Você está na página 1de 12

III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO

Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

GEOBOX: uma proposta de cibernarrativas nos atravessamentos dos fluxos urbanos

Gabriel Jardim ROCHA (PUC MINAS)


Maria Luiza Rodrigues Rua Campos TAVARES (CEFET-MG)

Resumo:
Esse artigo é resultado de um projeto experimental de nome GEOBOX, nascido mediante a proposta
de se trabalhar com conceito de cibernarrativa no contexto das grandes cidades. GEOBOX se baseia
no uso de mídias locativas, cujo foco está na relação entre lugares, na concepção geográfica do termo,
e dispositivos móveis. GEOBOX faz uso de GPS e telefones celulares para explorar e tencionar o
espaço urbano de Belo Horizonte, ao espalhar pela cidade caixas de presente rastreadas e propor que
as pessoas que as encontrarem gerem algum tipo de conteúdo a partir delas. Ao se realizar no encontro
com os transeuntes, o projeto incorpora a imprevisibilidade oriunda de comportamentos emergentes e
colaborativos e, portanto, se assume com processo. Nesse contexto, propõe-se algum tipo de reflexão
sobre o ambiente urbano, visto como um espaço de dados, nem sempre visível, mas que exerce
influência sobre as pessoas que transitam por ele, o tornam vivo e o concretizam enquanto fluxo e rede
intrincada de significados.

Palavras-chave: cibernarrativa, mídias locativas, GPS

Introdução

Historicamente, a trajetória humana de desbravamentos e descobertas empreendidos


pelas sociedades de todo o mundo foi acompanhada do desenvolvimento de instrumentos de
localização. O sol, as estrelas, as constelações foram os primeiros elementos de orientação na
busca de tornar mais claro e seguro ao homem o lugar por ele ocupado no espaço.
Posteriormente vieram a bússula, que revolucionou a navegação, o astrolábio, o quadrante e o
sextante e, já na década de 1957, o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra, o
SPUTINIK I (Figuêiredo, 2005).
A partir disso, e com o desenvolvimento da micro-eletrônica e da comunicação via
satélite, se sedimentaram as bases dos serviços de geotecnologia, entre os quais se encontram
os SIGs (Serviços de Informações Geográficas) e o GPS, cada vez mais popular na tarefa de
auxiliar as pessoas a se localizarem nas grandes cidades. O GPS funciona tanto para coletar
informações espacializadas pontuais, lineares e poligonais que abastecem os SIGs, quanto
para fins de navegação (o uso mais popular), em que é possível traçar rotas, otimizar trajetos e
auxiliar pessoas que estejam perdidas.
O GPS (Sistema de Posicionamento por Satélite) tem abrangência global, permite
navegação em tempo real, independente das condições meteorológicas, e funciona com base
no cálculo das distâncias entre o usuário e os satélites rastreados, através das coordenadas em
que cada um deles se encontra (Figuêiredo, 2005). Através de uma rede de 24 satélites geo-
estacionários, o GPS localiza a posição de um receptor, fornecendo sua latitude, longitude e
altitude. Além disso, possui um sistema com vistas à sincronização do elemento tempo,

1
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

fazendo com que os relógios dos satélites e dos receptores funcionem de modo casado e,
portanto, não afetem o cálculo da localização.
Não cabe aqui uma discussão aprofundada sobre GPS, pois ela exigiria grande apuro
técnico, o que não é o foco desse trabalho. O GPS será aqui abordado como a tecnologia que
permite o funcionamento do projeto GEOBOX, cujo objetivo é tencionar o espaço urbano,
propondo novas relações e formas de explorá-lo e de vivenciá-lo.
A despeito de algumas afirmações tecnofóbicas segundo as quais as novas tecnologias
estão destruindo a importância do espaço, acreditamos estarmos cada vez mais localizáveis,
pois, como afirma Lemos (2003), “espacializar” faz parte do reconhecimento que
empreendemos para atribuir sentido às coisas e, portanto, sempre buscaremos alguma forma
de localização, mesmo que não no sentido estritamente geográfico do termo.
A quebra de fronteiras geoespaciais, a facilidade de comunicação entre povos de todos
os continentes, bem como a velocidade com que isso tem sido feito, criam a sensação de que o
espaço perdeu importância. Vale, portanto, a lembrança de que esses mesmos dispositivos
tecnológicos que permitem a transposição de barreiras de ordem física, também nos tornam
cada vez mais localizados e localizáveis: telefones celulares, bips, GPS, e-mail, serviços como
o Google Maps, câmeras de segurança espalhadas pela cidade, câmeras dos telefones
celulares. Tudo isso criando um espaço de vigília constante e de informação no qual estamos
imersos e que, portanto, de alguma forma atuam sobre nós.

Mídias locativas

As mídias locativas são “dispositivos informacionais digitais cujo conteúdo da


informação está diretamente ligado a uma localidade. Trata-se de processos de emissão e
recepção de informação a partir de um determinado local”. (LEMOS, 2007, p.1) Desse modo,
as mídias locativas estão geralmente associadas a dispositivos móveis, sem fio e conectados
em rede, como celulares, aparelhos GPS, palms etc, através dos quais as informações são
disponibilizadas, enviadas, coletadas, trabalhadas em alguma instância.
Para o Projeto GEOBOX, que será descrito a seguir, serão utilizados GPS e telefones
celulares. Estes, mediante a exploração das funções que extrapolam a telefonia e permitem a
produção de conteúdo de texto e imagem: “hoje o celular é muito mais que um telefone
móvel. Ele configura-se como um „teletudo‟, um equipamento que é ao mesmo tempo
telefone, máquina fotográfica, televisão, cinema, receptor de informações jornalísticas,

2
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

difusor de emails e SMS3, WAP4, atualizador de sites (moblogs), GPS5, tocador de música
(MP3 e outros formatos), carteira eletrônica (...).” (Lemos apud Cipriano, 2007, p. 36). Além
disso, tanto o GPS quanto os telefones celulares - na medida em que eles permitem a
produção e gerenciamento de informações em tempo real e em condições de mobilidade -
permitem a exploração da relação entre as pessoas, o tempo e o espaço, exploração essa
extremamente relevante para o Projeto GEOBOX.
As mídias locativas podem, portanto, ser usadas sob diversos formatos e com
diferentes objetivos, seja através de seus aspectos mais funcionais de exploração do espaço
informação, ou em seus possíveis desdobramentos artísticos, ao tencionar e retrabalhar o
espaço urbano, suas regras e fronteiras.
Essas mídias não são exclusividade do ambiente digital, como bem lembra Lemos
(2007). Podemos pensá-las também em meio analógico, embora ela assuma, nesse contexto,
características diferentes, como o não processamento da informação e a apresentação estática
dos dados. Placas de trânsito ou que indiquem a localização de um ponto turístico ou
estabelecimento comercial são exemplos de informações agregadas a uma local, de modo
analógico. No entanto, para esse projeto, trabalharemos sob a perspectiva das mídias locativas
digitais.
Ao associar serviços de localização, informação e mobilidade, as mídias locativas
digitais permitem o aprofundamento no trato com a informação. Nesse sentido, Lemos (2007)
descrimina a função de realidade móvel aumentada que essas mídias podem desempenhar, na
medida em que permitem, por exemplo, que mapas possam ser acessados de celulares e
apontem os estabelecimentos comerciais desejados e disponíveis em uma determinada área.
Além dessa função, Lemos propõe quatro outras, a saber: mapeamento e
monitoramento de movimento, geotags, anotações urbanas e wireless mobile games. No
último caso, trata-se de jogos que associam os chamados jogos móveis - voltados para
celulares e smartphones, surgiram na década de 1980 com a Nitendo, e se popularizaram a
partir de 1997, quando a Nokia lançou o Snake. Pouco mais de dez anos depois, esses jogos se
desenvolveram e fazem uso de sons polifônicos e gráficos 3D - com os serviços baseados em
localização (BEZERRA, 2007):
“Jogos baseados em localização utilizam a localização física do jogador
como um dos elementos integrantes da dinâmica do jogo, exigindo o seu
deslocamento em lugares reais, como parques e ruas, de modo que as suas
ações no mundo real como encontrar alguém, objetos virtuais ou se
esconder venham a alterar o estado do mundo virtual. Alguns destes jogos
ainda permitem a participação de jogadores on-line, que participam do jogo
via computadores pessoais, e podem, por exemplo, visualizar o
andamento do jogo em um mapa, além de enviar mensagens com instruções

3
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

para os participantes móveis.” (BEZERRA, 2007, p. 17)

Já as anotações urbanas são descritas por Lemos (2007) como a indexação de


conteúdos de texto ou imagem a determinados locais através do uso de dispositivos
eletrônicos, como telefones celulares, Bluetooth e etiquetas RFID.
Para este trabalho, no entanto, nos interessa particularmente o que Lemos classifica
como mapeamento e monitoramento de movimento e geotags. No primeiro caso trata-se de
“funções locativas aplicadas a formas de mapeamento (mapping) e de monitoramento do
movimento (tracing) do espaço urbano através de dispositivos moveis.” (LEMOS, 2007, p.5).
Ou seja, essa função inclui propostas de atividades que trabalhem os fluxos e percursos
urbanos, gerando registro e mapas sobre eles, através do uso de GPS e celulares conectados à
internet.
A função de mapeamento e monitoramento está na gênese do projeto GEOBOX,
objeto deste trabalho, que foi idealizado a partir dos fluxos que atravessam as grandes cidades
diariamente e dos trajetos que eles podem assumir. GEOBOX é uma proposta de
atravessamento desses fluxos, cujo um dos resultados propostos e esperados é a formação de
mapas a partir de rastreamento com GPS.
Esses mapas, como entraremos em detalhe a seguir, serão formados não só pelas rotas
originadas pelo objeto rastreado por GPS, mas por imagens associadas aos endereços em que
esse objeto se encontra, geradas através de telefone celular e enviadas via SMS. Nesse caso,
estamos falando da indexação de informações aos mapas, o que Lemos (2007) classifica como
a função de geotag.
As mídias locativas permitem, portanto, um diálogo entre espaço físico e ciberespaço
que inaugura novas formas de experienciar e dar sentido à informação e ao próprio ambiente
das cidades.

Mímeses I, II e III e as Cibernarrativas

A proposta da GEOBOX é proporcionar a vivência de fluxos invisíveis àqueles que


não o vivenciam. Estas novas formas de experimentar e dar sentido a informação, de tornar
esta experiência estética de atravessamento de fluxos algo explícito e visualizável são feitas
pelo homem através da narrativa ou da narrativização dos acontecimentos. Ou seja, a
compreensão e a produção de sentido são também fruto da ordenação das ações transcorridas
em um determinado tempo.

4
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

Como explica Ricoeur (1994), o tempo percebido pelo homem é um tempo que passa.
E, para conseguir perceber o tempo que passa, é preciso falar sobre ele, em uma tentativa de
destacá-lo, ainda que indiretamente, da vivência constante e imersiva que temos do tempo.
Logo, para perceber o tempo como categoria é preciso organizá-lo. Por isso a importância da
narrativa, enquanto forma de organização lógica dos eventos. Quando se narra algo, o
narrador está no presente, mas preocupado com aquilo que vai narrar no futuro, enquanto a
história se distende no passado. Essa é a noção de tríplice presente de Santo Agostinho, em
que existe o passado do presente, o presente do presente e o futuro do presente, sendo que a
existência destes tempos ocorre mediante a vivência do homem. Para explicar esta lógica que
une tempo e ação no processo de elaboração de uma narrativa, Ricoeur (1994) se apropria do
termo mimese, atribuindo a ele três tipos: Mimese I, Mimese II e Mimese III. Através da co-
existência dessas três mimeses a narrativa se constituiria como um tempo humano e
percebível.
A Mimese I corresponde ao tempo pré-figurado ou tempo real. Esta mimese relaciona-
se com algo que aconteceu; consiste no tempo em si. Ou seja, o tempo da ação se configura na
própria ação. “Essas articulações simbólicas da ação são portadoras de caracteres mais
precisamente temporais, donde procedem mais diretamente a própria capacidade da ação a ser
narrada e talvez a necessidade de narrá-la.” (RICOEUR, 1994, p. 88).
Já a Mimese II corresponde à configuração da ação a partir da narrativa. Ela
intermedeia as demais mimeses por presidir a função de mediação. Nesta etapa, o autor
configura uma ordem de causa e conseqüência entre as ações. Um exemplo no texto impresso
seria o livro em si. O livro é o resultado do trabalho de um autor que, a partir da mimese I,
entra em contato com um conjunto de ações práticas e, através da mimese II, ordena estas
ações, atribuindo-lhes um sentido pessoal. Assim, “a narrativa faz aparecer numa ordem
sintagmática todos os componentes suscetíveis de figurar no quadro paradigmático
estabelecido pela semântica da ação.”(RICOEUR, 1994, p. 103).
A Mimese III consiste na reconfiguração da narrativa e aparece somente através da
imersão na mimese II. Esta imersão possibilita a união dos três tempos (tríplice presente do
Agostinho) e esta união configura um sentido colaborativo na obra. Afinal, é somente neste
ponto que o leitor passa a ter contato com a história, apreende o que a obra comunica e tudo
aquilo que a obra projeta. A título de exemplo, essa reconfiguração no texto impresso ocorre
durante o processo de interpretação do texto, enquanto no ambiente virtual e nos textos nele
presentes isso é potencializado, permitindo ao usuário/leitor interferir fisicamente na
temporalidade da obra. Esta interferência gera uma quebra no conceito de autoria, que, dentro

5
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

da noção de cibernarrativa, passa a ser uma autoria compartilhada.


A diferença crucial da narrativa para a cibernarrativa é que, na segunda, o processo de
mimese III é transposto para o físico, fazendo possível o acesso a um novo conjunto da
mimese I. As cibernarrativas se configuram, portanto, conforme Falci e Jardim (2007, p. 9),
como “processos colaborativos em rede”. Nesse contexto a GEOBOX é uma proposta de
cibernarrativa, uma vez que ela possibilita o exercício da autoria compartilhada e o acesso a
todas as mimeses, mesmo depois de acessada a mimese III.

GEOBOX: uma proposta

GEOBOX é um projeto cuja gênese se encontra na tentativa de se desenvolver o


conceito de cibernarrativa, buscando nele uma aplicação prática, bem como de trabalhar as
tensões espaço-temporais que dele emergem. A cidade como um espaço de dados, nem
sempre visível, mas que nos influencia a todo momento, é, nesse projeto, explorada sob a
perspectiva do fluxo desses dados, atravessado pelo fluxo das pessoas, que significam,
ressignificam e se apropriam desse espaço.
GEOBOX é, por isso mesmo, uma proposta em que é possível definir e visualizar
objetivos e uma dinâmica de funcionamento, mas cujos desdobramentos e produtos dela
originados são imprevisíveis. Trata-se, portanto, de uma proposição aberta em que não é
possível - e isso não é um problema - o controle dos usos e reações emergentes do encontro
entre GEOBOX e os interatores. Também as especificidades do conteúdo gerado pelo projeto,
a extensão do banco de dados resultante dele, bem como as rotas espaciais emergentes da
experimentação da obra, são imprevisíveis. No entanto, mais que trabalhar esse tipo de
resultado, e conscientes da riqueza contida nesse material resultante, estamos mais
interessados na exploração do caráter processual do projeto. O foco está no caminho, no
"entre", no tipo de tensão que GEOBOX irá criar ao atravessar o fluxo urbano e, em certa
medida, incorporar-se a ele, propondo que seja gerada algum tipo de memória desse fluxo.
A partir disso, também pretendemos trabalhar a obra como um espaço de colaboração
e diretamente ligada à pró-atividade dos que entram em contato com ela. Queremos, com isso,
liberar o acesso a Mimese I, convidando o interagente a uma experiência física, que demande
a ação do participante sobre o projeto. Retomamos, desse modo, o conceito de cibernarrativa
como processo imersivo e colaborativo, construída no "fluxo" e propositora de uma
experiência temporal em aberto e passível de ser reconfigurada em termos físicos e
interpretativos.

6
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

Tendo como base o entendimento de que somos seres essencialmente espacializantes,


porque é isso o que implica atribuir sentido às coisas, o projeto também trabalha a tensão
entre o mapeamento e a liberdade no fluxo. É possível nos libertarmos dos mecanismos de
controle aos quais estamos expostos? É possível não estar espacializado?
GEOBOX é, pois, um convite e uma provocação relacionados à experiência do fluxo
no espaço das cidades e aos potenciais que esse fluxo guarda.

GEOBOX: Descrição e conceituação

Pensar em cidades significa pensar naquilo que as compõe e naquilo que as torna viva:
as pessoas. Pessoas que se organizam através de regras sociais previamente dadas e
estabelecidas, mas também que reagem a lógicas oriundas da vivência dos demais membros
da cidade: o que chamamos de comportamento emergente.
Assim como diversos exemplos de organização de comportamento emergente, como a
organização das formigas e do próprio cérebro humano (exemplos clássicos de Steven
Johnson, 2003), também nas cidades é possível identificar fluxos diversos, através dos quais a
sociedade se estabelece: fluxo de pessoas, dinheiro, carros, trajetos, objetos etc.
A proposta deste trabalho é, portanto, a de atravessar esses fluxos em alguma
instância, e gerar algum tipo de memória desses atravessamentos, permitindo que eles sejam
compartilhados e saiam da condição de invisibilidade em que costumeiramente se apresentam
a nós. Os nossos trajetos pessoais podem nos ser claros, mas é comum que os “outros” fluxos,
de pessoas que não fazem parte do nosso convívio, nos sejam completamente alheios e
invisíveis, principalmente na rotina acelerada das grandes cidades.
A partir de caixinhas de presentes com GPS embutido em um fundo falso, propomos
uma ação urbana. Caberá às pessoas que transitam pela cidade e que entrarem em contato com
a caixinha, gerarem ou proporcionarem um fluxo para este objeto.
Para incitarmos a participação, concebemos a nossa interface como caixas de presente
a serem espalhadas em 10 pontos representativos para a cidade de Belo Horizonte, e pelos
quais um grande número de pessoas circula diariamente: Praça da Liberdade, Igrejinha da
Pampulha, rodoviária e aeroporto (o que pode implicar que a caixinha cruze os limites da
cidade), Mercado Central, Praça de Santa Tereza, Estação BH Bus Venda Nova, Metrô do
São Gabriel, Praça do Papa e no Cristo do Barreiro.
O período de circulação de cada caixinha fica em aberto, uma vez que depende da
duração da bateria do GPS e dos usos que serão feitos pelos interatores. Temos que

7
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

considerar, por exemplo, que a caixinha pode ser jogada no lixo ou ser levada pra casa de
quem a encontrou, o que tornará seu espaço de circulação restrito.
Na parte superior da caixinha existe uma etiqueta de estímulo e encorajamento da
participação, com a palavra: ABRA-ME1. Através deste primeiro contato, a narrativa
potencialmente possibilitada pelo GPS começa a ser construída.
Ao abrir a caixa, o interator encontra, gravada no fundo do objeto, a mensagem:

“Olá! Esse presente foi deixado pra você! Agora, você deve dar a oportunidade para
outras pessoas o receberem. Tire uma foto sua ou do lugar onde você está e envie para
XXXX (SMS), com seu nome seguido do endereço em que você encontrou o presente
e o número escrito na tampa da caixa. Por exemplo: ana_ruaSergipe345_2. Assim,
quem receber o presente poderá te conhecer ou saber por onde esta caixinha andou.
Escolha um lugar para deixar a caixinha para que outras pessoas possam participar
desse projeto de intervenção urbana, chamado GEOBOX. Para visualizar o trajeto
desse presente e as pessoas que o encontraram antes de você, acesse:
www.projetogeobox.com.br”

Este texto é o ponto de contato do interator com os idealizadores do projeto. É a única


narrativa, a priori, não passível de alteração. Entretanto, como é a apropriação que vai mostrar
os limites da imersão do interator, neste caso podemos nos surpreender com uma alteração
feita a mão no texto impresso, por exemplo, e que pode interferir nos usos da caixa desse
momento em diante. Também não há garantias de que os idealizadores do projeto voltarão a
encontrar as caixas. A “herança” de GEOBOX passível de acesso será formada pelo conteúdo
gerado por aqueles que encontrarem as caixas e aceitarem participar do que foi proposto.
A partir disso, ao ter contato com a interface e dar resposta positiva ao estímulo de
participação, o interator vai "escrever" ou "construir" duas narrativas que podem coexistir ou
não: a narrativa da interface, uma vez que a caixa começará a se movimentar pela cidade, e a
narrativa das imagens, gerada a medida em que os interatores aceitarem a proposta de
registrarem o local em que se encontram.
A narrativa da interface será possível porque as caixas possuem um GPS embutido,
1
A ideia é a de explorarmos no imaginário do interator um mundo desconhecido para ele. Mediante a proposta
de explorar os fluxos que passam imperceptíveis no dia-a-dia, a GEOBOX busca proporcionar ao interator, em
alguma instância e a partir da sua experiência estética, a vivência desse “sub-mundo”. A palavra “Abra-me” é
uma alusão à obra Alice no País das Maravilhas (no livro, o autor utilizou a ideia de DECIFRA-ME) com a
proposta de que as pessoas/interatores descubram um mundo que existe, mas que geralmente lhes passa
despercebido por motivos diversos.

8
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

funcionando, nesse caso, como um rastreador, que localiza pontualmente as caixas e envia as
informações sobre a localização em tempo real para um banco de dados. Esse banco abastece
o site do projeto no qual o internauta pode visualizar dez mapas, um para cada caixa, cujos
centros ou pontos zero são os locais em que a GEOBOX foi deixada pelos idealizadores do
projeto; além de um mapa geral, cujo objetivo é mostrar comparativamente os caminhos
assumidos pelas dez caixas e permitir a visualização de um eventual cruzamento de fluxos.
Desse modo, a partir das informações armazenadas no sistema, a pessoa que acessa o site
pode visualizar os trajetos das caixas de presente.
Ao mesmo tempo, a narrativa das imagens será construída também nos mapas, através
da ferramenta de listagem do Google Maps, de uso é gratuito e na qual é possível trabalhar
com geotags. Desse modo, a medida em que recebam as fotos produzidas pelos participantes
e enviadas para o número promocional de SMS cadastrado para o projeto, os idealizadores do
GEOBOX acrescentarão as imagens no mapa com base nos endereços atribuídos a elas no
momento do envio. Assim, ficarão assinalados no mapa geral os pontos em que os interatores
fizeram suas fotos. Ao clicar nesses pontos, é possível visualizar a foto ampliada, o endereço
em que a imagem foi feita e o nome da pessoa que produziu o material, a data e o horário de
envio. Essa localização temporal, assim como os números de cada caixa, permitirão que seja
construída uma sequência de encontro da GEOBOX, ou seja, que saibamos ao final quem
encontrou a caixa e em que momento.
Ao visualizar a foto, o visitante do site pode, caso deseje, acrescentar novas palavras-
chave (tags) à imagem, além de comentários sobre o local ou destinados às pessoas que
encontraram as caixas.
É importante perceber como, durante todo trajeto proposto, o foco está no processo,
nos caminhos que se constituirão, ou não, a partir do momento em que as caixas forem para a
rua e começarem a ser encontradas. As narrativas só irão existir a partir da ação do interator,
de sua colaboração. As narrativas das caixas, propiciadas pelo rastreamento do GPS, são mais
autônomas do que a narrativa das imagens, uma vez que o GPS estará produzindo conteúdo,
independente de uma ação voluntária do interator. Logicamente, pela imprevisibilidade aqui
já exposta, pode ocorrer das caixas serem quebradas, jogadas no lixo etc, o que vai produzir
algum tipo de interferência nos trajetos. No entanto, ainda assim, trata-se de um sistema que
potencialmente preserva certo grau de autonomia. No caso das narrativas geradas pelas
imagens, elas só se tornarão possíveis mediante o desejo de participação das pessoas.
Desse modo, é possível, através do projeto e das fases que o constituem, aplicar os
conceitos de Mimese I, II e III, bem como explicitar a configuração da GEOBOX como uma

9
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

cibernarrativa.
O primeiro contato do interator com a caixa é através da etiqueta ABRA-ME. Neste
momento e, a partir da leitura do texto que vem dentro da caixa, o interator tem acesso à
mimese II, configurada por um autor definido, que no caso são os criadores do projeto, que
montaram o texto a partir de um conjunto de ações pré-configuradas composto pela mimese I.
Quando o interator lê a mensagem que se encontra dentro do presente, ele passa a ter acesso a
mimese II porque recebe uma orientação ligada à concepção e à configuração da obra.
A reconfiguração da narrativa ou mimese III é realizada a partir do momento em que o
interator participa do projeto, enviando sua foto pelo SMS. Afinal, é neste momento que ele
interpreta a mimese II (o texto que foi dado) e age conforme se espera a partir do texto lido.
Simultaneamente à narrativa que surge da interação entre o interator e a GEOBOX,
está sendo construída a narrativa do GPS. Esta é uma narrativa que se encontra em constante
estado de mimese I para este interator, pela relativa autonomia que possui.
No entanto, esse interator pode acessar o site do projeto, onde é possível o acesso à
mimese III, bem como a reconfiguração, ainda que limitada, dessa narrativa gerada pelo GPS.
Essa intervenção se dará pela possibilidade do interator deixar marcas textuais na obra ao
inserir tags aos conteúdos disponíveis no site.
O site pode ser concebido como um produto temporário do projeto, à medida em que
se modifica a cada alteração de rotas, imagens e tags. Quebra-se, portanto, o paradigma da
autoria e passa-se à lógica das zonas de autoria compartilhada proposta por Alckmar Santos
(2003), nas quais não há um só autor, mas uma junção deles. Dessa forma, abandona-se a
noção fechada e personalizada de autor. A cada nova inserção de tags tem-se uma nova
narrativa e, com isso, um novo conjunto de mimeses I, II e III, feito por pessoas e autores
diferentes: é na contribuição de múltiplas vozes que o texto se tece.
Ressalta-se, portanto, e conforme Falci e Jardim (2007), que, se as cibernarrativas
podem ser modificadas pelo leitor no estado de mimese III, a percepção temporal nelas e
permitida por elas é a de um tempo em estado de formação, mesmo que não seja um tempo
puro. O tempo não aparece somente configurado, como em mimese II. Ele pode ser
reconfigurado não apenas em termos de interpretação, mas em termos físicos. E é neste
momento que a narrativa se difere da cibernarrativa:

Se as relações entre escrita e leitura na produção de narrativas apontam para


um entrelaçamento constante entre autores e leitores, no caso das
cibernarrativas é possível e desejável também pensar em um processo
relacional no que diz respeito à materialidade das obras cibernarrativas. Ou

10
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

seja, para pensar a cibernarrativa adotar-se-á uma perspectiva em que os


termos da relação são a obra, fisicamente produzida, e os diversos textos que
podem ser produzidos a partir da existência dessa obra. Nesse sentido, o
hipertexto, do qual será derivado o conceito de cibernarrativa, não deve ser
compreendido como uma obra, mas como um processo (FALCI & JARDIM,
2007, p. 5).

Com a GEOBOX, o interator poderá criar cibernarrativas através de sua interferência


física representada pela inserção de tags, pelas imagens feitas e enviadas através dos
dispositivos móveis, ou, ainda, através de usos não previstos inicialmente pelo presente
projeto. É neste processo que a obra acontece, se afirma enquanto cibernarrativa e concretiza
a proposta de se pensar e experimentar a cidade de outra forma, gerando algum tipo de
memória dessa vivência e tornando visualizável, ainda que temporariamente, o espaço de
dados e fluxos no qual estamos imersos. É nesse, e através desse espaço, que as cidades se
formam.

11
III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO
Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009

Referências Bibliográficas

BEZERRA, R. C. F. M. Utilizando o conceito de localização em jogos móveis. Pesquisa de conclusão


de curso de graduação em Ciência da Computação, na Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
2007. Disponível: http://www.cin.ufpe.br/~tg/2007-1/rcfmb.pdf. Acessado em: 02/10/2009.

CIPRIANO, Lúcia Helena Melo. O uso profissional do telefone celular: Como estão a vida e o
trabalho após a chegada dessa nova tecnologia. Dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da PUC-Rio. Fevereiro, 2007.

FALCI, Carlos Henrique & JARDIM, Gabriela. Configuração das cibernarrativas a partir do
conceito de imersão. Vol.1 nº2 , Dezembro 2007. Disponível: www.ppgcomufjf.bem-
vindo.net/lumina. Acessado em: 03/10/2009.

FIGUÊIREDO, Divino Cristino. Curso Básico de GPS. Setembro, 2005. Disponível:


http://www.esalq.usp.br/departamentos/ler/disciplinas/Topo/LER450/Vettorazzi/Curso_GPS.pdf .
Acessado em: 27/09/2009.

GIANNETTI, Claudia. Estética Digital - Sintopía del arte, la ciencia y la tecnología. Barcelona:
Associón de Cultura Contemporánia L´Angelot, 2002.

LEMOS, André. Cibercultura. Alguns pontos para compreender a nossa época. In: (Orgs.) CUNHA,
Paulo e LEMOS, André. Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003.

LEMOS, André. Mídia Locativa e Territórios Informacionais. In: (Orgs.) ARANTES, Priscila e
SANTAELLA, Lúcia.“Estéticas Tecnológicas”, Ed. PUC/SP, 2007.

SANTOS, Alckmar Luiz dos. Leituras de nós: ciberespaço e literatura. São Paulo: Itaú Cultural, 2003.

RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Tomo 1. Campinas: Papirus, 1994.

12

Você também pode gostar