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 Uma fracassada tentativa de  nais  cerebrais  confusos.  Em 
  uma  ocasião,  cerca  de  30 
provar que a gagueira é causada 
  gagos,  incluindo  Johnson, 
por fatores psicológicos produziu, 
  andaram  pelo  campus  da 
 
em 1939, um dos estudos mais  Universidade  de  Iowa  com 
  os  braços  enrolados  em  em‐
antiéticos da história da ciência 
  plastro  e  foram  jogar  bad‐
   minton  com  a  mão  menos 
 Por Gretchen Reynolds  hábil.  “Sabíamos  que  está‐
 Para o The New York Times  vamos  trabalhando  em  algo 
 Domingo, 16 de março de 2003  central na vida de um ser hu‐
   mano”,  disse  um  ex‐aluno 
  contemporâneo  de  Johnson 

W
  a  um  historiador  de  Iowa. 
endell Johnson era um rapaz de  “Não  estávamos  nos  ocu‐
20  anos  do  interior  dos  EUA,  pando  com  uma  coisa  me‐
alto  e  corpulento,  quando  che‐ ramente periférica.”  À direita, um quadro do Dr. 

JOANNE HOYOUNG/SAN JOSE MERCURY NEWS, 09.06.2001 
Wendell Johnson decora a pare‐
gou  à  Universidade  de  Iowa,  em  Iowa  City,  Naquele  tempo,  a  fisio‐ de do hall de entrada do Centro 
para estudar inglês em 1926. Presidente de  logia tinha se tornado a ex‐ de Fonoaudiologia da Universi‐
turma  e  orador  de  sua  pequena  escola  em  plicação  favorita  em  Iowa  dade de Iowa, que leva seu no‐
me. A pintura foi feita pela artis‐
Roxbury  (Kansas),  Johnson  era  simpático  e  para  a  gagueira.  Os  princi‐ ta plástica Cloy Kent, depois da 
cativante,  um  verdadeiro  “palhaço”  na  me‐ pais  professores  do  depar‐ morte de Johnson, em 1965. 
mória  dos  amigos  de  sua  terra  natal.  Ele  tamento estavam certos de  Acima, visão ampliada da cena 
também tinha uma gagueira acentuada, que  que a desordem era provo‐ retratada no quadro. Para recri‐
ar a cena, a artista baseou‐se 
muitas vezes o deixava sem fala. Sua pouca  cada  por  sinais  incorretos  numa fotografia. 
habilidade para falar o impeliu em direção à  enviados pelo  cérebro.  Eles 
escrita  e  à  literatura,  e  também  desenvol‐ haviam  usado  um  novo  aparelho  chamado  gueira,  ele  concluiu  mais  tarde,  “começa 
veu nele um pendor para o humor burlesco,  eletromiógrafo para estudar a atividade neu‐ não na boca da criança, mas no ouvido dos 
que  o  ajudava  a  se  manter  popular,  apesar  romuscular  em  pessoas  com  gagueira,  em  pais”. 
do silêncio. A gagueira também o empurrou  pessoas fluentes e, em um experimento pe‐ A ideia era provocante e poderosa, com 
para  a  Universidade  de  Iowa,  considerada  culiar, em pessoas bêbadas (geralmente es‐ enormes  implicações  para  a  terapia  fono‐
na época o mais famoso centro de pesquisa  tudantes  que,  exclusivamente  pelo  interes‐ audiológica.  Se  a  gagueira  fosse  um  com‐
sobre gagueira no mundo.  se da ciência, aceitavam o “sacrifício” de fi‐ portamento  aprendido,  ela  poderia  ser  de‐
  car embriagados – não sem antes ferir o re‐ saprendida. Biografia, contudo, não é prova. 
 ALGO CENTRAL NA VIDA DE UM SER HUMANO  gimento  interno  do  hospital  da  Universida‐ Johnson, para validar sua tese, precisava de 
Naquele  tempo,  a  fonoaudiologia  ainda  es‐ de de Iowa, que proibia álcool em suas de‐ um experimento que induzisse gagueira. Se 
tava lutando para ser reconhecida como ci‐ pendências). A eletromiografia feita em vo‐ – ele raciocinou – qualquer criança pudesse 
ência, e Iowa era o principal polo de atração  luntários  embriagados  mostrou,  para  sur‐ ser induzida a gaguejar, então era óbvio que 
dos  interessados  nessa  nova  disciplina.  Vá‐ presa de ninguém, impulsos deficientes. De  nenhum  defeito  fisiológico  subjacente  era 
rios  experimentos  estavam  sendo  feitos  na  maneira  intrigante,  experimentos  mais  de‐ necessário à desordem. Se a gagueira pudes‐
área  quando  Johnson  chegou  à  universida‐ talhados  mostraram  que  gagos  tinham  res‐ se  ser  trazida  à  tona  em  crianças  normais, 
de. Empolgado com as novidades, ele se en‐ postas neuromusculares sutilmente diferen‐ estaria provado que se trata de um compor‐
gajou  com entusiasmo  no estudo  das  pato‐ tes,  quando  comparadas  às  respostas  de  tamento aprendido, uma resposta condicio‐
logias da fala, escolhendo a área para sua te‐ voluntários fluentes.  nada. 
se  de  mestrado.  “Eu  me  tornei um  fonoau‐    
diólogo porque precisava de um”, diria mais   UMA IDEIA PROVOCANTE E PODEROSA  COLOCANDO A TEORIA À PROVA
tarde.  Mas  Johnson,  já  um  ambicioso  professor  No outono de 1938, Wendell Johnson recru‐
Muitos  de  seus  colegas  de  curso  tam‐ assistente em 1937, não estava convencido.  tou  uma  de  suas  estudantes  de  graduação 
bém eram gagos, e eles usavam uns aos ou‐ A  história  de  vida  dele  sugeria  o  contrário.  em  psicologia  clínica,  Mary  Tudor,  de  22 
tros  como  cobaias  nos  experimentos.  Eles  Ele  tinha  falado  normalmente  até  os  5‐6  anos,  para  realizar  exatamente  esse  expe‐
coletavam  amostras  de  sangue,  ligavam‐se  anos, quando um professor disse a seus pais  rimento.  Ela  estava  ávida,  porém  temerosa 
a eletrodos, golpeavam os joelhos para tes‐ que ele estava começando a gaguejar. Gra‐ quanto  à  tarefa.  Ela  deveria  estudar  se  cri‐
tar  reflexos,  enchiam  cadernos  com  trans‐ dualmente,  uma  obsessão  com  sua  fala  to‐ anças  fluentes  poderiam  adquirir  gagueira 
crições  de suas falas  gaguejadas,  aplicavam  mou conta dele. Sua voz tornou‐se hesitan‐ caso fossem rotuladas de “gagas”. A univer‐
eletrochoque e disparavam armas perto do  te. Ele tornou‐se consciente de que repetia  sidade  mantinha  há  algum  tempo  um  con‐
ouvido para ver se o susto afetava a gaguei‐ sons.  Obviamente,  esses  comportamentos  vênio de pesquisa com um orfanato em Da‐
ra.  (Não  afetava,  embora  o  mesmo  experi‐ fazem parte das características da gagueira,  venport, Iowa, então Johnson sugeriu que o 
mento  realizado  com  pessoas  fluentes  pos‐ mas,  no  momento  em  que  começou  a  se  estudo fosse feito lá. Assim, em 17 de janei‐
sa  afetar  suas  falas.)  Eles  também  amarra‐ preocupar demais com o problema, Johnson  ro  de  1939,  Mary  Tudor  desceu  de  barco  o 
vam  com  ataduras  seus  braços,  esperando  decidiu:  ele  o  tinha  produzido.  Seu  proble‐ leito escarpado do rio Mississipi em direção 
que  a  imobilização  da  mão  dominante  pu‐ ma não estava no cérebro, na biologia, mas  ao  orfanato  Soldiers  and  Sailors  Orphans' 
desse  de  alguma  forma  desembaralhar  si‐ em  seu  comportamento  aprendido.  A  ga‐ Home.  Ela  levava  consigo  cadernos  de  ano‐
 

The New York Times  | 16 de março, 2003 | 36 
tações,  quadros  de  giz,  um  dinamômetro   UM INÍCIO AUSPICIOSO
 

Smedley (para medir a força nas mãos) e um  A pesquisa de Mary Tudor no orfanato  O desajeitado gravador de voz 


desajeitado gravador de voz Dictaphone.  de Iowa começou com a escolha dos 22  Dictaphone utilizado por Mary 
O estudo que ela começou naquela ma‐ Tudor no estudo de 1939. 
participantes.  A  nenhum  deles  foi  infor‐
nhã de 1939 é agora objeto de um processo  mado  o  objetivo  da  pesquisa.  Eles  acredita‐
judicial  multimilionário  contra  o  estado  e  a  vam que iriam receber tratamento fonoau‐
Universidade  de  Iowa.  Apesar  de  seus  64  diológico.  Seu  projeto  de  pesquisa  era 
anos de caducidade, o estudo tem causado  complicado.  Ela  não  iria  só  tentar 
uma  enxurrada  recente  de  notícias  em  jor‐ induzir  gagueira  em  crianças 
nais e periódicos científicos, além de ter si‐ fluentes,  ela  também  tenta‐
do  escolhido  como  tema  de  um  concorrido  ria  verificar  se  era  possível 
simpósio na Universidade de Nova York. Al‐ provocar  alguma  mudan‐
go  aconteceu  naquele  orfanato  em  Daven‐ ça  em  crianças  gagas, 
port que fugiu à previsão de Johnson e que  simplesmente dizendo a 
não  pôde  ser  mensurado  pela  ciência  que  elas  que  falavam  bem. 
ele  praticava.  Só  agora,  com  um  distancia‐ Incluídas entre os 22 par‐
mento  de  décadas,  podemos  começar  a  di‐ ticipantes estavam 10 cri‐
gerir e avaliar o que o estudo de Tudor nos  anças  que  professores  e 
diz  sobre  a  origem  das  desordens  da  fala,  enfermeiras do orfanato haviam 
bem como sobre a ética na ciência, a fragili‐ classificado como gagas, antes do iní‐
dade das crianças e o ego de homens possu‐ cio do estudo. Tudor e outros cinco estudan‐ tes às do grupo IIA e também sem gagueira, 
ídos por uma obstinação.  tes  de  fonoaudiologia,  que  haviam  concor‐ só  que,  em  vez  de  receber  críticas  injustifi‐
  dado  em  servir  como  juízes,  ouviram  a  fala  cadas  em  relação  à  sua  fala,  receberiam  elo‐
 O ORFANATO  de cada uma das crianças e classificaram‐nas  gios. 
 

O  orfanato  Soldiers  and  Sailors  Orphans' Ho‐ em  uma escala que ia de 1 (muito gaga) a 5  Naquela  primeira  visita  de  janeiro,  Tu‐
me (“casa de órfãos de soldados e marinhei‐ (fluente). Em seguida, compararam a avalia‐ dor  testou  o  Q.I.  e  a  dominância  lateral  de 
ros”) foi fundado para abrigar filhos de ofici‐ ção  com  a  informação  que  havia  sido  dada  cada criança. Uma teoria muito em voga na 
ais  mortos  na  Guerra  Civil  americana.  No  pela  escola  do  orfanato.  “Relutante  em  fa‐ época afirmava que a gagueira era causada 
ano  de  1939,  auge  da  Grande  Depressão,  lar,  mas  não  há  dúvida  quanto  à  presença  por uma falha de lateralidade. Se, por exem‐
ele  chegou  a  acolher  mais  de  600  órfãos  e  de  fenômenos  típicos  da  gagueira”,  escre‐ plo, você nascesse canhoto, mas fosse obri‐
semiórfãos  (filhos  de  pais  vivos,  mas  sem  veu  um  dos  juízes  sobre  um  garoto.  “Ten‐ gado a escrever com a mão direita, seus im‐
recursos)  alojados  em  pequenos  chalés  im‐ são, prolongamentos, bloqueios, repetições.  pulsos nervosos ficariam prejudicados e isso 
provisados.  Embora  não  fosse  tão  severo  Um gago.” As 10 crianças gagas foram divi‐ acabaria  afetando  sua  fala.  Johnson  achava 
quanto  o  orfanato  vizinho,  o Industrial Scho‐ didas  em  dois  grupos.  Cinco  foram  coloca‐ que a ideia estava errada, mas ele era meti‐
ol for Boys, em Eldora, ou tão desamparado  das  no  grupo  IA,  o  grupo  experimental.  A  culoso e sugeriu que Tudor verificasse a do‐
quanto  o  Institute  for  Feeble‐Minded  Chil‐ elas seria dito: “Você não gagueja. Você fala  minância  lateral  de  cada  criança.  Ela  colo‐
dren, em Glenwood, lá também havia escas‐ bem.” As  outras  cinco  crianças  gagas  ficari‐ cou‐as  para  desenhar  no  quadro  negro  e 
sez,  melancolia  e  uma  disciplina  extrema‐ am no grupo IB e serviriam de grupo contro‐ para  apertar  o  bulbo  do  dinamômetro.  A 
mente rígida. As crianças tinham que levan‐ le. A elas seria dito: “Sim, sua fala é tão ruim  maioria  era  destra,  mas  também  havia  cri‐
tar  às  5h30,  tomar  café  e  se  banhar  antes  quanto as pessoas dizem.”  anças  canhotas  em  todos  os  grupos.  Não 
de começar a aula, e eram ensinadas a mar‐ As  12  crianças  restantes  foram  escolhi‐ houve  nenhuma  correlação  evidente  entre 
char  em  filas  longas  e  bem  alinhadas,  para  das aleatoriamente na população de órfãos  lateralidade  e  fala  na  amostra  estudada. 
facilitar a ordem.  sem gagueira. Metade delas foi colocada no  Para  Tudor  e  Johnson,  era  um  início  de  es‐
grupo  IIA,  o  grupo  que  60  anos  tudo auspicioso. 
mais  tarde  daria  início  à  ação  ju‐  
dicial. A essas 6 crianças, com ida‐  “FAÇA QUALQUER COISA PARA SE LIVRAR 
DA GAGUEIRA” 
 
de variando de 5 a 15 anos, teria 
de  ser  dito  que  a  fala  delas  não  O experimento começou em janeiro e durou 
era normal, que elas estavam co‐ até  o  final  de  maio  de  1939.  O  trabalho  de 
meçando  a  gaguejar  e  que  pre‐ Tudor  se  resumia  basicamente  à  tarefa  de 
cisavam  corrigir  isso  imediata‐ viajar  de  Iowa  City  até  Davenport,  toda  se‐
mente.  Por  fim,  o  grupo  IIB  foi  mana, para falar com cada criança. Isso du‐
formado  pelas  seis  crianças  que  rava  aproximadamente  45  minutos.  Ela  se‐
restavam, com idades semelhan‐ guia  um  roteiro  pré‐definido.  Em  sua  tese, 
ela conta o que dizia aos órfãos com gaguei‐
ra do grupo IA, que deveriam ser convenci‐
dos de que não gaguejavam. Ela dizia a eles, 
em parte: “Você vai ficar bom [da gagueira], 
você  vai  conseguir  falar  muito  melhor  do 
que já fala agora [...] Não preste atenção ao 
Duas visões do lugar onde funcionava o antigo 
orfanato Soldiers and Sailors Orphans' Home,  que os outros dizem sobre seu jeito de falar, 
em Davenport, Iowa (EUA). O orfanato foi desa‐ pois  eles  não  percebem  que  isto  é  apenas 
tivado em 1975, mas a maior parte das instala‐ uma fase”.  
ções permanecem exatamente como eram na 
época do experimento de Mary Tudor. O lugar  Às  crianças  sem  gagueira  do  grupo  IIA, 
abriga hoje um centro de recuperação de de‐ que  seriam  rotuladas  de  gagas,  ela  dizia: 
pendentes químicos.  “Chegamos  à  conclusão  de  que  você  tem 
 
um grande problema com sua fala. [...] Você 
tem  muitos  dos  sintomas  de  uma  criança 
 

The New York Times  | 16 de março, 2003 | 37 
que  está  começando  a  gaguejar.  Você  tem  abril  de  1940,  ela  escreveu 
que  parar  de  gaguejar  imediatamente.  Use  uma  carta  em  tom  defensivo 
sua  força  de  vontade.  Faça  qualquer  coisa  para  Johnson,  falando  sobre 
para  se  livrar  da  gagueira.  […]  Não  abra  a  os  órfãos.  “Eu  acredito  que, 
boca antes de ter a certeza de que você po‐ com  o  tempo,  eles  vão  se  re‐
de falar direito. Você não vê como o fulano  cuperar,  mas  nós  COM  CERTEZA 
[dizia  o  nome  de  uma  criança  do  orfanato  deixamos  uma  marca  definiti‐
que  gaguejava  severamente]  gagueja  feio,  va neles”. A ênfase é dela. 
não  vê?  Ele  começou  do  mesmo  jeito  que   
você.”   “EU ODIAVA GAGUEJAR”
No  início,  as  crianças  do  grupo  IIA  res‐ Quando  Wendell  Johnson  era 
pondiam.  No  entanto,  depois  da  segunda  garoto, ele cumpriu todo o ro‐
sessão  com  Norma  Jean  Pugh,  de  5  anos,  teiro  dos  tratamentos  ofere‐
Tudor escreveu: “Foi muito difícil convencê‐ cidos  para  a  gagueira  em  sua 
la  a  falar,  embora  ela  falasse  muito  livre‐ época. O médico da sua famí‐
mente mês passado”. Outra criança no gru‐ lia  receitou  a  ele  pílulas  de 
po,  Betty  Romp,  de  9  anos,  “praticamente  açúcar. Um curandeiro religio‐
se  recusa  a  falar”,  escreveu  em  sua  avalia‐ so, que gritava de cima de um 
ção final. “Coloca a mão ou os braços sobre  púlpito,  deixou‐o  assustado  e 
os  olhos  a  maior  parte  do  tempo.”  Hazel  desapontado.  Até  quiropraxia 
Potter, 15 anos, a mais velha do grupo, tor‐ ele  fez.  Aos  16,  já  com  a  fala 
nou‐se “muito mais acanhada e está falando  muito  dificultada,  ele  implo‐
menos”,  anotou  Tudor.  Potter  também  co‐ rou  aos  pais  que  o  deixassem 
meçou  a  usar  interjeições  e  tamborilar  os  freqüentar  uma  “escola”  dis‐
dedos  em  sinal  de  frustração.  Perguntaram  tante  para  pessoas  com  ga‐
a ela: “Por que você fala ‘a...’ tantas vezes?”  gueira. Chegando lá, ele prati‐
“Porque  tenho  receio  de  não  conseguir  di‐ cou  leitura  em  voz  alta  por 
zer a próxima palavra.” “Por que você tam‐ três  meses,  falando  de  uma 
borilou os dedos?” “Porque eu já ia falando  forma propositalmente mono‐
‘a...’ de novo.”  tônica,  e  também  fez  exercí‐ Dr. Wendell Johnson, em foto tirada no início da década de 60 no cam‐
pus da Universidade de Iowa. 
O rendimento escolar de todas as crian‐ cios  em  que  ele  tinha  que  fa‐
ças piorou. Um dos garotos começou a não  lar  e  levantar  halteres  ao  mesmo  tempo,  nha  tido  dificuldade.  Quando  a  pessoa  al‐
querer  mais  ler  em  sala  de  aula.  O  outro,  repetindo  pausadamente  frases  motivacio‐ cançava a palavra seguinte àquela que havia 
Clarence Fifer, de 11 anos, um garoto gordo  nais.  Nada  disso  o  deixou  curado,  e  então,  sido  apagada,  ela  gaguejava.  Ele  concluiu 
e  envergonhado,  começou  a  corrigir  a  si  de  uma  hora  pra  outra,  ele  se  conformou.  que  a  pessoa  tinha  se  “acostumado”  a  tro‐
mesmo  de  forma  ansiosa.  “Ele  parava  e  di‐ “Fui até a estação de trem, gaguejei para o  peçar ali e, mesmo sem a presença da pala‐
zia para mim que ia ter dificuldade em falar  bilheteiro  e  para  o  maquinista  e  fechei  os  vra problemática, ela ainda tropeçava. Esses 
as  palavras  antes  mesmo  de  dizê‐las”,  es‐ olhos em desespero”, ele escreveu em “Por  resultados  convenceram  Johnson  de  que  a 
creveu  Tudor.  Ela  perguntou  a  ele:  “Como  que eu gaguejo”, seu primeiro livro. “Eu me  gagueira  era  incontestavelmente  uma  res‐
você  sabe  disso?”  Ele  respondeu:  “O  som  sentia extremamente envergonhado [...] Eu  posta aprendida, condicionada. 
não  vai  sair.  É  como  se  estivesse  preso  lá  odiava gaguejar.”  Ele  também  concluiu  que  a  gagueira  se 
dentro.”  Sua aflição moldou o restante de sua vi‐ manifestava  de  forma  consistente.  As  pes‐
A sexta órfã, Mary Korlaske, uma garota  da  e  sua  carreira.  “Como  acontece  com  a  soas que gaguejam tendem a ter dificuldade 
de 12 anos, tornou‐se retraída e mal humo‐ maioria  das  pessoas  que  gaguejam,  a  ga‐ nos  mesmos  sons  (embora  esses  sons  vari‐
rada.  Durante  suas  sessões,  Tudor  pergun‐ gueira  o  deixava  muito  confuso  e  frustra‐ em de pessoa para pessoa) e aprendem a an‐
tava  se  a  melhor  amiga  dela  sabia  de  sua  do”,  escreveu  Oliver  Bloodstein,  Ph.D,  pro‐ tecipar a dificuldade, frequentemente subs‐
“gagueira”.  Korlaske  murmurava:  “Não”.  fessor  emérito  de  fonoaudiologia  do  Broo‐ tituindo  palavras  inteiras  (por  ex.:  “meu  p‐
“Por que não?”, insistia Tudor. Korlaske ba‐ klin  College  e  o  mais  destacado  aluno  de  p‐pa‐pa[i] . . . genitor”). Quando estão perto 
lançava  os  pés.  “Eu  dificilmente  falo  com  Johnson.  “Ele  passava  horas  tentando  en‐ de  pronunciar  alguma  consoante  fricativa 
ela.”  Dois  anos  mais  tarde,  ela  fugiu  do  or‐ tender o que havia feito de errado para ter  problemática,  elas  arregalam  os  olhos,  ba‐
fanato,  terminando  como  interna  de  uma  gaguejado em um determinado momento.”  tem as mãos nos joelhos, estalam os dedos, 
instituição extremamente rígida, a Industrial  Esta dilacerante curiosidade o impeliu a  sacodem  a  cabeça,  numa  tentativa  espas‐
School for Girls. “Eu nunca consegui conver‐ realizar uma série de experimentos, antes e  módica  de  forçar  a  saída  do  som.  Johnson 
sar com meu marido sobre isso”, disse Kor‐ depois do estudo de Tudor, sobre a nature‐ definiu essas ações como “comportamentos 
laske,  agora  Mary  Nixon,  em  uma  breve  za essencial da gagueira. O que ela é? Como  associados  à  gagueira”  e  afirmou  que,  em 
conversa  por  telefone  em  janeiro  de  2003.  funciona?  Para  responder  essas  perguntas,  adultos,  eles  diminuiriam  se  a  pessoa  rela‐
“Isso  arruinou  a  minha  vida”,  disse  com  a  ele  começou  colocando  pessoas  com  ga‐ xasse e não antecipasse a gagueira. Ele gos‐
voz partida. “Não posso mais falar”. E desli‐ gueira para ler textos impressos em páginas  tava  de  repetir  que,  em  certas  situações, 
gou  o  telefone  soltando  um  audível  impro‐ com bordas vermelhas. A leitura em voz alta  mesmo as pessoas com gagueira mais seve‐
pério.  era feita diante  de uma plateia,  para que a  ra não gaguejam, como, por exemplo, quan‐
Até a própria Mary Tudor não conseguiu  gagueira  se  acentuasse.  Depois  disso,  as  do  estão  cantando  ou  falando  sem  pressão 
ficar  indiferente.  Em  três  ocasiões,  depois  pessoas  submetidas  ao  experimento  fica‐ com  crianças  ou  cachorros.  “Conheci  um 
de  seu  experimento  ter  sido  oficialmente  vam  com  a  tendência  de  gaguejar  severa‐ caso de gagueira severa em que o indivíduo 
finalizado,  ela  retornou  ao  orfanato  para  mente  toda  vez  que  lessem  um  texto  em  viveu  praticamente  uma  vida  nômade,  por‐
oferecer  auxílio  voluntário  aos  órfãos.  Ela  uma  página  marcada  com  vermelho,  mes‐ que  ele  só  conseguia  se  comunicar  com  as 
dizia  às  crianças  do  grupo  IIA  que  elas  não  mo quando liam para uma única pessoa. Em  pessoas quando se estabelecia em uma no‐
gaguejavam  de  jeito  nenhum.  O  impacto  seguida,  ele  apagava  as  palavras  nas  quais  va cidade”, escreveu Oliver Bloodstein, que 
disso,  contudo,  foi  questionável.  Em  22  de  uma  determinada  pessoa  com  gagueira  ti‐ fez trabalhos de campo para Johnson. 
 

The New York Times  | 16 de março, 2003 | 38 
 VERDADE CANONICAMENTE ACEITA 
 
pletamente.  Das  seis  crianças  que  foram  sua publicação, como geralmente fazia com 
As descobertas de Johnson sobre a natureza  falsamente  classificadas  como  gagas,  duas  as  teses  de  seus  alunos.  Ele  nem  mesmo  a 
da  gagueira,  a  partir  do  momento  em  que  tiveram  na  verdade  uma  melhora  de  fluên‐ incluiu  em  sua  outrora  abrangente  lista  anu‐
foram  publicadas  pela  primeira  vez,  torna‐ cia,  de  acordo  com  as  avaliações  longitudi‐ al de artigos de pesquisa sobre gagueira da 
ram‐se  uma  verdade  canonicamente  aceita  nais  dos  pesquisadores  ao  longo  dos  5  me‐ Universidade  de  Iowa.  Mas  essa  obscurida‐
até os dias de hoje. A desordem de fato pa‐ ses  de  estudo  –  uma  das  crianças  chegou  de acabou em 2001, quando a tese de Mary 
rece responder ao condicionamento e, uma  inclusive a avançar quase um ponto na esca‐ Tudor passou a receber a atenção de toda a 
vez instalada, a gagueira pode adquirir uma  la de fluência, de 3 para 3,8. Na outra, a flu‐ imprensa dos EUA, depois que uma série de 
força  autoperpetuante  destrutiva.  Muitas  ência subiu de 3 para 3,6. Para outras duas,  matérias  sobre  o  estudo  foi  publicada  no 
vezes,  quanto  pior  é  a  gagueira de  alguém,  não houve alteração de fluência. E nas duas  jornal  californiano  San  Jose  Mercury  News. 
mais  receio  a  pessoa  sente  de  falar  e,  con‐ em que houve queda de fluência, na primei‐ Embora  fosse  desconhecida  do  grande  pú‐
sequentemente,  sua  fala  vai  piorando  cada  ra,  Clarence  Fifer,  caiu  de  2,6  para  2,  e  na  blico, a tese, intitulada The Effect of Evalua‐
vez mais.  segunda, Hazel Potter, caiu de 3,1 para 2,8.  tive  Labeling  on  Speech  Fluency,  sempre 
O que a teoria de Johnson não explicava  No outro grupo teste, os resultados tam‐ esteve  disponível  nas  prateleiras  da  biblio‐
era  por  que  a  gagueira  começa.  Episódios  bém  desapontaram.  Entre  as  crianças  que  teca  da  universidade,  e  já  possuía  certa  fa‐
de disfluência na fala são relativamente co‐ gaguejavam  e  que  deveriam  ser  convenci‐ ma clandestina entre os alunos do curso de 
muns entre adultos e crianças, especialmen‐ das  de  que  falavam  bem,  duas  mostraram  fonoaudiologia  de  Iowa.  “Aqueles  que  ti‐
te em crianças mais jovens. Cerca de 5% de‐ apenas  leves  melhoras  na  fluência,  duas  nham  ouvido  falar  sobre  o  estudo  de  Mary 
las  exibem  gagueira  clínica,  de  acordo  com  pioraram e uma permaneceu inalterada. Os  Tudor,  chamavam‐no  de  ‘O  Estudo  Mons‐
Ehud  Yairi,  professor  de  fonoaudiologia  na  resultados  em  cada  grupo  teste  “além  de  tro’”,  recorda‐se Franklin Silverman, ex‐alu‐
Universidade  de  Illinois.  Dessas  crianças,  cer‐ insignificantes, também apontavam na dire‐ no de Johnson, hoje professor de fonoaudio‐
ca de 75% conseguem se recuperar sem tra‐ ção  errada  (inesperada)”,  concluiu  Yairi  e  logia na Universidade de Marquette. “O es‐
tamento, e os restantes 25% continuarão ga‐ outro  pesquisador  em  um  artigo  publicado  tudo fazia as pessoas lembrarem os experi‐
guejando com diferentes graus de severida‐ na edição de maio de 2002 do The American  mentos  nazistas  com  seres  humanos.  Ou‐
de na idade adulta, o que resulta num per‐ Journal of Speech‐Language Pathology.  tros  professores  da  época  alertaram  John‐
centual em torno de 1% da população geral  O  único  impacto  consistente  do  experi‐ son  de  que  a  reputação  dele  estaria  arrui‐
com gagueira visível (cerca de 60 milhões de  mento  foi  verificado  sobre  as  crianças  do  nada caso os dados do estudo fossem publi‐
pessoas  em  todo  o  mundo).  Foram  essas  grupo IIA, e não estava relacionado à fluên‐ cados.  Era  perturbador  imaginar  que,  de  to‐
pessoas que Johnson estudou em suas pes‐ cia  delas,  mas  ao  seu  comportamento.  To‐ das as pessoas, logo Wendell Johnson tinha 
quisas sobre a evolução da desordem. Mas,  das  começaram  a  agir  de  forma  defensiva.  sancionado uma atrocidade dessas. Justo ele, 
afinal,  o  que  havia  feito  essas  pessoas  de‐ “Todas  as  crianças  deste  grupo  sofreram  que sabia na pele a dor que a gagueira era ca‐
senvolverem gagueira?  mudanças comportamentais evidentes”, es‐ paz de causar.” 
Johnson não tinha nenhuma história fa‐ creveu Mary Tudor em sua tese, “mudanças 
miliar de gagueira (pelo menos até onde ele  que lembravam muito as reações de inibi‐
sabia)  e  descartava  qualquer  possibilidade  ção,  suscetibilidade  e  embaraço  en‐
de  que  a  condição  pudesse  ser  hereditária.  contradas em muitos adultos com 
“A  gagueira  é  um  comportamento  aprendi‐ gagueira em relação à sua fala. 
do,  Johnson  gostava  de  dizer,  e  ele  repetia  Houve  uma  tendência  clara 
isso  vezes  sem  fim”,  escreveu  Bloodstein  de  as  crianças  se  tornarem 
em uma mensagem de e‐mail. “Essa afirma‐ menos  falantes”.  Durante 
ção  tornou‐se  o  mantra  dele.”  Ele  também  as  sessões  com  Mary  Tudor 
tinha dados empíricos, indiretos, que apoia‐ e  na  frente  de  outros  pes‐
vam esta alegação. Em 1934, ele e seus as‐ quisadores,  as  crianças  ba‐
sistentes entrevistaram dezenas de mães de  lançavam  os  pés,  falavam 
crianças  com  gagueira,  perguntando  quan‐ baixo,  contorciam  as  mãos, 
do  a  desordem  tinha  começado  e  como  a  engoliam seco, respiravam com 
família tinha reagido. Ele também fez testes  dificuldade  e  colocavam  a  mão 
com crianças de fala normal e concluiu que  sobre  a  boca.  Elas  agiam  como 
elas também tinham muitos defeitos de fa‐ se  tivessem  gagueira,  mas  fala‐
la.  Infelizmente,  “para  os  gagos”,  segundo  vam perfeitamente bem. 
Johnson,  “os  pais  tinham  reagido  de  forma  Parece  altamente  imprová‐ O  experimento  de  Tudor  falhou  completamente,  deixando  uma 
exagerada,  produzindo  pânico  na  criança  e  vel  que  alguém  possa  construir  grande interrogação em relação à causa da gagueira. Se ela não é 
consolidando  a  gagueira”.  Para  ele,  o  diag‐ um  gago.  É  possível  induzir  os  um comportamento aprendido, o que ela é afinal? Apenas no iní‐
cio do século XXI, com o advento de métodos avançados de neu‐
nóstico  dos  pais  causava  a  condição.  John‐ tiques associados – os subterfú‐ roimagem que possibilitaram a investigação da microestrutura da 
son deu a esta proposição o nome de teoria  gios, o constrangimento. Isso po‐ matéria branca do cérebro (a parte conectiva do tecido neural), a 
diagnosogênica,  e  ela  se  tornou  a  pedra  de ser ensinado e reforçado. Mas  ciência  começou  a  dispor  de  instrumentos  adequados  para  res‐
fundamental de seu trabalho como escritor  a  gagueira  clínica  não  pode  ser  ponder  esta  pergunta.  A  aplicação  dessas  novas  ferramentas  de 
pesquisa  aos  estudos  sobre  gagueira  tornou  realidade  algo  que 
e  professor,  a  razão  de  sua  fama  crescente  ensinada. Ela simplesmente exis‐ anteriormente se julgava impossível: a descoberta de um substra‐
e, por fim, o alicerce de suas ideias sobre o  te ou não existe. A teoria de John‐ to  neurológico  para  o  distúrbio.  Utilizando  um  tipo  especial  de 
 

tratamento  da  gagueira  em  crianças.  De  son não foi confirmada.  ressonância magnética conhecido como DTI (diffusion tensor ima‐


ging), neurocientistas encontraram rupturas microscópicas nas co‐
acordo com as implicações da teoria, todos    nexões de matéria branca situadas logo abaixo de regiões do cór‐
os  órfãos  pertencentes  ao  grupo  IIA  do  es‐  62 ANOS DE OBSCURIDADE tex cerebral importantes para a produção da fala (pontos em ver‐
tudo  de  Mary  Tudor  deveriam  começar  a  Depois  que  a  tese  de  mestrado  melho  na  imagem  acima).  Este  impressionante  achado  sepultou 
gaguejar depois que ela os rotulasse de “ga‐ de Mary Tudor foi entregue, em  outra premissa fundamental da teoria diagnosogênica de Wendell 
Johnson: a de que a gagueira não comportava uma base física. 
gos”.  agosto de 1939, com uma dedi‐  

 
No entanto, isso não aconteceu. Na rea‐ catória  especial  a  Johnson,  ela  (Fonte  da  imagem:  Sommer  et  al.  Disconnection  of  speech‐relevant 
lidade,  o  aspecto  mais  surpreendente  do  mergulhou  na  completa  obscu‐ brain areas in persistent developmental stuttering. The Lancet, August 
experimento de Tudor é que ele falhou com‐ ridade.  Johnson  não  cuidou  de  3, 2002; 360: 380‐383.) 
 

The New York Times  | 16 de março, 2003 | 39 
EVAN DOUTHIT/USA TODAY 
Não há dúvida de que fazer experiências 
com  órfãos  provoca  repulsa  imediata.  Os 
admiradores  de  Johnson,  que  ainda  são 
uma legião, se esforçam para tentar enten‐
der  por  que  ele  concebeu  este  projeto  de 
pesquisa.  “Tenho  certeza  de  que  ele  só  le‐
vou  isso  adiante  porque  acreditava  firme‐
mente  que  o  estudo  traria  um  benefício 
maior,  ele  acreditava  que  poderia  ajudar 
milhares de outras crianças que gaguejam e 
que qualquer dano seria provisório e rever‐
sível”, afirma D.C. Spriestersbach, outro ex‐
aluno  de  Johnson,  atualmente  vice‐diretor 
da Universidade de Iowa e reitor emérito da 
instituição.  “Ele  era  uma  pessoa  maravilho‐
sa,  tinha  um  carisma  enorme,  e  entendia 
como  ninguém  o  tormento  causado  por 
uma  fala  defeituosa.  Ele  não  suportaria  o 
peso de saber que tinha provocado gagueira 
em alguém.” O reitor faz uma pausa e pros‐
segue,  “Mas  ele  nunca  comentou  comigo 
nada  sobre  o  estudo  de  Mary  Tudor,  nem 
com  qualquer  outra  pessoa  que  eu  saiba. 
Dos seis órfãos selecionados por Mary Tudor para o grupo IIA, apenas três viveram tempo suficiente para descobrir o 
Então, tudo que posso fazer é conjecturar”.  verdadeiro objetivo da visita daquela jovem estudante de 22 anos ao orfanato Soldiers and Sailors Orphans’ Home 
  naquela distante manhã de janeiro de 1939. A partir da esquerda, Norma Jean Pugh (hoje Kathryn Meacham), Hazel 
 A VOZ DA AUTORIDADE  Potter (hoje Hazel Dornbush) e Mary Korlaske (hoje Mary Nixon). Junto com os herdeiros dos outros três participan‐
tes  já  falecidos  do  grupo  IIA,  elas  resolveram  processar  o  estado  e  a  universidade  de  Iowa  quando  souberam,  62 
Durante a década de 40, quando Johnson, a 
anos mais tarde, qual o real propósito do estudo. 
despeito de seu problema de fala, foi um dos 
palestrantes  mais  populares  do  campus  de  quer  forma.  Johnson  era  muito  persuasivo.  simpósio  que  está  sendo  realizado  lá.  “É cer‐
Iowa, ele costumava aconselhar seus alunos  Mas,  no  mínimo,  uma  dúvida  teria  sido  le‐ tamente um grande motivo de vergonha pa‐
a questionar “a voz da autoridade”. Ele dizi‐ vantada.”  ra  a  fonoaudiologia  e  para  os  pais  que  al‐
a,  “Onde  quer  que  vocês  escutem  uma  afir‐   guém um dia tenha dito isso.” 
mação dogmática e absoluta vinda de qual‐  UM GRANDE MOTIVO DE VERGONHA Atualmente, os pesquisadores acreditam 
quer ‘expert’, perguntem a ele: ‘O que exa‐ Da década de 50 até o início dos anos 80, a  que  a  forma  mais  eficaz  de  tratamento  é 
tamente  você  quer  dizer  com  isso  e  como  teoria  de  Johnson  foi  unanimemente  ado‐ trabalhar  diretamente  com  as  crianças.  Em 
você sabe?’”  tada como base para a intervenção fonoau‐ sessões face a face com o fonoaudiólogo, as 
O  estudo  de  Tudor  não  foi  apenas  mo‐ diológica  em  crianças.  Muitos  terapeutas,  crianças  são  encorajadas  a  praticar  o  con‐
ralmente  inquietante,  seus  resultados  tam‐ influenciados pela teoria diagnosogênica, se  trole da respiração, suavizar a pronúncia da 
bém devem ter causado confusão em John‐ recusaram a trabalhar diretamente com cri‐ sílaba inicial das palavras difíceis, falar com 
son.  Os  dados  ameaçavam  destruir  sua  cren‐ anças,  temendo  que  o  tratamento  pudesse  uma  taxa  de  elocução  mais  lenta  e  alongar 
ça  inabalável  de  que  a  gagueira  era  pura‐ piorar  ainda  mais  a  gagueira.  No  lugar  da  os  sons  para  torná‐los  mais  fáceis  de  pro‐
mente  comportamental.  “O  estudo  contra‐ intervenção,  o  que  eles  costumavam  fazer  nunciar.  Ninguém  pode  saber  o  que  teria 
riava tudo aquilo que ele representava”, diz  era  apenas  aconselhar  os  pais,  dizendo  a  acontecido  se  Johnson  tivesse  publicado  a 
Gerald  Zimmermann,  ex‐professor  de  fono‐ eles  para  não  se  preocuparem  tanto.  Algu‐ tese de Tudor. Os resultados do estudo teri‐
audiologia em Iowa, agora pedagogo. “Nin‐ mas vezes isto ajudava a criança, outras ve‐ am  levantado  dúvidas  que  poderiam  preci‐
guém  gostaria  de  publicar  uma  bomba  co‐ zes não.  pitar  uma  mudança  mais  precoce  na  forma 
mo essa, mas, peraí, isso é ciência.”  Hoje, um dos modelos mais amplamen‐ de  tratamento  das  crianças  com  gagueira? 
Inicialmente, Johnson chegou a se refe‐ te  aceitos  para  explicar  a  gagueira  persis‐ As  crianças  com  gagueira  teriam  sido  mais 
rir ao estudo em algumas de suas palestras,  tente  é  que  um  componente  genético  for‐ bem servidas por esta forma de intervenção 
alegando  que  o  experimento  tinha  levado  nece  uma  predisposição  biológica  para  a  mais direta? Não há como saber. Ainda que 
uma  das  crianças  órfãs,  provavelmente  Ha‐ gagueira. Nem todo mundo com “genes pa‐ hoje os pesquisadores tenham mais sucesso 
zel Potter, a adquirir gagueira persistente, o  ra  gagueira”  progredirá  para  a  desordem  em  reduzir  a  disfluência  em  crianças,  a  dis‐
que validaria sua teoria diagnosogênica. Mas  completa.  Há  fatores  ambientais  que  são  ciplina  do  tratamento  da  gagueira  perma‐
os pesquisadores, na avaliação final que foi  necessários.  Um  desses  fatores  pode  ser  nece  uma  ciência  inexata  e,  para  algumas 
feita  após  o  estudo,  classificaram  sua  fala  uma mãe ou um pai tomado por pânico. Em  pessoas  que  gaguejam,  eternamente  inefi‐
como fluente.  uma criança com temperamento sensível, a  caz. “Não temos qualquer forma de medir o 
Depois  disso,  Johnson  não  voltou  a  men‐ reação  do  pai  ou  da  mãe  pode  complicar  impacto  de  ter  perdido  o  estudo  de  Tudor 
cionar o estudo. Em 1959, ele publicou seu  ainda  mais  as  coisas.  Mas  isso  não  vale  so‐ por todos esses anos”, afirma Zimmermann. 
famoso  livro  “A  Origem  da  Gagueira”,  no  mente para a gagueira, aplica‐se também a   
qual  expôs  em  detalhes  a  teoria  diagnoso‐ uma  série  de  outras  questões  da  infância.   O FARDO DE TER SEMPRE QUE ESTAR CERTO
gênica.  Contudo,  em  nenhuma  das  páginas  Desta  forma,  a  teoria  de  Wendell  Johnson  Talvez  Johnson  tenha  sentido  necessidade 
do  livro  ele  menciona  o  experimento  com  parcialmente sobrevive. Porém, como único  de proteger uma teoria que definia não so‐
os  órfãos.  O  estudo  de  Tudor  “deveria  ter  preditor  da  gagueira,  ela  está  completa‐ mente  sua  deficiência,  mas  também  sua 
sido discutido”, diz Zimmermann. “Ele deve‐ mente  superada.  “Ninguém  mais  acredita  notável trajetória de vida. Wendell Johnson 
ria ter sido incluído no registro bibliográfico  que só os pais criam a gagueira”, diz Robert  “era  sociável”,  Oliver  Bloodstein  escreveu. 
e  fazer  parte  do  catálogo  de  pesquisa.  Era  Goldfarb,  chefe  do  programa  de  doutora‐ “Ele  era  um  camarada,  uma  pessoa  muito 
bem  possível  que  a  teoria  diagnosogênica  mento  em  fonoaudiologia  da  Universidade  amigável.  Mas  ele  também  deu  duro  para 
continuasse  com  muitos  adeptos  de  qual‐ de  Nova  York  e  organizador  do  concorrido  ser reconhecido e admirado em seu campo. 
 

The New York Times  | 16 de março, 2003 | 40 
E  como  acontece  com  muitas  pessoas  que 
se tornam admiradas, ele passou a carregar 
consigo  o  pesado  fardo  de  ter  sempre  que  A SENTENÇA FINAL 
estar certo.”   
As  repercussões  do  sexagenário  estudo   
de Mary Tudor ainda vão ressoar por anos.   
Justiça determina valor da  Foram selecionadas 22 crianças que estavam sob 
  o  cuidado  do  estado  em  um  orfanato de  Iowa,  o 
Três órfãos ainda vivos do grupo IIA, Norma  indenização às vítimas do 
  Soldiers' Orphans' Home. Seis delas foram subme‐
Jean  Pugh  (hoje  Kathryn  Meacham),  Mary    tidas  a  constante  estigmatização  e  recriminação 
Korlaske  (hoje  Mary  Nixon)  e  Hazel  Potter   
“Estudo Monstro”  da  sua  fala,  além  de  outros  tratamentos  negati‐
(hoje  Hazel  Dornbush),  estão  movendo  um     vos, na tentativa de fazê‐las adquirir gagueira. As 
processo  de  milhões  de  dólares  contra  a   ASSOCIATED PRESS  demais serviram como grupo controle. De acordo 
 17 de agosto de 2007  com  os  resultados  obtidos  no  estudo,  nenhuma 
Universidade  de  Iowa  e  o  Estado,  citando,    criança adquiriu gagueira, mas algumas se torna‐
entre outras acusações, a prática de tortura  DES MOINES, Iowa – A corte de Iowa determinou  ram relutantes em falar e passaram a se compor‐
psicológica  e  o  uso  de  informação  fraudu‐ que o estado pague 925 mil dólares de indeniza‐ tar de maneira inibida. 
lenta (falsidade ideológica). Os herdeiros dos  ção às vítimas de um infame experimento da dé‐ Hazel  Potter  Dornbush,  hoje  com  84  anos, 
três órfãos já falecidos também serão inclu‐ cada  de  30  que  pretendia  provar  que  a  gagueira  natural de Clinton, tinha 15 anos de idade quando 
era  um  comportamento  aprendido.  Os  pesquisa‐ foi  selecionada  para  participar  do  experimento. 
ídos no processo. “Acho que o júri chegará à  dores  da  universidade  de  Iowa  tentaram  induzir  Ela  se  diz  aliviada  com  o  fim  do  processo.  “Esses 
conclusão de que, mesmo que a fala das ví‐ gagueira em órfãos, submetendo‐os à pressão psi‐ anos  foram  muito  estressantes.  Estou  feliz  que 
timas  não  tenha  sido  arruinada,  suas  vidas  cológica.  acabou”,  disse  ela.  “Quem  gostaria  de  ver  seu 
foram”,  afirma  Evan  Douthit,  advogado  de  O  juiz  Denver  Dillard,  da  corte  distrital  do  passado  sendo  bisbilhotado,  ainda  mais  no  meu 
Kansas  City  que  está  representando  cinco  condado  de  Johnson,  expediu  uma  ordem  apro‐ caso,  que  estou  com  80  anos?”  Mais  velha  do 
vando  o  acordo  na  manhã  de  sexta‐feira,  17  de  grupo,  ela  recorda  o  dia  em  que  as  22  crianças 
dos seis postulantes. “Kathryn Meachan tem  agosto,  mas  a  ordem  ainda  precisa  ser  ratificada  foram escolhidas para a pesquisa. As crianças que 
se achado uma pessoa  desajustada  por  toda  pela corte de apelação do estado, que se reunirá  faziam parte do grupo dela tinham que ouvir dos 
a sua vida. Ela ainda odeia falar, exceto para  em 4 de setembro.  pesquisadores que elas gaguejavam, mesmo sem 
sua  família  e  algumas  poucas  pessoas  na  As  seis  vítimas,  que  disseram  conviver  até  que  isso  fosse  verdade.  Eles  haviam  dito  que  es‐
igreja  que  ela  freqüenta.  Ela  é  uma  pessoa  hoje com as consequências psicológicas do expe‐ tavam lá para ajudá‐las a parar de gaguejar. 
rimento, tinham originalmente solicitado uma in‐ O  experimento  permaneceu  no  ostracismo 
muito, muito triste.”  denização de 13,5  milhões de dólares. “Acredita‐ até  2001,  quando  um  jornal  californiano,  o  San 
Hazel  Potter  Dornbush  conseguiu  man‐ mos que foi uma decisão justa e apropriada”, de‐ Jose Mercury News, publicou reportagem investi‐
ter‐se  combativa  e  decidida  aos  79  anos.  clarou  o  procurador  geral,  Tom  Miller,  em  uma  gativa sobre a pesquisa e seus métodos. Foi só aí 
“Imagine,  tentar  destruir  a  voz  de  uma  cri‐ entrevista. Ele disse que foi um resultado satisfa‐ que  os  participantes  descobriram  o  verdadeiro 
ança  pequena”,  ela  diz.  “Mas  eu  segui  em  tório para o estado, considerando o custo elevado  propósito  da  experiência  a  que  foram  submeti‐
do  processo  e  a  dificuldade  de  encontrar  teste‐ dos. O jornal baseou sua reportagem nas declara‐
frente,  casei‐me  com  um  homem  bom,  mi‐ munhas  para  fatos  que  se  deram  muito  tempo  ções feitas por Mary Tudor, a mestranda que con‐
nha  fala  está  OK.  O  orfanato  não  era  um  atrás. Ele lembra que a decisão fornece resolução  cordou em testar a teoria de seu professor, Wen‐
lugar  tão  ruim.  Havia  sempre  a  companhia  para uma questão que envolve pessoas que agora  dell Johnson. Tudor morava na Califórnia na épo‐
das outras crianças, eu nunca me sentia so‐ estão na casa dos 70 e 80 anos.  ca em que a história foi publicada. 
zinha.” Ela faz uma pausa. “Mas não me lem‐ O experimento, realizado no ano de 1939, fi‐ Johnson morreu em 1965, ainda com a repu‐
cou conhecido como “Estudo Monstro”, por causa  tação  inabalada.  Tudor  morreu  em  2006.  O  orfa‐
bro de ter me aproximado de ninguém”, ela  de  seus  métodos  e  da  teoria  que  os  pesquisado‐ nato fechou as portas em 1975. Um pedido oficial 
acrescenta,  com  uma  expressão  um  tanto  res  queriam  provar  –  que  a  gagueira  é  um  com‐ de desculpas foi feito pela universidade em 2001, 
perplexa. “Eu era muito calada.”  portamento aprendido que pode ser induzido em  mas  isso  não  impediu  que  as  vítimas  processas‐
Em 1965, aos 59 anos, Wendell Johnson  crianças através de condicionamento psicológico.  sem  o  estado  e  a  universidade  em  2003.  A  deci‐
sentou em sua escrivaninha pela última vez  Ao longo de seis meses, uma mestranda orienta‐ são  final  da  justiça  determinou  o  pagamento  de 
da por Wendell Johnson, um pesquisador pionei‐ uma  indenização  conjunta  de  900  mil  dólares  a 
para  defender  a  teoria  diagnosogênica.  Ele  ro  na  fonoaudiologia  e  de  grande  renome  nacio‐ cinco pleiteantes: Dornbush, Kathryn Meacham e 
estava  preparando  um  verbete  sobre  “De‐ nal,  testou,  junto  com  uma  equipe  auxiliar  de  os herdeiros legais de Betty Romp, Clarence Fifer 
sordens  da  Fala”  para  a  Enciclopédia  Britâ‐ pesquisadores  da  universidade  de  Iowa,  a  teoria  e  Phillip  Spieker.  Para  Mary  Nixon,  o  estado  pa‐
nica, quando sofreu um ataque cardíaco ful‐ formulada por seu professor.  gou uma indenização menor, de 25 mil dólares. 
minante.  O  texto  de  4.000  palavras  do  ver‐  
bete, finalizado e publicado postumamente,   
 
não dá nenhum sinal de que ele tenha mu‐
dado sua forma de pensar. “A criança apren‐
de comportamentos que rompem a fluência 
de sua fala à medida que tenta evitar a ga‐
gueira  para  ganhar  a  aprovação  dos  pais”, 
ele  escreveu.  Perto  do  final  do  verbete,  o 
didatismo de Johnson diminui e cede lugar a 
um  depoimento  quase  em  tom  de  desaba‐
fo: “Pessoas com defeitos na fala conhecem 
como ninguém o escárnio, o desprezo e até 
mesmo a repulsa da sociedade”, ele conclui 
na  voz  de  um  homem  que  dedicou  toda  a 
vida  à  difícil  tarefa  de  explicar  o  que  nos 
torna aptos a falar. 
 
 
 
Traduzido  por  Hugo  Silva,  em  janeiro  de  2010,  para  o 
Instituto Brasileiro de Fluência (www.gagueira.org.br). O  Folha de rosto dos autos do processo movido contra o estado de Iowa pelas vítimas do estudo monstro. Em 
artigo  original,  publicado  na  edição  de  16  de  março  de  destaque, os nomes dos participantes do grupo IIA, três deles já falecidos. A decisão da corte de Iowa, proferi‐
2003 do jornal The New York Times (seção 6, p.36), encon‐ da em agosto de 2007, determinou o pagamento de uma indenização de 925 mil dólares aos demandantes. 
tra‐se disponível on‐line em: tinyurl.com/monsterstudy 

The New York Times  | 16 de março, 2003 | 41 

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