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Fronteiras "entre o que é público e privado" esbateram-se


18.04.2008, Sandra Silva Costa

Os sites de partilha de fotos põem cada vez mais em causa a reserva da intimidade

a Isto tudo tem um nome: cyberbullying. Já ouvimos falar muito de bullying (actos premeditados e repetidos
de violência física ou psicológica, praticados para intimidar ou agredir alguém); juntemos-lhe o termo cyber e
estamos perante uma mistura explosiva - o cyberbullying lança mão da tecnologia como instrumento de
humilhação ou intimidação.
Não é fácil quantificar as ocorrências de bullying entre alunos, mas os números reportados ao Observatório de
Segurança Escolar no ano lectivo de 2005-06 apontavam para 2160 casos. O cyberbullying é ainda mais difícil
de contabilizar. Mas a verdade é esta: as redes sociais da Internet, os sites de partilha de fotos e vídeos e as
imagens captadas por telemóvel põem cada vez mais em causa a reserva da intimidade.
Augusto Carreira, do Colégio de Psiquiatria da Infância e da Adolescência da Ordem dos Médicos, sabe bem do
que estamos a falar. Já lhe passaram pelas mãos alunos "apanhados" pelas câmaras dos telemóveis dos
colegas. O médico analisa assim este tipo de comportamentos: "Correspondem a um certo exibicionismo que
faz parte de uma fase de desenvolvimento das crianças. E por isso filmam-se ou filmam os outros. Vivemos
numa sociedade onde o culto da imagem está na ordem do dia. O problema é que a noção de público e privado
tem-se esbatido. Perderam-se as fronteiras entre o que é privado e íntimo".
As consequências de actos como estes "podem ser bastante complicadas", refere Carreira. "Se os miúdos forem
mais frágeis, podem ficar muito abalados. Conheço casos em que as consequências foram desastrosas, porque
houve uma violação terrível da intimidade. Há casos que podem resultar em grandes dificuldades de
integração escolar, com reacções fóbicas à escola, ou mesmo social."
É por isto que Augusto Carreira aconselha os pais cujos filhos são vítimas destas situações "a avaliarem bem as
suas repercussões". "Se deixou marcas pesadas, é urgente que procurem ajuda especializada."
E o que se pode fazer para evitar estas ocorrências? Não há receitas únicas - aliás, não há receitas, há apenas
algumas pistas. João Paulo Silva, professor de Matemática, julga que uma solução pode passar pela assinatura
de um contrato pedagógico entre as escolas e os pais. "No início de cada ano, estabelece-se um conjunto de
direitos e deveres, aplicáveis às escolas e aos alunos. Os pais sabem que têm direito a isto e àquilo, mas sabem
também que se os filhos pisarem o risco serão responsabilizados, quem sabe até em termos financeiros. Por
exemplo, porque não penalizá-los em termos do abono de família?".
Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e professora na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade
Técnica de Lisboa, apresenta aquela táctica do "se não podes vencê-los junta-te a eles". "Os telemóveis vieram
para ficar e estes problemas não se vão resolver com um braço-de-ferro com os adolescentes", introduz.
Proibi-los pura e simplesmente não é solução - pois não, corrobora Tito de Morais, responsável pelo site
Miúdos Seguros na Net. "Já há alunos que levam dois telemóveis para a escola, para o caso de um lhes ser
apreendido", revela. Tito de Morais entende que "o esforço tem de ser feito no campo da sensibilização,
levando os alunos a reflectir sobre as situações". Margarida Gaspar de Matos concorda: "Acho que através de
um diálogo socrático com os jovens se pode chegar a algumas soluções".
"Quando apareceu a escrita, depois a rádio, depois a televisão, houve uma mudança nos comportamentos
interpessoais", recorda a professora. Depois apareceram a Internet e os telemóveis, "que fazem parte do
progresso e cujos contributos para a sociedade não são de deitar fora". "Com as novas tecnologias abriu-se uma
porta e essa porta é um desafio. A solução para alguns problemas pode vir da parte dos adolescentes", remata.

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No YouTube e na Internet, nem tudo o que parece é


18.04.2008, Sandra Silva Costa

a Basta entrar no YouTube e escrever "balneários escolas". Aparece uma listagem longa de vídeos - mas não se
encontra nenhum como os que o PÚBLICO identificou em várias escolas. É possível, no entanto, ver situações
de violência entre alunos. Um deles, por exemplo, mostra um miúdo a servir de "saco de boxe" [sic] aos
colegas.
Só que muitos destes vídeos podem ser encenados. O que não deixa de causar problemas, alerta Tito de
Morais, responsável pelo site Miúdos Seguros na Net.
Há cerca de duas semanas, o PÚBLICO encontrou no YouTube um vídeo que mostrava uma rapariga no
balneário masculino. Rodeavam-na uns seis ou sete rapazes, outro filmava. A dada altura, encostam-na à
parede, um tira a t-shirt, começa a desapertar as calças e a filmagem termina.
Ao final da tarde de ontem, este vídeo já não estava disponível, mas isso não quer dizer nada, avalia Tito de
Morais. "Podem resultar daí situações graves. A partir do momento em que um vídeo é colocado no YouTube
nunca mais se consegue voltar atrás. Ele pode até ser retirado, mas entretanto já houve quem o visse ou
mesmo quem o copiasse", lembra.
Este vídeo em concreto até pode ter sido encenado, mas "pode induzir em erro". "Se for encenado, os
intervenientes sabem, mas quem está de fora não sabe. E quem está de fora pode pensar que com essa rapariga
as coisas são de uma determinada maneira... E isso pode resultar em assédios frequentes, por exemplo",
interpreta Tito de Morais.
"Não nos podemos esquecer que vemos apenas uma pequena parte dos vídeos. Julgamos por um bocadinho e,
às vezes, as coisas não são o que parecem", prossegue. Noutros países, diz, estas situações de cyberbullying "já
têm redundado em suicídios".
É por esta razão que Tito de Morais acha fundamental "regulamentar o uso dos telemóveis nas escolas". "E
também para protecção dos professores, porque já há casos, embora poucos, em que as vítimas do
cyberbullying são eles mesmos", adianta. "As escolas não sabem muito bem como lidar com o assunto e estão a
pô-lo debaixo do tapete. O Ministério da Educação, ao abrigo do chapéu da autonomia das escolas, diz-lhes
que são elas que têm que lidar com os problemas. OK, pode dar-lhes autonomia, mas tem que dar também
orientações", considera Tito de Morais.
Manuel Valente, presidente da Federação Concelhia das Associações de Pais do Porto, acha que a solução para
lidar com os telemóveis passa pela que vigora no ensino superior. "Tem de haver um sítio onde os telemóveis
são depositados no início da aula, à vista do professor. E isto também nas instalações desportivas."
É fundamental regulamentar o uso de telemóveis nas escolas, diz o responsável do site Miúdos Seguros na Net

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