Contribuições da etnobiologia para o ensino e a aprendizagem de ciências
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Contribuições da etnobiologia para o ensino e a aprendizagem de ciências - Geilsa Costa Santos Baptista
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2015 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO ENSINO DE CIÊNCIAS
À minha mãe Isabel.
Pela força e coragem que sempre teve ao enfrentar os problemas e por sua alegria de viver, servindo para mim como um exemplo de mãe e ser humano a ser seguido.
Aos meus filhos.
Lais Lara e Gabriel, para os quais almejo o maravilhoso e incansável
desejo de ampliar conhecimentos.
Aos nossos estudantes, professores e licenciandos em ciências.
Para os quais dedicamos todos os nossos esforços acadêmicos, na
esperança de que melhorias significativas aconteçam na educação científica escolar, que permitam uma ampliação crítica e prolongada
das visões de natureza dos sujeitos e, por conseguinte, as suas emancipações no mundo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu Deus por tudo que tenho e que sou. Pelos cuidados com a minha vida e da minha família. A Ele, toda honra e toda glória!
A minha família e amigos, pelo apoio e compreensão.
Aos estudantes, professores e direção do Colégio Estadual Dom Pedro II, que muito contribuíram com seus conhecimentos e práticas para a realização dos meus estudos e formação docente.
Ao professor Charbel Nino El-Hani, por sempre compartilhar com a comunidade acadêmica e escolar ricos saberes e experiências acerca do ensino de ciências, especialmente da Biologia.
À Universidade Estadual de Feira de Santana, pelo apoio e experiências vividas como professora efetiva.
Aquele que vem de cima é sobre todos:
aquele que vem da terra é da terra e fala da terra.
Aquele que vem do céu é sobre todos nós.
(João 3: 31)
O conhecimento só poderá se estabelecer
através do diálogo que, pela consciência da diferença,
permitirá aos dois o re-conhecimento pela diferença,
não só em cada um deles, mas também em outras leituras
de situações e contextos socioculturais.
(Marcio D’Olne Campos)
PREFÁCIO
O livro Contribuições da Etnobiologia para o ensino e a aprendizagem de ciências, de Geilsa Costa Santos Baptista, concebido em 2007, foi um trabalho pioneiro na aproximação entre o ensino de Biologia e o conhecimento etnobiológico de comunidades rurais, através do desenvolvimento de materiais didáticos e propostas metodológicas para a inclusão deste último nas salas de aula. Esperávamos superar, assim, um quadro de difícil justificação no caso que estudamos, uma escola do interior da Bahia, no município de Coração de Maria, na qual estudantes que são filhos de agricultores aprendiam sobre plantas sem que as tradições de seus pais, de suas comunidades, certamente fecundas fontes de conhecimentos sobre plantas, fossem consideradas. Não era possível que o conhecimento de agricultores não adentrasse uma sala de aula onde se tratavam de plantas, entre outros muitos assuntos incluídos nos conteúdos de Biologia sobre os quais as comunidades rurais detêm conhecimento.
Certamente, o caso de Coração de Maria não é único. Por este Brasil afora, há muitas e muitas escolas em que se ensina biologia a filhos de pescadores, a filhos de agricultores, a crianças indígenas como se nada soubessem elas sobre os seres vivos. Este era, contudo, um caso emblemático, que bem representava esta realidade do interior de nosso país. E era, sobretudo, um caso que tocava a Geilsa profundamente, uma vez que ela fora professora da mesma escola, exatamente onde o estudo foi realizado. E foi vivenciando a experiência de professora de Biologia, de encontrar aqueles alunos agricultores em sua sala de aula, para conversar com eles sobre plantas como se não soubessem nada a respeito, foi em seu esforço de ensinar-lhes que ela se descobriu com a necessidade de aprender. Aprender sobre eles: quem eram aqueles alunos, o que conheciam eles sobre as plantas que tinham tantas vezes visto ser semeadas, ser cuidadas, ser colhidas, por seus pais, suas mães, sua parentada, seus conhecidos. Aprender com eles sobre todos os conhecimentos derivados de sua experiência. Essa experiência a colocou na mais prazerosa condição em que uma professora ou um professor pode se encontrar, de dialogar com os estudantes em vez de somente ensinar, de escutar em vez de somente falar.
Quando me procurou em busca de orientação, estimulada por artigo que eu havia publicado em 2001 sobre a potencialidade da Etnobiologia para a construção de uma educação científica que tivesse na devida conta a realidade cultural dos alunos, vi de imediato que havia nela condições muito apropriadas para a pesquisa que propunha. Ela vinha motivada por sua experiência no Colégio Estadual Dom Pedro II, em Coração de Maria. Mais do que motivada, ela chegava com o conhecimento desta experiência e com a disposição de enveredar por outros conhecimentos, para os quais a experiência nova, no mestrado, a convidou.
Um ponto central, entre vários, foi objeto de nossos debates: o que significava incluir
o conhecimento tradicional nas aulas de ciências? Significaria borrar completamente as distinções entre formas de conhecimento nascidas em contextos socioculturais bastante diversos, como o conhecimento científico ocidental e o conhecimento das comunidades de agricultores? Pareceu-nos que não, que, ao contrário, a distinção entre as formas de conhecimento era importante. Primeiro, porque eles são diferentes, como produtos históricos, construtos socioculturais, e compreender essas diferenças é parte importante da formação dos estudantes. Segundo, porque o empoderamento das crianças que chegavam às escolas vindas de suas comunidades rurais não haveria de vir de aprender novamente, agora alcunhado de científico, o conhecimento que seus pais, mães, tios agricultores tinham. Haveria de vir de aprender aquele outro e estranho conhecimento, o científico ocidental, com os quais eram postos em relação sem nem saber, muitas vezes. Aquele conhecimento que estava sendo usado para demarcar suas terras, para calcular seus impostos, ou os juros de seus financiamentos, que estava por trás das sementes que compravam, quando o faziam, ou dos defensivos agrícolas que eram levados a usar. Este não é o local para me estender nesta discussão. Ela se encontra em trabalhos que Geilsa cita em seu livro, como El-Hani e Bandeira (2008). Nossa conclusão sobre o que significa incluir outros conhecimentos no currículo de ciências foi a de que isso significa colocar conhecimentos em diálogo na sala de aula, mas sem simplesmente dissolvê-los uns nos outros, negando suas diferenças, ou relativizando-os completamente. Foi imbuída por esta ideia de um diálogo de saberes que Geilsa se engajou na construção de sua proposta para inclusão dos conhecimentos dos agricultores na sala de aula de ciências e, em particular, de Biologia.
Passada a etapa de apropriar-se de novos conhecimentos, Geilsa retornou ao campo, à mesma escola onde havia lecionado anos antes, para reencontrar-se com essa realidade com olhos agora diferentes. Ela vinha munida de um material didático e de uma proposta metodológica para compartilhar com os professores da escola, construído a partir da coleta de dados etnobiológicos que fizera. A investigação do uso e das implicações do material e da proposta em sala de aula conduziu a achados muito interessantes. Houve avanços, decerto, na prática pedagógica inclusiva que se desenvolveu em sala de aula. Mas houve a constatação das dificuldades do diálogo intercultural, como mostraram os eventos de discriminação dos estudantes agricultores por estudantes de outras origens, como trouxeram à tona as dificuldades dos professores de lidarem com tais eventos e, em termos mais gerais, com a própria proposta de diálogo. Não havia por que culpar os professores. Como eles poderiam estar preparados para tal diálogo se sua formação nunca lhes havia dado oportunidade para tal? Era preciso, pois, investir na formação de professores para o diálogo intercultural em sala de aula, sensível à realidade cultural e aos conhecimentos dos alunos. E no ano seguinte, 2008, seguiu Geilsa adiante com esse novo investimento. Esta, contudo, é outra história, ainda a ser contada.
Charbel Nino El-Hani,
1º de julho de 2014, Salvador-BA.
Sumário
Introdução
Capítulo 1 - Antecedentes e objetivos da pesquisa
Capítulo 2 - Pressupostos teóricos
2.1 Cultura, conhecimento científico e conhecimento tradicional
2.2 Diálogos entre saberes nas salas de aula de ciências: alguns significados
2.3 Construtivismo contextual
2.4 Etnobiologia: conceitos, características e aplicações de pesquisa
Capítulo 3 - Caracterização dos sujeitos, abordagem e caminhos metodológicos
3.1 Localização e sujeitos participantes
3.2 Abordagem metodológica
3.3 Procedimentos metodológicos
3.4 Entrevistas sobre os conhecimentos tradicionais ligados à agricultura local
3.5 Elaboração de material didático e proposta de utilização em sala de aula de Biologia
3.6 Intervenções no ensino de Biologia
3.7 Representação gráfica dos procedimentos metodológicos
Capítulo 4 - Os resultados alcançados
4.1 As cenas culturais dos estudantes agricultores
4.2 Os saberes nas falas dos estudantes
4.3 Os conhecimentos tradicionais revelados através de desenhos esquemáticos
4.4 Relações entre os conhecimentos tradicionais dos estudantes e o conhecimento científico escolar
Capítulo 5 - O que revelaram as intervenções no ensino de biologia.
5.1 Levantamento e discussão sobre os conhecimentos prévios tradicionais
5.2 A utilização do material didático nas intervenções
Considerações Finais
Referências
Apêndices
INTRODUÇÃO
"Meu filho tá na escola que é pra ele
aprender alguma coisa e ser alguém na vida."
(M. A. S., mãe de um estudante de
uma escola pública estadual da Bahia)
Essa frase, dita pela mãe de um estudante de escola pública da Bahia, revela uma concepção muito comum entre as pessoas, isto é, de