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Usinas hidrelétricas e termelétricas


Roteiro experimental sobre as concepções e o modo de funcionamento
e sobre algumas das conseqüências1
Professor Oswaldo Sevá2

1. Retrospectiva da eletrificação
Com o desenvolvimento técnico havido na indústria capitalista, desde as primeiras
máquinas a vapor (segunda metade do século XVIII) e os primeiros motores a combustão
interna (século XIX), tornou-se factível a geração de eletricidade através do acionamento
dos dínamos e depois, dos modernos geradores. A força motriz (rotação e torque de um
eixo) para esse acionamento foi obtida em duas diferentes rotas :
Por meio do aproveitamento das quedas d’água nos cursos dos rios, geleiras, fjords, e
de alguns lagos de altitude; daí a expressão genérica hidroeletricidade.
E, por meio da expansão dos gases quentes ou do vapor d’água obtidos a partir da
queima controlada de combustíveis, daí a expressão termeletricidade.
O processo de eletrificação de uma localidade, região, ou país, se fundamenta na
construção e operação de usinas elétricas, mas significa muito mais que isso, algo mais
integrado, historicamente, geograficamente, socialmente. Mesmo quando adotamos
estritamente o ponto de vista técnico, o processo de eletrificação compreende também
várias etapas intrinsecamente acopladas à produção (chamada de geração de eletricidade),
que é feita nas usinas, também chamadas de casas de força (power plants) ou de centrais
elétricas. A começar pelas etapas de construção e montagem de tais usinas. Exigem
grandes encomendas de insumos e de partes, feitas a vários setores da indústria (construção
civil, construção pesada, metalurgia do aço e ferro-ligas, cobre, alumínio, caldeiraria,
montagem mecânica, eletromecânica e elétrica de grande peso e montagens de grande
precisão).
De modo similar, a transmissão de eletricidade em alta voltagem e a longas
distâncias exige também investimentos pesados na construção de subestações com
transformadores e vários outros implementos, e em “eletrovias” , sistemas de cabos (em
geral aéreos e suportados por “torres”, estruturas e pórticos metálicos).

1 Apostila inédita, em versão experimental, sujeita a revisões e aperfeiçoamentos, elaborada especialmente para uso
no Mini curso oferecido pelo autor na IX Semana de Engenharia Mecânica Unicamp, organizada pela Motriz
Empresa Jr e pela SAE Campinas, dia 19 de outubro de 2005.
2 Engenheiro mecânico de produção (EPUSP, 1971) Mestre em Engenharia de Produção, área de Sistemas

Econômicos, (COPPE / UFRJ, 1974) doutor em Ciências Humanas (Institut de Géographie, Université de Paris I
Panthéon - Sorbonne, 1982). Desde 1991, professor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia
Mecânica, Unicamp e na pós graduação em Planejamento Energético.
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E, chegando próximo da extremidade dessa cadeia produtiva, fica a distribuição


local de eletricidade pelas ruas, avenidas, estradas, logradouros públicos, a qual também
exige investimentos em mais sub estações, e redes de fiação com postes em área urbana e
em área rural.
Temos que adotar um ponto de vista macro-econômico, (mesmo que o foco dessa
apostila esteja concentrado no funcionamento das usinas) para buscar entender a lógica
desse conjunto desde a decisão de investimento . Não a generalidade que é “investir para ter
lucros”, e sim o investimento daquele tipo naquele local, incluindo a etapa do fornecimento
dos materiais e serviços necessários para a concretização dos investimentos, pela sua etapa
operacional e todas as suas conseqüências, indo até a utilização final da energia elétrica pelos
variados tipos de consumidores ou usuários:
* residenciais deste ou daquele tipo e renda, inclusive os da área rural e locais isolados
* coletividades como escolas, hospitais, centros comerciais,
* os serviços em geral, e
* todos os tipos de indústrias, dentre as quais, especialmente aquelas que consomem
muita eletricidade, grandes consumidoras em termos absolutos, as que têm processos
industriais do tipo eletro-intensivo (alto índice de consumo de eletricidade, da ordem de milhares
de kilowatts x hora por tonelada de produto fabricado)

2. Concepção e partes essenciais das usinas


Para manter as usinas em funcionamento, deve-ser construir ou preencher um
“estoque” de energia acumulada:
1. água reservada na represa,
cujo montante, ao longo do tempo, é uma variável dependente das chuvas na bacia
fluvial e do balanço hídrico do reservatório, o qual é apenas parcialmente gerenciado;

2. estoque de combustível, dependente dos suprimentos despachados


para as usinas, pelas instalações produtoras de combustíveis, especificados ou não:

materiais fósseis (carvão mineral e seus gases, petróleo e seus derivados:


resíduo viscoso, óleo combustível, óleo tipo diesel; gás associado ao petróleo ou GN)

materiais vegetais (óleo vegetal combustível, bagaços, cascas e fibras)

materiais residuais (lixívia de celulose, vinhaça, chorume e biogás de lixo


orgânico; sucatas de papel, plástico, borrachas e plásticos).
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O “miolo” de qualquer usina é o conversor de energia mecânica


em eletricidade, ou seja, um gerador de corrente elétrica. Mas, a energia mecânica
que impulsiona esse conversor vem de algum outro conversor:
- turbina “quente”, movida pela expansão de vapor d’água (ciclo de potência Rankine)
- turbina “quente”, movida pela expansão de gases (ciclo Brayton)
- turbina “fria”, movida pela água sob pressão da coluna d’água represada
- motor “quente”, a pistão, geralmente ciclo Diesel
(pequenos geradores portáteis usam motores a gasolina, a GLP e a querosene)

As Casas de Força, tipo hangar, onde são chumbados os grupos Turbo-Geradores


(TG) ou Moto-Geradores, são da mesma família arquitetônica em todas as usinas. Mas,
em termos de concepção construtiva, as duas aqui estudadas são completamente distintas:
# nas usinas hidrelétricas: o fluido de trabalho é a vazão d’ água de um rio, uma
parte dela, que deve ser “pressurizada”, conduzida [adução] e pilotada até ser engolida
pela turbina fria, e depois deve ser devolvida ao leito do rio pela sucção e chegando no
canal de fuga ; as turbinas “frias” podem ser
- tipo hélice, a água injetada axialmente, virando as pás de um eixo vertical [Kaplan],
- tipo roda d’água, a água injetada tangencialmente, empurrando as conchas das pás
de um volante com eixo horizontal [roda Pelton];
- tipo redemoinho, a água sendo sugada por um caracol e depois expandida por entre
aletas e septos do rotor, um tronco de cone de eixo vertical ou horizontal [Francis]
Além de turbinar água, a represa também verte água pelas comportas vertedoras e
pelos “tobogãs”, saltos artificiais, caindo na bacia de dissipação, trajeto no qual é gasta
uma grande proporção da energia do rio, principalmente nos meses de represa cheia.

roda dágua com gerador elétrico corte transversal de usina hidrelétrica desenho O Sevá
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grupo TG turbo gerador, o “miolo” da usina hidrelétrica


desenho extraído de folder CPFL
# nas usinas termelétricas: o fluido de trabalho é o vapor d’ água (que é captada e
tratada numa E.T.A.), produzido pelo combustível das caldeiras (ciclo Rankine) e depois
“pilotado” na turbina a vapor – ou – é o fluxo de gases quentes produzido pela queima
no motor a pistão e na turbina (ciclo Brayton). Compõem a arquitetura das termelétricas:
- tancagem [tanques de combustível líquido] [pátio: as pilhas de combustível
sólido] [válvula de entrada: alinhamento com a rede de transporte de GN];
- chaminés para a descarga dos produtos de combustão, onde é dissipada uma
boa parte da energia térmica da combustão;
- “torres” de resfriamento de fluidos quentes e de condensação de vapor –
alimentadas por um circuito de água bruta, de ar atmosférico e de outros fluidos
refrigerantes, - onde é dissipada a outra parte de energia térmica.
Em ambos os casos, outras instalações-chave são: os sistemas de proteção elétrica, os
sistemas locais e centrais de controle, (pilotagem), e a subestação elevatória de tensão,
que recebe eletricidade do gerador pelo barramento, p.ex., a 13,8 kV, e transforma para 230
kV, que é uma tensão comum de despacho no sistema de transmissão.
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Configuração básica do ciclo Rankine; o gerador elétrico acionado por uma turbina a vapor
Desenho O Sevá
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4. Capacidade, Potência, Consumo, Demanda,


definições do jargão usado na indústria elétrica
Em termos resumidos: a eletricidade não tem como ser produzida em grande
quantidade se não estiver ao mesmo tempo sendo consumida. O consumidor aciona seu
conversor, a rede pode ou não responder, e isso é função da situação da oferta naquele
instante. A oferta de eletricidade depende de ter água para turbinar, e, nas térmicas, de ter
combustível para queimar, e em muitas delas depende de ter água para produzir vapor ou
para resfriar fluidos quentes.
E assim por diante...Para descrever e monitorar todo o processo há muitas expressões
e categorias que são correspondentes a muitas variáveis distintas.
Para facilitar, compilamos as definições a seguir (em negrito), extraídas do glossário
técnico de uma coletânea recente sobre hidrelétricas 3
O fluxo de eletricidade ofertado é totalmente distinto de qualquer outro produto ou
serviço, pois, a linha estando energizada, pode ser despachado um tanto que corresponde à
eletricidade que foi solicitada ou demandada por cada consumidor e por cada aparelho, -
desde que o valor físico esteja dentro da capacidade das linhas, em potência, ou – em
amperagem, se for dada uma certa tensão.
Capacidade de Transporte – Carga máxima admissível em permanência de um circuito elétrico ou uma
linha de transmissão tendo em conta o aquecimento, a estabilidade e a queda de tensão.

Kilovolts (kV) – igual a mil volts. Volt é unidade de tensão elétrica, de diferença de potencial entre dois
pólos elétricos. Para os consumidores, as tensões mais comuns são de 110, 220 e 380 volts. As linhas urbanas
rurais de distribuição de eletricidade têm tensão de 11 kV e de 13, 8 kV, e as Linhas de Transmissão à longa
distância têm tensões especificadas em 69, 138, 230, 345, 440 e 500 kV

As maiores LTs – Linhas de Transmissão operando no país podem transportar 1.000


a 1.500 MW por distâncias de 1.500 a 2.000 km; cada linha que pode ter um ou mais
circuitos. A maior parte das LTs transporta na faixa de dezenas ou centenas de MW.
Quando a usina é projetada, define-se uma potencia total, em geral formada por um
número x de grupos geradores. Quando a obra civil está praticamente pronta, começa a
montagem eletro-mecânica desses “motores” e da subestação. Diz-se que a usina vai sendo
motorizada, até que sua potencia prevista esteja instalada – totalmente motorizada.
Capacidade Elétrica Instalada (medida em unidades de potência , Kilowatts, Megawatts) –
é a soma, prevista pelos projetistas e fabricantes de máquinas, das potências dos grupos turbo-geradores de
uma usina hidrelétrica ou termelétrica. É equivalente à potência máxima que a usina pode produzir.
Para a análise eficaz dessas usinas e de seus sistemas elétricos, as unidades de medida
física e comercial devem estar rigorosamente adequadas às variáveis adotadas.
A potência (instalada ou característica do conversor) é medida em kilowatt ou em
megawatt , por conversor, ou por lâmpada, ou por residência...

3
SEVA Filho, A . O . “Tenotã Mõ . Alertas sobre as conseqüências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu”,
IRN, São Paulo, 2000. Ver endereços nas fontes de informação, ao final dessa apostila.
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Kilowatts (kW) – igual a mil watts; Watt (W) – Unidade física de Potência mecânica ou elétrica , equivalente
ao trabalho de um Joule (equivale a uma força de um kg vezes a distância de um metro) feito durante o tempo
de um segundo. um HP que mede a potência dos motores de veículos, equivale a 0, 746 kW; Megawatts
(MW) – igual à um milhão de watts; Gigawatts (GW) – igual a 1 bilhão de watts.

Um pequeno gerador está na faixa de alguns kW, os maiores geradores em uso têm de
400 a 700 mil kW cada. As maiores usinas (Itaipu; Três Gargantas do rio Yang Tsé, na
China; Grand Coulee no rio Columbia, nos EUA; Guri, no rio Caroni, na Venezuela) têm
potência instalada na faixa de 9 mil a 14 mil MW. A potência instalada no conjunto das
usinas elétricas no Brasil deve estar na faixa de 70 mil MW, dos quais mais de 60 mil nas
hidrelétricas . Nos EUA e alguns outros países isto vai a centenas de mil MW.
Potência - Quantidade de energia elétrica solicitada por unidade de tempo. No sistema internacional é
expressa em watts (W), kilowatts (kW) e Megawatts (MW). É comum se utilizar a expressão como sinônimo
da potência elétrica ativa (medida em kVA) , que é uma categoria criada para se poder estimar a potência
que realmente foi convertida em trabalho. Outra parte da potência fornecida pela usina assume a forma de
potência reativa (kVAr), que é própria do campo eletromagnético mantido ao longo dos cabos, mas inclui
também a eletricidade gasta na criação de campos que “compensem” a potencia reativa, e que mantenham a
tensão dentro da especificação.

Potência Nominal - Potência máxima que pode ser fornecida ou consumida em regime contínuo. Em geral
é a potência para a qual a instalação foi projetada. Normalmente vem indicada nas especificações fornecidas
pelo fabricante e na placa metálica ou tag afixada nas máquinas.

Geração ou produção de eletricidade deve ser medida em kilowatt x hora por


intervalo de tempo, dia ou semana, nos pequenos conversores; na maioria dos casos é
medida em megawatt x hora por mês.
Na condição teórica ideal, em que toda a potência instalada estivesse operacional
durante um ano inteiro, pode-se chegar ao número da produção anual de eletricidade
simplesmente multiplicando potência x 8760 horas anuais. Por exemplo, considerando-se
uma potência total de 70 mil MW, no caso brasileiro, teríamos uma geração anual de 613
mil MWhora. Na prática, a geração anual está na faixa de 350 a 400 mil MWhora.
O consumo de eletricidade... idem... é medido em kilowatt x hora ou megawatt x
hora por mês (as contas de luz são mensais, certo?), e na economia regional ou nacional,
pode ser referido em gigawatts (ou mil megawatts) x hora por ano.
A partir destes conceitos iniciais, vem uma lista de expressões típicas do jargão
profissional desta área, engenharia elétrica, negócios elétricos. Uma das distinções sempre
necessárias para usar esse jargão é entre a Demanda (significando a potência elétrica
requerida pela atividade X ou pelo usuário Y) e o Consumo (significando a quantidade
acumulada de energia consumida pela X ou Y num período de tempo T). E assim:
Carga Elétrica de Base (em uma rede) – é uma quantidade de energia que é sempre
consumida/demandada pelos usuários conectados a uma rede elétrica. Essa carga é medida/avaliada
durante um período determinado, por exemplo: Mwh por mês ou por ano. E, num patamar acima, fica a
Carga de Ponta - é a máxima quantidade de energia demandada/consumida pelos usuários de uma rede
elétrica em determinado período (por exemplo: dia, mês, ano, hora, minuto).
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Demanda –Indica a quantidade de potência requerida à rede ou ao sistema elétrico, por uma
determinada carga durante um intervalo de tempo especificado. Pode se referir à média da potência elétrica
ativa , ou à média da potência elétrica reativa, ou ainda, de uma potência aparente (medida em MVA)
considerando-se uma composição trigonométrica das potências ativa e reativa.

Consumo de Energia – Utilização de energia com o objetivo da sua conversão em energia secundária ou da
produção de energia útil. Devem ser indicados os níveis de referência respectivos (energia primária, energia
secundária, energia final, energia útil)- e - o tempo como denominador (por dia, hora, minuto).

Como os “relógios”, ou medidores de consumo são sempre colocados na interface entre a empresa
distribuidora e o usuário, trata-se de Consumo de energia final (do ponto de vista de quem vende a
energia). Mas o usuário também tem pontos de perda e dissipação, e aí haverá sempre um número menor do
que este, que corresponderia ao consumo final da energia útil. E, acima desses patamares, fica sempre o
Consumo em Horas de Ponta, que é máximo consumido durante um curto período determinado de
tempo, usualmente das 17 às 20 horas nos dias úteis.

Consumo Próprio (de um usuário final)- Consumo de energia elétrica que foi gerada pelo próprio
utilizador em sua fábrica, usina, destilaria, que têm na instalação industrial uma casa de força, uma pequena
ou média termelétrica, ou que são proprietários e operadores de uma ou mais hidrelétricas exclusivas; em
ambos os casos, atuam na modalidade institucional chamada de autoprodução de eletricidade.

Consumo Próprio do Setor Energético – Nos balanços energéticos são as quantidades de Energia de todas
as naturezas utilizadas pelos produtores (geradores) e pelos transformadores de energia (as coquerias das
siderúrgicas e as refinarias de petróleo) para o funcionamento das suas instalações: sistemas de controle e
informática, de telecomunicações e telecomando, condicionamento de ambientes, iluminação, bombeamento
dos fluidos lubrificantes e refrigerantes e, nas hidrelétricas, bombeamento de água percolada, acionamento de
motores elétricos de comportas, pontes rolantes, guinchos, além de combustível usado nos geradores
emergenciais.

Consumo Próprio de uma Rede - Consumo de energia elétrica nas instalações elétricas auxiliares ou anexas,
necessárias ao bom funcionamento da própria rede, ou seja: energia dissipada e gasta para transmitir,
modular e distribuir energia: aquecimento dos cabos energizados, aquecimento e gasto na refrigeração dos
transformadores, resistores e capacitores; sistemas de controle e acionamento elétrico e eletro-magnético. Do
ponto de vista do vendedor da energia transmitida, e do balanço geral de energia, o montante de consumo
próprio também é chamado de perdas técnicas.

Consumo Real –. Representa a energia primária requerida para cobrir o consumo final. (por exemplo, a
energia contida em x toneladas de combustível antes de ser queimado numa termelétrica) Nos balanços
energéticos, indica o Consumo final acrescido das perdas de conversão, de transporte e de distribuição

5. Funcionamento real de uma usina


Se tomarmos uma usina, hidrelétrica ou termelétrica, no Brasil de hoje, e se a pergunta
for: como funciona? , a primeira parte no encaminhamento da resposta é bem lógica:
Funciona? Pode funcionar?
Tem água pra poder turbinar? tem combustível pra poder queimar?
Como se trata de eletricidade, há outra questão tão importante quanto essas:
Está sendo demandada mais eletricidade? Está se consumindo mais?
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E, caso haja máquinas em condições de responder essa variação de demanda ou de


consumo - tem como transmitir essa eletricidade pra esse ponto da rede ?
Respondendo em termos mais técnicos, diremos que: para funcionar, depende da
condição operacional e de risco da usina. Sempre haverá uma ou outra máquina ou
setor operacional “fora de operação”, seja por motivo de acidente, de pane, quebra, ou
porque estava na época programada de manutenção (após x mil horas de trabalho, após y
meses da ultima parada de manutenção, ou da ultima substituição de tal ou tal peça).
E, mesmo na parte operacional, pode haver algum risco relevante se acaso uma
máquina a mais for posta a operar. Por exemplo, numa usina térmica, pode-se decidir
ligar mais uma ou duas turbinas sem que o estoque (p.ex. de óleo diesel leve, para turbinas),
seja proporcionalmente aumentado; se o suprimento não chega, acabará o combustível
mais cedo para todas as máquinas.
Numa usina hídrica, se decidirem que ela irá despachar mais carga, isto exige virar
mais um ou dois TGs que estejam operacionais; o quê pode repercutir na usina toda,
p.exemplo, se um aquecimento nos cabos da transmissão provocar um desligamento e em
seguida, o inter - travamento daquele ou de outros TGs. No jargão dos eletricistas e
engenheiros, a Energia Firme seria a máxima capacidade de produção ou de geração de
energia elétrica em uma usina hidrelétrica ou termelétrica, que pode atender continuamente
uma determinada demanda. Mas isto supõe que as máquinas estejam operacionais e que
haja água para turbinar e que se decida turbiná-la. O funcionamento das hidrelétricas é
único, não comparável a nenhuma outra indústria ou serviço, pois tudo depende também
do estoque de água e da situação da represa. A represa não é uma instalação produtiva em
si, é um ecossistema; também não é um ecossistema natural, pois foi construído e , em
parte, tem o seu “funcionamento” gerenciado pela empresa que opera a usina.
Portanto, funcionamento de hidrelétrica inclui o funcionamento da represa; mas
por sua vez, a represa – que apenas em parte, pode ser gerenciada - depende do
funcionamento do rio e sua bacia fluvial. Mais alguns termos do jargão técnico:
Capacidade Útil do Reservatório - Volume de água disponível numa represa entre o nível médio de pleno
armazenamento e o nível mínimo de operação (que fica na mesma cota que a tomada d’água das máquinas).
Armazenamento Inativo (Volume Morto) – Volume d’água retido na represa abaixo da cota da tomada
d’água da usina, que é o nível mínimo de exploração.
Bacia Hidrográfica (Bacia Fluvial) - Superfície do terreno, medida em projeção horizontal, da qual
provém efetivamente a água que alimenta um curso de água até ao ponto considerado; a rede fluvial é
formada por um rio principal e seus afluentes ou tributários; mas o ciclo da água inclui ainda os corpos d’água
subterrâneos (lençóis freáticos, que minam nas nascentes e que carregam os rios “por baixo” e aqüíferos
profundos). Por isto, a bacia hidrográfica é mais ampla e tem mais água do que a bacia fluvial (superficial).

Vazão – variável que representa a dimensão do fluxo de material por tempo, medida em m3/s, metros
cúbicos (mil litros) por segundo ou então, em litros/s, litros por segundo. Vazão d’água de um rio é uma
medida da correnteza, da quantidade de água passando durante um tempo x em uma secção transversal da
calha do rio, em um ponto determinado do rio. Vazão Turbinada em usina – parte da vazão de um rio,
acumulada numa represa e que foi engolida por uma turbina hidráulica, fazendo girar o seu eixo; se estiver
acoplada num gerador, será gerada eletricidade.
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A parte da vazão afluente que não é turbinada - ou ela se acumula no reservatório - ou é vertida no
Vertedouro (ou também vertedor) - uma parte do corpo da barragem, em geral numa das laterais do
paredão, construída com comportas e estruturas especiais para poder escoar parte da vazão d’água. O mais
comum é o vertedouro de crista, e quando aberto, a água vertida desce pelos “tobogãs” até a bacia de
dissipação rio abaixo. Há barragens com vertedouros de fundo, que quando abertos escoam também o lodo
acumulado e podem ser usados para esvaziar totalmente a represa.
Afluência – Volume variável de água que passa numa dada secção transversal de um rio, canal, tubulação,
durante um período de tempo determinado; pode-se usar para significar a vazão que chega numa represa,
uma vazão afluente. A palavra isolada Afluente é sempre usada em relação ao rio principal; afluente é um rio
menor, ribeirão, igarapé que é tributário do maior, que desemboca no maior, cuja vazão d’água alimenta a
vazão do rio principal. Ano Úmido - Ano baseado em critérios estatísticos, em que o curso de água tem
afluências superiores à média. Em contraposição, a cada período de x anos, pode-se ter um Ano Seco –
escolhido com base em critérios estatísticos, em que o curso de água tem afluências inferiores à média.

Cota – nome técnico genérico da altura ou altitude de um terreno ou de uma construção, usualmente medida
em m, metros acima do nível do mar, e em geral vem indicada numa planta técnica, numa cartografia, num
mapa. No caso de um rio ou de uma represa, as várias cotas são as alturas em que chega a água nas várias
situações: cota mínima, média, máxima. Nível de Água a Montante – Nível (m) do plano de água na
represa , ou rio acima, indicando o ponto onde se mede. Nível Máximo de Exploração (ou Cota máxima)
- É o nível mais alto permitido normalmente numa represa (sem ter em conta as sobre-elevações devidas a
cheias). Corresponde ao nível de pleno armazenamento da represa, máximo admissível em caso de cheias.
Nível de Água a Jusante- Nível (m) do plano de água rio abaixo, no canal de fuga da água turbinada, após a
barragem, indicando o ponto onde se mede.

O “gerenciamento” dessa combinação de usina com represa - uma acoplada nas


variações de demanda da rede, e outra acoplada nas variações de chuvas e de situação
fluvial rio acima - é evidentemente complicado. Além disso, alguns parâmetros que vão se
modificando de forma cumulativa. O volume útil e o volume morto de cada represa são
praticamente dados de projeto, mas existe sempre o problema do assoreamento e do
acúmulo de lodo e areia no fundo. Isso faz diminuir o volume útil, certamente, e pode
fazer aumentar o volume morto a ponto de começar a entrar na sucção das turbinas uma
mistura bifásica com mais sedimentos, mais lodo, mais areia - o quê obrigará a parar para
resolver o problema, e exigirá manutenção mais freqüente. Se a qualidade química da água
se altera, por exemplo, aumentando a acidez, isso provoca disseminação e aceleração da
corrosão nas partes metálicas, obrigando também a parar e a gastar mais com manutenção.

Nas usinas térmicas, a situação é menos complexa, pois se trata de gerenciar um


estoque de combustível (estoque para x horas ou para y dias de consumo) ou então,
quando se usa gás canalizado, trata-se de se adequar ao funcionamento de uma rede de
transporte existente e controlada pela distribuidora do gás. De todo modo, para manter a
usina funcionando, há uma exigência simultânea de logística e de cumprimento de
contratos; quando o combustível é sólido ou líquido e se armazena, isso influi diretamente
no custo do capital de giro da usina; e quando é gasoso, há que se prever a forma de
pagamento ou não das vazões não utilizadas nos períodos em que a usina gera menos, ou
quando pára uma máquina, ou quando a rede “cai” e a usina desliga.
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Nos dois casos, portanto, as usinas funcionam conforme o histórico operacional


precedente e conforme as prescrições comerciais. Partir e parar máquinas envolve
variações de parâmetros importantes, p.ex. quando um grupo TG “sai” de operação, por
exemplo, por causa de atuação de um inter-travamento, a rede elétrica pode “balançar”,
pois tudo depende de alguma outra fonte estar suprindo aquela carga naquela rede. Sempre
que um gerador entra em operação e começa a despachar, ele deve começar a rodar antes
de se ligar à rede, pois tem que “sincronizar” a corrente alternada com a que já circula na
rede. O gerador só vira se acoplado à turbina, a qual por sua vez, deve estar rodando desde
antes, desacoplada - o quê por sua vez, se for numa usina hidrelétrica, exige que as
comportas d água já estivessem sendo abertas para a sucção.
Mas usinas térmicas, partir os TGs exige que os injetores de combustível já estejam
alinhados, e que as caldeiras e turbinas quentes já estejam pré-aquecidas, o chamado “stand
by” térmico. As emissões de produtos de combustão pelas chaminés são muito maiores nas
partidas do que no funcionamento em regime constante. O uso de grande volume d’ água
para vapor e para resfriamento também deve ser equacionado com esta operação variável
da usina: as atividades de captação de água em rio ou lago, descarga de água quente em rio
ou lago, troca de calor nas TRs e nos condensadores, ficam mais ou menos limitadas pelas
condições climáticas e hidrológicas (variáveis) e pela obrigação de respeitar os limites de
temperatura e de concentração de poluentes na descarga de efluentes e água servida.
Enfim , usinas funcionam conforme a condição jurídica comercial do seu operador:
se é uma geradora, ou uma concessionária de serviço, ou um produtor independente
de eletricidade, ou um auto produtor. No âmbito macroeconômico, tudo depende da
situação da demanda e do consumo de energia por região, por malha da rede, e em cada
centro de carga. A definição da transmissão de onde pra onde e do despacho de carga x ou
y em cada minuto de cada dia é feita por meio de sofisticados “softwares” de simulação e
projeção contínua das curvas de demanda e de consumo, operados por técnicos e
engenheiros especializadíssimos, convivendo 24 hs por dia num “board” de representantes
de empresas geradoras e transmissoras - Operador Nacional do Sistema elétrico, ONS.
As somatórias dos montantes de eletricidade gerados, transmitidos e revendidos a
terceiros deve corresponder à execução de contratos de venda de eletricidade, em grandes
“blocos” de dezenas ou centenas de MW cada, e com vários anos de duração (Power
Purchase Agreement) e às cláusulas dos contratos de concessões daquele bem público
(outorga de exploração hidrelétrica) e das autorizações de funcionamento de usinas
térmicas; a instância de celebração e regulamentação destas outorgas e contratos é a
ANEEL, Agencia Nacional de Energia Elétrica.

6. Necessidade de uma avaliação crítica das instalações existentes


A avaliação das usinas existentes deve ser feita constantemente, em muitos casos,
diariamente (p.ex. emissões pelas chaminés das termelétricas; níveis e vazões das represas).
As melhores avaliações - as mais úteis para as empresas, para as autoridades, para os
vizinhos das instalações - são aquelas em que os avaliadores adotam todo o rigor no
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emprego das palavras, do jargão técnico, e no manuseio dos números que representam
grandezas físicas, e também comerciais. Ao avaliar estamos tratando de problemas e de
atividades que podem significar custos econômicos e também ambientais e até em termos
de saúde e de vidas humanas.
Não esquecer que combustíveis incendeiam e explodem; que usinas nucleares são
também usinas termelétricas, e que podem desarranjar a ponto de emitir radiações ou até
derreter seu núcleo, como na usina de Tchernobyl, na Ucrânia nos anos 1980.
As leis da conservação de massa e da energia continuam em vigor, e basta que os
estudiosos tracem em cada perímetro analisado, as portas de entrada e saída corretas,
completas, ... para que todos os processos industriais e de produção de eletricidade
produzam necessariamente resíduos, fluxos regulares de resíduos, e energias dissipadas,
perdidas. No balanço hídrico correto das represas, há muitos outros fluxos além da água
turbinada, (atividade fim) e da água vertida (contingência do rio e do projeto), pois a água
na represa pode infiltrar em falhas rochosas, e brotar mais adiante, em locais onde não
havia minas d’água antes da represa existir...a água pode percolar constantemente pela
porosidade dos paredões, dos diques, e até do concreto da casa de força, e certamente
evapora na superfície da represa, e que evapora nebulizando nos “tobogãs” do vertedor e
do dissipador, e no turbilhão do canal de fuga.
A mera aplicação do balanço energético seguindo a 1al lei da Termodinâmica
recomendaria não usar muito a expressão “gerar energia”, pois energia não se cria, apenas se
transforma. Gerar corrente elétrica não é tão incorreto, pois é algo que na natureza existe de
formas apenas não controladas, não utilizadas (a corrente que salta num raio, a estática que
acompanha as nuvens), portanto precisa mesmo é ser fabricada, gerada. Gerar eletricidade
é menos incorreto, mas mesmo assim, não tem rigor, pois essas máquinas convertem
energia mecânica em elétrica, deveriam ser batizadas convertedores, e não geradores.
Na aplicação da 2ª.lei da Termodinâmica, fica evidente que (apesar de existirem
turbinas com fluido quente e com fluido frio), todas as máquinas aquecem, e precisam ser
refrigeradas; e que eletricidade aquece, diretamente por meio de resistência, efeito Joule, e
indiretamente por meio de campos eletromagnéticos e elétricos. Os valores numéricos
atingidos pela eficiência dependem estritamente do perímetro adotado para o sistema
avaliado, ou para o Volume de controle do fluido de trabalho avaliado. O perímetro em
torno da Turbina pode dar mais de 95% de eficiência; ao acoplar o Gerador pode cair para
a faixa de 80 %, na Casa de Força e na usina inteira, considerando-se o auto consumo de
eletricidade e todas as perdas até o despacho da carga na saída da Subestação, pode-se ficar
em 70% e , no sistema barragem e represa com vertedouro, considerando que metade da
vazão anual é vertida, na mesma altura que a outra parte da vazão que foi turbinada,
portanto, com a mesma potência, aí finalmente a eficiência atingiria 35% ou menos!
O conhecimento efetivo e legítimo dessas usinas exige um acompanhamento
sistemático, por vários anos, do parque técnico existente, dos projetos, das usinas
desativadas, das tecnologias antigas e das atuais, de suas vizinhanças, dos rios
“aproveitados”, dos trabalhadores destas usinas e redes elétricas, dos seus usuários. –x-x-
13

conseqüências do funcionamento de termelétrica (emissões atmosféricas)


e de hidrelétricas (alterações na represa) desenhos O Sevá
14

Séries de imagens de hidrelétricas


1. pasta Us_Hidrel_diagram_tecnologia
Casos das pequenas usinas que foram desativadas
2. pasta usina bar Paraty
3. pdf_anppas02_SEVA_KOP_anexo_fot_croquis
Fotos de canteiros de obras de construção e da fase de montagem eletromecânica:
4. pdf _5a_b_obrasItap_Laj_sMesa_12out
Casos de hidrelétricas antigas em funcionamento e desativadas
5. pasta fot_514_seva_Potiribu_Ijui_abril03
6. pasta fot_515_CascaI_II_III_MTjan03
Casos de hidrelétricas com graves problemas ambientais
7. pdf_5c_portemed_funcion_Samuel_Canabrava
8. pdf_5b2_usiSP_sistBillings_Tiete
Caso de hidrelétrica com conflitos e altos custos sociais
9. pasta itá_visita89_livroGerasul
Caso das hidrelétricas de grande porte na Amazônia
10. ppt_UFRJ_Stanf_Seva_03_hydroele
11. pasta eneramb_s5_publicid_empr_eletr

Séries de imagens de termelétricas


1. pasta Us_Termel_diagram_tecnologia
2. pasta eneramb_s1_carvmin_ute\utes_tub_jac_charq
3. pdf_slides_serie$a_usiterm_manaus
4. pasta eneramb_s4_utes_proj_audiencias\parec_SevaFerreira_prefAmeric_mai01
5. pdf_slides_serie4b_audien_licutesp audiências publicas

Fontes de informação para consulta eletrônica


*Apostila “Revisão didática: eletricidade, combustíveis e usinas elétricas” e outros materiais conexos
http://www.fem.unicamp.br/~seva/cap1livro.pdf
* noticiário empresarial do setor e links com as instancias de governo e da indústria elétrica: MME , ANA ,
ONS , ANEEL em http://www.canalenergia.com.br
* links com empresas geradoras, produtores independentes, transmissoras, distribuidoras
http://www.canalenergia.com.br/zpublisher/secoes/EMPRESAS.asp
* uma entidade não governamental formada por engenheiros das estatais Furnas e Eletrobrás e por
pesquisadores acadêmicos : Instituto ILUMINA, com sede no RJ www.ilumina.org.br
* links com entidades profissionais e sindicais, grupos de defesa do consumidor, estudos especiais no setor
petróleo e na eletricidade, fontes internacionais de consulta sobre energia em geral e sobre eletricidade
http://www.ilumina.org.br/zpublisher/paginas/Hotlinks.asp
* uma entidade não governamental que congrega movimentos de populações atingidas por obras de barragens
em vários estados brasileiros - MAB http://www.mabnacional.org.br
* entidades e federações de entidades que lutam pelos rios e pelso moradores ribeirinhos no Brasil e em
vários países - RIOS VIVOS http://www.riosvivos.org.br
International Rivers Network, sede em Berkeley, CA http://www.irn.org
* Arquivo da integra do texto e fotos do Livro “Tenotã Mõ alertas sobre as conseqüências dos projetos
hidrelétricos no rio Xingu”, organizado pelo prof Oswaldo Sevá, editado pela IRN São Paulo, 2005:
http://www.irn.org/programs/latamerica/index.php?id=TenotaMo.html
* Informes sobre os problemas e conflitos havidos na construção da maior hidrelétrica mundial, Three
Gorges, no rio Yang Tzé, China http://www.threegorgesprobe.org/tgp/before_flooding/index.htm
* Instância multilateral diplomática, empresarial e de entidades, criada pela ONU para cuidar de novas
estratégias para as barragens no mundo : World Comission on Dams, que publicou seu relatório global em
2000, disponível em http://www.dams.org
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