Você está na página 1de 10

Prazer na dimensão religiosa

Luciano Gomes dos Santos

Introdução
O prazer é algo inerente à vida do homem. É impossível viver sem prazer.
Ele pode ser controlado pela nossa própria vontade. Assim, o homem como ser
social nasce em uma família, freqüenta uma escola, pratica uma religião e
obedece às leis de um Estado. Pertencendo a essas quatro instituições, ele
busca a sua realização, ou seja, a sua própria felicidade.
O objetivo deste artigo é focalizar o prazer na dimensão religiosa.
Aceitando desde já que o homem é ser religioso. Ele, o homem, em busca de
algo que está fora de si, sente o desejo e o prazer pelo transcendente. Mas a
Religião oferece algum prazer ao homem? Ele sente prazer diante da esfera do
Sagrado?
Nas décadas de 60 e 70 com a secularização achava-se que o homem da
pós-modernidade deixaria de buscar o sagrado, porém aconteceu o inverso, o
homem nunca buscou o “sagrado” em toda a sua vida, como nos tempos atuais.
Esse fenômeno acontece devido ao prazer que a Religião proporciona ao
homem, com suas celebrações, ritos, orações e mensagens de esperança .

1 - A religião
A religião é um fenômeno universal que permite ao homem explicar o que
não compreende, o que lhe causa medo: a vida, a morte, o sofrimento. A fé
religiosa é baseada em um conjunto de crenças derivadas de uma “revelação”
original que compromete a vontade. Essas crenças perpetuam-se de geração em
geração por meio da tradição. Além dos dogmas (crenças fundamentais),
definem uma moral, (conjunto de leis e proibições que os fiéis devem observar no
caminho da salvação de sua alma).
É sabido da existência de várias religiões no mundo. Cada qual, procura
transmitir aos seus fiéis, suas doutrinas. Seus ensinamentos são expressos de
diversas maneiras. Assim, o homem busca o sagrado e pelo mecanismo
religioso é colocado na relação com a divindade. Nessa relação, a religião
utiliza-se de expressões e manifestações, que podem oferecer ao homem prazer
ou felicidade de viver aqui e agora na perspectiva de um futuro transcendente.

2- O homem é um ser religioso


O homem é um ser em contínua transformação e está em situação de “vir-
a-ser”. Assim, desde tempos primitivos o homem sente em sua vida o desejo de
buscar o transcendente, ou seja, a divindade.
Por conseguinte, o homem é, por necessidade natural, um ser aberto a
Deus e a seus semelhantes. Requer uma abertura denominada horizontal, pelo
fato, de ser um ser de relações, ou seja, pluridimensional. Mas isto não basta, ele
precisa também de uma abertura vertical para Deus, pois o desejo e o prazer se
abrem para o outro e para o além, ou seja, para o transcendente. Assim, tão
natural é ao homem a tendência horizontal quanto a vertical, pois de modo
especial, existe um desejo em seu ser que o leva a buscar algo que está fora de
sua realidade terrena: o sagrado. A religião é uma manifestação tipicamente
humana. Ela não está presente nos outros seres vivos, mas somente no homem.

3- A Igreja Católica
A Igreja Católica é ao mesmo tempo caminho e finalidade do desígnio de
Deus: prefigurada na criação, preparada na Antiga Aliança, fundada pelas
palavras e atos de Jesus Cristo, realizada pela sua Cruz redentora e
Ressurreição; ela é manifestada como mistério de salvação pela efusão do
Espírito Santo. Ela é ao mesmo tempo visível e espiritual, sociedade hierárquica
e Corpo Místico de Cristo. É una, formada de um elemento humano e um
elemento divino.
A Igreja é anunciadora da mensagem salvadora de Jesus Cristo a todos os
homens. Ela é sinal de salvação no meio do mundo; o sinal e o instrumento da
comunhão de Deus e dos homens. Ela deseja a libertação do homem e sua
promoção social e espiritual como um todo. Nesse sentido, não se deve olhar o
passado da Igreja com olhos que a condenam, mas, é preciso compreender o
período histórico, o pensamento, os costumes e a maneira em que se vivia
naquela época. O tempo passou, e assim, a Igreja renovou-se no sentido de ser
coerente com o Evangelho. Questiona-se então: Ela oferece prazer ao homem?
Que tipo de prazer? Ou será que o homem para fugir de seus problemas, busca
na religião o prazer e o conforto espiritual para esquecê-los?

4- A Igreja e o prazer dentro da história


Marie-Odile Métral, teólogo e filósofo francês, reflete que “é constante da
moral cristã desconfiar do prazer e da sexualidade, sem ousar proibi-los porque
na lógica da criação são dons de Deus”.1 Com o advento do cristianismo, o prazer
foi visto como algo de “pecado” por alguns pensadores cristãos e pagãos. O
homem não poderia sentir prazer em sua relação conjugal. A união conjugal era
tolerada somente em vista da procriação. De certa forma, o prazer não era visto
como algo inerente ao homem, ou seja, não possuía uma amplitude na vida do
homem como um todo. O prazer era visto, de certa maneira, apenas em relação
ao sexo. Era uma visão fragmentada do homem.
O prazer e a sexualidade são dons de Deus, pois seria anti-humano o
homem não sentir prazer. O homem em toda a sua vida não foi destinado a viver
de modo estático em seu ser, ou seja, viver como uma máquina que não sente e
não é amado. A sua vida é dinâmica, histórica e dialética. O seu viver não é
somente alegria, paz, felicidade e satisfação, mas faz parte de sua caminhada, a
dor, o sofrimento etc.
A sexualidade humana é algo profundo na vida do homem. Ela é a
dimensão global do seu viver. O objetivo da sexualidade humana é que o homem
seja dom na vida do outro , ou seja, toda a nossa relação com o outro e com
Deus.
Roberto Freire diz que “na cultura ocidental contemporânea existem duas
correntes de pensamento trágico que, nós, homens que optamos pela ludicidade
de viver, devemos denunciar e combater: o Catolicismo e a Psicanálise. O
catolicismo centra sua ação catequética e sua liturgia na perseguição, tortura,
desespero e morte de Jesus Cristo, impondo como simbologia principal o filho de
Deus crucificado, assassinado. Nada mais trágico, mais triste, menos belo.
Porém, a atração e fascínio que exerce, deve ocorrer por conta de uma forma de
prazer sadomasoquista, próprio da fé cristã. Inclusive, a beleza mórbida e
repugnante que alguns crucifixos podem possuir, não disfarça sua função e cruel
de fazer os fiéis sentirem, ao contemplá-los, dor, culpa e remorso”. 2 Será que a fé
cristã apresentou ou apresenta uma forma de prazer sadomasoquista?

1
LEPARGNER, Hubert. Antropologia do prazer.Campinas(SP): Papirus, 1985, p. 27.
2
FREIRE, Roberto. Sem tesão não há solução. 5ª ed., RJ: Guanabara S. A., 1987, p. 13.
Primeiramente, não se deve combater o catolicismo. Se realmente isto aconteceu
no passado, hoje não mais “acontece”. A ação catequética da Igreja apresenta
uma imagem de um Cristo vivo e Ressuscitado, pois é dinâmica em sua missão
evangelizadora. É preciso ver no crucificado, a figura gratuita do amor de Deus.
Não é da vontade do Cristo que o homem sinta dor, culpa e remorso mediamente
a cruz, pois ela tornou-se um sinal de salvação e esperança para o mundo.
A Igreja católica, hoje oferece ao homem, o prazer de estar em harmonia
com Deus, que é o Deus da vida, que se fez humano para nos salvar e caminha
com o seu povo. A própria religião não teria sentido se o homem encontrasse
somente dor, tristeza ou sentimentos de culpa, imposições etc. A Religião
Católica não é a “Religião” da dor, do sofrimento e que culpa os seus fiéis pelos
sofrimentos e morte de Jesus na cruz. Ela anuncia a Boa-Nova aos homens,
ensinada por Jesus Cristo. A Igreja prega a salvação a todos os homens, o
perdão dos pecados e a reconciliação dos homens para com Deus e com os
irmãos. A Igreja deseja salvar e preservar a dignidade do ser humano. Nesse
sentido, é possível o prazer de viver dentro da Religião que oferece vida
abundante ao homem e o sensibiliza para um futuro escatológico cheio de
esperança e felicidade.
A atitude em relação “a culpabilização do prazer em si vinha de certa
concepção da religião, não necessariamente evangélica, mas antes clerical ou
jansenista ”.3 Alguns cléricos e jansenistas, viam na religião um rigorismo
exagerado em relação ao modo de viver e sobre a idéia de Deus. Não era
possível o homem ter prazer, ele deveria ser puro e repugnar os desejos.
Gregório Niceno (séc. IV) não exclui o desejo de sua antropologia cristã. O
desejo é um “pendor que não leva apenas às coisas baixas e desprezíveis; opera
também em nossa elevação para Deus. Sem o desejo nada poderia nos elevar e
nos unir ao Deus celeste”.4 Gregório Niceno, destaca ainda, em sua antropologia
cristã, um ponto negativo e outro positivo em relação ao desejo. O desejo leva a
certas atitudes que não condizem com a dignidade do homem. Por outro lado,
sem o desejo seria impossível a nossa relação com Deus, ou seja, nossa união.
Logo, o desejo do homem deve levá-lo à plenificação de sua vida em
Deus. A Religião deve apresentar ao homem uma concepção antropológica cristã
do prazer. O prazer não pode ser tabu, mas vivência compreensiva do sentido
último da vida. Não podendo chegar a ser alienante, sinônimo de escravidão e
desonrar o homem.
Pierre Vasserot, teólogo francês, afirma que a “fragilidade do prazer é
necessária para que tenhamos acesso à alegria plena; mas a espessura do
prazer nos é necessária para que essa alegria seja real e não imaginária, eficaz e
não alienante. O prazer, que é elã dado ao homem para introduzi-lo na alegria, é
a comida que o assiste na caminhada para a alegria”. 5 Nesse sentido, o prazer é
caminho para alegria, pois é a satisfação de viver e de realizar os seus desejos. A
Religião Católica deve ser caminho de alegria para os homens. Para conquistar
essa alegria, o homem precisa sentir prazer estando participando da Igreja.
Martin Le Maistre (1432 - 1481), foi o autor antigo que mais contribuiu, não sem
lucidez e excepcional coragem, para se contrapor à corrente pessimista no
tocante ao prazer. Ele dizia: “que o prazer pode ser vivenciado para um fim
honesto e, portanto para Deus”.6 Nesta sociedade consumista, como vivenciar o
3
Jansenismo: Doutrina de Jasen, teólogo holandês (1585-1638) sobre a graça e a predestinação; rigorismo
exagerado e falso.
4
LEPARGNER , p. 13.
5
Ibid., p. 23.
6
Ibid.
prazer para um fim honesto? A Religião é capaz de canalizar a dimensão do
prazer para Deus? Como? A Igreja tem por objetivo primeiro o Anúncio do
Evangelho. Ela deve inculturar-se nas culturas diversificadas por valores e
costumes, purificando-as com a mensagem viva do Evangelho, que proporciona
ao homem felicidade, ou seja, o prazer de sentir-se a presença de Deus em sua
vida.
“A natureza do desejo é a de ser sem limites, e a maioria dos homens vive
apenas para tentar satisfazê-lo”7, observou Aristóteles. O homem não deve viver
em vista somente do prazer pelo prazer. Para o filósofo, o prazer coroa como
aperfeiçoamento último qualquer atividade boa devidamente desenvolvida até o
fim. O prazer é “experiência indizível e totalizante, toda concentrada no momento
em que se vive”.8 A Igreja coloca o homem em relação ao sagrado, na
manifestação de seus ritos, nas celebrações, nos sacramentos, nas orações,
nos cantos etc. É possível falar de prazer nesse sentido ?
“O desejo procura a felicidade e encontra o prazer: eis a antinomia de
base que pertence à estrutura das vivências e que a Igreja traduziu em normas
rígidas, ainda que sem perceber a globalidade do desafio”. 9 A Igreja chegou a
combater no desejo o risco do prazer e no prazer o risco de perversão, como se
prazer não fosse tão natural quando o desejo. Viu no prazer o risco de obter no
instante uma plenitude que imita aquela reservada à eternidade, podendo
dispensar a árdua procura dessa última.
No absurdo, a Igreja Católica chegou “a negar pastoral senão
doutrinalmente a bondade do prazer como fim intermediário, reconforto na etapa
presente. Talvez fosse por compensação que ela incentivou as formas atenuadas
do prazer que são celebrações, festas, reuniões, assembléias de sadio
divertimento e lazer, inaugurações e homenagens, jogos e artes, jubileus e
comemorações, férias e aniversários”10. Nesta temática, pode se concluir que a
“Igreja” proporciona prazer ao homem, mesmo querendo refutá-lo de certa
maneira.
Jacques Lacan, sem entrar em desarmonia com a tradição eclesial faz um
esclarecimento sobre as raízes do prazer, na “psiqué” humana. Ele dizia: “o
desejo do homem é o desejo do outro”. Está no inconsciente do homem o desejo
do outro. O outro é sinal de realização e significação para sua vida. Aqui, deve-se
entender o outro como sinal humano e divino em sua vida. O ser humano
desperta sua humanidade através do desejo e da busca do prazer.
Anders Nygren, explica que “o sentido do desejo é que o homem procure
adquirir algo que não possuía anteriormente. Esse sentido desaparece quando
dirige seu desejo, sua culpa, para as coisas temporais, porque, ainda que as
obtenha, não adquire nada que ultrapasse o que já possuía... Como o desejo,
sob a forma de culpa, nos une às coisas perecíveis, sob a forma de amor, nos
une a Deus e ao mundo da Eternidade. Só assim, o desejo reveste sua
verdadeira significação”.11 Aqui, centrada nessa reflexão encontra-se o significado
último do desejo, ou seja, o próprio Deus.
O prazer será sempre uma realidade sedutora, ao mesmo tempo atraente
e perigosa, ambígua e necessária, provocadora de reações extremadas à beira
da alienação, condimento indispensável para a caravana humana em marcha.
Ele toma lugar na vivência humana como um valor, alias muito diversificado,
7
Ibid., p. 36.
8
Ibid., p. 63.
9
Ibid.
10
Ibid.
11
Ibid., p. 64.
entre outros valores que se oferecem à nossa espécie, e cuja qualificação ética
depende mais das circunstâncias e situações do que do conteúdo inefável.
O prazer deve ser visto como vivência global do ser humano, cultural e
eticamente. Deve ser aceito também como participação, comunhão, partilha,
comunicação e festa. Ele é “experiência corporal” e “mental”. Representa uma
“capacidade de auto-expressão criativa”, cuja negação perturba indivíduos e
sociedades: ordem pelo efeito da repressão religioso-clerical, hoje por efeito da
luta pelo poder.
Mas cabe assinalar que o prazer, não é algo perene dentro da vida do
homem, visto que dentro do processo histórico-social em que ele vive encontrará
o desafio do sofrimento, da ameaça da dor, do aguilhão da miséria para se
perpetuar, prolongar e crescer. Assim, é através do desejo pela felicidade e pelo
bem estar físico-social, que o homem vencerá os momentos difíceis de sua vida.
Como se pode perceber a moral católica tradicional trabalhou em torno de
um sistema complicado de obstáculo ao prazer, amiúde sem ter tido os meios
para refletir positivamente sobre seu lugar antropológico. Poderia ter explorado
o dinamismo do desejo que comporta duas faces: a auto-realização de um ser
em crescimento, situado no tempo e na história e o ultrapassar-se na vida que a
teologia cristã chama de teologal, que compreende a fé religiosa, a esperança
escatológica e o amor de caridade desabrochado em Cristo.
Hoje, porém, a moral renovada compreende que a dimensão do prazer faz
parte da vida do homem. Sentir prazer não é mal, mas, plenifica a alegria em seu
ser. O prazer não deve ser na linha hedonista e nem sadomasoquista, mas que
vá ao encontro da dignidade do ser humano. Assim, homem algum aceita viver
sem prazer e sem transcendência significativa.

5- A geração do prazer no mecanismo religioso


O prazer é toda espécie de satisfação de um desejo humano, qualquer
que seja a qualidade, o modo de vivê-la e o nome que se lhe seja dada:
felicidade, alegria, gozo, júbilo, beatitude, assim como consolação, segurança,
conforto material, ou moral, alívio de um sofrimento ou de uma angústia.
O homem é um ser que vive impulsionado pelo desejo. Ele não só deseja
os bens materiais para seu bem estar físico e biológico, mas também deseja algo
que o transcende, ou seja, Deus. Logo, a Igreja, realiza esse desejo humano,
quando o coloca em sintonia com a esfera do sagrado.
A Igreja apresenta ao homem, através de seu anúncio, a mensagem
evangélica que lhe possibilita uma abertura para conhecer a Deus. A partir do
momento em que o homem entra em relação com esse Deus, passa a viver em
uma Comunidade que crê e que busca a presença do sagrado.
A Comunidade cristã é assistida por um ministro ordenado, o qual
representa para os crentes o sinal de Deus e a porta para a transcendência.
Assim, existem na Igreja, orações, celebrações, ritos, sacramentos, que
dinamizam na vida do homem a presença de Deus.
Diante da angústia existencial do homem pós-moderno, a Igreja apresenta
uma mensagem de vida, de esperança, de conforto e solidariedade. O homem
se sente aliviado e acolhido, ou seja, o seu ser se renova e a sua vida passa a ter
sentido existencial impregnada pelo espiritual. Desse modo, o homem torna-se
feliz, ou seja, sente prazer por estar em contato com Deus e assim, motivação
para viver em torno de um ideal.
O homem sente fome e essa necessidade é suprimida pela alimentação.
Por ser, aberto ao religioso, sente o desejo espiritual em sua vida. Na Igreja essa
vontade espiritual é suprimida pelas orações. A oração eleva o homem à
dimensão da transcendência e a mesma, o envolve de júbilo, pois nesse
momento o cristão está agradecendo, louvando, adorando e pedindo graças a
Deus. Existe nessa relação um fluxo de sentimentos voltados para Deus.
Quando o homem extrapola tudo isto em forma de orações, paulatinamente
sente segurança, paz interior, esperança e satisfação no momento presente.
Essa sensação de felicidade, conforto e confiança, pode-se chamar de prazer.
O homem não pode viver oprimido e fechado em si mesmo. Ele deve abrir-
se para o próximo e para Deus. Existem na Igreja sete sacramentos ou sete
sinais de vida, que proporcionam ao homem o amor e a presença de Deus em
seu ser.
Na Igreja vive-se em comunidade. Nesse ambiente sagrado faz-se a
experiência de Deus. Entretanto, nem sempre o homem é coerente com Deus
e com seus irmãos. Nessa relação, incoerente com a vontade de Deus, o
homem se afasta do sagrado, ou seja, passa para a dimensão do pecado.
Porém, quando o homem peca nem tudo está acabado, mas pelo seu
arrependimento, pode pedir o perdão a Deus e recebê-lo, pois no pecado o
homem se depara com sua fraqueza e miséria humana.
Dentre os sete sacramentos, existe o sacramento da penitência, o qual
tem por objetivo, reconciliar o homem com Deus e com seus irmãos. Na súplica
do arrependimento, e, no desejo de ser perdoado, quando recebe o perdão dos
pecados pelo ministro ordenado, sente um alívio de consciência, é como que
nascesse novamente, ou seja, vida nova. Isto é prazer ! Essa sensação
agradável, em que o homem é acolhido e amado pela misericórdia de Deus, é
manifestação de transcendência, portanto prazer!
O objetivo, não é transformar a Igreja Católica em “Igreja do prazer”, mas
mostrar ao homem cristão católico e não católico esta maravilhosa dimensão
que intensifica e dinamiza a sua vida com Deus e o leva a proclamar no mundo a
mensagem salvadora de Jesus Cristo.
É preciso compreender que a partir do momento em que a Igreja anuncia
ao homem a salvação, prefigura para ele uma vida no além, ou seja, junto de
Deus. Logo, o prazer proporcionado pela Igreja ao homem num primeiro
momento, é puramente mental. Os fiéis ouvem e depois assimilam pelas suas
faculdades a mensagem evangélica. Em um segundo momento, é corporal, pois
dentro da assembléia celebrativa existem momentos diversos, como por
exemplo: ficar de pé, sentar-se, cantar, abraço da paz e a comunhão eucarística.
Tudo isso, é celebrar a fé e a vida. Portanto, é plenificação de seu ser imerso no
sagrado, ou seja, é o prazer religioso. Assim, o prazer convida o homem para
algo que está além de si mesmo, que nós chamamos de Deus. Nisso está sua
verdade e, portanto sua moralidade.
Em um terceiro momento, a Igreja Católica propõe ao homem a união de
fé e vida, em que o homem sentirá prazer na vivência do sagrado. O cristão
deverá ser impulsionado pelo anúncio do Reino, na realização de obras que
promovam o ser humano e o lançam para um futuro escatológico.
O homem realizando o anúncio evangélico, promovendo boas ações e
tendo esperança de um futuro escatológico, sentirá a realização de seu ser, ou
seja, a partir daí será criativo, pois somente com atividade criativa diante da vida
o homem encontrará prazer. Por conseguinte, sentirá dentro da Igreja o prazer
de estar em contato com Deus e com os irmãos, mediante seus mecanismos
celebrativos.
Conclusão
O que se pode concluir do prazer em si? Qual a sua relação com a
religião? Qual a sua importância pessoal e coletiva, dentro e fora da religião? É
possível o homem sentir prazer na religião Católica? Que tipo de prazer?
O prazer é eminentemente humano e inerente à própria vida. Alegria,
satisfação, contentamento, riso, felicidade, festa, entusiasmo e êxtase pertencem
às pessoas humanas e suas histórias. O prazer humano conhece uma gama
extensa de variações e formas, pequenas e grandes, profundas e efêmeras,
estáveis e passageiras. Em todo caso, sua força libertadora é tão grande que as
outras manifestações da existência humana, a tristeza, o sofrimento, o aperto, a
dureza de vida, não são capazes de suprimi-la, porque sempre chega a criar
mecanismos de escape.
Em primeira instância, é preciso ter consciência de que o prazer é uma
dimensão que está inerente à vida do homem. O prazer não deve ser
absolutizado e nem desprezado, mas ser vivenciado ao longo das experiências
cotidianas.
Em uma segunda instância, o prazer nasce de um desejo que culmina em
sua satisfação, sem levar em consideração a sua qualidade e o modo de
vivenciá-la.
O prazer é um bem para o homem que o liberta da repressão do medo e
da dor. O cuidado que se deve ter em relação ao prazer é quando o homem se
torna escravo dele e vê nele um momento apenas de satisfação. Porém, o prazer
não deve ser entendido apenas numa concepção hedonista ou sadomasoquista.
O prazer é para algo que está além de si mesmo. Nisso está a sua
verdade e, portanto, sua moralidade. Ele é o aquecedor da vida humana, pois é
ele que desperta a vida afetiva e o agir moral do homem em sociedade. Assim,
ele está ligado a qualquer empreendimento da ação humana em suas várias
dimensões (política, econômica, religiosa e social).
O homem atual, não pode viver sem prazer. Prazer entendido como
tesão12 . Do contrário, o seu ser se tornaria atrofiado e amargurado diante da
beleza do outro, do mundo e do sagrado. O tesão dinamiza o ser existencial e
vivencial do homem. Sem tesão o homem não encontrará desejo de prazer no
viver.
É preciso que o homem da pós-modernidade liberte-se do prazer oferecido
pelo sistema neo-liberal. Um prazer que termina no ter e no poder. Nessa visão, o
prazer fica reduzido e o homem se torna um objeto insaciável de desejo em
busca de uma satisfação cega e alienada.
Viver o prazer é viver plenamente cada momento da ação humana,
realizando-se como humano em vista de um fim, ou seja, a busca da felicidade.
Como compreender prazer e religião ? Existe alguma relação?
O prazer é a satisfação de um desejo material ou espiritual. A religião é o
canal pelo qual o homem busca satisfazer espiritualmente o seu ego religioso.
Assim, quando o homem se coloca numa posição vertical13 dentro da religião na
qual participa, o mecanismo religioso é capaz de preencher o seu ser desejoso
de Deus. O homem sentirá o prazer de estar em harmonia com Deus dentro da
religião, pois ela se torna a porta que o lança para a felicidade, ou seja, Deus.
O prazer focalizado pela Igreja Católica apresenta para o homem: o
anúncio da Boa Nova, uma moral cristã e a possibilidade da prática da fé. Assim,
a Igreja Católica propõe ao homem um caminho que o conduz para a felicidade, a

12
Tesão: é alegria, prazer, felicidade e satisfação de viver plenamente.
13
Posição vertical: relação do homem com a divindade, isto é, Deus.
partir do momento em que ele sente prazer em escutar, viver e praticar a
religião.
O prazer possui uma grande importância pessoal e coletiva, dentro e fora
da religião. O homem nasceu para ser feliz. Assim, tudo que faz e realiza será em
vista de sua felicidade. A partir do momento em que o homem sente felicidade
dentro da religião, ele exprimirá esse prazer em atos e ações. Dessa forma, será
para os outros, sinal de pessoa realizada. Dentro da Igreja estará em harmonia
com Deus e com os irmãos. No meio social, não será um homem reprimido e
frustrado, mas alegre, dinâmico e criativo. Enquanto coletivo, o prazer mantém a
comunidade afetivamente unida e feliz. No meio social, ao dar testemunho de
vida e realizar seus compromissos pastorais, sentirá a satisfação na sua
existencialidade.
É possível o homem sentir prazer na Religião Católica? Que tipo de
prazer?
O homem nesse parâmetro é um ser que sente a presença do
transcendente, ou seja, de Deus. Ele sente o desejo de preencher o vazio
existencial, Daí a necessidade de buscar na religião esse elemento. Porém, é
necessário compreender que Deus não é algo criado pela imaginação ou
projeção humana, como pensava o filósofo Feuerbach, mas é um ser que existe
e manifestou-se de modo pleno no seu Filho Jesus Cristo. Ele trouxe ao homem
um estilo de vida diferente, libertando o homem das armadilhas do pecado, do
ódio, do orgulho etc., mostrando ao homem a salvação na esperança
escatológica. Assim, Jesus Cristo, funda a Igreja Católica. Ela se expande com a
tradição apostólica. Ela é universal, pois está aberta a todos os homens.
A Igreja vive na história. Nós somos seres históricos, por isso, somos
igreja. Através do comportamento moral e a partir da prática de Jesus, os
cristãos relacionam-se entre si e com Deus vivendo moralmente.
O Homem por ser pluridimensional, deve viver sempre na busca de sua
realização e promoção, ou seja, em vista de sua felicidade. Tal fato, só se realiza
quando ele não é reprimido, “manipulado” e excluído. Em tudo aquilo que o
homem faz ou participa deve sentir prazer, pois assim, será mais empenhado e
motivado para viver. Para isso, deve-se compreender no homem a dimensão
inerente do prazer, a qual não pode ser reprimida e combatida. Prazer é a
exaltação do homem em sentir-se bem e realizado.
A Igreja Católica anuncia ao homem a Boa Nova de Jesus Cristo. Ela
deseja congregar os homens e conduzi-los a Deus. Quando o homem abre-se
para essa verdade de fé, passa a fazer parte de uma comunidade cristã.
Participando dessa comunidade deverá sentir prazer. Isso o motiva e o
enaltece. Isso é prazer! Ao contrário, o homem seria reprimido e sua vida se
tornaria obscurecida.
No catolicismo houve, desde cedo, uma tendência estóico-ascética de
eliminar o prazer e levar o cristão ao autodomínio perfeito, indiferente às alegrias
e tristezas da vida. O prazer era facilmente ligado ao hedonismo e cercado de
tabus e inibições que o tentavam reprimir. Não podemos condenar o passado da
Igreja Católica em se tratando do aspecto da sexualidade humana e do prazer,
pois, naquela época, a relação era homem e Deus. Tudo tendia para Deus.
Assim, de certa forma, a sexualidade humana não foi bem trabalhada e discutida
como reflexão mas, em parte, reprimida. É sabido que isso não é motivo para
dizer que a Igreja Católica condenou o prazer como algo pecaminoso e visto
somente no sentido do ato sexual. Essa era a compreensão tanto dos cristãos
quanto dos pagãos daquela época. Hoje, após reflexões e estudos a respeito da
sexualidade humana, a concepção de prazer é vista de forma diferente, pois o
homem não deve reprimi-la em si, deve vivê-la de forma plena e livre, amar e
deixar ser amado. Assim, ele sentirá o prazer de buscar e viver o seu ideal de
vida. Do contrário, na dor e na culpa o homem seria um eterno sadomasoquista
frustrado.
Sem prazer não há dinamismo, motivação e criatividade na vida do
homem. Ao participar da Igreja católica, dos mecanismos religiosos e da
dimensão celebrativa, dentro dela o homem sente prazer. O prazer que se
expressa na Igreja se dá na relação de um Deus pessoal que ama e acolhe o
homem, nos momentos de orações, súplicas, cantos, adoração e no momento
em que os cristãos estão unidos como irmãos e família de Deus. Isso plenifica a
vida do homem. Mais ainda, quando ela anuncia a salvação, o perdão e a
reconciliação entre os homens e Deus, quando anuncia o Evangelho dando a
esperança de vida aos abatidos, excluídos e marginalizados na sociedade. Tudo
liberta o homem, incentivando-o para buscar Deus e para relacionar-se com os
irmãos, na busca de um mundo melhor, levando em consideração o seu
peregrinar para Deus.
Nessa visão, pode-se afirmar que prazer pode e deve estar presente na
dimensão religiosa. Esse prazer se dá primeiramente de forma mental ou
espiritual, pois o homem primeiro ouve, medita e contempla em seu ser a
presença através da Boa Nova de Jesus Cristo. Num segundo momento, o
prazer se dá de forma corporal, pois não existe pessoa humana sem corpo.
Corpo e alma formam uma dualidade 14 e não um dualismo,15. O homem é
composto de corpo e alma e deve ser visto em toda a sua globalidade. Ele como
um todo deve louvar e glorificar a Deus. Na assembléia reunida, todos devem
participar dos cantos, gestos, abraço da paz, comunhão eucarística, entre outros.
Quando isso acontece, o Homem sente-se como pessoa e vive-se o prazer.
Sente em seu ser o prazer da presença de Deus e dos irmãos. Levando-se
em consideração, que é com o nosso corpo que viveremos a religião e seremos
pessoas realizadas e felizes naquilo que fazemos e participamos, transcendemos
e nos relacionamos com Deus.
Num terceiro momento, a Igreja propõe a integração da vida e da fé.
Como isso acontece? O cristão sente em seu ser o prazer mental a própria
explicitação da fé e da alegria com a presença de Deus. Ele deve viver a sua
fé no dia-a-dia, no anúncio e na realização de obras para a promoção do Reino
de Deus , levando em consideração, o homem esquecido e marginalizado que
vive na dor e na angústia.
Portanto, a Igreja Católica oferece prazer ao homem. O prazer de viver na
presença e na graça de Deus. Essa sensação enaltece e satisfaz o desejo do
homem pelo sagrado. Isso o anima na vida e seu viver adquire significado e
esperança para a felicidade eterna, ou seja, o estar junto de Deus. É preciso que
o homem se liberte de todas as prisões que obscurecem o verdadeiro sentido da
vida humana. O homem ama e deseja Deus a partir do momento em que ele
sente prazer em tudo que faz, realiza e participa , principalmente vivendo os
procedimentos inerentes à religião.
O homem somente será feliz com a vivência cotidiana impregnada da força
divina: fonte de prazer, de realização, de humanização. Ser Homem é viver as
dimensões do prazer que também são proporcionadas pela religiosidade.

14
Dualidade: indica em geral um par de termos entre os quais ocorre uma relação essencial : por ex.,
matéria e forma, corpo e alma, etc.
15
Dualismo: Toda doutrina que admite, em qualquer ordem, dois princípios absolutamente irredutíveis. Isto
é, indica dois princípios ou divindades, um do bem, outro do mal, em luta contínua entre si.
QUESTÕES PARA AJUDAR A LEITURA INDIVIDUAL
OU O DEBATE EM COMUNIDADE

1 – Como definir o prazer na dimensão religiosa?


2 – Qual a importância do prazer na existência humana?
3 – Que tipo de relação pode-se estabelecer entre prazer e desejo?

Créditos:

Luciano Gomes dos Santos


Graduado em Filosofia e Teologia pelo Seminário São José da Arquidiocese de Uberaba
(MG); Licenciado em Filosofia pela Faculdade Phênix de Ciências Humanas e Sociais do
Brasil (Santo Antônio do Descoberto - GO) e mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta
de Filosofia e Teologia em Belo Horizonte (MG). Exerce atividade docente na Faculdade
Arnaldo e no Colégio Cotemig (Belo Horizonte – MG). Na área de Filosofia realiza o
projeto “Filosofia no Parque” desde 2006 para adolescente e a partir de outubro de 2009
para adultos no Parque Municipal de Belo Horizonte – MG.
e-mail: luguago@ig.com.br

Você também pode gostar