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Ex.mo Sr.

Director Geral dos Recursos Humanos da Educação


Lisboa

Com conhecimento:

No início de Janeiro do ano em curso, é publicado o Decreto Regulamentar


2/2008, que estabelece as balizas gerais e define o processo do novo processo de
avaliação de desempenho docente.
1. Permita-se-nos, neste momento, que deixemos exarada a nossa reserva quanto a
alguns aspectos deste diploma legal que, na nossa modesta opinião, constituem vícios
que, a não serem acautelados e corrigidos em próxima reformulação do processo que ele
estabelece, deitarão inexoravelmente por terra os objectivos, porventura nobres, que se
apresentam como justificadores deste modelo de avaliação. A saber:
− O processo de avaliação instituído é demasiado complexo e pesado, um
«monstro» burocrático, no dizer de especialistas cuja craveira intelectual é sobejamente
reconhecida. Logo de operacionalização extremamente penosa, com eventual prejuízo
da função primordial do docente (quer avaliado quer avaliador) que é a actividade
lectiva.
− Permite, teoricamente, pelo menos, e em casos concretos já tornados
públicos por algumas escolas, o papel de avaliador a um docente menos habilitado que o
próprio avaliado. Este vício, que não pode ser assacado directamente ao diploma legal
em análise, não é por ele, contudo, acautelado.
− Integra, de forma absurda, no mesmo grupo de docentes a progredir na
carreira e a concorrer à mesma quota de classificação de Excelente e Muito Bom (o que
não é tão pouco como se pretende fazer crer), o avaliador e avaliado, competindo um
com o outro, sem garantia nem mecanismo aferidor que inviabilize a parcialidade do
julgamento. Pretende o Ministério da Educação (ME), comparando a profissão docente
a outras profissões, que se pode aplicar à avaliação docente a avaliação do SIADAP.
Pensamos, todavia, que esta postura tem pouca consistência: é que, na Administração
Pública, em geral, quem avalia é o chefe, hierarquicamente superior aos subordinados
avaliados e investido de uma funcionalidade diferente daqueles. Nunca um chefe
concorre, na avaliação, como chefe, com um seu subordinado como subordinado. No
caso da profissão docente, embora se pretenda fazer crer que a funcionalidade de um
professor titular de facto é diferente da de um professor não titular, isso não acontece.
Ambos são docentes, sujeitos ao mesmo corpo de deveres e direitos, ocupando a mesma
posição em termos de hierarquia. Mais, prevê-se, inclusive, que, no caso de haver
departamentos sem professores titulares de facto, sejam as suas funções exercidas, em
comissão de serviço, por professores não titulares de facto.
− Promove − tendencialmente, pelo menos, embora defenda o contrário − a
não partilha de saberes e de recursos e é, por isso, gerador de individualismo: Um
professor poderá sentir-se levado a «esconder» do colega o que de melhor sabe e produz
para que este não lhe «roube» o «Excelente» ou «Muito Bom».
− Presume que um professor, competente para avaliar alunos, o é também
para avaliar os seus pares e, como tal, não precisa de formação especializada como
avaliador, como pré-requisito para esse exercício – o que é tremendamente enganador.
«Se bem que educar e avaliar sejam processos inerentes ao viver social e humano, não
se nasce professor, muito menos avaliador», como defendem – e muito bem, na nossa
opinião – as professoras universitárias Ângela Rodrigues e Helena Peralta, da
Universidade de Lisboa, a quem o ME deu voz na página da Direcção Geral dos
Recursos Humanos da Educação (DGRHE).
− Instaura uma injustiça − absurda, quando presumimos que terá sido
assumida, por parte de quem legislou, em plena consciência e com total presunção das
situações anómalas que poderá acarretar − quando faz depender a avaliação do docente
dos resultados dos seus alunos: há disciplinas em que o sucesso se atinge mais
facilmente do que noutras; há disciplinas que são sujeitas a avaliação externa e há outras
que o não são (Que mecanismos há cuja fiabilidade garanta que não se inflacionarão as
notas? Não são, certamente, aqueles que o ME apresenta, que é sempre possível
contornar.).

2. O decreto regulamentar a que nos vimos referindo estabelece que as escolas


devem criar os instrumentos de registo de avaliação e os indicadores de medida e
adaptar os seus documentos de gestão pedagógica (nomeadamente, o Projecto
Educativo do Agrupamento e o Plano Anual de Actividades) ao processo.
Estes instrumentos e indicadores devem ser elaborados, tendo em conta as
recomendações do Conselho Científico para a Avaliação de Professores (CCAP). Define
ainda o mesmo diploma outros suportes legais relativos ao processo que, na altura em
que foi publicado, ainda não estavam disponíveis (despachos de: delegação de

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competências de avaliador; estabelecimento da ponderação das fichas de avaliação,
entre outros).
Como estes pré-requisitos não estavam instituídos, o Agrupamento não iniciou as
fases do processo de avaliação previstas, uma vez que, não havendo recomendações
explícitas elucidando o «modus faciendi» do processo, não tínhamos nenhuma garantia
de que o que viéssemos a fazer fosse o correcto e adequado. Aliás, não descortinávamos
minimamente como proceder à sua operacionalização.
No final de Janeiro, num contexto de pressão que grassa no País, criticando o ME
por ter lançado o processo sem ter cuidado da elaboração e publicação prévias dos
instrumentos legais que regulamentariam vários aspectos do processo, sai um despacho
que delega na Presidente do CCAP todas as competências do mesmo conselho. No
seguimento desse despacho, a dita Presidente elabora uma série de recomendações de
carácter muito genérico, cuja generalidade ela própria assume e de que se responsabiliza
por inteiro, com a chamada de atenção de que essas opiniões são tão só as suas opiniões.
Ora, a leitura e análise que fizemos destas recomendações não nos abriu qualquer pista
esclarecedora do que de concreto deveríamos fazer.
Perante esta situação, o Conselho Pedagógico deste agrupamento continuou a
aguardar que a situação se esclarecesse, não sem ir consultando aquilo que o ME (em
especial através da DGRHE) ia colocando no domínio público. E foi na consulta atenta
e sistemática do fórum da plataforma da DGRHE, sobre o processo de avaliação, que
pudemos descortinar a alta complexidade técnica de que o processo de avaliação do
desempenho docente, estabelecido pelo Decreto Regulamentar 2/2008, se reveste. De
facto, as dezenas de questões que eram lançadas todos os dias no fórum (muitas delas –
e muito pertinentes – sem resposta ou com resposta enviesada) deixavam perceber a
insegurança e a confusão que percorria as escolas que tinham iniciado o processo.
E é neste contexto de perplexidade e insegurança que somos confrontados,
recentemente, com dois documentos, elaborados pelos serviços do ME e tornados
públicos: «Perguntas frequentes sobre a avaliação de professores» e «Resposta do
Ministério da Educação às preocupações apresentadas pelo Conselho de Escolas a 12 de
Março de 2008».

3. Quanto ao primeiro documento, algumas das respostas dadas deixam-nos outras


tantas questões, a saber:

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− Assim, quando se pergunta «Que critérios devem ser considerados na
observação de aulas?», diz-se que «cada escola e o conjunto dos seus professores
definem com total autonomia o que é observado». Assim, sem mais? E quem pode
garantir que aquilo que se decide ser observado é o mais adequado para avaliar a
funcionalidade docente? A que critérios deverá obedecer esta escolha? E como se pode
garantir a qualidade e equidade dessas escolhas?
− Quando se questiona «Faz sentido falar em adiamento do processo de
avaliação?» responde-se que não porque «as escolas iniciaram já o trabalho de
elaboração de instrumentos e já começaram a sua aplicação». E quem garantiu ao ME
que esses instrumentos foram bem elaborados? Que competência especial foi infundida
sobre esses professores que lhes permitiu, sem mais, elaborar bons instrumentos de
avaliação? E não se pode adiar o processo só porque houve escolas que já o iniciaram?
E cuidou-se de saber se o processo foi bem iniciado?
− Por outro lado, quando se pergunta «E os professores e as escolas estão
preparados para avaliar?», responde-se assertivamente que sim, justificando este ponto
de vista com a familiarização que os professores têm de avaliar os seus alunos. Nada de
mais falacioso, parece-nos, considerando a reflexão apresentada pelas docentes
universitárias Ângela Rodrigues e Helena Peralta, acima referida.
− Quando se questiona «Como pode um professor avaliar um outro que não
seja da mesma disciplina?», responde-se que «os departamentos curriculares integram
efectivamente professores de diferentes disciplinas» em quem «o coordenador de
departamento… (pode) … delegar a avaliação do desempenho de um docente numa
dada disciplina». Interessante esta resposta quando consideramos os termos do despacho
de delegação de competências em que esta solução não está prevista.
− Por fim, no que respeita a este documento, surge uma outra questão cuja
resposta não nos satisfaz por inteiro: «Não deveria o processo de avaliação ser
experimentado antes de ser aplicado?». O esclarecimento de que o processo é similar ao
dos funcionários públicos, já experimentado, não podia estar mais longe da nossa
concordância, pelos motivos que já referimos mais acima. Afirma-se também que os
instrumentos de avaliação foram alvo de vários testes. Onde, quando e com que
resultados? Seria interessante termos respostas a estas questões.

4. No que se refere ao segundo daqueles documentos, a sua análise atenta levou-


nos a deixar as questões seguintes:

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− Ponto 1: Como é que o ME, e já o perguntámos antes, pode garantir que
são boas as práticas já em desenvolvimento em muitas escolas? E, caso tenha essa
garantia, quais são as práticas que se consideram boas? Por que razão o ME não as
fornece, como modelo ou sugestão, à generalidade das escolas?
Por que motivo se manifesta uma tão grande obsessão em não fazer uma
experimentação deste modelo? Quem pode e de que forma garantir a sua fiabilidade?
Faz parte das regras mais basilares da investigação aplicada que um instrumento de
medida seja testado devidamente antes da sua implementação no terreno.
− Ponto 3: Como é que as escolas podem elaborar e aprovar os instrumentos
necessários à avaliação se o CCAP, já constituído, e a DGRHE continuam a não tornar
públicas as orientações e recomendações que devem orientar esse processo? Como é
que as escolas vão elaborar instrumentos necessários à avaliação, se a imensa maioria
dos avaliadores não dispôs de formação prévia, especializada, para o exercício dessa
função? Como é que se vão adaptar projectos educativos e planos anuais de actividade,
para os adequar ao figurino que o estabelecimento de objectivos individuais pelo
professor avaliando exige sem se fornecerem indicações precisas e claras de como isso
deve ser feito?
− Ponto 3 (repetido): Como é que a escola pode definir prazos para a avaliação se
todo o resto do processo permanece nesta indefinição?
− Ponto 4: Em que se traduz objectivamente a simplificação e desburocratização
do processo de avaliação para os docentes que têm de ser avaliados até ao final do ano
lectivo de 2007/08? Que elementos deve conter a ficha de auto-avaliação referida? São
os que constam da ficha oficial de auto-avaliação? Quais são os elementos da ficha do
conselho executivo passíveis de ser observados/avaliados? Ficam ao critério da escola?
Não há mínimos/máximos a cumprir para salvaguardar eventuais «disparates» (como o
célebre caso da escola de Leiria, onde as «boas práticas» deram no que deram?).
− Ponto 4 (repetido): Não vislumbramos, com os constrangimentos que nos
tolhem, como elaborar um Programa de Avaliação com identificação das nossas
dificuldades para o cumprimento dos objectivos mínimos, plano esse a ser avaliado e
validado pela DGRHE. Parece-nos até que nem em condições estamos de identificar
bem quais são as dificuldades que temos e o seu alcance.
− Ponto 5: Por que é que, só agora, passados dois meses sobre a publicação
do Decreto Regulamentar 2/2008, o ME vem falar da formação em avaliação para os

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professores implicados no processo? Por que motivo é que esta formação não teve lugar
no início deste ano lectivo?
− Ponto 7: Espera-se que os créditos horários (e outras compensações) a
conceder aos professores coordenadores/avaliadores sejam, de facto, compensações
adequadas ao esforço e dispêndio de energias e de tempo que a complexidade técnica do
processo de avaliação exigem e não um arremedo de compensação (como já tem
acontecido noutras ocasiões e circunstâncias). É que o horário do professor, sendo de 35
horas, não é elástico e não será muito razoável, como é óbvio, exigir ao avaliador um
trabalho de escravo!

E, para concluir, gostaríamos de deixar uma pergunta que é também um desabafo:


Por que motivo é que o ME está tão relutantemente contra o adiamento do início do
processo de avaliação para o próximo ano lectivo, disponibilizando, prévia e
atempadamente, todos os documentos (previstos no decreto em referência e outros) que
possibilitassem às escolas uma preparação consequente de toda a logística implícita no
processo e uma oferta, também atempada, de formação especializada aos avaliadores?
Não seria razoável acabar de vez com esta, pelo menos aparente, balbúrdia que já se
instalou no sistema?

O Conselho Pedagógico deste Agrupamento aguarda esclarecimentos sobre o


caminho que temos de percorrer, esclarecimentos esses que os documentos até agora
produzidos e que são do nosso conhecimento não nos lograram dar, como Vª Exª bem
deve ter depreendido pelas reflexões que deixamos expressas ao longo deste
memorando.

Agrupamento de Escolas Terras do Baixo Neiva, 2 de Abril de 2008

O Presidente do Conselho Pedagógico,

_____________________________________
(Manuel António Lima Torres Ribeiro)

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