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A PERDA NÃO ANUNCIADA DE UM BRASIL...

Quem não se lembra da Rádio Brasil, em anos idos de há muito, quando


funcionava no andar superior do antigo Bar OK na esquina das avenidas Dom
Pedro II e José Bonifácio, lá em frente à bela estação ferroviária, e também no
grande e antigo sobradão na Avenida Dom Pedro II, construído que foi pelo
saudoso Jorge Furtwaengler, fotógrafo alemão, marido da Dona Frida, estes,
pais da ilustre professora Érika e do querido amigo Edinho, de Edgar, que é o
seu nome. Este sobradão antigo, agora reformado e recuperado, fica um pouco
acima do Petiskos Bar, o Bar do Leandro, onde funcionava o antigo e muito
conhecido Bar Paulista.
Lembro-me, como se hoje fosse, das peripécias e molequices que
fizéramos juntos com outras crianças, durante a construção daquele imóvel do
Seo Jorge. Do Edgar, o Edinho; do Lito, o Manoel Lopez Corsaletti e de seu
irmão Orestes, grande jogador de basquete e de futebol de salão, que em
frente moravam. Muitas estórias para se contar...
A Rádio Brasil, no tempo em que tevê não havia, que ao lado do Cine
Guarani, era e se constituía, em uma forma de entretenimento dos homens,
casais, jovens e crianças de nossa urbe e também do mundo rural que na
época muito povoado fôra. Tal entretenimento não ficava somente no ouvir de
programas, noticiários e transmissões de jogos de futebol, mas também em
eventos ao vivo de programas sertanejos, concursos de vozes e de duplas
caipiras, as assim hoje nomeadas sertanejas. Mas na época eram sim Duplas
Caipiras, e caipiras com muito orgulho, porque deste qualificativo de há muito
nos orgulhamos nós, paulistas do interior. Quem não se orgulha são os que, de
algum modo, não conseguiram captar o espírito brincalhão, acolhedor, educado
e fraterno dos interioranos. Bom Dia pra cá, dia prá lá, banoite de cá, banoite
de lá, tarrrrde daqui, tarrrrde de lá, porque de cumprimentos e desejos de boa
sorte e de boa viajem, sempre lhanos e benfazejos fomos.
De acordo com o Diário Oficial da União de 29 de setembro de 1948 era
publicado o ato do então Ministério de Viação e Obras Públicas que deferiu a
instalação desta nossa primeira, querida e agora já saudosa Rádio Brasil, a
ZYU-9 de prefixo, com 100 watts de potência. Originária da Rádio Brasil S/A da
cidade de Campinas, cujo diretor fora o Sr. Abel Pedroso e que se constituía
em mais uma emissora interiorana da cadeia Irmãos Pedroso de Rádio. O seu
primeiro gerente foi o Sr. Edbert Pereira Leite.
Em 1952 a Rádio Brasil se instala no edifício do Sr. Jorge Furtwaengler
em todo o seu andar superior, que foi adequadamente adaptado para o
recebimento das instalações de estúdio de som, recepção, palco e com um
auditório para 200 pessoas. Em 11 de maio de 1952 inaugurara-se as novas
instalações, cabendo a honra do corte inaugural da fita à Sra. Ermínia Cano
Staut, então primeira-dama, esposa do então prefeito, Sr. Luiz da Fonseca
Staut, com presenças de ilustres autoridades. E o povo presente, como sempre
prestigiando, uns de longe e embaixo, na Avenida Dom Pedro e outros, que de
perto estavam no andar superior, seja por esperteza ou por benesses dos
organizadores, mas que mesmo assim, puderam todos emular de suas mãos
abertas o estalar característico das palmas de alegria e satisfação de tal honra
de ver em funcionamento a nova Rádio Brasil. Um momento grandioso na
história cultural de nossa urbe.
No início dos anos 60 ela é transferida ao andar superior de um outro
edifício, sobre o antigo Bar OK de propriedade do Sr. Dario Delfim, na mesma
avenida Dom Pedro II na esquina com a avenida José Bonifácio. Ali permanece
por muitos anos, quando adquirida foi pelo Sr. Reinaldo Jerônimo Peres,
alterando-se o nome para Rádio Cultura de Santo Anastácio. Em janeiro de
1990, é adquirida pelo Monsenhor José Antônio e em 13 de março do mesmo
ano, o Diário Oficial da União publicava a sua transferência à Mitra Diocesana
de Presidente Prudente, tornando-se assim a primeira emissora católica da alta
sorocabana. Por um momento esteve funcionando na Casa da Comunidade da
Vila Jardim Ipiranga até ser transferida para as dependências ao lado da Igreja
Matriz.
Muitos profissionais e artistas passaram pelas ondas hertzianas da
rádio, entre eles, permitam-me todos citar alguns, como o Aloísio Vicalvi, dono
de uma invejável voz, locutor e radialista de verve, efusivo nas críticas e
comentários de casos e temas de interesse da cidade. Do Ismael Tunes
Fernandes, saudoso cunhado e amigo que em outra esfera superior se
encontra. Corintiano roxo de paixão, que quando em jogo de seu time, se
retirava longe de todos a ouvir no rádio, principalmente na Bandeirantes do
inesquecível radialista Fiori Gigliotti, saudoso de memória, sozinho embaixo de
alguma árvore nos arredores da cidade, onde melhor se captava as ondas de
rádio que de longe vinham. E do Generoso Raimundo de Carvalho, que de
batismo seu nome é, mas por Zé Raimundo ainda por todos é conhecido. A
paixão era e é a música caipira, sim a música caipira, que por suas próprias
palavras diz ser: “a verdadeira música das raízes mais profundas e antigas do
cancioneiro popular paulista”, surgida das mãos e vozes de antigos
cancioneiros da região de Botucatu e adjacências. Êta tempo bão, tempo que
não vorta mais. Até hoje, já por mais de 25 anos, vem atuando na
apresentação e no cantar ao vivo da verdadeira música caipira, em programas
no alvorecer de cada novo dia, encantando e alegrando o despertar de
trabalhadores rurais, e porque não dizer, de citadinos amantes desta incrível
manifestação cultural, tão característica do interior caipira, com sua verdadeira
música cabocla, com poemas populares versando sobre a alegria, a tristeza, a
melancolia, a saudade, com o amor e o ciúme equilibrando-se sobre a fina
lâmina divisória da paixão.
Dos mais novos não poderia deixar de citar o programa da Mirella
Galhardo, todas as tardes, e do grande Rodrigo Souza, dono de uma voz
possante e cativante, nas manhãs de segunda a sexta-feira. Muitos outros
radialistas por aqui passaram, uns ainda famosos, como o Ed Thomas.
Depois do Cine Guarani, que perdemos, ou que talvez não tenhamos
dado o devido valor do seu significado histórico e cultural. Sim, porque com
pouco investimento poderíamos ter transformado o Cine Guarani num Centro
Cultural, com possibilidades amplas de desenvolvimento de muitas e inúmeras
atividades culturais, de que tanto necessita o povo. Depois da morte anunciada
deste guerreiro Guarani, está chegando agora a vez e a hora de mais uma
“perda” silenciosa, a da antiga Rádio Brasil e atual Rádio Cultura de Santo
Anastácio, que agora não sabemos se de Anastácio continuará a ser, ou de
Prudente será. A última palavra, talvez nas mãos da Mitra Diocesana esteja.
O que sabemos é que a antena transmissora daqui retirada não pode
ser. Mas, o seu nome de Rádio Cultura de Santo Anastácio, como ficará não
sabemos. Dizem por aí que o seu novo nome será Onda Viva, que se verdade
for, desejamos sucesso nesta nova onda de novos tempos.
Como na música de Nelson Motta e Lulu Santos: “Nada do que foi será
de novo, do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará. A vida
vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito”. Velhos tempos... Idos
tempos... Novos tempos... Dizem que o Passado é o Presente que já se foi, e o
Futuro é o Presente que ainda não chegou... Devemos viver o presente, mas
este viver a caminho do futuro, não significa que devamos perder as idéias e
ativos importantes do presente para o passado, e este passado sendo mantido
somente na memória de poucos, ou em fotos e filmes antigos. A manutenção
de nossos patrimônios históricos deve ser preservada. E muito do que
perdemos também deveria ter sido. Foi uma pena. Foi como uma onda no
mar... Que passou e deixou saudades...

Eu sou
José Carlos Ramires,
Cidadão anastaciano
jc.ramires@yahoo.com.br

14/nov/2007

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