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Das primeiras patentes ao movimento pela Devolução:

Ascensão e queda do conceito de propriedade intelectual*


intelectual

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A Imprensa

As Patentes

As Patentes sobre os Livros

Direito
O Iluminismo Francês e o Debate sobre a Natureza do Direito

A Escola de Salamanca e o Direito Natural

O Século XIX

O Século XX

O início do século XXI

Tecnoimperialismo e Periferia

Estimativa em Termos Monetários

Porque os Economistas já não crêem nas Patentes, nos Direitos Autorais e no Copyright

As Patentes Farmacêuticas
Farmacêuticas

A Prática Social da Inovação e a criação na Sociedade Digital

Devolucionistas

Complementares ou opostos?

Conclusões

* Tradução livre por Luiz de Campos Jr. do original em espanhol “De


De las primeras patentes al movimiento
auge
por la Devolución: aug intelectual”.
e y caída del concepto de propiedad intelectual
A Imprensa
A expansão da imprensa de tipos móveis na Europa renascentista, e com ela novas idéias de
erasmistas e reformadores cristãos, alarmou de imediato a Igreja, os príncipes e repúblicas do
continente europeu. Estes utilizaram então a tradição jurídica que protegia as agremiações
urbanas feudais para controlar eficazmente as publicações.
O primeiro marco legal monopolista é, portanto, ainda um marco feudal cujos objetivos são o
controle político da incipiente agenda pública, de modo que o autor não aparece como sujeitos
de direitos, mas sim o impressor.
Esse controle estatal (parcialmente delegada à Igreja e a sua Inquisição no mundo católico)
facilitará, no entanto, o surgimento das primeiras patentes.

As Patentes
A partir do século XV as monarquias e repúblicas européias utilizarão o sistema de patentes de
monopólio como uma forma de remuneração de seus colaboradores. A implementação deste
sistema a certas obras literárias vai estar na origem do sistema de propriedade intelectual.
É curioso constatar que no âmbito deste sistema, a diferença entre um corsário e um pirata
não estava em suas atividades, que foram as mesmas, mas sim que o primeiro só as exercia
sob a proteção de uma patente real (patente de corso) que lhe permiti assaltar e saquear
navios de outras bandeiras com o seu próprio navio, geralmente ao custo de repartir o botim
com os cofres reais.
A primeira associação entre invenção e patente surgiu em 1621, durante o reinado de James I
Stuart da Inglaterra, quando o Parlamento é obrigado a retirar a maior parte das numerosas
patentes de monopólio concedidas e manter apenas as de corso, além daquelas relativas a
invenções e novos produtos.

As Patentes sobre os Livros


A primeira patente de que se tem conhecimento é uma patente de monopólio da República de
Veneza em 1491, a favor de Pietro di Ravena, que garantia que só ele próprio ou os
impressores que ele determinasse, teriam direito legal dentro da República para imprimir sua
obra Fênix.
A primeira patente deste tipo na Alemanha surge em 1501 e na Inglaterra em 1518, sempre
para obras específicas e sempre como uma graça real de monopólio.
Esta prática, a concessão de monopólios reais sob a forma de patente, será expandida pelas
monarquias européias em vários âmbitos, como uma forma de remuneração dos seus
colaboradores.
O século XVII conhecerá várias tentativas de regulamentação para assegurar aos autores
literários uma parte dos ganhos obtidos pelos impressores. Esse é o significado, por exemplo,
das disposições de 1627 de Philip IV da Espanha. É importante notar que aquilo que motiva
essa regulação é precisamente a ausência de monopólio do autor em relação à obra. Como
qualquer impressor podia reeditar qualquer obra, o legislador busca manter os incentivos do
autor obrigando ao impressor a compartilhar uma parte dos lucros obtidos.
Mas o primeiro regime jurídico de propriedade intelectual, configurado como tal, surge na
Inglaterra, no seu período Barroco.
É chamado o Estatuto de Anne de 1710. A importância desta norma vem de ser a primeira vez
que aparecem as características do sistema de propriedade intelectual tal como o conhecemos
hoje:
● É apresentado como um sistema de incentivos aos autores, motivado pelas externalidades
positivas geradas pelo seu trabalho. Na verdade, o seu título completo era: An Act for the
Encouragement of Learning, by vesting the Copies of Printed Books in the Authors or
purchasers of such Copies, during the Times therein mentioned (Uma Lei de Incentivo da
Aprendizagem, pela aquisição das Cópias de Livros Impressos nos Autores ou compradores
dessas Cópias, durante o Tempo nela mencionado).
● Estabelece um monopólio temporário universal: 21 anos para o autor de qualquer livro,
exercitáveis nos 14 anos após a sua redação.
O conflito obviamente, vem com os impressores, que irão argumentar que, uma vez
encomendadas e recebidas as obras, os beneficiários do monopólio deveriam ser eles próprios
e não o autor original. Nascem assim as bases do que mais tarde será a diferença entre o
copyright e os direitos autorais.
Enquanto o primeiro converte a obra em uma mercadoria, mas mantendo plenamente
transferíveis os privilégios concedidos pelo monopólio legal, o segundo reservará direitos aos
autores, mesmo depois da venda.

O Iluminismo Francês e o Debate sobre a Natureza do Direito


Com diferentes matizes, bem como o sistema foi progressivamente alargada para a Europa.
Dinamarca e Suécia têm a sua primeira legislação em 1741 e a Espanha em 1762, pela
misericórdia do rei Carlos III.
Mas o debate sobre a natureza dessas patentes permanece em aberto. Embora o copyright
tendesse a homologar o privilégio como uma forma a mais de propriedade, o direito de autor
requeria uma fundamentação que afinal o equiparasse a um direito natural, não nascido de
uma concessão real, mas sim diretamente reclamável de forma evidente... que, dado seu
recente surgimento, não era um exercício teórico fácil, como pode ser visto, por exemplo, na
Lettre sur le commerce des libres (Carta sobre o comércio dos livros), de Diderot.
Em grandes termos históricos, o Iluminismo irá preparar o grande ponto de ruptura da
Revolução Francesa e, nesse contexto, podemos compreender a transformação da propriedade
intelectual de uma dádiva real em direito natural como parte do tributo que o nascente mundo
novo presta à intelectualidade pelo o seu apoio e liderança, tanto na epopéia revolucionária,
como na sua subseqüente consolidação nos Estados liberais.

A Escola de Salamanca e o Direito Natural


Logo vieram as primeiras críticas, justamente dos opositores ao novo mundo liberal e,
justamente por isso, com base na já decadente escolástica medieval.
Baseada no conceito de "suidade” de São Tomás de Aquino, a Escola de Salamanca limitará -
aos meados do século XVIII - a proteção ao que foram chamados direitos morais. Atacou
frontalmente a equiparação do privilégio real como uma forma de propriedade, dado que sobre
as idéias, conhecimentos e conceitos não se pode reivindicar a propriedade,
independentemente do estado, nem a transferência ocorrer como um jogo de soma zero, como
acontece com a propriedade das coisas.
Além disso, não sendo a propriedade um direito natural, dificilmente se poderia argumentar a
sua universalidade.

O século XIX
No entanto, a devastadora propagação do capitalismo e da necessidade de manter incentivos
para o acelerado desenvolvimento tecnológico após as guerras napoleônicas, consolidou a
lógica da propriedade intelectual e ampliaram as legislações protecionistas.
De fato a propriedade intelectual foi historicamente sujeita, na prática, às necessidades sociais
de inovação. Quando Eli Whitney inventou a descaroçadora de algodão, em 1794, não ocorreu
a ninguém, muito menos a ele mesmo, levantar qualquer demanda, embora tenha patenteado
a invenção. A descaroçadora era um invento simples e brilhante, que permitiu reduzir
dramaticamente o preço do algodão e transformou os EUA, na década de 1830, no principal
fornecedor das nascentes manufaturas têxteis britânicas. O algodão, que até então tinha preço
equivalente ao linho, portanto limitado às classes altas, passou a ser um bem de consumo de
massas, com preço acessível. A utilização de vestuários de origem vegetal é considerada por
alguns, uma causa da melhoria da saúde pública no início do século XIX e do aumento da
esperança de vida. Os EUA passaram, graças à indústria do algodão, de países em
desenvolvimento para países desenvolvidos. No Reino Unido, as cenas manchesterianas, que
ainda nos fazem mal, começaram a ser cada vez menos comuns na década de 30 desse
século.
Outro aspecto notável é a internacionalização dos pagamentos espontâneos aos autores por
parte dos editores. Aparentemente, durante o século XIX, autores americanos receberam mais
pagamentos de editores britânicos do que de americanos, apesar de os privilégios serem
estatais e não podiam ser reivindicados legalmente em outros países. Parece que, como volta
a acontecer hoje em dia, a maior parte da renda de um trabalho se produzia na primeira
edição, o que levou a incentivar os editores britânicos o suficiente para pagarem para acessar
os conteúdos antes do que seus concorrentes, sem a necessidade de que estes exercem as
suas prerrogativas legais.
Apesar disso, a Convention de Berne pour la protection des oeuvres littéraires et artistiques
(Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas), em 1886, convocada
por iniciativa de Victor Hugo autor dos primeiros bestsellers internacionais, marca um
momento decisivo na globalização do direito de autoria, exigindo reciprocidade no
reconhecimento de direitos de autores por parte dos países signatários. Embora formado
inicialmente por um grupo de uma meia dúzia de países - e só europeus, pois os EUA não irão
aderir até 1889 – estabelecem-se as bases para o que será o tecnoimperialismo, apenas dois
anos depois de a Conferência de Berlim dividir as futuras áreas de influência na África entre as
potências européias.

O século XX
O século XX é o século do copyright, os direitos autorais e as patentes. Após a Convenção de
Berna é fundado o BIRPI (Bureaux Internationaux Réunis pour la Protection de la Propriété
Intellectuelle), hoje OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual). Aparecem as
primeiras sociedades de direitos, como a SAE (hoje SGAE) em 1898 e as empresas
farmacêuticas e de tecnologia consolidam os seus modelos de negócio com base no sistema de
patentes.
A segunda metade do século, com o surto da indústria da música popular e a universalização
do mercado audiovisual concentrado nos EUA (devido às imposições dos EUA aos derrotados
na Segunda Guerra Mundial), levou à formação de um grande mercado cultural global,
dependente da aprovação internacional da propriedade intelectual.

O início do
do século XXI
A virada do século conhecerá o auge da propriedade intelectual. O século XX termina com o
Millenium Act de Clinton, um acordo internacional que fortalece cada legislação nacional,
ampliando o monopólio estatal sobre as suas criações e as suas utilizações.
Exatamente no momento em que o desenvolvimento das redes e as tecnologias começam a
facilitar a livre reprodução e ampliação do conhecimento para além das restrições legais.
Começa em paralelo a percepção de que se, até então, a propriedade intelectual foi ligada ao
Estado e tende a fortalecê-lo (criando, como os monarcas absolutistas, uma classe intelectual
nacional), agora é o momento em que a globalização do que era um sistema local pode colocar
em risco o próprio conceito de soberania.
Com efeito, a soberania das empresas, indivíduos e Estados residem, cada vez mais, em coisas
intangíveis: o imaginário coletivo, os softwares que fazem os computadores operarem, o
idioma no qual se produzem os debates e que conduzem à cultura...
Todas estas formas não são neutras e têm um crescente papel econômico em um mundo em
que desde 1945 o peso em kg do PIB mundial vem diminuindo, enquanto a seu valor
monetário corrigido tem aumentado praticamente sem parar.
Surge o conceito de tecnoimperialismo como peça chave de uma distribuição internacional das
rendas e da produção, capaz de converter em soberanias derivadas todas aquelas que
incorporam tecnologias proprietárias em seus processos de desenvolvimento.

Tecnoimperialismo e periferia
O desenvolvimento econômico é um processo pelo qual comunidades ou países melhoram de
forma sua sustentável a sua produtividade. Os salários reais - e com eles a qualidade de vida –
crescem, ao final das contas, paralelamente à produtividade. Em geral a produtividade é a
medida média do valor que um trabalhador normal pode criar em uma hora do seu trabalho
em uma dada economia.
Como melhorar a produtividade dos países?
Basicamente de duas maneiras:
• importando tecnologia e, portanto, direta ou indiretamente, pagando licenças e patentes
• melhorando a formação e o sistema educacional e facilitando o acesso à cultura e à saúde
pelos seus cidadãos, o que envolve o pagamento de copyright e direitos autorais para os
grandes produtores multimídia e farmacêuticas.
O problema do desenvolvimento e os debates entre as diferentes escolas estão centrados
basicamente nas formas de conseguir um financiamento sustentado para este processo: como
acumular de forma sustentável o capital necessário para comprar tecnologia? Como melhorar o
nível cultural e educacional de pessoas?. Assim, apesar de assinar os pacotes de livre de
comércio e de restrições à livre utilização do conhecimento, os países em desenvolvimento dão
uma proteção muito menor às patentes e direitos autorais, impondo, de fato, uma devolução.
O tecnoimperialismo não consiste apenas na ideologia que conduz ao progressivo
endurecimento da legislação sobre o direito de propriedade intelectual, mas condiciona o apoio
ao desenvolvimento e ao livre comércio à aceitação desses monopólios pelos países em
desenvolvimento, cada vez mais obrigados a aceitar bloqueios e multas se não os fazerem
cumprir no interior de seus países.
A não-inocência destas medidas reflete-se nas pressões que sofrem estes países para não
incentivarem soluções de software livre, ou que sofrem pesquisadores médicos como o Dr.
Patarroyo, criador da primeira vacina eficaz contra a malária, para impedir as suas criações
não sejam devolvidas ao domínio público.

Estimativa em termos monetários


À direita, podemos observar a evolução do impacto
das receitas geradas por direitos de propriedade
intelectual na balança comercial dos EUA.
É difícil estimar o fluxo global de operações e do
capital gerado pelo tecnoimperialismo.
Observando os dados da economia norte
americana, no entanto, é evidente a partir dos
dados que temos uma mudança estrutural: se a
renda devida a exportação da propriedade
intelectual cresceram 487% nos EUA no período
estudado pelas últimas estatísticas publicadas
pela NSF (19872003)1, o PIB cresceu "apenas"
232,18% (menos da metade).
Em termos absolutos, não é uma quantia
insignificante, basta comparar aos 48.277
milhões de dólares da série em 2003 com o PIB
Boliviano naquele ano: 7.855 milhões de dólares.

1
http://www.nsf.gov/statistics/seind06/c6/c6s3.htm#c6s3l1
O gráfico também mostra muito claramente os protagonistas dessa tendência: 74,4% destas
entradas foram produzidas pelas filiais de grandes multinacionais norte americanas (Microsoft,
farmacêuticas, etc).

Por que economistas já não acreditam em patentes, direitos autorais e copyright?


Paralelamente à crítica social e política, existe uma crítica de fundo muito mais forte: a dos
economistas. Para os economistas, que é chamado metaforicamente de propriedade intelectual
nunca deixou de ser um monopólio legal sobre a invenção ou a criação artística e intelectual
em favor do autor.
Esse monopólio tem sido justificado tradicionalmente justificado por duas premissas que foram
no "disco rígido" de qualquer economista:
1. A atividade criativa ou inventiva requer um investimento inicial que leva à existência de
rendimentos crescentes na medida em que inviabilizam a concorrência.
2. Em segundo lugar, o correspondente monopólio natural não é viável se o produto é
reproduzível a baixo custo.
Consequentemente, segundo a argumentação convencional, se queremos que exista a
atividade criativa é necessário viabilizar o monopólio, aumentando artificialmente o custo da
reprodução do produto que incorpora a invenção.
Até uns 6 anos atrás, praticamente todos os economistas tinham esse argumento convencional
gravado em seu “disco rígido”... mas já havia experiências que indicavam que a realidade,
graças ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação distribuída, estava mudando.
A música foi talvez o exemplo mais popular, mas a indústria que mais chamava a atenção dos
economistas era outra. Uma indústria que se adaptou antes de qualquer outro na Internet e
onde a propriedade intelectual era difícil de reclamar, mas que sem dúvida era das mais
inovadoras em relação ao novo ambiente: o pornô.
A mudança de paradigma começou em Maio de 2002, quando professores da UCLA Michele
Boldrin e David Levine publicaram na American Economic Review o primeiro de uma série de
artigos e textos demonstravam a desnecessidade da existência da propriedade intelectual para
a existência de incentivos à inovação no contexto atual.
Os resultados deixaram claro que, se a invenção ou idéia criativa está incorporada num
produto (o que é sempre o caso), se a reprodução ou imitação ou cópia exige certa formação
intelectual ou técnica que faz com que a imitação nunca se dê sem custos (o que acontece em
geral) e se há limites para a capacidade de se reproduzir (o que é bastante evidente na
maioria dos casos), o valor descontado das quasi-rendas2 que recebe o criador inicial na
ausência de copyright ou patentes, é positivo e cresce à medida que se reduzem os custos de
reprodução do produto no qual a idéia está incorporada.
Ou seja, a disponibilidade de tecnologias como o computador ou a internet, que barateiam o
custo da reprodução e transmissão da informação, fará crescer - não diminuir - os benefícios
que podem obter os autores na ausência da proteção conferida pelo copyright.
Em conseqüência e de forma geral, o autor não precisa do monopólio para ter incentivo e não
é necessário lançar mão do copyright para encarecer artificialmente o custo da reprodução ou
da cópia.
Em pouco tempo, o modelo de Boldrin e Levinese foi incorporado ao corpo da teoria econômica
e hoje já é tão convencional quanto foi um dia a argumentação pró-copyright.
Mas, evidentemente, outra coisa são as idéias socialmente aceitas. Alguns setores industriais
têm conseguido reforçar na opinião pública a falsa necessidade dos monopólios.

2
http://www.eumed.net/cursecon/dic/C.htm#cuasi renta - é chamado de quase-renda o valor das receitas que
recebe um factor adicional de produção quando a oferta da mesma não pode ser aumentada por um período
determinado. (...) Esta quase-renda ocorre quando há equipamentos especiais produção, resultantes de inovações
tecnológicas ainda não difundidas (...) ou habilidades não possuídos por outros pessoas, que não pode ser
desenvolvidas facilmente a curto prazo. N.T.
Patentes farmacêuticas
Paradoxalmente, a indústria farmacêutica - a de maiores custos sociais - talvez seja a que
mais sucesso tem alcançado. Embora os próprios Michele Boldrin e David K. Levine - em seu já
famoso livro que dá continuidade ao artigo de 2002 - não tenham feito nenhuma exceção, mas
recolhendo todas as referências da análise econômica dos últimos anos, apresentam as
farmacêuticas como exemplo de uma indústria onde a patente resultou não incentivadora da
inovação.
Na verdade, até aonde apontam as análises econômicas, é referir que o efeito das patentes
farmacêuticas levou ao que tem sido a geração de uma dispendiosa e improdutiva indústria
altamente concentrada: as patentes não têm financiado a inovação e o desenvolvimento, mas
sim o marketing e a concentração monopolista.
Como eles escrevem Xabier Barrutia Etxebarría e Patxi Zábalo Arena, professores do
Departamento de Economia Aplicada da Universidade do País Basco, em um artigo republicado
pelo CIDOB:
Gastos em marketing é um alto custo fixo que, como a investigação, dificulta a entrada de
novas empresas no setor e facilita o monopólio. Assim, o marketing é muitas vezes um espaço
de colaboração e de alianças estratégicas entre empresas farmacêuticas. De fato, os custos de
marketing são cada vez maiores. Em 2000, as empresas farmacêuticas inovadoras dos Estados
Unidos empregaram 81% a mais de pessoal em marketing do que em investigação e
desenvolvimento (I&D). E esta é uma proporção crescente, visto que em 1995 o pessoal
dedicado ao marketing era apenas uns 12% maior que o empregado em I&D, que inclusive
tem decrescido ligeiramente desde então (Sager e Socolar, 2001).
Imaginar um mundo sem patentes farmacêuticas não consiste em buscar incentivos
alternativos, mas sim imaginar como os incentivos de mercado vão por em marcha novamente
a competência de inovar, desenvolver novos medicamentos e ter linhas mais eficazes de
pesquisa e mais baratas de produção, acabando com a concorrência atual, centrada custoso
controle dos canais de prescrição e no assalto mediante lobbies de instituições reguladoras
(principalmente a EMEA européia e a FDA norte americana, certamente financiada em mais de
75% pelas grandes empresas do setor).
O monopólio das patentes tem gerado um mercado cada vez mais monopolista: de acordo com
a própria indústria, os cinco maiores laboratórios representam 25% da produção mundial.
Não nos enganemos, as grandes farmacêuticas colaboram mais do que competem naquilo que
as patentes lhes permitem: o bloqueio de potenciais novos concorrentes.
O impacto da devolução no setor reduziria o tempo de exploração exclusiva de medicamentos
para menos de três anos. Conforme progride a tecnologia das sínteses é provável que chegue
a cerca de dois anos, que é o atual recorde de plágio, denunciado, mas nunca comprovada, no
caso do Warfarin, a versão genérica de um anticoagulante chamado Coumadin, originalmente
patenteado pela DuPont Pharmaceuticals Inc.
O interessante no caso Coumadin é que ele continua a gerar receitas de aproximadamente US
$ 500 milhões anuais a DuPont. Segundo o Wall Street Journal as despesas mensais por
paciente é de US$ 35,50, frente os US$ 28,60 dos genéricos. No entanto, apesar da diferença
de preço, o Coumadin continua a deter quase 80% do mercado.
Algo parecido diz-nos a experiência de Zovirax, a famosa pomada contra o herpes labial, que
apesar de existir um genérico (Aciclovir) - até seis vezes mais barato – mantém, dez anos
depois, uma quota de aproximadamente 66,5% do mercado.
Isto porque nos países ricos, os maiores consumidores mundiais de medicamentos, os preços
em relação às rendas médias são suficientemente baixos para que os consumidores
mantenham estratégias conservadoras e fidelidade às marcas. Os principais beneficiários dos
genéricos são os países periféricos, os sistemas nacionais de saúde e através destes as
pessoas com rendas mais baixas.
Mas, por isso mesmo, na indústria farmacêutica, o que chega primeiro, o inovador, tem
incentivos suficientes para além das patentes para justificar e rentabilizar a I&D. O Coumadin
continua a ser hoje o produto estrela da DuPont, fundamental nas contas da multinacional,
apesar de ser um dos poucos casos em que o surgimento, quase simultâneo, de um
equivalente genérico cria uma situação similar a que se daria num contexto de ausência de
patentes.
Um mercado farmacêutico sem patentes teria toda a probabilidade de um maior investimento
em I&D, pois só a inovação garantiria receitas temporárias extraordinárias semelhantes às
geradas pelo monopólio. Mas também teria uma rápida difusão de inovações, na forma de
genéricos, nos países menos desenvolvidos.
Em alguns segmentos, como dos medicamentos relacionados às epidemias, sem dúvida,
conduziriam às farmacêuticas a aceitar maiores riscos, mantendo estoques disponíveis
maiores, pois ante a ameaça de uma pandemia os laboratórios de genéricos poderiam ocupar
partes do mercado.
A preocupação que se viveu na Europa, quando há dois anos a ameaça de uma epidemia de
gripe aviária levou a uma enorme procura pelo Taminflu, é amplamente conhecida nos países
periféricos, com um alto preço em vidas humanas, algo que poderíamos chamar de o preço
social das patentes.
Pretender resolver estas situações, através da aquisição da patente, somente quando elas
afetam os países ricos é imoral (especialmente depois da experiência com a malária em boa
parte do Terceiro Mundo, ou a AIDS no sul da África). Pretendê-lo através da expropriação é
contraproducente, porque existindo as patentes, os investimentos serão reorientados para um
outro tipo de doença e retardará a pesquisa de fármacos ligados às novas epidemias.

Creative Commons vs Devolucionismo


A prática social da vida rede seria poria em questão, necessariamente, o sistema de
propriedade intelectual. Inevitavelmente surgiram respostas e alternativas: Creative Commons
(CC) no mundo anglo-saxão e o Movimento pela Devolução no mundo latino.
Ainda que não tenham, obviamente, o mesmo alcance: ninguém imagina que a eventual
utilização de licenças CC possa mudar alguma coisa na indústria farmacêutica, por exemplo.
O uso de licenças CC é um ato de boa vontade e uma empresa que tem de pagar lucros aos
seus acionistas, não abrirá mão, espontaneamente, do privilégio do monopólio. Além disso, os
medicamentos têm um relevante custo de produção, uma licença "não comercial" impediria
efetivamente a sua distribuição tanto quanto uma patente tradicional. E, por isso mesmo,
muitas pessoas acham que a Creative Commons, ainda que não sirva para resolver os
problemas gerados por patentes, pode ser usada nas indústrias culturais.
Mas não é verdade. E não é porque a Internet, ao contrário do que pensam, por exemplo, as
gravadoras ou as editoras, não é apenas uma forma de distribuição e reprodução de conteúdos
a baixo custo. A Internet não está transformando somente a geração de incentivos. Também
está transformando os ambientes onde se gera a inovação.
Todos os analistas e teóricos, desde John Urrutia até hoje, passando por Tim O'Reilly,
concordam que a novidade fundamental trazida por esta etapa na evolução dos serviços de
Internet é a confusão de papéis entre consumidores, produtores e intermediários.
Três anos atrás, enormes repositórios como Flickr ou YouTube chamaram a atenção mediática
e foram incorporadas em nossa vida cotidiana. Estes repositórios são os resultados da
colocação à disposição de materiais por uma grande massa de usuários diferentes, que geram
um poderoso efeito na rede que ameaça o atrativo de fazer valer os direitos legais
monopolistas: o valor daquilo que disponibilizo na rede será sempre menor do que o que me é
oferecido por pertencer à rede. Além disso, dada a lógica das comunidades distribuídas,
quanto mais uso se faça daquilo que eu compartilho e ofereço, maior será o valor que a
sociedade atribuirá às minhas criações futuras.
Mas a chamada Web 2.0 é apenas um primeiro aspecto das modalidades de criação e inovação
que estão “coalhando”. A essência desse novo modelo social e comunitário é promover a
criação individual a partir de um repositório coletivo, que tem sido chamado de bricolagem
digital.
Se o YouTube começou apenas como um grande repositório audiovisual, Jumpcut, que deu um
passo além e definiu o caminho para este tipo de serviço, não só permite descarregar vídeos
de outros, mas remontá-los, misturar com o conteúdo de qualquer usuário e colocar de volta o
resultado, como um “objet trouvé”, à disposição de quem queira continuar com a grande
“digestão social”.
A chamada Web 2.1 encena dramaticamente o que é uma referência comum no mundo da arte
e da ciência: não há tanta criação quanto pós-produção.
Contribuições e propostas individuais que geram camadas de sentido a partir de um grande
armazém social pré-existente. Uma bricolagem individual sobre o acervo social. Proposta
contínua. O mito do autor como criador, transposição moderna da figura divina, portador da
graça, se revela definitivamente como um rei nu.
Mas o que isto tem a ver com o Creative Commons?
O sistema de licenças Creative Commons propõe a propriedade intelectual como um contínuo
entre a totalidade dos direitos autorais e de domínio público, onde os autores podem escolher
diferentes níveis de proteção em resposta a questões como se permitem o uso comercial por
terceiros ou a criação de obras derivadas ou se incorporam ou não uma cláusula viral exigindo
que as obras derivadas tenham uma licença idêntica.
Como coloca a organização no seu site oficial, seu objetivo é incentivar os autores a se
situarem em algum lugar intermediário, indicando alguns direitos reservados:
Too often the debate over creative control tends to the extremes. At one pole is a vision of
total control — a world in which every last use of a work is regulated and in which “all rights
reserved” (and then some) is the norm. At the other end is a vision of anarchy — a world in
which creators enjoy a wide range of freedom but are left vulnerable to exploitation.
(…) We work to offer creators a bestofbothworlds way to protect their works while encouraging
certain uses of them — to declare some rights reserved. (…) Thus, a single goal unites Creative
Commons’ current and future projects: to build a layer of reasonable, flexible copyright in the
face of increasingly restrictive default rules.3
Segundo declarações do próprio Lessig, mais de 90% das licenças Creative Commons em
operação no conteúdo online implicam um maior grau de monopólio que a proteção do domínio
público e mais de metade impedem a geração de obras derivados.
Quanto a Creative Commons se coloca, portanto, a mesma questão que o Movimento pela
Devolução: O que fazer com o regime de propriedade intelectual?
Mas a CC responde que não é necessária uma reforma jurídica, que a situação pode ser
resolvida em termos de escolhas individuais e não em termos políticos... o que é uma
mensagem política em si, pois, se não é necessário uma reforma, o sistema de propriedade
intelectual se legitima e reforça com o uso da Creative Commons, ao invés de questionar-se.
Os privilégios estatais se enfrentam advogando a sua revogação... e sim, há demasiados
poderes em jogo para a sua limitação temporal. Nisto consiste o movimento pela Devolução.
No movimento pela Devolução cabe uma colocação reformista: quais as obras artísticas têm
hoje um tratamento semelhante ao de uma propriedade física, 70 anos após a morte de seu
autor? Os reduzamos a 10, a começar pela sua data de registro público, e incentivaremos uma
indústria mais ágil e mais corajosa. Quais as patentes farmacêuticas que podem vigorar
durante 20 anos? As reduzamos a 4...
Além disso, do ponto de vista da pós-produção generalizada, que como temos visto é o
verdadeiramente revolucionário da mudança que traz a Internet, são preferíveis patentes e
direitos intensos, mas breves e claramente delimitados no tempo a sistemas de "direitos"
eternos, que controlem ainda a margem de aplicação.

3
Muitas vezes, o debate sobre o controle criativo tende a extremos. Em um pólo está a visão de controle total - um
mundo no qual cada último uso de um trabalho é regulamentado e em que " all rights reserved " é a norma. No outro
extremo está uma visão de anarquia - um mundo no qual os criadores desfrutam de uma grande margem de
liberdade, mas ficam vulneráveis à exploração.
(...) Nós trabalhamos para oferecer aos criadores uma forma de proteger seus trabalhos com o “melhor-de-ambos-os-
mundos”, fomentando, ao mesmo tempo, determinadas utilizações destes - declarar alguns direitos reservados. (...)
Assim, um objetivo une os projetos atuais e futuros da Creative Commons: construir uma camada de razoábilidade,
copyrights flexíves contrapondo ao crescimento das regras padrão restritivas.
E essa é precisamente a lógica que opõe o devolucionismo a CC: o grande menu de opções CC
não só confunde sobre a natureza dos problemas derivados da propriedade intelectual, mas
gera por si só um custo impressionante de custos gestão e utilização de qualquer repositório
que o adote, ao obrigar a olhar o rótulo antes de reciclar ou usar qualquer criação anterior.

Complementares ou opostos?
Globalmente, a abordagem política da Creative Commons é realmente o oposto do Movimento
pela Devolução:
• Para a CC os problemas e os custos sociais do monopólio que legalmente suporta a
propriedade intelectual podem ser corrigidos pelos próprios autores, através de um sistema
flexível licenças. O sistema não é questionado, apenas os seus extremos. A propriedade
intelectual é uma opção individual.
• Para os devolucionistas, a propriedade intelectual é um monopólio legal contraproducente e
socialmente oneroso, um problema político para o qual somente a reforma jurídica e a redução
progressiva dos prazos de exploração oferecem um horizonte de solução razoável.
• Para a CC à restrição sobre obras derivadas e o uso comercial são opções equilibradas
recomendadas aos autores como proteção.
• Os devolucionistas licenciam suas obras sob o Domínio Público e criticam o complexo sistema
de licenciamento de Lessig por significar um custo adicional para a gestão e uso de qualquer
repositório colaborativo, no qual, sob licenças CC você tem que olhar o rótulo de cada pequena
peça antes de utilizá-la.

Conclusões
Só a Devolução nos permite um horizonte em que o par diversidade-inovação não é alternativo
ao par coesão-expansão do conhecimento. Só a Devolução regenera um real bem comum: o
antigo e estupendo "domínio público" da tradição jurídica continental, o grande contentor a
partir do qual, durante séculos, comunidades têm retirado as partes com as quais participam
da inovação nas artes, nas ciências e nas mudanças tecnológicas.
Sua recuperação, renovação e atualização através de uma progressiva restrição temporal das
patentes e direitos de exclusividade concedidos pelo Estado às criações, é o caminho a seguir.

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