório de curta duração. Embora o “Manifesto de União da Sierra
Maestra” reconhecesse a autoridade de Fidel castro como “comandante-em-chefe
das forças revolucionárias”, era mais uma etapa na manobra - consentida pela ala
revolucionária do castrismo - para tentar frear o desenvolvimento da revolução. A
oposição burguesa adaptava-se formalmente à política de Castro apenas para
tentar recuperar alguma sustentação popular, mantendo alguma iniciativa política
enquanto esforçavam-se para criar as condições de um golpe militar.

Em agosto, as colunas de “Che” e Fidel avançavam cada vez mais, cercando


importantes cidades como Santiago e o oeste do país. Após a derrota da contra-
ofensiva de Batista, Fidel planeja o ataque final. À partir daí, as colunas de “Che”,
Camilo Cienfuegos, Raúl e Fidel Castro vão tomando cidade por cidade até a vitória
final.

O enviado da embaixada norte-americana, General Cantillo, tenta então dar um


golpe militar, mas a tentativa fracassa em função da intervenção final e decisiva de
milhões de cubanos no aniquilamento da ditadura. Castro convoca uma greve geral
que paralisa o país, em meio à qual ocorre uma nova tentativa golpista, desta feita
pelo general Barquin, que é derrotada em poucas horas. O Estado burguês
desaparecia e dava lugar ao predomínio da dinâmica revolucionária e as massas
retém toda a iniciativa política no país.

Após a tomada da cidade de Santa Clara pelas tropas de “Che”, Batista finalmente
desistiria. Às 3 horas da madrugada do dia 1º de janeiro de 1959, ele e um
punhado de íntimos colaboradores embarcaram num avião para a República
Dominicana, abandonando Cuba para sempre.

Em 1º de janeiro, a coluna de “Che” conquista a cidade de Havana e a de Fidel


ingressa em Santiago. As multidões cercavam os guerrilheiros e se iniciava outra
etapa da luta política dentro do 26 de Julho que definiria o rumo da revolução.

Fidel demorou uma semana para chegar em Havana. A longa marcha, durante à
qual parava inúmeras vezes para fazer inflamados discursos, permitia um
intervenção generalizada das massas, que iam desmantelando todo o Estado
ditatorial. Ocupavam-se os edifícios públicos, delegacias de polícia, tribunais. Os
funcionários de Batista eram destituídos, os torturadores presos, enquanto juízes,
governadores e militares fugiam para Miami.

Che na Bolívia: o foco guerrilheiro

A expedição fatal de Che Guevara na Bolívia deve ser vista de um ponto de vista
acima de tudo da análise das suas teorias políticas, tal como amadureceram após a
Revolução Cubana.

A Revolução Cubana foi vitoriosa quando as condições estavam dadas para a vitória
da revolução, caso contrário teria sido derrotada. O ataque ao quartel de La
Moncada mostrou que a revolução não estava madura para uma insurreição. Ela foi
longamente preparada e o próprio ataque de Moncada foi uma parte importante
desta preparação. A situação em Cuba foi revolucionária, com altos e baixos, em
caráter geral desde a década de 30 e a sua tradição revolucionária era grande. A
iniciativa de Fidel Castro agregou à decomposição do regime e ao fermento
revolucionário a forma organizada, ou seja, a direção política através do Movimento
26 de Julho, o qual estava longe ser apenas um foco guerrilheiro, bem como estava
longe de ser apenas rural, mas era um movimento político geral.

A conclusão do Che é uma percepção distorcida que toma uma iniciativa política
específica pela iniciativa em geral: “Destas três contribuições, as duas primeiras
luta contra a atitude quietista de revolucionários ou pseudo-revolucionários que se
refugiam, e refugiam sua inatividade, no pretexto de que contra o exército
profissional nada pode se fazer e alguns outros que sentam-se a esperar que, em
uma forma mecânica, dêem-se todas as condições objetivas e subjetivas
necessárias, sem preocupar-se em acelerá-las”[8].

Esta passagem é significativa. O ceticismo e a atitude de pura expectativa que o


Che critica era, naquele momento, a política do stalinismo e do nacionalismo
burguês em toda a América Latina. Ele respondia a uma política especificamente
burguesa. O resgate da iniciativa política como um fator revolucionário, diante
desta situação, não pode deixar de ser visto como um fator revolucionário. As
condições objetivas têm que se colocar de forma objetiva, independentemente da
intervenção consciente, ou seja, subjetiva. No entanto, o Che não compreende que
o acelerador da revolução, o catalisador das condições objetivas, são justamente as
condições subjetivas, ou seja, o nível de preparação e organização política das
massas, ou seja, a ação política do qual a insurreição é uma culminação.
Neste sentido, a política preconizada pelo Che Guevara é, de modo geral incorreta,
mas incorreta por uma limitação, por uma falta de desenvolvimento, condicionada
por uma perspectiva de classe não proletária.

A oposição à passividade política do stalinismo, da social-democracia e do


nacionalismo burguês é uma característica revolucionária. Este fato fica
demonstrado pela política de Fidel Castro na Revolução Cubana, onde uma força
nacionalista pequeno-burguesa, por um conjunto de iniciativas foi capaz de
desenvolver as tendências revolucionárias da situação e criar um movimento
revolucionário.

Por outro lado, a substituição de uma política destinada a organizar as massas e,


deste modo, criar as condições subjetivas necessárias, abre caminho para o
voluntarismo e para uma política aventureira. A experiência popular boliviana do
Che não foi um levante popular mal preparado ou fora de hora, um mero erro de
cálculo sobre a oportunidade do levante como foi, por exemplo, o levante da Páscoa
dos revolucionários irlandeses[9], ele simplesmente não foi um levante popular,
mas uma ação minoritária sem qualquer conexão com o desenvolvimento das
massas.

O movimento guerrilheiro organizado pelo Che Guevara estava tão impregnado da


concepção do foco como detonador da Revolução que carecia de programa político
e até mesmo de nome, com o que demonstrava que acreditava firmemente que a
evolução das massas se daria por meios puramente práticos do exemplo heróico da
guerrilha. A decisão das massas de enfrentar o governo de armas na mão já era
para ele uma coisa dada.

Esta incompreensão não é uma originalidade do Che ou do movimento guerrilheiro


que depois, na década de 70, espalhou-se por toda a América Latina e por outras
partes do mundo. Diante da pressão do imperialismo, das brutais ditaduras
militares, setores nacionalistas e democráticos da pequena burguesia são impelidos
a agir. Em algumas oportunidades, esta ação são a expressão de uma tendência
geral, como foi o caso do movimento tenentista de 1922, totalmente esmagado,
mas que serviu para impulsionar as revoluções de 1926 e 1930. Era um prenúncio
de uma tendência revolucionária geral que fazia parte da revolução burguesa. De
um modo geral, esta tendência acaba sendo, pelas suas limitações pequeno-
burguesas, um instrumento da burguesia. O caso cubano, neste sentido, é muito
excepcional e deve ser credito em grande medida à profunda debilidade da
burguesia cubana em relação às massas. Neste marco, a ala pequeno-burguesa
revolucionária do movimento 26 de julho foi capaz de romper com a corrente
burguesa no seu interior, apoiar-se nas massas operárias e estabelecer em Cuba, a
ditadura do proletariado. Já o movimento do Che na Bolívia parece-se mais ao
movimento realizado por Prestes e o PCB em 1935, um levante sem qualquer
conexão com a evolução das massas, realizado na curva declinante da revolução,
sobre a base do desespero de uma camada diminuta de revolucionários isolados e
sem perspectiva política.

A guerra de guerrilhas é um dos métodos de luta que podem ser utilizados pelo
movimento operário na sua luta pelo poder contra burguesia. No entanto, o
marxismo não faz um fetiche de nenhum método de luta e nem procura criá-los de
forma artificial, mas, como disse Marx, “procura na própria sociedade capitalista os
meios para combatê-la”. Os métodos de luta da classe operária e das massas
podem ser os mais variados e devem ser adaptados concretamente, do ponto de
vista histórico e da conveniência de cada situação.

Outro aspecto decisivo quanto a esta questão é o do partido revolucionário. Com


um único método de luta, tornado absoluto, não é possível construir um partido
revolucionário, o qual depende da aplicação de um programa revolucionário, do
convencimento das massas deste programa, sobre a base da sua própria
experiência, o que requer a sua aplicação em distintas situações e distintas fases
da luta das massas.

Você também pode gostar