1. O documento discute diferentes abordagens teóricas para o estudo do direito, distinguindo entre uma abordagem zetética e dogmática.
2. A abordagem zetética enfatiza o questionamento e coloca conceitos em dúvida, buscando entender o fenômeno. A abordagem dogmática parte de pressupostos fixos para orientar a ação.
3. O documento usa exemplos como Sócrates e a filosofia versus a teologia para ilustrar a diferença entre as abordagens.
Descrição original:
O problema dos diferentes enfoques teóricos: zetético e dogmático (p. 39-43). FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2001.
1. O documento discute diferentes abordagens teóricas para o estudo do direito, distinguindo entre uma abordagem zetética e dogmática.
2. A abordagem zetética enfatiza o questionamento e coloca conceitos em dúvida, buscando entender o fenômeno. A abordagem dogmática parte de pressupostos fixos para orientar a ação.
3. O documento usa exemplos como Sócrates e a filosofia versus a teologia para ilustrar a diferença entre as abordagens.
1. O documento discute diferentes abordagens teóricas para o estudo do direito, distinguindo entre uma abordagem zetética e dogmática.
2. A abordagem zetética enfatiza o questionamento e coloca conceitos em dúvida, buscando entender o fenômeno. A abordagem dogmática parte de pressupostos fixos para orientar a ação.
3. O documento usa exemplos como Sócrates e a filosofia versus a teologia para ilustrar a diferença entre as abordagens.
ro, no escondendo aquela carga, segundo, salientando que, em face da
proposta, h tambm outras alternativas, e, terceiro, explicitando o melhor
possvel nossa prpria opo em termos valorativos, o que nos conduzir questodaideologia,comoveremosposteriormente.
1.3 P R OBL EMA DOS DI FER ENT ES ENFOQUES
T ERI COS: ZET T ICO E DOGMT ICO Umaredefiniodotermo direito envolvealgumasdificuldadesiniciais. Redefinir um problemade naturezaterica, mastambmprtica. Aproposta deumconceitoenvolveseuconhecimento,masesteconhecimentotemsempre repercusso na prpria vida jurdica. Nesse sentido, j houve quem dissesse (Ascarelli) que a "cincia do direito" evolui de modo diferente das demais cincias, pois no h uma histria da cincia jurdica separada da histria do prprio direito. Enquanto, por exemplo, as teorias fsicas sobre o movimento, dosgregosa nossosdias, voseultrapassando, medidaqueo fenmeno vai conhecendo novas explicaes que o organizam (lingisticamente) de modo diferente, as teorias jurdicas sobre a posse "se ultrapassam" apenas num sentido figurado. Isso porque, enquanto para as demais cincias o objeto de estudo um dado que o cientista pressupe como uma unidade, o objeto de estudo do jurista , por assim dizer, um resultado que s existe e se realiza numa prtica interpretativa. Assim, a teoria jurdica da posse evolui e transformase medida que atua, positiva ou negativamente, sobre a prpria posse,noconvviosocial. Em termos de uma concepo convencionalista da lngua, diramos, ento,quetantoo fsicoquantoo juristatm suasdefiniesguiadasporcri trios de utilidade terica e de convenincia para a comunicao. Enquanto, porm, para o fsico essa comunicao tem um sentido estritamente informa tivo, paraojuristaelacombinaumsentidoinformativocomum diretivo. Uma comunicao tem sentido informativo quando utiliza a linguagem para descrever certo estado das coisas. Por exemplo, "esta mesa est quebrada". Temsentidodiretivo quandoalnguautilizadaparadirigirocomportamentode algum,induzindooaadotarumaao.Porexemplo,"conserteamesa".Ora, quando um fsico define o movimento, prepondera a funo informativa. Suas definiestericassuperamsemedidaqueoestadodecoisasreferidomuda, ou porque se descobrem novos aspectos relevantes, ou porque os aspectos antes tidos por relevantes no o so mais. J quando o jurista define a posse, mesclamse as duas funes. Ele no informa apenas sobre como se entende a posse, mas tambm como ela deve ser entendida. Assim, suas definies tericassuperamsemedidaquedeixamdeserguiaparaaao.No
caso do fsico, a definio superada porque se tornou falsa. No caso do ju
rista,porquedeixoude seratuante.Ouseja, asdefiniesda fsica,emgeral, solexicais,asdojuristasoredefinies.Nessesentido,sediztambmquea cincia juridica no apenas informa, mas tambm conforma o fenmeno que estuda,fazpartedele. A posse noapenasoquesocialmente,mastambm comointerpretadapeladoutrinajurdica. Posto isto, importante que se fixe, numa introduo ao estudo do direito, qual o enfoque terico a ser adotado. Isso porque o direito pode ser objeto de teorias bsicas e intencionalmente informativas, mas tambm de teorias ostensivamente diretivas. Definamos (estipulao) uma teoria como uma explicao sobre fenmenos, a qual se manifesta como um sistema de proposies. Essas proposies podem ter funo informativa, ou combinar informativocomdiretivo.Ora,dependedoenfoqueadotadoousoquesefar da lngua. Assim, o direito, como objeto, pode ser estudado de diferentes ngulos. Para esclareclos, vamos distinguir, genericamente, entre um enfo quezettico eum dogmtico (Viehweg,1969). Para entender isso, vamos admitir que toda investigao cientfica es teja sempre s voltas com perguntas e respostas, problemas que pedem solu es, solues j dadas que se aplicam elucidao de problemas. Apenas a ttulo de esclarecimento, tomemos como exemplo a seguinte anedota "hist rica".Scrates estava sentado portade sua casa.Nesse momento,passaum homem correndo e atrs dele vem um grupo de soldados. Um dos soldados ento grita: agarre esse sujeito, ele um ladro! Ao que responde Scrates: que voc entende por "ladro"? Notamse aqui dois enfoques: o do soldado quepartedapremissadequeosignificadode ladro umaquestojdefini da,uma"soluo"jdada,sendoseuproblemaagarrloeodeScrates,para quem a premissa duvidosa e merece um questionamento prvio. Os dois enfoques esto relacionados, mas as conseqncias so diferentes. Um, ao partir de uma soluo j dada e pressuposta, est preocupado com um problema de ao, de como agir. Outro, ao partir de uma interrogao, est preocupado com um problema especulativo, de questionamento global e pro gressivamenteinfinitodaspremissas. Temos,portanto,duaspossibilidadesdeprocederinvestigaodeum problema:ouacentuandooaspecto pergunta, ouacentuandooaspectoresposta. Se o aspecto pergunta acentuado, os conceitos bsicos, as premissas, os princpios ficamabertos dvida.Isto,aqueleselementosque constituema base para a organizao de um sistema de enunciados que, como teoria, explica um fenmeno, conservam seu carter hipottico e problemtico, no perdem sua qualidade de tentativa, permanecendo abertos crtica. Esses elementosservem,pois,deumlado,paradelimitarohorizontedosproblemas a serem tematizados, mas, ao mesmo tempo, ampliam esse horizonte, ao trazeremestaproblematicidadeparadentrodelesmesmos.Nose
gundo aspecto, ao contrrio, determinados elementos so, de antemo, sub
trados dvida, predominando o lado resposta. Isto , postos fora de questionamento, mantidos como solues no atacveis, eles so, pelo menos temporariamente, assumidos como insubstituveis, como postos de modo ab soluto. Eles dominam, assim, as demais respostas, de tal modo que estas, mesmo quando postas em dvida em relao aos problemas, no pem em perigoaspremissasdequepartemaocontrrio,devemserajeitadasaelasde maneiraaceitvel. No primeiro caso, usando uma terminologia de Viehweg, temos um enfoque zettco, no segundo, um enfoque dogmtico. Zettica vem de zetein, que significa perquirir, dogmtica vem de dokein, que significa ensinar, dou trinar. Embora entre ambas no haja uma linha divisria radical (toda inves tigao acentua mais um enfoque que o outro, mas sempre tem os dois), sua diferenaimportante.Oenfoquedogmticorelevaoatodeopinareressalva algumas das opinies. O zettico, ao contrrio, desintegra, dissolve as opi nies, pondoas em dvida. Questes zetticas tm uma funo especulativa explcita e so infinitas. Questes dogmticas tm uma funo diretiva expl cita e so finitas. Nas primeiras, o problema tematizado configurado como um ser (que algo?). Nas segundas, a situao nelas captada configurase como um deverser (como deveser algo?). Por isso, o enfoque zettico visa saberoque umacoisa. Joenfoquedogmticopreocupase empossibilitar umadecisoeorientaraao. Attulodeexemplo,podemostomaroproblemadeDeusnaFilosofiae na Teologia. A primeira, num enfoque zettico, pode pr em dvida sua existncia, pode questionar at mesmo as premissas da investigao, pergun tandoseinclusiveseaquestosobreDeustemalgumsentido.Nessestermos, seu questionamento infinito, pois at admite uma questo sobre a prpria questo. J a segunda, num enfoque dogmtico, parte da existncia de Deus como uma premissa inatacvel. E se for uma teologia crist, parte da Bblia como fonte que no pode ser desprezada. Seu questionamento , pois, finito. Assim, enquanto a Filosofia se revela como um saber especulativo, sem compromissos imediatoscom aao,omesmo noacontececom aTeologia, quetemdeestarvoltadaparaaorientaodaaonosproblemashumanosem relaoaDeus. Parecenos claro que no enfoque zettico predomina a funo infor mativa da linguagem. J no enfoque dogmtico, a funo informativa com binase com a diretiva e esta cresce ali em importncia. A zettica mais aberta,porquesuaspremissassodispensveis,isto,podemsersubstitudas, seosresultadosnosobons,asquestesqueelapropepodematficarsem respostaatqueascondiesdeconhecimentosejamfavorveis.Adogmtica mais fechada, pois est presa a conceitos fixados, obrigandose a interpretaescapazesdeconformarosproblemasspremissaseno,como
sucede na zettica, as premissas aos problemas. Para esta ltima, se as pre
missasnoservem,elaspodemsertrocadas.Paraaquela,seaspremissasno seadaptamaosproblemas,estessovistoscomo"pseudoproblemas"e,assim, descartados. Seu compromisso com a orientao da ao impedea de deixar soluesemsuspenso. Esse questionamento aberto, que faz dos problemas zetticos questes infinitas, no significa que no haja absolutamente pontos de partida estabe lecidos de investigao. Isto , no se quer dizer que algumas premissas no sejam,aindaqueprovisriaeprecariamente,postasforadedvida.Assim,por exemplo, uma sociologia do direito (zettica) parte da premissa de que o fenmenojurdicoumfenmenosocial.Isso,entretanto,noaconfundecom umainvestigaodogmtica. Noplanodasinvestigaeszetticas,podemosdizer,emgeral,queelas so constitudas de um conjunto de enunciados que visa transmitir, de modo altamente adequado, informaes verdadeiras sobre o que existe, existiu ou existir. Esses enunciados so, pois, basicamente, constataes. Nossa linguagemcomum,queusamos em nossas comunicaes dirias, possuitam bm constataes desse gnero. Por exemplo, Fulano de Tal est beira da morte. A cincia, no entanto, constituda de enunciados que completam e refinamasconstataesdalinguagemcomum.Ummdicotemdeesclarecero queentende,estritamente,pormorteeemquemedidaverificvelalgumpode sertidocomoestandomorte.Daadiferenageralmenteestabelecidaentreo chamado conhecimento vulgar (constataes da linguagem cotidiana) e o conhecimento cientfico, que procura dar a suas constataes um carter estritamente descritivo, genrico, mais bem comprovado e sistematizado, denotativa e conotativamente rigoroso, isto , o mais isento possvel de ambigidadesevaguezas. Uma investigao cientfica de natureza zettica, em conseqncia, constrise com base em constataes certas, cuja evidncia, em determinada poca,indicanos,emaltograu,queelassoverdadeiras.Apartirdelas,ain vestigao caracterizase pela busca de novos enunciados verdadeiros, segu ramente definidos, constituindo um corpo sistemtico. Como a noo de enunciado verdadeiro est ligada s provas propostas e aos instrumentos de verificao desenvolvidos no correr da Histria, a investigao zettica pode serbemdiferentedeumapocaparaoutra. Como constitudacom base em enunciados verdadeiros,os enuncia dos duvidosos ou de comprovao e verificao insuficientes deveriam ser dela, em princpio, excludos. Desde que, porm, o limite de tolerncia para admitirse um enunciado como comprovado e verificado seja impreciso, cos tumase distinguir entre hipteses aqueles enunciados que, em certa poca, sodecomprovaoeverificaorelativamentefrgeiseleis aqueles
enunciados que realizam comprovao e verificao plenas. Ambos, porm,
esto sempre sujeitos a questionamento, podendo ser substitudos, quando novascomprovaeseverificaesosrevelemcomomaisadequados. Oimportanteaquiaidiadequeumainvestigaozetticatemcomo ponto de partida uma evidncia, que pode ser frgil ou plena. E nisso ela se distinguedeumainvestigaodogmtica.Emambas,algumacoisatemdeser subtrada dvida, para que a investigao se proceda. Enquanto, porm, a zettica deixa de questionar certos enunciados porque os admite como verificveis e comprovveis, a dogmtica no questiona suas premissas, porque elas foram estabelecidas (porumarbtrio,porumatodevontadeoudepoder) como inquestionveis. Nesse sentido, a zettica parte de evidncias, a dogmtica parte de dogmas. Propomos, pois, que uma premissa evidente quandoestrelacionadaaumaverdadedogmtica, quandorelacionadaauma dvida que, no podendo ser substituda por uma evidncia, exige uma deciso. A primeira no se questiona, porque admitimos sua verdade, ainda que precariamente, embora sempre sujeita a verificaes. A segunda, porque, diantedeumadvida,seramoslevadosparalisiadaao:deumdogmano se questiona no porque ele veicula uma verdade, mas porque ele impe uma certeza sobre algo que continua duvidoso. Por exemplo, para o socilogo do direitoaquestodesesabersefuncionriopblicopodeounofazergrevetal comoqualquertrabalhadorumaquestoaberta,naquala legislaosobreo assunto um dado entre outros, o qual pode ou no servir de base para a especulao. Sem compromisso com a soluo de conflitos gerados por uma greve de fato, ainda que legalmente proibida, o socilogo se importar com outrospressupostos,podendo,inclusive,desprezaraleivigentecomopontode partidaparaexplicaroproblema.Jodogmtico,pormaisque se esmereem interpretaes,estadstritoaoordenamentovigente.Suassoluestmdeser propostas nos quadros da ordem vigente, no a ignorando jamais. A ordem legal vigente, embora no resolva a questo da justia ou injustia de uma grevedefuncionriospblicos(aquestodajustiapermanente),pefims disputas sobre o agir, optando por um parmetro que servir de base para as decises(aindaquealgumcontinueajulgarinjustooparmetroestabelecido isto,advidapermaneanoplanodosfatosedasavaliaessociais). Ora,postoisto,precisoreconhecerqueofenmenojurdico,comtoda a sua complexidade, admite tanto o enfoque zettico, quanto o enfoque dogmtico,emsuainvestigao.Issoexplicaquesejamvriasascinciasqueo tomem por objeto. Em algumas delas, predomina o enfoque zettico, em outras, o dogmtico. No que segue, vamos examinar as duas possibilidades, para ento propor um ponto de partida para esta Introduo ao Estudo do Direito.