Este estudo analisa as dimensões normativas das certificações concedidas pelo Estado às organizações da sociedade civil que atuam em prol do interesse público, assim como explora concisamente as complexidades contextuais que as permeiam na contemporaneidade. São abordadas as seguintes certificações em âmbito federal: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), Utilidade Pública Federal (UPF) e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas). Trata-se de pesquisa exploratória e documental, com base, principalmente, na análise de legislações e de relatórios científicos e governamentais sobre o tema. Ao prover um panorama normativo-contextual sobre as certificações, o estudo encontra aplicação prático-reflexiva para estudiosos, profissionais e outros interessados nas organizações da sociedade civil. Tendo em vista que o projeto de lei que trata de um alternativo instrumento legal nas relações entre Estado e organizações da sociedade civil – o Termo de Fomento e Colaboração – está próximo de ser aprovado sob a égide de um novo marco regulatório, consequências são esperadas para o atual sistema de certificações, foco deste estudo.
Título original
CERTIFICAÇÕES PÚBLICAS CONCEDIDAS ÀS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL. ENTRE DIMENSÕES NORMATIVAS E COMPLEXIDADES CONTEXTUAIS
Este estudo analisa as dimensões normativas das certificações concedidas pelo Estado às organizações da sociedade civil que atuam em prol do interesse público, assim como explora concisamente as complexidades contextuais que as permeiam na contemporaneidade. São abordadas as seguintes certificações em âmbito federal: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), Utilidade Pública Federal (UPF) e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas). Trata-se de pesquisa exploratória e documental, com base, principalmente, na análise de legislações e de relatórios científicos e governamentais sobre o tema. Ao prover um panorama normativo-contextual sobre as certificações, o estudo encontra aplicação prático-reflexiva para estudiosos, profissionais e outros interessados nas organizações da sociedade civil. Tendo em vista que o projeto de lei que trata de um alternativo instrumento legal nas relações entre Estado e organizações da sociedade civil – o Termo de Fomento e Colaboração – está próximo de ser aprovado sob a égide de um novo marco regulatório, consequências são esperadas para o atual sistema de certificações, foco deste estudo.
Este estudo analisa as dimensões normativas das certificações concedidas pelo Estado às organizações da sociedade civil que atuam em prol do interesse público, assim como explora concisamente as complexidades contextuais que as permeiam na contemporaneidade. São abordadas as seguintes certificações em âmbito federal: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), Utilidade Pública Federal (UPF) e Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas). Trata-se de pesquisa exploratória e documental, com base, principalmente, na análise de legislações e de relatórios científicos e governamentais sobre o tema. Ao prover um panorama normativo-contextual sobre as certificações, o estudo encontra aplicação prático-reflexiva para estudiosos, profissionais e outros interessados nas organizações da sociedade civil. Tendo em vista que o projeto de lei que trata de um alternativo instrumento legal nas relações entre Estado e organizações da sociedade civil – o Termo de Fomento e Colaboração – está próximo de ser aprovado sob a égide de um novo marco regulatório, consequências são esperadas para o atual sistema de certificações, foco deste estudo.
ARTIGO: Certicaes pblicas concedidas s organizaes da sociedade civil no Brasil.
Entre dimenses normativas e complexidades contextuais
ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 41 CERTIFICAES PBLICAS CONCEDIDAS S ORGANIZAES DA SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL. ENTRE DIMENSES NORMATIVAS E COMPLEXIDADES CONTEXTUAIS PUBLIC CERTIFICATIONS PROVIDED TO CIVIL SOCIETY ORGANIZATIONS IN BRAZIL. BETWEEN THE NORMATIVE DIMENSIONS AND THE CONTEXTUAL COMPLEXITIES CERTIFICACIONES PBLICAS CONCEDIDAS A LAS ORGANIZACIONES DE LA SOCIEDAD CIVIL EN BRASIL. ENTRE DIMENSIONES NORMATIVAS Y COMPLEJIDADES CONTEXTUALES RESUMO Este estudo analisa as dimenses normativas das certicaes concedidas pelo Estado s organizaes da sociedade civil que atuam em prol do interesse pblico, assim como explora concisamente as complexidades contextuais que as permeiam na contemporaneidade. So abordadas as seguintes certicaes em mbito federal: Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip), Utilidade Pblica Federal (UPF) e Certicado de Entidade Benecente de Assistncia Social (Cebas). Trata-se de pesquisa exploratria e documental, com base, principalmente, na anlise de legislaes e de relatrios cientcos e governamentais sobre o tema. Ao prover um panorama normativo-contextual sobre as certicaes, o estudo encontra aplicao prtico-reexiva para estudiosos, prossionais e outros interessados nas organizaes da sociedade civil. Tendo em vista que o projeto de lei que trata de um alternativo instrumento legal nas relaes entre Estado e organizaes da sociedade civil o Termo de Fomento e Colaborao est prximo de ser aprovado sob a gide de um novo marco regulatrio, consequncias so esperadas para o atual sistema de certicaes, foco deste estudo. Palavras-chave: Organizaes da sociedade civil, Estado, Certicaes pblicas. Luza Ribeiro Fagundes - luizarfagundes@hotmail.com Graduanda em Relaes Econmicas Internacionais - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Victor Augusto Arajo Silva - victor.asaraujo@gmail.com Mestrando em Cincia Politica - Universidade de So Paulo (USP) Carlos Eduardo Guerra Silva - carlosegs@ymail.com Doutorando em Administrao pelo Centro de Ps-Graduao e Pesquisas em Administrao (CEPEAD) - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Artigo submetido no dia 30.05.2013 e aprovado em 23.06.2014 Artigo produzido no contexto da pesquisa Gesto Social em Perspectiva, fomentada pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG (Processo APQ-02599-10). Pesquisa coordenada pelo Prof. Dr. Reynaldo Maia Muniz, do Centro de Ps- Graduao e Pesquisas em Administrao (CEPEAD) - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esta obra est submetida a uma licena Creative Commons ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 Luza Ribeiro Fagundes - Victor Augusto Arajo Silva - Carlos Eduardo Guerra Silva 42 Introduo Este estudo analisa as dimenses normativas das certifcaes concedidas pelo Estado s organizaes da sociedade civil de interesse pblico, assim como explo- ra concisamente as complexidades contex- tuais que as permeiam na contemporanei- dade. Consideram-se as seguintes certif- caes concedidas em mbito federal: Utili- dade Pblica Federal (UPF), Certifcado de Entidade Benefcente de Assistncia Social (Cebas) e Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip). Da perspec- tiva normativa, abordam-se os processos envolvidos na obteno e manuteno das certifcaes concedidas pelo Estado s Or- ganizaes da Sociedade Civil (OSC). Ante os benefcios que oferecem, evidenciam-se ABSTRACT This study analyzes the normative dimensions of certifcations given by the government to civil society organizations of public interest. It also concisely explores the contextual complexities that permeate the contemporary. The certifcations in discussion are those at the federal level: Civil Society Organiza- tion of Public Interest (OSCIP), Federal Public Utility (UPF), and Certifcation of Benefcent Organiza- tion of Social Assistance (CEBAS). An exploratory and documental research study was developed mainly drawing from the analysis of laws as well as scientifc and governmental reports regarding the subject. By drawing a normative-contextual overview of the certifcations, the study provides a practical-refexive approach for scholars, practitioners and others interested in civil society organiza- tions. Since a bill about a novel legal instrument in relations between government and non-proft or- ganizations the Fostering and Collaboration Term is currently ready for approval by the Legislative under the aegis of a new regulatory framework, consequences to the current system of certifcations discussed throughout this study are expected. Keywords: Civil society organizations. State. Public certifcations. RESUMEN Este estudio analiza las dimensiones normativas de las certifcaciones concedidas por el Estado a las organizaciones de la sociedad civil que actan a favor del inters pblico, as como tambin ex- plora concisamente las complejidades contextuales que las permean en la contemporaneidad. Son abordadas las certifcaciones en mbito federal, las cuales son: Organizacin de la Sociedad Civil de Inters Pblico (OSCIP), Utilidad Pblica Federal (UPF) y Certifcado de Entidad Benefactora de Asistencia Social (CEBAS). Se trata de un estudio exploratorio y documental, basado, principalmente, en el anlisis de legislaciones y de informes cientfcos y gubernamentales sobre el tema. Al proveer un panorama normativo-contextual sobre las certifcaciones, el estudio encuentra aplicacin prctico- refexiva para estudiosos, profesionales y otros interesados en las organizaciones de la sociedad civil. Dado que el proyecto de ley se trata de un instrumento legal alternativo en las relaciones entre Estado y organizaciones de la sociedad civil el Trmino de Fomento y Colaboracin est cerca de ser aprobado dentro de un nuevo marco regulatorio, se esperan consecuencias para el actual sistema de certifcaciones objetivo de este estudio. Palabras clave: Organizaciones de la sociedad civil. Estado. Certifcaciones pblicas. as dimenses processuais com que as orga- nizaes precisam lidar para usufruir das cer- tifcaes, envolvendo inmeros documentos, registros, prestaes de contas e renovaes peridicas perante os rgos concedentes. Quanto s complexidades contextuais, apre- sentam-se os intentos contemporneos de estabelecimento da certifcao de Oscip e o cenrio geral do conjunto das certifcaes na atualidade. Para atingir o objetivo proposto, partiu- -se de uma pesquisa exploratria e documen- tal, com base, inicialmente, na anlise de le- gislaes que regem as certifcaes pblicas (Lei n. 91, 1935a; Decreto n. 50.517, 1961a; Lei n. 9.790, 1999a; Lei n. 12.101, 2009a; De- creto n. 7.237, 2010a; Lei n. 12.868, 2013). Conforme Gil (1999), a pesquisa ex- ploratria tem por objetivo desenvolver con- ceitos e ideias, servindo para a problemati- Certicaes pblicas concedidas s organizaes da sociedade civil no Brasil. Entre dimenses normativas e complexidades contextuais ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 43 zao e o desenvolvimento de hipteses que podem surgir da anlise descritiva dos dados. Se, por um lado, a pesquisa documental apoia- -se na utilizao de dados primrios, por outro, o uso de dados secundrios possibilita o en- riquecimento das observaes e a consolida- o de argumentos (Gil, 1999). Nessa direo, tambm foram utilizados relatrios cientfcos e governamentais sobre o tema, tais como rela- trios de pesquisa e dados sobre o universo das organizaes da sociedade civil no Brasil (IBGE et al., 2012; Plataforma, 2014; SGPR, 2012). Na primeira seo, apresenta-se um breve panorama do contexto do surgimento, da consolidao e diversifcao das OSC no Bra- sil, considerando a pluralidade tipolgica e as variaes terminolgicas que seguem as ten- dncias atuais. Na segunda seo, apresenta- -se um quadro de referncia comparativo entre as certifcaes, que, da perspectiva normati- va, considera as exigncias para sua obteno e manuteno, bem como os benefcios por elas oferecidos. Na terceira seo, para alm do normativo, so exploradas as complexida- des contextuais do sistema de certifcaes concedidas pelo estado. O trabalho se encer- ra com consideraes e sugestes para o de- senvolvimento de estudos futuros, incluindo a meno ao novo instrumento legal Termo de Fomento e Colaborao , elemento central que compe o Projeto de Lei n. 7.168/2004, em iminncia de ser aprovado pelo Legislativo e que, possivelmente, trar consequncias para o atual sistema de certifcaes discutido neste estudo. Organizaes da sociedade civil (OSC) no Brasil Antes de iniciar um conciso percurso so- bre as organizaes da sociedade civil (OSC) no Brasil, evidencia-se que essa expresso guarda valor simblico prprio e temporal- mente situado na contemporaneidade. O contexto brasileiro segue a tendncia ob- servada por Salamon, Sokolowski e List (2003) de que a expresso organizaes da sociedade civil tem ganhado uso universal ante outras terminologias, como organiza- es do terceiro setor (OTS), organizaes no governamentais (ONG) ou organiza- es sem fns lucrativos (OSFL). Assim, ela adotada neste estudo por sua tendncia de uso e por sua amplitude a ponto de in- cluir as demais, sem sugerir explcitas de- limitaes ideolgicas, como terceiro setor, ou defnies que conotam negao, como o no governamental e o sem fns lucrati- vos (Alves, 2004; Fernandes, 1994; Perei- ra, 2003; Salamon; Sokolowski; List, 2003). Fato que atores do prprio campo com ori- gens e flosofas plurais tm cada vez mais se orientado por essa concepo (Abong, 2007; Critas, 2013; Gife, 2009). Itera-se, portanto, que a adoo da sigla OSC apenas uma conveno as- sumida por este estudo e que abordar a sociedade civil contempornea, necessa- riamente, envolve menes a todas as su- pracitadas expresses, seja pela tempo- ralidade daquilo a que se refere, seja pela preferncia de autores por uma ou outra. No obstante, a discusso deste estudo outra e a pluralidade terminolgica ape- nas uma passagem. Em essncia, diante de abrangncias ou delimitaes, as certif- caes referem-se s organizaes de inte- resse pblico. A existncia de organizaes da so- ciedade civil no Brasil remonta ao sculo XVI, perodo em que os princpios da flan- tropia e da caridade religiosa norteavam sua atuao. Tais princpios predominaram at meados do sculo XX, quando passou a ocorrer, sobretudo a partir da dcada de ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 Luza Ribeiro Fagundes - Victor Augusto Arajo Silva - Carlos Eduardo Guerra Silva 44 1930, a intensifcao de polticas de Esta- do visando ao desenvolvimento social das grandes cidades, contando com o aparato e provendo fomento, principalmente, s or- ganizaes das reas da Sade, Educao e Assistncia Social. No obstante, a postu- ra estatal passou a ser outra, demandando uma incipiente profssionalizao das OSC, visto que, aos recursos transferidos, condi- cionou-se necessariamente a prestao de contas (Silva, 2010). Ainda que o Cdigo Civil de 1916 j regulamentasse a existncia dessas organi- zaes como associaes, fundaes e so- ciedades civis sem fns econmicos (Lei n. 3.071, 1916), tal documento no tratava da distino entre organizaes da sociedade civil de interesse pblico e organizaes de interesse corporativo, focadas no atendimen- to s demandas de seus membros, as quais tambm tiveram um ciclo de prosperidade na dcada de 1930 (Ashoka & Mckinsey, 2001; BNDES, 2001). Esse cenrio justifcava os esforos governamentais para regulamentar a atua- o das OSC com fnalidade pblica, tendo sido criado o primeiro diploma legal conferido a essas organizaes: o ttulo de Utilidade Pblica Federal, oferecido s organizaes com o fm exclusivo de servir desinteressa- damente coletividade (Lei n. 91, 1935b, p. 1). O reconhecimento pblico das organiza- es foi ampliado em 1959, a partir da atri- buio do Certifcado de Entidade de Fins Filantrpicos, atual Certifcado de Entidade Benefcente de Assistncia Social Cebas (Lei n. 3.577, 1959; Lei n. 12.101, 2009a). Avanando para os idos da dcada de 1970, defniu-se, na sociedade civil, um espao de oposio ditadura, produzindo e difundindo ideias pr-democracia (Houtza- ger; Lavalle; Acharya, 2004). Isso, de certa forma, contribuiu para a diversifcao de um universo que at ento era composto majori- tariamente por instituies eclesiais (Avritzer, 1994). Em oposio ao regime concentrador das decises polticas, defne-se a partir des- sa dcada uma sociedade civil organizada e disposta a fomentar os espaos de vocaliza- o dos cidados (Dagnino, 2001). A renova- o da ao e a consolidao de uma socie- dade civil mais organizada so entendidas como uma resposta ao sistema poltico, que, de certa forma, tentava desacelerar os as- pectos da modernidade ao impedir a articula- o de organismos distanciados do ambiente estatal, uma vez que a censura e a represso visavam ao silncio. Com efeito, frma-se a in- sgnia das organizaes no governamentais (ONG), que no mago da resistncia polti- ca, tiveram um papel fundamental nos rumos da sociedade brasileira (Silva, 2010). No perodo ps-redemocratizao, na dcada de 1990, ocorreu o movimento de aproximao entre o Estado e as OSC, me- diante a formao de parcerias que viabilizas- sem a atuao de variadas instituies em diversas frentes. Paralelamente reforma do Estado, o fortalecimento do Terceiro Setor se tornou um dos pontos de destaque no discur- so governamental para a rea social (Alves, 2002). A viabilizao desse processo institu- cional ensejou a criao de incentivos para a manuteno e expanso do que agora se estabelecia como o espao do Terceiro Se- tor, um conjunto de organizaes e iniciati- vas privadas que visam produo de bens e servios pblicos (Fernandes, 1994, p. 21). Esse conceito estabeleceu-se no Pas com forte participao do Conselho da Comunida- de Solidria, criado por decreto do ento pre- sidente Fernando Henrique Cardoso e lidera- do pela primeira-dama, Ruth Cardoso, com o objetivo de promover o dilogo poltico e parcerias entre governo e sociedade para o enfrentamento da pobreza e da excluso, por Certicaes pblicas concedidas s organizaes da sociedade civil no Brasil. Entre dimenses normativas e complexidades contextuais ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 45 intermdio de iniciativas inovadoras de desen- volvimento social (Decreto n. 2.999, 1999c, art. 1o). Partindo das Rodadas de Interlocuo Polticas sobre o Marco Legal do Terceiro Se- tor, ocorridas no mbito desse conselho, com envolvimento dos representantes do Estado e da sociedade civil, foi criada uma certifcao pblica: a Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (Oscip), sancionada pela Lei n. 9.790/1999 (Lei n. 9.790, 1999b). Observa Alves (2002, p. 3): Muitas organizaes seriam benefciadas com a legislao, pois no tinham em seu objeto social atividade anteriormente reco- nhecida como de utilidade pblica. Apenas s organizaes voltadas para a Assistncia Social, em suas diversas faces, eram atribu- dos estes ttulos. A Lei n. 9.790, ampliando o rol de interesse pblico, tambm classifcou como Oscip as entidades cujos objetivos so- ciais so a preservao, estudo, pesquisa de patrimnio ecolgico (meio ambiente) e cultural, microcrdito, assessoria jurdica e outros. A concesso de uma nova certifcao pblica por parte do Estado criou condies para o desenvolvimento de aes conjuntas e de fomento s organizaes que apresenta- vam proximidade com os benefcirios e poten- cial capacidade para a gesto de projetos (Fer- rarezi; Rezende, 2001). Dessa forma, tm-se como resultados desse perodo e do processo de redemocratizao a consolidao das OSC e o surgimento de diferentes modalidades de tipologias organizacionais e certifcaes que distinguiam aquelas de interesse pblico. Ain- da assim, Silva e Aguiar (2009) reconhecem que as aes de muitos atores orientados pelo interesse corporativo, como federaes, confe- deraes e associaes de classe, podem ser de grande alcance social. No plano jurdico, conforme o C- digo Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002), as iniciativas da sociedade civil podem se constituir formalmente como associaes ou fundaes, no havendo distino entre seu interesse pblico ou corporativo (Lei n. 10.406, 2002). Silva et al. (2011) observam que as associaes se constituem a partir da unio de pessoas em torno de objetivos comuns, sem visar distribuio de lucro a seus membros, e que as fundaes so criadas a partir do patrimnio de um doa- dor, destinado ao interesse da coletividade, amparando-se em testamento ou escritura pblica. Outros nomes comuns, incluindo OSC, ONG e instituto, assumem relevncia simblica ou uso prtico, mas no se cons- tituem em formas juridicamente reconheci- das. Estudo do IBGE et al. (2012) revela que, das 290.692 OSC brasileiras, 283.028 (97,4%) so associaes e apenas 7.664 (2,6%) fundaes, as quais diferem-se das associaes pelo fato de possurem, obri- gatoriamente, um patrimnio destinado sua constituio, alm de serem tuteladas pelo Ministrio Pblico estadual desde a sua constituio at sua extino, se isso vier a ocorrer. Esses fatores sugerem rela- o com o nmero reduzido de fundaes, observado no levantamento do Instituto Brasileiro de Geografa e Estatstica (IBGE). De fato, a diferenciao das organizaes com fnalidade pblica ocorre, nos termos da lei, pelas certifcaes concedidas pelo Estado, as quais sero examinadas na se- o seguinte, a partir da perspectiva norma- tiva quanto obteno, manuteno e aos benefcios que conferem s OSC. Obteno, manuteno e benefcios das certifcaes concedidas s organiza- ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 Luza Ribeiro Fagundes - Victor Augusto Arajo Silva - Carlos Eduardo Guerra Silva 46 es de interesse pblico Constitudas juridicamente, associa- es ou fundaes podem pleitear ao Esta- do trs tipos de certifcao: Certifcado de Entidade Benefcente de Assistncia Social (Cebas), Utilidade Pblica Federal (UPF) e Organizao da Sociedade Civil de Interes- se Pblico (Oscip). O Cebas concedido so- mente na esfera federal. A Oscip surgiu como certifcao federal, sendo que foi instituda no mbito de alguns estados da Federao. A UPF institucionalizou-se como certifcao conferida historicamente por todas as esfe- ras do Estado, incluindo a municipal. Para ob- ter e manter essas certifcaes, as organiza- es devem proceder prestao de contas periodicamente e atuar em reas de interesse pblico, entre outras caractersticas, as quais sero tratadas de forma mais detalhada em uma anlise comparativa na seo seguinte, enfatizando-se as certifcaes de mbito fe- deral. Com o intuito de obter e manter as cer- tifcaes, as organizaes precisam apre- sentar determinadas caractersticas e atender a certos requisitos, como expressa o Quadro 1. Quadro 1 Requisitos para as certifcaes Legenda: O Obteno/ M Manuteno / B Benefcio / No se aplica *Certifcaes de Utilidade Pblica e Cebas podem ser obtidas concomitantemente Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de legislao diversa (BRASIL, 1935a, 1961a, 1999a, 2009a, 2010a, 2013). Certicaes pblicas concedidas s organizaes da sociedade civil no Brasil. Entre dimenses normativas e complexidades contextuais ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 47 As legislaes que regulam as certifca- es de Utilidade Pblica e Oscip determinam reas de atuao, mas de forma menos res- trita que o Cebas, que exige servios presta- dos especifcamente nas reas de Assistncia Social, Sade ou Educao. Para serem qua- lifcadas como Utilidade Pblica, as organiza- es devem promover a educao ou exercer atividades de pesquisa cientfca, cultura, ar- tes ou flantropia. J para serem qualifcadas como Oscip, as organizaes podem ter di- versas fnalidades, listadas no art. 3o, da Lei n. 9.790/1999, que vo desde a promoo da assistncia social ao desenvolvimento de tec- nologias alternativas, passando pela promoo do voluntariado e dos direitos humanos. As certifcaes de Utilidade Pblica e Oscip tambm se assemelham quanto exi- gncia de que as organizaes observem princpios de moralidade. Isso signifca que a postura de seus dirigentes e a comprovao de idoneidade so quesitos para a concesso das certifcaes. No caso da Utilidade Pblica, a legislao faz referncia explcita a isso, deter- minando que seus diretores apresentem folha corrida e moralidade comprovada (Decreto n. 50.517, 1961b). J o princpio de universalida- de do atendimento um requisito para as cer- tifcaes Cebas e Oscip, que implica o aten- dimento pelas entidades comunidade geral, e no apenas a seus associados ou catego- ria profssional. Essas certifcaes tambm tm em comum a obrigatoriedade de que, se as entidades forem extintas ou dissolvidas, o patrimnio remanescente deve ser destinado a entidades sem fns lucrativos congneres. No caso da Oscip, o patrimnio lquido deve ser destinado a outra organizao assim qua- lifcada e, quanto ao Cebas, tambm pode ser destinado a entidades pblicas. Essa exigncia denota a inteno de que os recursos sejam destinados continuidade da causa da entida- de extinta e que no h possibilidade de reaver as doaes e o patrimnio. Para a manuteno das trs certif- caes apresentadas, necessrio pres- tar contas ao Estado periodicamente, tanto dos servios prestados quanto das receitas e despesas. No caso da Utilidade Pblica, se a relao anual dos servios presta- dos coletividade, acompanhada do de- monstrativo de receita e despesa, no for apresentada durante trs anos seguidos, a certifcao cassada. As organizaes que mantm a certifcao de Oscips pre- cisam publicar, no encerramento do exer- ccio fscal, o relatrio de suas atividades e demonstraes fnanceiras, inclusive, as certides negativas de dbitos perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e coloc-los disposio, para que qual- quer cidado possa examin-los. Elas ain- da devem prestar contas de todos os bens e recursos de origem pblica que recebe- rem. Tanto a Utilidade Pblica quanto a Os- cip so supervisionadas pelo Ministrio da Justia. As organizaes qualifcadas como Cebas so supervisionadas pelos minist- rios da Sade, da Educao e do Desen- volvimento Social e Combate Fome, de acordo com suas reas de atuao. Para tanto, os ministrios podem determinar, a qualquer momento, a apresentao de do- cumentos, a realizao de auditorias ou o cumprimento de diligncias (Decreto no 7.237, 2010b, p. 5). As organizaes que atuam na rea da Sade devem compro- var anualmente a prestao de, no mnimo, 60% de seus servios ao Sistema nico de Sade (SUS), relatando as internaes e os atendimentos ambulatoriais realizados. As entidades de educao devem apresentar relatrios anuais ou semestrais, de acordo com a periodicidade de seu calendrio aca- dmico, ao Ministrio da Educao, infor- ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 Luza Ribeiro Fagundes - Victor Augusto Arajo Silva - Carlos Eduardo Guerra Silva 48 mando sobre o preenchimento das bolsas de estudo que concedem. As organizaes que atuam em prol da assistncia social devem presta[r] servios ou realiza[r] aes socio- assistenciais de forma gratuita, continuada e planejada, para os usurios e a quem deles necessitar, sem qualquer discriminao (Lei n. 12.868, 2013, p. 4). A iseno da contribuio patronal seguridade social um benefcio concedi- do apenas s entidades certifcadas como Cebas. Para tanto, elas precisam atender a vrios requisitos, como aplicar seus recursos no territrio nacional para desenvolver seus objetivos institucionais e manter escriturao contbil, de acordo com as normas do Con- selho Federal de Contabilidade. Por outro lado, realizar sorteios, obter bens legalmente apreendidos pela Receita Federal e efetuar a deduo parcial de doao do imposto de renda do doador so benefcios concedidos para as organizaes qualifcadas como Uti- lidade Pblica e Oscip. O Cebas tem prazo de validade, entre um e cinco anos, conforme critrio dos minis- trios. Essa caracterstica demanda planeja- mento dos gestores no sentido de requerer a renovao dentro do prazo para continuar a usufruir da certifcao. Sua obteno tam- bm demanda a observncia do prazo mni- mo de doze meses de funcionamento regular da entidade. A obteno da Utilidade Pblica demanda perodo ainda maior: trs anos de funcionamento efetivo e contnuo da organi- zao. Nesse sentido, a certifcao de Os- cip pode ser obtida com mais facilidade, pois no exigido prazo mnimo de funcionamen- to da organizao. A Oscip possibilita a remunerao dos dirigentes, tanto os que atuam na gesto executiva quanto os que prestam servios especfcos, respeitando-se os valores prati- cados pelo mercado. Essa inovao na legis- lao importante, pois, do ponto de vista operacional, tal permissivo legal certamente possibilita um incremento nos quadros des- sas entidades, no sentido de torn-las mais efcientes, dotadas de um staff mais profssio- nal (Carvalho & Castro, 2008, p. 12). Desse modo, a remunerao dos dirigentes est de acordo com a observncia dos princpios de efcincia, caracterstica verifcada explicita- mente na legislao que regulamenta a Oscip. Consolidando essa inovao legal, a nova lei que regula o Cebas tambm tornou possvel remunerar dirigentes e diretores no estatu- trios com vnculo empregatcio e dirigentes estatutrios com remunerao bruta inferior a 70% do limite estabelecido para servidores do Poder Executivo federal. Isso, desde que o dirigente no seja cnjuge ou parente at ter- ceiro grau de scios, conselheiros etc. da or- ganizao e que a remunerao total desses dirigentes seja inferior a cinco vezes o limite de 70%. Seguindo esses mesmos critrios, a Lei 12.868/2013 tambm associou ao Cebas a possibilidade de remunerao de dirigentes (BRASIL, 2013). A certifcao da Oscip possibilita que a organizao frme um Termo de Parceria com o Poder Pblico (explorado na seo anterior), o que criou vias para o acesso a recursos pblicos. Para tanto, a organizao deve se comprometer com vrias clusulas que determinam o objeto do programa de tra- balho proposto, as metas e os resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de execuo, a previso de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento e os critrios objetivos de avaliao de desempe- nho, entre outros quesitos a serem fscaliza- dos. Essa srie de caractersticas exigidas das entidades padroniza certos aspectos da gesto das organizaes que possuem a mesma certifcao, havendo tambm seme- Certicaes pblicas concedidas s organizaes da sociedade civil no Brasil. Entre dimenses normativas e complexidades contextuais ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 49 lhanas entre as distintas certifcaes. Dito de oura forma, o trabalho com o Estado impe requisitos administrativos e legais totalmente novos para essas entidades, que passam a ter que conciliar a promoo de determinado servio social com a condio de parceira do Estado (Peci et al., 2008, p. 1.145). Para alm do normativo: complexidades contextuais das certifcaes concedidas pelo estado Deste seu prembulo e visando assegu- rar clareza de sentido, este estudo itera o uso do termo certifcao, visto ser amplamente reconhecido como tipo de atestado fornecido por uma instituio certifcadora [] por meio de critrios adotados e reconhecidos (Pereira & Canado, 2012, p. 142). A Lei n. 91/1935 refe- re-se Utilidade Pblica como ttulo; a Lei n. 12.101/2009 trata de certifcado (Cebas) e a Lei n. 9.790/1999 aborda qualifcao (Oscip). Alis, observa-se que o legislador, quando da instaurao das Oscips, nutriu uma possvel tentativa de padronizao, referindo-se ao Ce- bas e Utilidade Pblica como qualifcaes (BRASIL, 1935, 1999, 2009, 2013). Na poca da instituio da Oscip, da UPF e do Cebas, j se reifcava um sistema certifcatrio estvel h dcadas e, possivel- mente por isso, no eram contempladas as tipologias contemporneas que assumiam al- gumas OSC, como as de carter ambiental ou aquelas que promoviam o microcrdito. O intui- to das Oscips era tambm facilitar o reconheci- mento pblico, ante a burocracia excessiva em que estavam envoltos a UPF e o Cebas. Ape- sar desse intuito da nova legislao, que no exigia um tempo mnimo de existncia jurdica da organizao pleiteante, a adeso inicial foi bem menor que a esperada pelo governo. Nos anos de 1999 e 2000, foram recebidos apenas 445 pedidos, e destes, somente 91 foram de- feridos (Alves & Koga, 2003). Para tentar reverter esse quadro, o governo fez modi- fcaes na lei, contudo, como ressaltam Alves e Koga (2003, p. 1), estas medidas, na prtica, aproximaram a nova legislao da legislao anterior, o que praticamente tornou incuo o sentido de mudana da le- gislao. Nessa fase inicial, as organizaes, de modo geral, no demonstraram interes- se em aderir ao que naquela ocasio era o novo marco regulatrio do Terceiro Setor, mantendo-se sob a gide da legislao an- terior. O trunfo do governo para estimular a adeso das organizaes ao novo mar- co regulatrio, que j se supunha atraente pelo dinamismo da concesso e por esta- belecer o termo de parceria, modalidade de fomento aos projetos das OSC, foi in- corporar praticamente todos os benefcios de ordem econmica oferecidos pela UPF (Alves, 2002). A despeito da inrcia quando da san- o da Lei n. 9.790/1999, em 2006, cerca de 3 mil organizaes j eram detentoras da certifcao de Oscips. Todavia, consta- ta-se sugestiva adeso das organizaes certifcao como um estandarte legiti- mador, j que ser uma Oscip no implica parceria imediata com o Estado. Em repor- tagem da imprensa, 1 citada por Landim e Carvalho, 2007, p. 34): [...] Eduardo Elias Romo, do Ministrio da Justia, [...] criticou a criao do ttulo de Oscip como uma credencial de entida- des de interesse pblico e que, portan- to, teriam mais legitimidade para uso dos recursos pblicos. As Oscips, segundo Romo, no so necessariamente enti- dades com histria. O ttulo concedido a quem quer desenvolver atividades de interesse pblico. Hoje, 960 das 3 mil ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 Luza Ribeiro Fagundes - Victor Augusto Arajo Silva - Carlos Eduardo Guerra Silva 50 Oscips registradas no Ministrio da Justia sequer atualizam endereos desde 1999 [quando essa lei foi promulgada]. No se sabe o que estas entidades fazem, o ttulo apenas uma roupagem, disse. Ressalta-se, ainda, que, mesmo dian- te do aumento de repasses pblicos para as Oscips, no se explicita o processo de alocao desses recursos. Conforme Torres (2007), verifca-se um quadro de concen- trao desses recursos em poucas organi- zaes. A Lei n. 9.790/99 concede alta dis- cricionariedade aos governantes no que diz respeito escolha das organizaes de inte- resse pblico benefciadas. Ainda que o nmero de Oscips tenha aumentado exponencialmente desde a pro- mulgao da lei, os mecanismos existentes, como as chamadas pblicas, no garantem a alocao desconcentrada dos recursos p- blicos. Nesse sentido, para a maior parte das organizaes, continuam existindo poucos incentivos fnanceiros para aderir a essa cer- tifcao. J na atualidade, certas mudanas nas dinmicas das certifcaes e das re- laes com o Estado so destacadas. Com referncia em dados da Secretaria-Geral da Presidncia da Repblica SGPR (2012), havia, em 2012, 6.166 Oscips, mais que o dobro de organizaes certifcadas observa- das em 2006. As organizaes certifcadas como Utilidade Pblica somavam 12.656 e as detentoras do Cebas 5.160. Quanto ao Cebas, ressalta-se que, em 2008, a Polcia Federal conduziu a chamada Operao Fariseu, na qual alguns integran- tes do Conselho Nacional de Assistncia Social (CNAS) foram acusados de fraudar o processo de concesso dessa certifca- o. O esquema benefciava organizaes que normalmente no se enquadrariam nos critrios legais para obteno ou renovao desse certifcado necessrio para o gozo de certos benefcios tributrios (Carvalho & Le- ali, 2008). Em 2009, ocorreu a promulgao da nominada Nova Lei da Filantropia (Lei n. 12.101/2009), que causou diversos impactos na operao das organizaes detentoras da certifcao (Colombelli; Muraro; Santos, 2012; Fischer & Fischer, 2012). Mudana de amplo escopo foi a transferncia da conces- so e renovao da certifcao do Conselho Nacional de Assistncia Social (CNAS), reali- zada desde 1994, quando foi criado, para os ministrios que correspondiam s reas de atuao das organizaes: Assistncia So- cial, Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome; Sade, Ministrio da Sa- de; e Educao, Ministrio da Educao (Lei n. 12.101, 2009b). A Nova Lei da Filantropia teve seus mritos e demritos. Um avano consistiu em sistematizar, em um nico disposto regu- latrio, o que anteriormente estava disperso em vrias leis. Processos burocrticos foram tambm simplifcados: anteriormente era ne- cessrio obter o certifcado ao CNAS para, s ento, solicitar Receita Federal o gozo dos benefcios tributrios, os quais poderiam ser negados por essa instncia; reduziu-se de trs para um ano o requisito referente ao tempo de existncia jurdica da organizao; o ttulo de Utilidade Pblica federal tambm deixou de ser um requisito para a obteno da certifcao (Lei n. 12.101, 2009b). De outro lado, constataram-se impac- tos contraproducentes: os ministrios no es- tavam preparados estrutural e processual- mente para lidar de maneira efciente com os processos de certifcao; cada ministrio, por meio de suas portarias, implementou pro- cessos distintos entre si, causando confuso geral para as organizaes, acostumadas com o processo homogneo do CNAS; or- Certicaes pblicas concedidas s organizaes da sociedade civil no Brasil. Entre dimenses normativas e complexidades contextuais ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 51 ganizaes j certifcadas deveriam registrar o pedido de renovao com seis meses de ante- cedncia, sendo que a perda desse prazo im- plicaria a perda da certifcao; e comeou a ocorrer a acumulao de processos, alm de diversos deles terem sido retornados s orga- nizaes requerentes, sob a alegao de que seria outro ministrio responsvel pelo proces- so certifcador (mais tarde, os prprios minist- rios passaram a tramitar os processos entre si, produzir cartilhas e considerar um fuxo regu- lar). Diante da signifcativa manifestao de insatisfao das OSC, movimentos se forma- ram, por exemplo, o Movimento de Direito do Terceiro Setor (Fundamig, 2010) e duas Aes Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) ques- tionaram a lei perante o Supremo Tribunal Fe- deral STF (Confenen, 2010; Conselho Fede- ral da OAB, 2012). Cerca de quatro anos aps a instau- rao desse cenrio, foi promulgada a Lei n. 12.868/2013, que alterou a Lei n. 12.101/2009, trazendo encaminhamentos para certos im- passes. Intempestividade parte, uma inova- o trazida foi a possibilidade de remunerar os dirigentes, at ento verifcada somente na certifcao de Oscip. Outro ponto controver- so da Lei n. 12.101/2009, que havia restringi- do as tipologias que tinham acesso ao Cebas, foi aparentemente solucionado mediante a (re) incluso de organizaes que lidam com re- abilitao de defcientes e programas de so- cioaprendizagem, entre outros (Lei n. 12.101, 2009b). Diante das complexas dinmicas expli- citadas no contexto das Oscips e do Cebas, o ttulo de Utilidade Pblica passou praticamen- te despercebido. As organizaes certifcadas como de Utilidade Pblica totalizavam 12.091 2
em 2014, uma reduo pouco signifcativa se se considera que, em 2012, eram 12.656, se- gundo dados da SGPR (2012). Essa queda est possivelmente associada desvinculao da certifcao de UPF como pr-requisito para a obteno do Cebas, mesmo que esse vnculo rompido no impea o ac- mulo dos ttulos de Cebas e da UPF, pois manteve-se a impossibilidade de acmulo do ttulo Oscip com o das demais certifca- es, como j previsto desde a instituio desse diploma legal pela Lei 9.790/99. 3 Neste cenrio, questes de ordem normativa que tratam da obteno, da ma- nuteno e dos benefcios das certifcaes acabam sendo transpassados por diversas no conformidades complexas. Consideraes fnais Este estudo analisou as dimenses normativas das certifcaes concedidas pelo Estado s organizaes da socieda- de civil que atuam em prol do interesse p- blico, assim como explorou concisamente as complexidades contextuais que as per- meiam na contemporaneidade. As dimenses normativas, da obten- o manuteno, incluindo os benefcios das certifcaes, foram consideradas con- juntamente e comparadas com o intuito de proporcionar uma perspectiva geral sobre seu uso prtico do ponto de vista proces- sual. Todavia, uma discusso jurdica no foi pretendida. No limite, desenvolveu-se uma perspectiva interativa entre o Direito e a Administrao, pois o foco deste estudo organizacional. Com efeito, diante do cenrio explo- rado, as organizaes devem considerar diversas variveis e operar vrios proces- sos no momento de lidar com as certifca- es. Para alm do normativo, essas com- plexidades contextuais das certifcaes sugerem que as relaes formais entre o Estado e as OSC se distanciam dos proje- ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 Luza Ribeiro Fagundes - Victor Augusto Arajo Silva - Carlos Eduardo Guerra Silva 52 tos que as conceberam, envolvendo inefci- ncias, arbitrariedades, insegurana jurdica e corrupo. Em termos prticos, em que se pese os esforos empreendidos no processo de outorga das certifcaes, para que elas, de fato, se mostrem efetivamente teis ao desenvolvimento institucional e legitimao das organizaes que as pleiteiam em prol da causa pblica. O cenrio das certifcaes pblicas tende a passar por iminentes mudanas. Na esteira da discusso sobre o marco legal, em 2010, um representativo contingente de organizaes e movimentos articulou a Pla- taforma por um novo marco regulatrio para as organizaes da sociedade civil, apresen- tada aos candidatos Presidncia da Rep- blica (Plataforma, 2010). No ano seguinte, a presidente eleita, Dilma Rousseff, instituiu a criao de grupo de trabalho constitudo por representantes do Governo e da Plataforma. O relatrio fnal do grupo de trabalho, publi- cado em agosto de 2012, apresentou uma srie de consideraes para o aperfeioa- mento do marco regulatrio, destacando-se a criao de: [...] instrumento especfco para regular a relao de fomento e colaborao entre Es- tado e OSCs, intitulado Termo de Fomento e Colaborao (art. 6o) que possui regras aplicveis s entidades privadas sem fns lucrativos, na forma de associao ou fun- dao, independentemente de essas pos- surem quaisquer ttulos e certifcaes, preservando a autonomia de funcionamen- to das entidades (SGPR, 2012, p. 17). Tal proposta chegou ao Senado Fede- ral e recebeu emendas e modifcaes, mas, em essncia, o Termo de Fomento e Colabo- rao manteve-se no projeto de lei, dividin- do-se em dois: o Termo de Colaborao e o Termo de Fomento. Aprovada nessa casa legislativa em dezembro de 2013, ela foi en- caminhada Cmara dos Deputados, confor- me prev o processo legislativo. Tramita atu- almente como o Projeto de Lei n. 7.168/2014, encontrando-se em estgio avanado e com forte mobilizao da sociedade civil pela sua aprovao (Abong, 2014). Constam do Quadro 2 possveis impli- caes do Projeto de Lei n. 7.168/2014 nas certifcaes pblicas. Quadro 2 Implicaes do projeto de Lei n. 7.168/2014 nas certifcaes pblicas Fonte: Adaptado pelos autores, a partir de Plataforma (2014, pp. 8-9). Certicaes pblicas concedidas s organizaes da sociedade civil no Brasil. Entre dimenses normativas e complexidades contextuais ISSN 2236-5710 Cadernos Gesto Pblica e Cidadania, So Paulo, v. 19, n. 64, Jan./Jun. 2014 53 Como se observa, o convnio o ins- Como se observa, o convnio o ins- trumento jurdico majoritariamente usado para celebrar relaes de fomento direto entre as OSC e o Estado. Subjacente celebrao de muitos convnios nas trs esferas do Estado Federal, Estadual e Municipal , est a exign- cia do ttulo de Utilidade Pblica (Fenapaes, 2013), que cada uma dessas esferas confere. A matria de que trata o PL 7.168/2014 extingui- r os convnios, substituindo-o pelo Termo de Fomento, nos nveis federal, estadual e munici- pal. Embora mencionado anteriormente que a Utilidade Pblica passou quase despercebida na poca das intensas dinmicas que envol- viam o Cebas e a Oscip, talvez seja a sua hora de passar por ciclos de mudana. Quanto ao outro ponto, que sugere a uni- fcao do Termo de Parceria das Oscips nos moldes do novo Termo de Fomento, o destino dessas certifcaes j estava traado desde seu nascedouro. Ainda que o motivo atualmen- te no seja a inrcia de adeses, naquela oca- sio, observa Alves (2002, p. 304): Apresentado como um novo agente na pro- moo do desenvolvimento econmico e social do pas, o Terceiro Setor panaceia para os problemas sociais do pas. Tornou-se objeto de poltica de governo que, por meio da Comunidade Solidria, resolveu liderar um processo de consolidao de um novo marco legal para as organizaes do Terceiro Setor, de tal forma que possibilitasse que as orga- nizaes da sociedade civil participassem de uma nova maneira de formular e execu- tar polticas pblicas: a parceria entre Estado e Sociedade Civil. Esse processo levou pro- mulgao da Lei n. 9790/99, que criou a f- gura jurdica das Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico Oscips, que por seu turno no aparenta a adeso esperada pelos seus criadores e promotores (embora procurem negar frmemente essa decepo). Tendo em vista o carter explora- trio deste estudo e a complexidade con- textual por que passam as certifcaes, abrem-se possibilidades mltiplas para que novas pesquisas investiguem as relaes do Estado com o que agora se convencio- na chamar de organizaes da sociedade civil. Referncias ABONG. Organizaes em defesa dos direitos e bens comuns. 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