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O ENTE E A ESSÊNCIA
S. Tomás de Aquino
Aquino retoma Aristóteles ao estabelecer o duplo sentido pelo qual o ente pode
ser dito, quando considerado em si mesmo: no primeiro sentido, tem-se o “ente real” e,
no segundo, o “ente de razão”. Deve-se entender o ente real como aquele cuja
existência se dá concretamente no mundo, ao passo em que o ente de razão existe
objetivamente apenas na inteligência. É o ente real que Aristóteles relaciona em dez
gêneros, ou categorias (substância e acidentes), fazendo com que Aquino se refira ao
ente tomado no primeiro sentido como “substância primeira”. Por sua vez, o ente de
razão, compreendido no segundo sentido, encontra seu significado na verdade das
proposições, e passa a ser chamado por Aquino de “substância segunda”. Obviamente,
este é posterior àquele, na medida em que o ente de razão não passa de uma abstração
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do ente real. Assim a inteligência concebe o ente a partir de uma substância primeira e
ao ente concebido Aquino dá o nome de substância segunda.
Portanto, essência é aquilo que existe de comum entre os entes reais e o que
possibilita classificá-los em gêneros e espécies. Aquino adota preferencialmente o termo
essência por ele designar, de forma mais ampla, exatamente aquilo o que a coisa é.
Mesmo assim, ele ainda explicita quatro sinônimos utilizados por outros filósofos
(Aristóteles, Avicena, Boécio e outros) para o termo essência, a saber:
Uma vez expostas as noções de ente e essência, Aquino passa a analisar a essência
da substância composta, considerado-a fisicamente nas primeiras intenções, ou seja, um
ente real e, minimamente, com atributos: a) numérico – aqui o ente é concebido de
forma individual e particular, trazendo à luz da compreensão a unidade do ente, na
multiplicidade de seres existentes; e b) dimensional – o corpo é medido nas três
dimensões espaciais: largura, altura e profundidade. De certa forma, estes acidentes são
essenciais à razão humana, mas o real significado do ente subsiste apenas em sua
substância. Por analogia de atribuição, a essência dos acidentes (analogado derivado)
subsiste somente na essência da substância (analogado principal). É, portanto, na
estrutura interna do ente (criatura), ou mais especificamente, em sua própria substância,
que são identificados três elementos fundamentais, distintos, mas inseparáveis: essência,
subsistência e existência. Isto é verdade tanto para as substâncias compostas, como para
as substâncias simples, com evidente exceção a Deus (criador), cuja essência,
subsistência e existência são uma só coisa.
Como foi dito anteriormente, é justamente pela qualidade de sua essência que a
substância simples se diferencia da substância composta, já que a primeira é
simplesmente forma e a segunda, composta de matéria e forma. Mas até chegar à
conclusão de que a essência da substância composta compreende matéria e forma, e,
ainda, que o ser do ente é do próprio composto, e não de uma ou de outra, Aquino
descarta, primeiro, a suposição de que a essência da substância composta possa
compreender apenas matéria, visto que a matéria, por si mesma, não é cognoscível, e a
essência é o significado do que a coisa realmente é. A matéria, que é potência, carece
daquilo que a põe em ato, ou seja, a forma, para dar significado ao ente. Em
contraposição a Platão, Aquino também descarta a possibilidade de apenas a forma
constituir a essência da substância composta, visto que no significado de Sócrates, ou
seja, na essência de Sócrates não contém apenas a alma (forma), mas também o corpo
(matéria) de Sócrates, e assim, se dá em todos os seres compostos. Para Aquino,
também não é possível que a matéria compreenda a definição do ente como algo
adicionado à essência, tais como os acidentes são adicionados à substância, na medida
em que os acidentes carecem de essência perfeita. Tão pouco seria a essência dos entes
compostos o significado da relação entre matéria e forma, posto que assim ela fosse
acrescentada a ambas. Mas a essência não pode ser algo acrescentado de fora do ser,
como também o são os acidentes em relação à substância. Desta maneira, fica
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elas estão abstraídas de tudo o que é matéria e das condições associadas ao material.
Para Aquino, qualquer tipo de matéria, corpórea ou não corpórea, restringe a
inteligibilidade da substância. Àqueles que defendem que somente a matéria corpórea
teria a capacidade de impedir a inteligibilidade, Aquino lembra que a matéria somente é
corpórea quando possui uma forma corpórea. Assim sendo, a matéria restringiria a
inteligibilidade em virtude de sua forma corpórea. Mas isto não pode acontecer, na
medida em que esta forma já é por si mesma inteligível em ato. Assim, fica
demonstrada a impossibilidade da matéria ser parte integral da essência das substâncias
simples, como acontece somente nas substâncias compostas. Logo, conclui-se que a
essência das substâncias simples é somente forma.
Aquino postula que tudo o que convém a alguma coisa, deve ser causado por
princípios intrínsecos ou extrínsecos a ela. Afirma também não ser possível que a
essência (forma) seja causa eficiente de si mesma, logo, é necessário que receba a
existência de outro ser. Daí, conclui-se que as substâncias simples estão submetidas à
outra ordem de composição: a de forma e ser; com exceção da causa primeira, que é
simplesmente ser. Esta é uma diferença fundamental entre a causa primeira e suas
criaturas. Enquanto no criador o ser se dá por si, nas criaturas, o ser lhes é acrescentado
de fora para compor no ente dois princípios inseparáveis: essência e existência.
Justamente por ser sumamente simples, sem nenhuma composição, o ser da causa
primeira é uno, eterno e ilimitado. O ser de Deus é de perfeição tal, que nada pode lhe
ser acrescentado.